Você está na página 1de 10

ETNOGRAFIA EM CONTEXTOS COLONIAIS: UMA ANÁLISE SOBRE O

LOCAL DAS TESES DE MANUEL MARTINS E JULIO COSTA PARA


ADMINISTRAÇÃO COLONIAL DE ANGOLA.

Gerson dos Santos Alves1

RESUMO

Ir a campo e realizar uma pesquisa, fazer entrevistas, interagir com seu “objeto de
pesquisa” é o que faz com que o antropólogo possa realizar um bom trabalho, mas e
quando não é possível ir à campo, por que este campo já não existe mais? Neste caso é
necessário um novo olhar sobre o campo. Neste trabalho procuro apresentar os modelos
de produção etnográfica de Manuel Martins e Júlio Cesar da Costa que escreveram sobre
os Congueses e Mussorongos, respectivamente. Nessas etnografias os autores
descreveram as populações “indígenas” do interior de Angola nas décadas de 50/60, que
foram os últimos anos da presença dos portugueses em território angolano na figura de
colonizadores. Mas não nos interessa aqui analisar o que eles descrevem e sim como
descreveram. Buscarei neste trabalho apresentar o contexto da produção dessas
etnografias para entender aqueles que a escreveram. Pretendo em um primeiro momento
apresentar o quadro político ao qual esses autores estavam inseridos, em seguida
apresentar seus trabalhos e finalizar com uma reflexão sobre a abordagem etnográfica em
um contexto colonial. A etnografia ou escrita sobre o outro pode ser uma via de mão
dupla, afinal há sempre um “outro” na relação pesquisador/pesquisado, o olhar do
pesquisador nos apresenta um indivíduo moldado por lentes acadêmicas e individuais.
Neste trabalho procuro olhar essas lentes etnográficas com o intuito de entender o foco
desses trabalhos dentro de um contexto etnográfico português colonial.

Palavras chave: Colonialismo, etnografia, Angola

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar os trabalhos de Manuel Alfredo de


Morais Martins e Julio Cesar da Costa, que escreveram etnografias sobre os Congueses2
e Mussorongos3 respectivamente. Pretendo com essa análise entender o modo como a
ciência portuguesa descrevia os “portugueses do ultramar”. O modo como essas

1
Bacharel em Humanidades e Graduando em Antropologia pela Universidade da Integração Internacional
da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB, Redenção, Ceará, Brasil; gersonalves@aluno.unilab.edu.br
2
População que habitava as margens do rio Congo no noroeste de Angola
3
População que habitava o noroeste do antigo distrito do Congo
sociedades foram descritas nesses trabalhos nos servem para pensar os modelos
etnográficos utilizados pela escola colonial.

Os trabalhos, aqui analisados, foram escritos no período que compreende os


últimos anos da presença portuguesa em Angola e praticamente não fazem menção ao
processo em curso e quando o fazem, minimizam os efeitos como mostraremos quando
expormos o trabalho de Júlio Costa sobre os Mussorongos. É importante observar a ideia
que os autores tinham de si mesmos e de seus irmãos portugueses (da metrópole) como
dotados de uma missão, que cumpriam da melhor maneira possível. Segundo o discurso
colonial, o trabalho realizado no território angolano, assim como nas outras “províncias
ultramarinas”, era benéfico para as províncias e economicamente prejudicial para
Portugal, pois investia grandes quantias para o desenvolvimento dessas regiões e não
obtinha nenhum retorno econômico.

O modo como Julio Costa e Manuel Martins apresentam as populações


angolanas nos chamam atenção pelas categorias utilizadas, os autores em alguns
momentos procuram descrever processos idênticos como a agricultura, vestimentas,
matrimônio, religião, política, etc. Estas categorias buscam descrever toda a vida e a
cultura desses povos. O processo de compreensão dessas culturas não tinha como fim
apenas a construção de conhecimento, esse processo fazia parte de uma estrutura maior
que visava a modificação dessas culturas, essa parte é bem nítida em ambos os trabalhos
pelos numerosos exemplos que podemos encontrar.

