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Grupo de Trabalho 3:
Acesso à Justiça e
Direitos Humanos
Estácio-UniRadial
DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES E O ACESSO À JUSTIÇA: ESTUDO
SOBRE A LEI MARIA DA PENHA
1. INTRODUÇÃO
Com a sanção da Lei Maria da Penha muitas questões tem sido suscitadas.
preventivo da Lei tem sido ventiladas. A própria constitucionalidade da Lei tem sido
de mestrado1, enfoca a referida Lei sob a ótica de gênero e dos direitos humanos,
demonstrando que a violência contra a mulher deve ser entendida como uma violação
de classe, raça e etnia. Sobre as relações de poder baseadas no sexo, Joan Scott
1
MARQUES, Luísa Helena de Oliveira. A Lei Maria da Penha como instrumento de efetivação dos direitos
humanos das mulheres. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP), 2009.
ressalta: “Gênero é o campo primeiro no seio do qual e por meio do qual o poder é
articulado. O gênero não é o único campo, mas ele parece ter constituído um meio
1994, p. 16).
no sexo. Esta palavra indica uma rejeição ao determinismo biológico, implícito nos
que o ser mulher e o ser homem são construções sociais, políticas e ideológicas.
maior ruptura dos modelos até então vigentes, mudando a forma de se perceber o
Esta nova ótica pode ser percebida na afirmação histórica dos direitos
igualdade e dignidade”.2
2
RAMOS, 2005, p.19.
Foi apenas no século XX que se reconheceu juridicamente a igualdade de
gênero. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) trouxe a idéia de
que todos são titulares dos mesmos direitos humanos, devido a sua a dignidade
humana igual.3 Assim, ninguém pode ter seus direitos humanos negados por ser
diferente de outros, seja por sexo, raça ou etnia, trabalho ou descendência, casta,
esforços para promover a proteção universal dos direitos humanos. Essa luta também
não pode esquecer que as diferenças entre as pessoas são valores que devem ser
humanos.
quem a igualdade era garantida passou a ser considerado como um ser humano
Assim, fatores como raça, gênero, idade, etnia, e outros motivos foram sendo
percebidos como fundamentais para a garantia proteção dos direitos humanos dos
humanos.
mulheres como sujeito de direito internacional autônomo teve início com a “Convenção
aprovada pela ONU em 1979 e adotada pelo Brasil apenas em 1984, sendo a
3
De acordo com seu artigo 1.
convenção internacional que mais recebeu reservas dos países que a ratificaram. Ela
vinculante.4
afirmativas.
Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), adotada pela OEA de 1994, insere-
de Direitos Humanos, que é um órgão judicial, tendo suas decisões força jurídica
obrigatória e vinculante.
4
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW/ONU) define em
seu artigo 1º a discriminação contra a mulher como “toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha
por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu
estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos
campos político, econômico, social, cultural e civil ou e qualquer outro campo.”
5
PIOVESAN, 2006, p. 188.
As convenções também abarcaram tanto direitos civis e políticos quanto
movimento de mulheres reivindicou que “os direitos da mulher também são direitos
humanos”, que foram reconhecidos pela primeira vez no foro internacional. Ficou
consignado então na Declaração e Programa de Ação de Viena, em seu item 18, que:
“Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte
direitos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos
universais.
constitucional achou por bem destacar no inciso I do artigo 5º que “homens e mulheres
6
IZUMINO, 1997, p. 148.
3. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA AS MULHERES
pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é
incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob
morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos
Izumino7:
pesquisa feita pela Human Rights Watch8, de cada cem mulheres assassinadas no
Brasil, setenta o são no âmbito de suas relações domésticas. De acordo com pesquisa
7
IZUMINO, 1997, p. 148.
8
Americas Watch, Criminal Injustice: Violence against Women in Brazil, 1992. Afirma ainda o relatório da Human
Rights Watch que, “de mais de 800 casos de estupro reportados a delegacias de polícia em São Paulo de 1985 a 1989,
menos de um quarto foi investigado”. Ainda esclarece o mesmo relatório que “a delegacia de mulheres de São Luís no
Estado do Maranhão reportou que, de mais de 4.000 casos de agressões físicas e sexuais registrados, apenas 300
foram processados e apenas dois levaram à punição do acusado” (Americas Watch, Criminal Injustice: Violence
against Women in Brazil, 1992).
realizada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, 66,3% dos acusados em
classes e culturas. 10
Estima-se que a cada quinze segundos uma mulher seja vitimada pela
das mulheres já sofreu algum tipo de violência doméstica e mais da metade delas não
procura ajuda.
artigo 7º da Lei 11.340/06, pode assumir cinco formas: física, psicológica, sexual,
moral e patrimonial.
9
Apud PIOVESAN. In LEOPOLDI (2007, p.15)
10
Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Violence against women. Cedaw
General recom. 19, A/47/38. (General Comments), 29/1/1992. Apud PIOVESAN, idem.
11
Pesquisa A mulher brasileira nos espaços públicos e privados. Fundação Perseu Abramo, 2001. In VENTURINI,
2004, p. 227 e ss.
política. Determinante nesses casos parece ser o entendimento que a sociedade
AS MULHERES
A maior parte dos crimes cometidos contra a mulher dentro lar é o de lesão
corporal leve (artigo 129 do Código Penal) e o de ameaça (artigo 147 do Código
12
IZUMINO, 1997, p. 167.
