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Sociologia e a arte da
manutenção de motocicletas
por Celso Castro 1
Um aborígine norte-americano 2
1
Professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil ( CPDOC) da Fundação Getulio Vargas. Agradeço a
leitura que Howard S. Becker, Karina Kuschnir e Lúcia Lippi fizeram deste texto.
2
É assim que Mills se auto-refere numa carta a um amigo em 13.4.1957, publicada
em C. Wright Mills, Letters andAutobiographical Writings. Kathryn Mills e Pamela
7
1O Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios
8
Publicados no Brasil por Jorge Zahar Editor, respectivamente, como As causas
da próxima guerra mundial e A verdade sobre Cuba, ambos em 1961.
9
K. Mills e P. Mills (eds.), op. cit., p.312.
Introdução 13
16
Howard S., Becker, "Professional sociology: The case of C. \Vright Mills" em
Ray Rist ( org. ), The Democratic Imaginatíon: Dialogues on the Work ofIrving Louis
Horowitz. New Brunswick, Transaction Books, 1994, p.175-87. Becker atribui essa
idéia a uma conversa com Horowitz, que não a teria publicado.
Introdução 15
17
Gláucio Ary Dillon Soares, "Pesquisa rica em países pobres?", Revista Brasileíra
de Ciências Sociais, n.16, ano 6, jul 1991, p.70.
Sobre o
artesanato intelectual
21
22 Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios
Uma das piores coisas que acontecem com cientistas sociais é que
só sentem necessidade de escrever sobre seus "planos" numa única
Sobre o artesanato intelectual 25
2 com
Como esse arquivo - que até agora você deve achar mais parecido
uma curiosa espécie de diário "literário" - é usado na produção
intelectual? A manutenção de um arquivo assim é produção inte
lectual. É um repertório sempre crescente de fatos e idéias, desde
os mais vagos aos mais acabados. Por exemplo, a primeira coisa
que fiz após decidir iniciar um estudo sobre a elite foi elaborar
um esquema tosco baseado numa lista de tipos de pessoas que eu
queria compreender.
Exatamente como e por que eu decidi fazer esse estudo pode
sugerir uma maneira pela qual nossas experiências de vida alimen
tam nosso trabalho intelectual. Não me lembro quando passei a
me interessar tecnicamente por"estratificação': mas creio que deve
28 Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios
3 mais
Chega um momento no curso do seu trabalho em que você não quer
saber de outros livros. Tudo que queria deles está registrado
em suas notas e resumos; e nas margens dessas notas, bem como,
num arquivo separado, estão idéias para estudos empíricos.
Sobre o artesanato intelectual 33
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5
No original, "white-collar people", que pode ser aproximadamente traduzido por
"trabalhadores assalariados de classe média". ( N. O.)
Sobre o artesanato intelectual 41
7
Ver os excelentes artigos de Hutchinson sobre "insight" e "esforço criativo" em Study of
Interpersonal Relations, organizado por Patrick Mullahy, Nova York, Nelson, 1949.
46 Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios
duas coisas são muitas vezes uma só: o modo como você arranja os
materiais para apresentação sempre afeta o conteúdo de seu trabalho.
Aprendi a idéia que tenho em mente de um grande editor, Lambert
Davis, que, suponho, depois de ver o que fiz com ela, não a quereria
reconhecer como sua filha. É a distinção entre tema e tópico.
Um tópico é um assunto, como "as carreiras dos executivos de
corporações" ou ''o poder fortalecido das autoridades militares" ou
«o declínio das matriarcas da sociedade". Em geral, a maior parte
do que temos a dizer sobre um tópico pode ser facilmente incluída
num capítulo ou numa seção de um capítulo. Mas a ordem em
que todos os seus tópicos são arranjados muitas vezes o conduz
para a esfera dos temas.
Um tema é uma idéia, em geral de uma tendência notável, uma
concepção fundamental, ou uma distinção-chave, como racionali
dade e razão, por exemplo. Ao trabalhar na construção de um livro,
quando chega a perceber os dois ou três, ou, conforme o caso, os
seis ou sete temas, você saberá que está no controle do trabalho.
Reconhecerá esses temas porque eles ficarão insistindo em ser in
troduzidos em todos os tipos de tópicos, e terá talvez a impressão
de que são meras repetições. E por vezes é isso que todos eles são!
Certamente muitas vezes serão encontrados nas partes mais obs
curas e confusas, as mais mal escritas, de seu manuscrito.