O desejo de “civilizar” os povos do continente passava necessariamente pela


alteração de sua cultura, tida como atrasada pelos portugueses. Os autores se esforçam
em mostrar os “avanços” trazidos por Portugal que aproximam o modelo de vida angolano
com um modelo “civilizado” que segundo Júlio Costa fora implantado com sucesso em
Cabo Verde e no Brasil. O “sucesso” do empreendimento colonial provava que Portugal
preparava seus territórios ultramarinos para a independência.

Esses autores receberam grande influência da teoria do “luso-tropicalismo” de


Gilberto Freyre, que defendia que os portugueses tinham uma capacidade especial de se
adaptarem aos trópicos, “não por interesse econômico, mas por empatia inata e criadora”
(CASTELO, 2015, p. 1). Essa teoria veio a reforçar o projeto colonial português,
justificando-o como benéfico para as colônias, diferentemente das outras políticas
coloniais a política portuguesa seria filantrópica.
ETNOGRAFANDO AS ETNOGRAFIAS

Miguel Vale de Almeida (2002) diz que para falarmos do período colonial em
uma perspectiva etnográfica devemos fazer uma etnografia das etnografias produzidas
nesse período. A análise dessas etnografias dentro de seu contexto histórico nos ajuda a
entender sua relação com a política portuguesa, ou seja, como as etnografias se inserem
no discurso oficial português. Essa análise nos mostra como o discurso produzido nessas
etnografias estava alinhado ao discurso português da metrópole.

Os trabalhos de Julio Costa e Manuel Martins objetivavam apresentar as culturas


nativas por meio da etnografia. O método etnográfico utilizado incluía e excluía o nativo
de sua história. Incluía porque, pela primeira vez, havia um diálogo com as instituições
nativas e excluía porque era um diálogo vertical, quase monólogo. O conceito de cultura
que a antropologia tinha na época, segundo Clifford (1998), era baseada na soma das
instituições sociais, políticas, religiosas, etc. de um povo, sendo que essas instituições
poderiam ser entendidas separadamente, “a cultura era pensada como um conjunto de
comportamentos, cerimônias e gestos característicos passiveis de registro e explicação
por um observador treinado” (CLIFFORD, 1998, p. 28).

Os trabalhos de Manuel Martins e Julio Costa tem muitas semelhanças,


principalmente por estarem inseridos em um mesmo contexto, foram produzidos em um
espaço de tempo bastante próximo, o trabalho de Martins foi publicado em 1959 e o de
Costa em 1961, partindo do mesmo local que fora a escola colonial e ambos foram
produzidos em Angola. Mas antes de falarmos mais sobre as etnografias é necessário que
entendamos minimamente o contexto da produção acadêmica portuguesa, o que foi a
escola colonial e como essas duas coisas estavam aliadas à política nacional e
internacional portuguesa.

A escola colonial tinha um local especial para a política portuguesa, funcionava


como um agente propagandístico em um momento que Portugal buscava se apresentar
como um país produtor de ciência e de um ultramar que se integrava na sua geografia e
nas suas preocupações políticas. A antropologia portuguesa, segundo Barbosa (2008),
encontrava sua posição na defesa da identidade portuguesa.

A antropologia em Portugal se constrói no final do século XIX como uma


disciplina guiada pela construção da nação retomando certos aspectos da
cultura popular e rural para afirmar uma identidade e uma psicologia
essencialmente portuguesas. No entanto, durante o Estado Novo, é difícil ater-
se unicamente ao caráter nacionalista do Estado, pois a construção da nação
supunha antes de tudo uma representação em torno do império. (BARBOSA,
2008, p. 4)

Um exemplo dessa posição da antropologia, segundo Barbosa, foi o 1º


Congresso de Antropologia Colonial que ocorreu em 1934 que defendia a intensificação
das atuações cientificas nos territórios ultramarinos. As atuações cientificas deveriam
produzir um conhecimento sobre a organização social, familiar e política dos povos das
colônias, assuntos que interessavam à administração colonial.

