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Indústria, tecnologia e Inovação no século XIX: Como o jornal Correio Paulistano

(1870-1879 trazia ao seu público questões sobre o desenvolvimento industrial no


Brasil Império.

Vinicius G. Lirio
1. Introdução
O Presente artigo busca a partir do recorte Histórico (1870 – 1879) evidenciar no
jornal Correio Paulistano as mudanças Urbanas provenientes dos desenvolvimentos
industriais e de obras públicas voltadas para esse setor, fazendo uma leitura de como o
jornal aborda o tema e possibilitando reflexões sobre os ideais daqueles que estão por
traz da edição do jornal da cidade. Como ferramenta de consulta irei utilizar do acervo
da Biblioteca Digital Nacional, esse acervo é extremamente rico e completo
possibilitando a consulta de todas as edições do jornal.

Procurando aprofundar sobreas as grandes transformações ocorridas em São


Paulo nesse período é possível destacar quais seriam as maiores influências desse
desenvolvimento e alterações urbanas no período, sendo assim os três elementos
principais seriam: café, ferrovia e imigração, esses três fatores foram cruciais para a
dinâmica da cidade de São Paulo, possibilitando uma grande quantidade de alterações
nas estruturas e vidas daqueles que residiam na província, ainda sim o tema maior
interesse aqui seria as ferrovias, essas que facilitaram o transporte de produções
industriais incentivando a produção agroexportadora e o surgimento de diversas
empresas, de acordo com o urbanista Prestes Maia, em 1875 aconteceu o primeiro surto
urbanista em São Paulo, e com a chegada dessas novas instalações empresariais as
transformações urbanas e o desenvolvimento tecnológico que vem acompanhado das
mesmas era inevitável, e inovações como iluminação a gás vão sendo cada vez mais
frequentes.

Pesquisar sobre esses períodos Históricos sobre uma cidade que hoje é um dos
maiores polos comerciais do país é algo extremamente importante, possibilitando a
compreensão das dinâmicas sociais nesse período e principalmente a influência da
Industrialização nos planejamentos Urbanos e no cotidiano das pessoas. O jornal
Correio Paulistano é considerado para a época um dos mais importantes e influentes
jornais da cidade, sendo passível de, além disseminar informações que lhes interessava,
ser um idealizador de ideias podendo interferir no pensamento crítico da população em
relação a alguma informação.

Como metodologia irei discorrer principalmente da Análise discursiva de Stuart


Hall, esse autor traz uma abordagem metodológica preocupada com os efeitos e
consequências da representação. Essa metodologia se encaixa perfeitamente com o
objetivo do trabalho a seguir, possibilitando analisar quais as intenções dos discursos
midiáticos contidos no jornal em relação ao tema Industrialização e Urbanização

2. O Correio Paulistano

O Correio Paulistano é um jornal diário inicialmente de cunho liberal, fundado


por Joaquim Roberto de Azevedo Marques que entrou em circulação pela primeira vez
no ano de 1854. O jornal Correio Paulistano tinha como objetivo ser independente de
partidos políticos, até o ano de 1860 o jornal foi considerado liberal, mas dessa data em
diante começou a ter características conservadora, e posteriormente voltou a ser liberal.
Com a fundação do Partido Republicano Paulista (PRP), o Correio Paulistano tornou
seu principal órgão divulgador.

O jornal tinha um custo de 15$000 anual e 8$000 semestral, ele possuía uma
página dedicada a propaganda que tinha como principal setor o comercio, sendo que
para assinantes possui a possiblidade de fazer anúncios de forma gratuita, porém
limitado em dias e quantidade de linhas.

O Correio Paulistano é uma fonte interessante, frequentemente busca trazer


opiniões sobre política, desenvolvimento industrial ou por exemplo em relação as
construções de ferrovias. Ademais o jornal buscar atingir os mais diversos públicos da
sociedade, porém ao afirmar esse fato devemos ter em mente que esse público ainda é
limitado, já que nesse período existia uma diferença de classe social extremamente
evidente, isso fazia com que esse público fosse necessário ter certos requisitos mínimos
para acompanhar o jornal, seriam alguns desses, primeiramente, ser alfabetizado e
possuir uma renda na qual a assinatura do jornal não lhe fosse fazer falta. Esses fatores
se aplicam quase que a maioria dos jornais daquele período, acredito que com exceção
de jornais que possuem uma grande quantidade de ilustrações, já que isso possibilita
uma interpretação imagética daqueles que são analfabetos. Sendo assim o jornal
Correio Paulistano procurava a atrair principalmente a classe média até as mais altas,
de acordo com Débora C.F Garcia e Luzmara C. Ferreira em “Leitores de Folhetim do
Século XIX no Brasil: Uma Análise de Representações Discursivas Desses Novos
Leitores de Folhetim do Correio Paulistano” esse fato se configura na escrita de
folhetins que começaram a utilizar estratégias para alcançar públicos maiores para os
jornais, como aqueles interessados em romances e ou outros tipos de entretenimento.
Essas estratégias eram cruciais para a sobrevivência do próprio jornal, já que um
público maior significava um capital de venda maior.