O que você deve fazer é ordená-los e formulá-los de uma
maneira geral, tão clara e brevemente quanto possa. Depois, muito
sistematicamente, deve fazer uma classificação cruzada entre eles e a
série completa de seus tópicos. Isto quer dizer que você perguntará,
a respeito de cada tópico: como ele é afetado por cada um desses
temas? E mais: qual é exatamente o significado, se houver algum,
para cada um desses temas de cada um dos tópicos?
Por vezes um tema requer um capítulo ou uma seção para si,
talvez ao ser introduzido pela primeira vez ou talvez numa formu
lação concisa perto do final. Penso que a maioria dos escritores -
bem como a maioria dos pensadores sistemáticos - concordaria
que, em algum ponto, todos os temas deveriam aparecer juntos,
48 Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios
5 linguagem
Sei que você concordará que deveria apresentar seu trabalho numa
tão simples e clara quanto seu assunto e seu pensamento
sobre ele o permitam. Mas como talvez tenha notado, uma prosa
empolada e polissilábica parece prevalecer nas ciências sociais.
Suponho que os que a usam acreditam que estão imitando a
"ciência física" e não percebem que grande parte dessa prosa não é
totalmente necessária. De fato, foi dito, e com razão, que há "uma
grave crise na capacidade de ler e escrever" - uma crise com que os
cientistas sociais estão muito envolvidos. 10 Podemos atribuir essa
linguagem peculiar ao fato de que questões, conceitos e métodos
10
Por Edmund Wilson, amplamente considerado o "melhor crítico no mundo
anglófono", que escreve: "Quanto à minha experiência com artigos de especialistas
em antropologia e sociologia, ela me levou a concluir que a exigência, em minha
universidade ideal, de ter os trabalhos em todos os departamentos submetidos
a um professor de inglês poderia resultar numa revolução dessas matérias - se
de fato a segunda delas chegasse a sobreviver." A Piece of My Mind, Nova York,
Farrar, Straus and Cudahy, 1956, p.164.
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Malcolm Cowley, "Sociological Habit Patterns in Linguistic Transmogrification':
The Reporter, 20 de set 1956, p.4ls.
50 Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios
12
Para alguns exemplos desse tipo de tradução ver o Capítulo 2 [ de The Sociological
Imagination, Nova York, Oxford University Press, 1959]. Diga-se de passagem que
o melhor livro que conheço sobre escrita é de Robert Graves e Alan Hodge, The
Reader Over Your Shoulder, Nova York, Macmillan, 1994. Ver também as excelentes
discussões de Barzun e Graff, The Modern Researcher, op. cit., G.E. Montague, A
Writer's Notes on His Trade, Londres, Pelican Books, 1930-49, e Bonamy Dobrée,
Modern Prose Style, Oxford, The Clarendon Press, 1934-50.
52 Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios
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O ideat do artesanato 61
Ili. O trabalhador é livre para iniciar seu trabalho segundo seu pró
prio plano e, durante a atividade pela qual o trabalho é moldado,
é livre para modificar sua forma e a maneira de sua criação. Em
ambos os sentidos, observou Henri De Man, ((plano e execução são
uma só coisa,,, e o artesão é senhor da atividade e de si no processo.
Essa contínua união de plano e atividade une ainda mais firme
mente a consumação do trabalho e suas atividades instrumentais,
infundindo nestas últimas a alegria da primeira. Significa também
que sua esfera de ação independente é vasta e racional para ele. Ele
é responsável por seu resultado e livre para assumir essa responsa
bilidade. Seus problemas e dificuldades devem ser resolvidos por
e[e, em termos da forma que deseja que o resultado final assuma.
ainda que seja também sério, assim como o brincar é para a criança.
"O trabalho realmente livre, o trabalho de um compositor, por
exemplo': escreveu Marx certa vez acerca das noções de Fourier
sobre trabalho e diversão, ''é trabalho terrivelmente sério, esforço
intenso." A simples auto-expressão da diversão e a criação de valor
velado do trabalho estão combinados no trabalho-como-artesana
to. O artesão ou artista se expressa ao mesmo tempo e no mesmo
ato em que cria valor. Seu trabalho é um poema em ação. Trabalha
e se diverte no mesmo ato.
((Trabalho" e "cultura" não são, como sustentou Gentile,
esferas separadas, a primeira lidando com meios, a segunda com
fins em si mesmos; como Tilgher, Sorel e outros indicaram, tanto
o trabalho quanto a cultura podem ser fins em si mesmos, meios,
ou conter segmentos de fins e meios. No modelo artesanal de ati
vidade, "consumo" e "produção" estão misturados no mesmo ato;
o artesanato ativo, que é igualmente diversão e trabalho, é o meio
da cultura; e para o artesão não há ruptura entre os mundos da
cultura e do trabalho.