Com o fim da segunda guerra mundial a ONU (Organização das Nações Unidas)
elaborou uma carta de ordem para que os países que possuíam colônias descem condições
para a autodeterminação, ou seja o colonialismo deveria acabar e as colônias se tornariam
países independentes. Portugal passou então a defender a ideia de que possuía territórios
ultramarinos e não colônias, esses territórios eram partes integrantes da grande nação
pluricontinental portuguesa. Esse novo discurso encontrou uma afirmação na teoria do
“lusotropicalismo” de Gilberto Freyre, o autor brasileiro é citado por Costa e Martins
quando eles apresentam as razões para a presença portuguesa no ultramar.

A escola colonial tem uma longa história ligada a essa aspiração portuguesa e
durante muito tempo formou profissionais para o quadro administrativo das colônias,
como afirma Abrantes (2012):

A escola colonial em Lisboa foi criada em 1906 com o objetivo de formar


quadros para a administração dos territórios ultramarinos sob o domínio
português. Propunha-se ensinar aos seus alunos métodos de ação para o
trabalho nas colônias, à medida que a instituição se colocava como um centro
especializado em conhecimento sobre África (ABRANTES, 2012, p. 42, Grifo
da autora)

Durante o restante do período colonial seriam produzidas dissertações onde o


aluno deveria responder à algumas questões consideradas importantes para entender a
organização da população estudada. A escola colonial tinha normas especificas para a
produção dessas dissertações e é partir dessas regras, encontradas lendo os trabalhos de
Costa e Martins, que podemos entender melhor a política colonial portuguesa. O
administrador mostrava, com a tese de que era um especialista naquela área, que conhecia
a população que habitava sua circunscrição. As teses apresentadas no curso de altos
estudos ultramarinos serviam para uma melhor administração aos moldes portugueses
respeitando os interesses da metrópole. A escola portanto fazia parte de um projeto
colonial mais amplo, inicialmente interessante para a política local e depois da segunda
guerra mundial posicionando-se como uma defesa da “missão ultramarina” frente as
pressões da ONU. Para Abrantes (2012):

As dissertações revelam um modo de pensar, mas acima de tudo, um modo de


agir em relação aos africanos de Angola e que pode ser considerado o resultado
de uma experiência muito mais ampla do que as paredes da instituição de
ensino parecem revelar. O acesso a esse universo por meio das formulações
que lhe eram mais caras – os problemas e soluções para a gestão de Angola –
permitirá observamos as múltiplas dimensões dessa experiência: imagens do
outro reais e ideais, imagens de si, expectativas de intervenção, comunicação
com pares e opositores, defesas em nome de uma presença no ultramar
(ABRANTES, 2012, p. 63, Grifos da autora)

As dissertações não nos darão uma noção confiável para dizermos quem eram
os Mussorongos ou Congueses, mas, como nos indica Abrantes, pode nos dizer muito
sobre o modo de pensar e agir de administradores coloniais e é isso que buscamos captar
nos trabalhos de Júlio Costa e Manuel Martins. Assim os trabalhos produzidos pelos
administradores coloniais, apresentados como etnografias, constituem hoje um
importante material de estudo sobre o olhar do administrador em relação as populações
nativas. Este material revela um olhar etnocêntrico a partir das classificações atribuídas
aos colonizados, revela também a construção de um discurso político que estava presente
na metrópole e que queria se afirmar perante as instituições internacionais.

A prática administrativa descrita pelos nossos autores, que se colocam em alguns


momentos como mediadores de conflitos, revelam o poder que estes gozavam dentro do
sistema colonial. O administrador colocava-se na posição de mediador entre os nativos e
os portugueses que chegavam para ocupar o interior de Angola, mas os imigrantes nunca
foram realmente para o interior como queria o projeto português, segundo Peixoto (2009),
na década de 50 “o governo adotou uma política de colonização/povoamento agrícola do
ultramar com populações brancas vindas da metrópole para consolidar a presença
portuguesa em África.” (PEIXOTO, 2009, p. 26).

Costa e Martins utilizam, em algumas passagens, termos como “autóctones” e


“indígenas” para se referirem aos nativos. Por mais que eles afirmassem a ideia de que
Angola era uma extensão ultramarina do território português e portanto os habitantes ali
deveriam ser essencialmente portugueses, encontramos em suas narrativas essa
diferenciação, que não funcionava apenas para distingui-los no sentido geográfico, mas
também no sentido político.

