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Caso Clínico 2:

Tema: Aborto

Caso: Paciente de 16 anos de idade, previamente hígida, compareceu ao


Hospital Universitário Risoleta Tolentino Neves (HRTN) encaminhada para
Unidade de Pronto Atendimento (UPA) devido à queixa de sangramento vaginal
há 10 dias. Há duas semanas iniciou com cefaléia e comprometimento do estado
geral. Evoluiu com palidez cutânea e, quando indagada por familiares sobre sua
saúde, atribuiu sua sintomatologia a alterações menstruais. O sangramento
vaginal se manteve, surgindo-lhe febre, fraqueza, náuseas, vômitos, cólicas
abdominais, dor retro-orbitária e cefaléia, no dia em que procurou atendimento
médico de urgência. Foram solicitados, na Unidade de Pronto Atendimento,
alguns exames complementares. O abdômen estava indolor à palpação. Havia
sangramento vaginal, com coágulos na vagina, e material sanguinolento no
interior do colo uterino, e odor fétido. O toque ginecológico revelou dor à
mobilização do útero e do colo. A ultrassonografia (US) de urgência revelou
restos ovulares no interior da cavidade uterina. O diagnóstico foi de
Abortamento Incompleto Infectado e Hemorragia Aguda.

Perguntas:

1. Como deve funcionar o apoio psicológico às mulheres que buscam o


aborto legal? Há diferença para os casos decorrentes de abuso sexual ou
anencefalia?
2. Se a mulher tem dúvidas em relação à interrupção da gravidez prevista
em lei após violência sexual, como deve ser a condução do caso pela
equipe?
3. Qualquer hospital pode fazer aborto legal?
4. Como ocorre o abortamento incompleto?
Gabarito:
Tema: Aborto

QUESTÃO 1
Resposta: O primeiro ponto que é importante na avaliação da equipe de
psicologia é avaliar todo o contexto em que vai se dar essa interrupção e o
motivo da mesma.
Uma das principais peças que deve constar em um laudo psicológico é a
capacidade plena de decisão da mulher. E capacidade plena se adquire com
capacidade civil ou condição civil, maioridade, associado à capacidade de
decisão ou seja isso decorre de quantidade de informação correta e clara que
essa apresenta.
Se a psicóloga entende que a mulher tem capacidade de decisão aí o apoio
psicológico é para o medo, a insegurança, o sentimento de culpa e transgressão
ética, moral, religiosa, filosófica, já que a grande maioria dessas mulheres que
procuram o serviço de interrupção de gravidez tem a sua fé, sua crença e muitas
vezes sentem-se transgressoras diante de uma norma religiosa que desde sua
vida inteira tem sido ensinada. É muito importante um grande apoio psicológico
a estas mulheres.
Apesar de toda ansiedade e angústias após os procedimentos, os estudos
mostram que o impacto de uma interrupção da gravidez seletiva na vida
psicológica e no bem estar dessas mulheres é a sensação de alívio. Claro que
àquelas que tinham uma gestação desejada e em decorrência de um risco
materno muito grave, uma situação de anencefalia podem estar tristes. Mas é
um luto que com o tempo é perfeitamente superável.
QUESTÃO 2
Resposta: O papel da equipe é acolher a mulher, ter uma relação empática e dar
credibilidade à sua fala, mas nunca impor opinião ou qualquer atitude que
direcione a sua decisão sobre a interrupção. A decisão é individual, após
aconselhamento. Na verdade, aconselhamento não é bem dar um conselho. A
palavra aconselhamento vem do inglês, counseling, e significa dar informações
de tal maneira, em uma relação tão empática, que faça a mulher refletir sobre a
sua condição de saúde, sobre a sua sexualidade, sobre tudo que está
acontecendo. Assim ela pode tomar uma decisão, mesmo que difícil, mas com a
maior convicção possível. Se após o atendimento a mulher tiver dúvidas, a
equipe evidentemente deve falar e solicitar que a mulher retorne quando tiver
uma decisão completa.
Lembrando que no caso da violência sexual a interrupção da gestação, na norma
técnica do Ministério da Saúde, vai até 20 ou 22 semanas ou se o feto pesar até
500 gramas. No caso da anencefalia não há limite de idade gestacional,
evidentemente, já que o diagnóstico é muitas vezes tardio. No caso de risco de
vida materna, qualquer momento pode impor a decisão de interrupção
terapêutica da gestação.
QUESTÃO 3
Resposta: Sim, qualquer hospital plenamente habilitado e inscrito no sistema de
saúde da Vigilância Sanitária pode fazer qualquer procedimento legal vigente
no país, inclusive os hospitais privados.
As normas e portarias do Ministério da Saúde abordam questões do atendimento
em serviços públicos, mas qualquer hospital que se sinta habilitado e que tenha
uma equipe que se sinta habilitada pode fazer o procedimento. As técnicas são
simples, com complicações mínimas e com menor risco reprodutivo de morte
que outros procedimentos já realizados em hospitais, como partos difíceis,
cesáreas, histerectomia e mastectomia, por exemplo. Do ponto de vista técnico,
não há justificativa para essa recusa.
Para fazer a interrupção da gestação o hospital deve respeitar o que está escrito
na norma: equipe multiprofissional, assinatura dos termos que compõem os
documentos obrigatórios da interrupção e habilitação no site do Ministério da
Saúde. Para isso, há o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES)
com local onde se faz a inscrição dos serviços de atendimento à vítima violência
sexual. Há um código de inscrição e nada impede que o serviço se inscreva para
realizar atendimento emergencial, segmento ambulatorial e também interrupção
da gravidez prevista em lei.
A maior dificuldade é a falta de informação dos profissionais de saúde, o medo
de ser processado e o não conhecimento das normas e regras, que são simples.
O avanço das técnicas medicamentosas, ou seja, o oferecimento de remédios
com alta eficácia, tem facilitado muito o acesso e a adesão de profissionais e a
garantia do direito às mulheres.