Penal), que têm pena máxima de dois anos de reclusão, e por isso submetida à Lei
casos que chegavam aos Juizados Especiais Criminais eram de crimes de lesão
mas à família e à sociedade como um todo, este assunto ainda era tratado com
descaso pelo Estado e motivo de desdém. Frases como “em briga de marido e mulher
não se mete a colher” ou “ele não sabe por que está batendo, mas ela sabe por que
por parte das mulheres em condição de violência. Após anos em busca por uma
resolução para sua lide, a vítima viu-se compelida à recorrer às instâncias
condenou o Brasil por violação de direitos humanos, no caso “Maria da Penha Maia
demora de 17 anos em prestar justiça e punir o autor por graves atos de violência
13
Comissão Interamericana de Direitos Humanos – OEA. Informe 54/01, Caso 12.051, de 04.04.2001, Maria da Penha
Fernandes versus Brasil, parágrafo 56.
República, que instalou um Grupo de Trabalho Interministerial, com representantes de
contra as mulheres.
questão, que passa a ser considerada, por força do artigo 6º, uma violação de direitos
previstos na Lei possibilitam um maior acesso à Justiça por parte das mulheres.
Deve-se atentar ao fato de que a Lei em tela não prevê somente a punição do
Estado não adentrava no âmbito privado para regular as relações desiguais que ali
ocorrem. A Lei Maria da Penha regula a violência doméstica e familiar, que ocorre
dentro do lar.
Tentamos explicitar o novo paradigma trazido pela Lei 11.340/06, fazendo com
que o Estado tutele o espaço privado das relações e promova o real acesso à Justiça
Antes, com a aplicação da Lei 9.099/95 para a maior parte dos casos de
crime.
Quando o faziam, era desacreditas pelo Poder Judiciário, que impunha um rito
– dos Juizados Especiais Criminais – que acabava por banalizar e minimizar o delito
ocorrido, como apenas uma “briga de marido e mulher”, em que o Estado não deveria
“meter a colher”.
mulheres, ONGs – têm sido realizados nesse sentido. Entretanto, muito ainda há de
ser feito, a fim de que a Lei Maria da Penha cumpra seus objetivos, permitindo o
Para alguns autores, essa transformação somente foi possível pela luta do
questão que merece tutela específica e que a situação das mulheres ainda é desigual
pois nela estão contidas normas de Direito Civil, Penal, Processual, além de previsão
de políticas públicas.
Flávia Piovesan:
familiar contra as mulheres é uma violação de Direitos Humanos, e como tal deve ser
evitada e reprimida.
de fato, causas genéticas ou biológicas para a agressividade das pessoas deste sexo,
estas são reforçadas e agravadas pela construção social e cultural que recai sobre
eles.
14
Terminologia utilizada por Maria Berenice Dias.
Com isto, espera-se que, em alguns anos, as relações entre homens e
problema global.
as mulheres.
Federal. Se o país assinou tratados e convenções que dispõem neste sentido e fez
constar essa obrigação em sua Lei Maior, então deve buscar meios materialmente
eficazes de efetivá-los.
objetivo da Lei: a erradicação da violência e a real igualdade entre os sexos dentro das
relações domésticas.
que todos – Estado, por meio dos seus entes conjugados, e sociedade civil – atuem
nesse sentido.
ultima ratio, permitir que milhares de mulheres sofram violência e morram todos os
Deve-se atentar ao fato de que a Lei em tela não prevê somente a punição do
apenas para o lado punitivo da Lei. Toda essa exacerbada exposição do lado punitivo
pelo medo das mulheres de denunciar seus parceiros atuais ou passados e estes
que em 2007 foram feitas 20.050 denúncias e em 2008 atingiu-se a marca de 24.523
Ligue 180" entre janeiro e junho de 2009, comparando-se com o mesmo período de
impostas pela lei, ainda não há o que se comemorar. De acordo com dados
pelo Conselho Nacional de Justiça, dos 75.829 processos abertos, no período de julho
15
Em 6 meses da Lei Maria da Penha, o número de denúncias cai 18,8% - O Estado de S.Paulo, 28/05/07.
Dos 150.532 processos em tramitação no país, 41.957 são referentes a ações
penais, como no caso de agressões físicas; outras 19.803 ações dizem respeito a
A Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
Humanos.
16
“Número de mulheres que recorrem à Lei Maria da Penha cresce 32% “ - Última Instância, 09/08/2009.
preocupantes da má vontade de vários operadores do direito e da polícia, sem falar de
um todo.
específica. Não se pode, por mero preciosismo jurídico, deixar que milhares de
família dilacerada.
Não se trata, aqui, de esperar que uma lei modifique a realidade social e seja a
panacéia para os problemas das mulheres. No entanto, um grande passo já foi tomado
grande papel nessa mudança, por serem instituições que regulam a vida social.
Fato é que não se pode esperar que a Lei atinja seus objetivos em um primeiro
momento. Se, nestes três iniciais anos de aplicação da Lei, não foram obtidos os
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