Há preocupações comuns que perpassam os trabalhos de Costa e Martins e que


dizem respeito às sociedades estudadas. Essas preocupações comuns estão descritas em
categorias como economia, religião, parentesco, ordem jurídica e ordem social. Há ainda
outras sub-categorias comuns nos trabalhos que podemos identificar em uma leitura rasa
do sumário dos trabalhos, mas tratarei aqui especialmente destas por que elas dizem
respeito justamente à prática administrativa, ou seja, são conhecimentos julgados
necessários para a administração das colônias.

Um dos maiores problemas da administração colonial, segundo Costa, era o da


concessão de terras para europeus que vinham para as colônias para trabalhar. O problema
residia no fato de que estes ocupavam terras aparentemente sem dono, por que não eram
ocupadas no momento, nem haviam sido em período recente, mas, quando estas terras
eram ocupadas e iniciavam-se os trabalhos aparecia um nativo alegando a posse da terra.
Como não havia como provar a posse da terra e seus limites, criava-se um problema para
os administradores e uma insatisfação com administração colonial por parte dos nativos
que diziam que os administradores eram cúmplices dessa ocupação irregular. Essas
disputas causavam conflitos sérios por que a posse da terra não poderia ser simplesmente
passada a outro sem às devidas permissões dos “donos do chão” que eram os ancestrais
que primeiro ocuparam aquelas terras. Os nativos provavam a posse das terras a partir de
testemunhos dos chefes tradicionais, mas, segundo Costa, isso era insuficiente e tardio,
uma vez que eles só conheciam os donos das terras quando a ocupação já havia ocorrido.

Os administradores enquanto elos que ligavam a metrópole às terras


ultramarinas eram neste espaço agentes de transformação por serem agentes oficiais do
governo português dotados de uma missão que era justamente promover uma mudança.
Implantar a cultura portuguesa era uma das principais atribuições dessa missão, usando
as palavras dos próprios autores eles deveriam “civilizar” os nativos, agora portugueses,
residentes no ultramar. A partir de uma visão etnocêntrica eles descrevem a cultura
portuguesa como superior e partindo disso escrevem sobre a necessidade de sua
sobreposição à cultura local para que os nativos se civilizassem e o ultramar pudesse se
desenvolver.

O conhecimento das instituições nativas possibilitariam uma maior chance de


êxito na missão civilizadora. Como sugeria o Boletim Oficial de Angola de 1906:

Para uma condição necessária a uma boa administração dos povos indígenas
(de civilização muito inferior) e diferente do nosso, deve-se procurar com
bastante minúcias e segurança os usos e costumes desses povos e suas ideias,
crenças, tradições e tendências e sendo certo que, apesar de muito esforço
individual, digno de louvor, e de alguns livros de verdadeiro merecimento,
relativos a Angola, ainda hoje não se dispõe de todos os elementos necessários
para bem avaliar a organização política, civil e social de muitas das populações
indígenas que habitam a província, julguei do meu dever proceder a um
inquérito administrativo sobre o assunto, formulando o seguinte questionário
precedido dessas prévias e concisas explicações (Boletim Oficial de Angola de
23 de Junho de 1906 Apud SERRANO, 1992, p. 22)

Se no começo do século já havia uma preocupação com o conhecimento sobre


as colônias, a partir da metade do século essa preocupação aumentou. Mas podemos
traduzir a citação acima como “saber é poder” e isso justifica o investimento político e
econômico na produção de um saber colonial.

Dentro dessa categoria de saber colonial a cultura ocupa um lugar central. Para
implantar a cultura portuguesa era necessário entender a cultura local. Nesse sentido
Martins conclui que para alterar a cultura Conguesa seria necessário alterar primeiro sua
religião por que tudo estava ligado à religião. Costa também chega a essa conclusão ao
analisar os Mussorongos. As relações de parentesco, a ordem social e jurídica estavam
intimamente ligadas à religião o que dificultava a sua compreensão e criava a necessidade
de um estudo mais especifico sobre essas instituições.