QUESTÃO 4
Resposta: O abortamento espontâneo pode ser completo quando todo conteúdo
intrauterino é eliminado para fora do útero, ou INCOMPLETO quando ainda
fica material dentro do útero durante o processo de abortamento.
Dependendo de quanto tempo se iniciou o abortamento e do tempo de gravidez,
idade gestacional, o tratamento poderá ser clínico inicialmente com o uso de
medicação via oral ou vaginal para terminar de expulsar tudo repetindo-se o
exame de ultrassonografia após um período para controle se agora está
completo, ou em alguns casos necessitará fazer mesmo o esvaziamento da
cavidade uterina através de procedimento cirúrgico como a Curetagem uterina
ou a A.M.I.U Aspiração Manual Intrauterina.
Para Ler complementar:
O abortamento infectado, embora ocorra com maior frequência em associação
ao aborto traumático e clandestino, ocorre também em consequência de
abortamento espontâneo incompleto, sobretudo precoce, isto é, até a décima
semana de gestação. No abortamento espontâneo incompleto, os restos ovulares
retidos mantêm a patência do colo uterino, favorecendo a ascensão bacteriana,
constituindo-se em substrato para a proliferação bacteriana. No aborto
clandestino, a multiplicação bacteriana é favorecida ainda pela necrose tecidual
consequente ao traumatismo mucoso.

Psicologia Hospitalar
A perda de um bebê está associada a um vasto leque de sentimentos e emoções
que vão “assombrar” a mulher a longo prazo. Sabe-se que ser mãe é um
acontecimento e uma função muito valorizada em nossa sociedade, com
significações importantes como a capacidade de fecundar e conceber.
Os aspectos emocionais desencadeados pelo abortamento são inúmeros. As
diversas reações à perda de uma gravidez podem ser influenciadas pelo grau de
investimento na gravidez e pela ligação (vinculação) que a mãe sente pelo feto.
Ao contrário do que se possa pensar, as reações à perda não são
necessariamente influenciadas pelo tempo de gestação Estes autores
diferenciam a vinculação e investimento. Sendo que, a vinculação está
relacionada com os sentimentos desenvolvidos pelo bebê, enquanto o
investimento na gravidez está associado a um processo mais ativo de
envolvimento com o feto. A morte de um feto está associada também à perda de
um projeto de vida. Além disso, o fato de a gestação ser frequentemente vivida
como um momento de plenitude pode aumentar os riscos para efeitos
traumáticos quando da ocorrência da perda. Conclui-se, com o trabalho, que o
papel da intervenção psicológica foi de oferecer suporte emocional, analisando
o sofrimento diante da perda e legitimando um espaço para falar sobre essa
experiência e com isso, iniciar o processo de elaboração desse luto.
Uma das conclusões do estudo é que o Sistema Único de Saúde (SUS) não tem
um respaldo de saúde mental imediato para mulheres que interrompem a
gravidez. “Para as que fizeram na clandestinidade, há a angústia de não poder
contar para ninguém. A mulher economicamente favorecida faz terapia e tem
outros recursos para enfrentar esse sofrimento. Mas aquelas de baixa renda não,
e têm de conviver com esse conflito. O aborto é tido como uma perda para todas
elas, como tal, há a fase do luto, da negação, da revolta, da aceitação e também
da depressão.”

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