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gramaticalização
Sebastião Carlos Leite GONÇALVES1
1
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – UNESP – São José do Rio Preto
R. Cristóvão Colombo, 2265 – 15054-000 – São José do Rio Preto – SP – Brasil
scarlos@ibilce.unesp.br
Introdução
Sob a crença funcionalista de que o uso da língua motiva, restringe, explica ou
mesmo determina a estrutura gramatical, Thompson (2002) e Bybee (2002) defendem
que a subordinação deve ser tratada não como uma noção estritamente sintática, mas
como uma noção mais pragmática, e é justamente a riqueza pragmática de orações
matrizes que faz delas um domínio propício para o desencadeamento de processos de
gramaticalização, quando comparadas às orações encaixadas, que constituem um
domínio mais resistente à mudança (v. BYBEE, 2002, p. 18).
Assumindo essa crença, tratarei neste artigo da gramaticalização de orações
matrizes com os predicados de atitude proposicional parecer, achar e crer, centrando
minha discussão nos efeitos da freqüência de uso de tais construções. Para tanto, minha
exposição se divide em duas partes principais: na primeira, apresento brevemente
evidências empíricas favoráveis ao tratamento de construções com predicados de
atitudes proposicionais como de casos de gramaticalização; na segunda parte, mostro
diacronicamente, os efeitos da freqüência na mudança de uso dessas construções.
Reservo a última parte às considerações finais.
comparativo)
(types)
TOTAL(tokens) 27 26 23 42 40 85 21 26 290
100 100
90 90
80 80
70 70
60 60
em %
em %
50
50
40
40
30
30
20
20
10
10
0
0
XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX
XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX
1P 2P 3P+SN-pleno Ausência
1P 2P 3P+SN-pleno Indeterminada
Fig. 1. Expressão de forma dativa de
'parecer' (século XIII a XX) Fig. 2: Expressão de pessoa do SN-sujeito
de 'achar' (século XIII a XX)
100 100
90 90
80 80
70 70
60 60
em %
em %
50 50
40
40
30
30
20
20
10
0 10
50
40 para as construções com parecer e crer, mas
30 não para as com achar, que ainda permite
20 uma distribuição entre as formas de pretérito
10
0
(linha com triângulo) e de presente.
XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX O século XVII marca o declínio
Presente
Futuro
Pretéritos
Formas nominais
do tempo pretérito nas construções com
achar e parecer, a exemplo do que
Fig. 6: Expressão de tempo
morfológico de 'crer' (séc. XIII a XX) também ocorreu com a expressão de 3P
no mesmo período.
Assim, no processo de subjetivização das construções com achar e crer, a expressão de 1P
acompanha a expressão do tempo presente. Reafirma essa tendência o cotejo entre as figuras 3
e 6, cujas trajetórias apresentam um traçado muito semelhante para a 1P e para o presente.
Considerações finais
Na gramaticalização de construções com predicados de atitudes proposicionais,
apresentei evidências empíricas favoráveis à existência de uma integração fraca entre as
respectivas orações matrizes e encaixadas, fato que propicia o desencadeamento de um
processo de gramaticalização. Sob tal interpretação, advogo que, ao mesmo tempo em
que as construções com predicados atitudinais se recategorizam como satélites
atitudinais (gramaticalização, portanto), elas também se dessentencializam,
incorporando-se como constituinte não-argumental de uma oração independente,
anteriormente com estatuto categorial de oração encaixada.
Na medida em que aumenta a freqüência de uso desses predicados,
independentemente de seus valores semântico-pragmáticos, tokens, portanto, cresce a
sua multifuncionalidade, type, portanto. Nesse percurso de mudança, processos de
subjetivização se implementam pelo recrutamento de formas que, em contextos
específicos, fornecem traços semântico e gramatical para a codificação das perspectivas
e das atitudes do falante. O espaço egodêitico do evento comunicativo parece assim
explicar a crescente freqüência do emprego da 1P e do tempo presente. Diante desses
resultados, é possível sugerir, então, que a qualificação de um conteúdo proposicional
por parte do usuário (1P), envolvendo suas crenças e julgamentos, é sempre
concomitante ao momento presente do ato comunicativo.
Como entendimento mais geral para o modo funcionalista de conceber a
linguagem, resultados convergentes para construções com predicados matrizes de
comportamentos sintáticos diferentes legitimam a premissa da prevalência da
pragmática sobre a semântica e da semântica sobre a sintaxe.
NOTAS
1
No parêntese, após cada ocorrência, indico o período de reconhecimento desses predicados, seguido da
fonte diacrônica de onde a ocorrência foi extraída (TARALLO, 1991). Em alguns momentos, valho-me
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