Em relação à ordem social é fácil imaginar que a presença portuguesa alterou o


sistema econômico, político e jurídico das terras colonizadas. Houve naturalmente uma
transformação da ordem social, não por completo evidentemente, mas significativamente
sentida pelos Mussorongos e Congueses que viram seus chefes perdendo seu poder
político e a imersão de novos chefes com atribuições até então desnecessárias e
desconhecidas. A prática dos administradores como mediadores de conflitos tanto entre
nativos e europeus como entre os próprios nativos é uma prova disso. Os autores também
enfatizam em seus trabalhos os conflitos que antes existiam, mas que acabaram graças à
ação administrativa. O administrador deveria ser portanto capaz de solucionar problemas
internos da colônia e até certo ponto contribuir com a solução de um problema externo de
Portugal que era a manutenção de suas colônias ou “extensões ultramarinas” como eles
chamavam.

Na conclusão de seu trabalho Manuel Martins tece alguns elogios ao sociólogo


brasileiro Gilberto Freyre e sua teoria do “luso-tropicalismo”.

“Há sempre uma interpenetração cultural, mais acentuada quando a cultura


superior, como no nosso caso, tem características peculiares que lhe dão uma
maleabilidade especial e uma facilidade de adaptação aos diversos meios para
onde é transplantada, sem no entanto perder seus traços basilares. [...] É a este
complexo, característico da ação portuguesa no ultramar, que Gilberto Freyre
dá a designação feliz de luso-tropicalismo.” (MARTINS, 1958, p. 161)
E conclui seu trabalho exaltando Portugal como sendo uma “sociedade
multirracial paritária, isenta de preconceitos raciais” (MARTINS, 1958, p. 164). Julio
Costa também conclui seu trabalho exaltando a construção de uma “pátria
pluricontinental portuguesa”, ainda na sua conclusão ele escreve sobre o processo em
curso, da seguinte forma:

De uma maneira geral, parece que eles não são hostis á modificação lenta e
pacifica que se vai operando no seu seio, no sentido da cuidadosa e difícil
operação que consiste na substituição de algumas das suas velhas instituições
por outras mais coerentes com o tempo que atravessamos e que visam a
assimilação final e a sua integração no conjunto nacional. (COSTA, 1961, p.
62)

Ambos avaliaram a execução do projeto colonial português exaltando seus


benefícios e as dificuldades enfrentadas. Quando Julio Costa escreveu seu trabalho,
começavam a irromper os primeiros conflitos entre Portugal e os movimentos
independentistas, mas ele faz pouca menção sobre isso, afirmando ser este um período
que logo mudará e que causa dúvida entre “os filhos da terra” e os portugueses que
habitavam o ultramar.

Os trabalhos produzidos pelos administradores coloniais construíam a base de


um olhar propagandístico sobre as colônias no caso Angola. O “olhar propagandístico”
de que falo é uma expressão de Clara Carvalho que serve muito bem para definir este
período de produção acadêmica alinhada à política colonial no sentido de produzir um
olhar positivo sobre essa política. A análise desse olhar nos ajuda entender a alteração da
política e do discurso sobre as colônias depois da segunda guerra mundial. Segundo
Carvalho foi a partir desse período que Portugal passou a divulgar interna e externamente
os “benefícios da colonização” e “o governo empenhou-se em melhor conhecer e
controlar as populações e territórios administrados” (CARVALHO, 2004, p. 122)

Uma mudança estrutural provocada nas sociedades coloniais ocorreu nas


estruturas de poder que se formaram enfraquecendo os sistemas de governo tradicionais.
Esse enfraquecimento do poder tradicional fora inicialmente uma forma de facilitar a
dominação, e em um segundo ponto, com o fim da colonização ele serviu como uma
forma de manutenção da dominação, são dois momentos distintos, mas que não se
separam totalmente. A alteração do sistema econômico ao longo desse processo também
serviu para barrar o processo de descolonização. A implantação de monoculturas
enfraqueceu a terra e a economia. Além da implantação de um sistema autodestrutivo de
economia, houve ainda a exploração das riquezas naturais das terras colonizadas.
CONCLUSÃO

As etnografias coloniais estavam politicamente ligadas a defesa do colonialismo.


Ou pelo menos assumiram essa função, o que acarreta em um olhar negativo sobre a
antropologia, colocando-a como defensora desse período. Os autores analisados faziam
parte do quadro político colonial, os trabalhos foram produzidos na escola colonial que
tinha como finalidade produzir um conhecimento colonial e fazer propaganda do projeto
colonial português. A etnografia fora usada como ferramenta metodológica para a
construção de um conhecimento das instituições políticas, sociais e culturais nativas

É evidente a preocupação dos autores para com as manifestações culturais, a


preocupação caminhava no sentido da necessidade de modifica-las, impondo aos
“indígenas” de Angola um modelo “superior” de cultura. Manuel Martins sugere que o
processo de modificação deveria ocorrer de forma lenta e gradual. A partir do estudo da
sociedade Conguesa ele concluiu que não seria possível alterar a cultura local de forma
brusca. Embora que algumas modificações propostas (impostas) houvessem sido
rapidamente aceitas e incorporadas à vida social Conguesa, nem todas as modificações
eram facilmente assimiladas.

Os avanços técnicos como foices, machados, enxadas que auxiliavam e


facilitavam o trabalho diário eram aceitos facilmente por que, segundo Martins, os
indígenas reconheciam de imediato a sua maior eficiência. Mas quando as modificações
envolviam um sistema social mais complexo como a religião, organização social ou
organização familiar demorariam um tempo um pouco maior para que se modificassem
por que estas categorias estavam todas unidas e não poderia alterar uma só sem que
alterasse as outras.

A ação portuguesa em Angola, descrita como filantrópica pelos nossos autores,


a partir da teoria de Gilberto Freyre, teve seu fim em 1975 com a independência de
Angola, mas os efeitos da ação colonial prolongou-se para além dessa data e tornou-se
um desafio para a política pós-independência. Um problema que se estende a todos os
países que sofreram o mesmo processo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ABRANTES, Carla Susana Alem. “Problemas” e “soluções” para a gestão de Angola:


um estudo a partir do ensino superior de administração colonial em Lisboa, 1950-1960.
Tese (Doutorado em Antropologia Social). Museu nacional Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro. 403 f. 2012.
ALMEIDA, Miguel Vale de. O Atlântico Pardo. Antropologia, pós-colonialismo e o caso
«lusófono». In. Bastos, C., M. Vale de Almeida e B. Fieldman-Bianco (orgs.), Trânsitos
Coloniais: Diálogos Críticos Luso-Brasileiros. ICS. Lisboa. 2002
BARBOSA, Pablo. Saberes antropológicos e práticas coloniais em Portugal entre 1933
e 1974. Revista História em Reflexão: Vol. 2 n. 4 – UFGD - Dourados jul/dez 2008
CARVALHO, Clara. O Olhar Colonial. Fotografia e Antropologia no Centro de Estudos
da Guiné Portuguesa. In: A persistência da história: passado e contemporaneidade em
África, ed. Carvalho, Clara e Cabral, João de Pina. ISBN: 972-671-132-0. Lisboa: ICS.
2004. p. 119 - 147
CASTELO, Claudia. O luso-tropicalismo e o colonialismo Português tardio. In: ______
O luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa. Porto. Edições afrontamento.
1999.
CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século
XX/James Clifford; Organizado por Reginaldo Santos Gonçalves. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1998. 320 p.
COSTA, Julio Cesar da. Os Mussorongos de Angola. Dissertação (curso de altos estudos
ultramarinos). Instituto superior de ciências sociais e políticas ultramarinas (ISCSPU),
Lisboa. 165 f. 1961.
MARTINS, Manuel Alfredo de Morais. Contacto de Culturas no congo português
achegas para o seu estudo. Instituto superior de ciências sociais e políticas ultramarinas
(ISCSPU), Lisboa. 164 f. 1958.
PEIXOTO, Carolina Barros Tavares. Limites do ultramar português, possibilidades para
Angola: O debate político em torno do problema colonial (1951-1975). Dissertação
(Mestrado em História Social) Universidade Federal Fluminense. 184 f. 2009
SERRANO, Carlos. Angola: o discurso do colonialismo e a antropologia aplicada.
África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, S. Paulo, 14-15(1):15-36, 1991-
1992

Você também pode gostar