3. O crescimento industrial no Brasil Império

São Paulo no início do século XIX praticava uma economia baseada na


monocultura, isso acabava resultando em falta de alimentos nas cidades, sendo assim os
mais ricos iriam morar em chácaras ao redor da cidade e lá plantavam seus próprios
alimentos, geralmente essas famílias ricas também tinham uma casa na cidade, onde em
ocasiões especiais faziam eventuais encontros. Em MORSE (p.173) Tuanay ao visitar
São Paulo em 1865, diz ser uma cidade pouco atraente e uma grande falta de atividade
na cidade. Já em MORSE (p. 208) diz que Hadfield em sua primeira visita a são Paulo
em 1868 viria a cidade de uma forma mais formidável, já que nesse período foram
introduzidas grandes inovações, dizia que as ruas eram boas e largas, lojas numerosas e
abastecidas, extensão e prosperidades evidente. Foram apenas 3 anos de diferença em
relação e uma experiência e outra, mas isso é muito bem explicado quando vemos um
pouco sobre o investimentos em ferrovias na cidade, principalmente diante de uma
grande acumulo de riquezas através do comercio de café.

No ano de 1865 em São Paulo é construído a primeira ferrovia, porém a cidade


ainda era pouco desenvolvida e ainda sua característica predominante era rural, mas a
partir de 1870 a indústria já começa a adquirir um ritmo de desenvolvimento maior, e as
políticas governamentais indo em direção ao progresso industrial começa a investir
fortemente na construção de ferrovias a fim de diminuir custos de transporte de
dinamizar a saída e entrada de produtos. Com a entrada dessas novas possibilidades de
comunicação e transporte melhorias na infraestrutura começam a compor a cidade,
serviços de água e esgoto começaram a aparecer e Hotéis, lojas comerciais, restaurante,
jardins e teatros também começaram a fazer parte da vida e cotidiano dos residentes.
O café plantado pela primeira vez no Brasil em 1727 foi um dos grandes
responsáveis por sustentar a economia brasileira, por muitos anos o café foi o principal
produto cultivado no Brasil, e isso se deve por uma gama de motivos, dentre elas a
grande procura pelo produto no mercado, mas não se limitando a isso, os serviços de
transporte do café eram mais fáceis e consequentemente mais baratos, mas por exemplo
no Nordeste a cana de açúcar se deu bem, pois os portos de exportação ficavam
próximos. O café então se constituía no principal produto brasileiro e em 1875 quando
as construções de ferrovias estavam veementes no Brasil, de acordo com SAES (p 46-
51), elas buscavam as regiões com maior produção de café e densidade populacional.
Sendo assim o café é um dos principais produtos responsáveis pelo desenvolvimento
industrial e econômico no Brasil.

Outro fator principal para compreender o desenvolvimento industrial brasileiro


foram as ferrovias, as máquinas a vapor de acordo com HOBSBAWM (2005, p. 73) foi
a principal inovação da revolução Industrial. O desenvolvimento dessas ferrovias
causou grande impacto social, pois nunca na história haviam desenvolvido algo que
pudesse chegar a uma velocidade tão grande

4. O Correio Paulistano sobre a questão industrial

No “Complemento a linha férrea de Itu” – dia: 27/01/1870 – página: 1 e edição


04076, destaco o seguinte trecho “Explendido é o futuro que para si vae abrindo a
província de S. Paulo. Acroda a iniciativa individual, o espírito de associação desperta,
a agricultura quebra antigas péas, a industria ensaia os primeiros passos (...) Em Lugar
do Sertanejo, que passava sem deixar vestígios no urberrimo solo, e descobria thesouros
para de novo perde-los, o paulista de hoje corta o espaço nas azas do moderno gripho
domado pela civilisação, descobre um brilhante em cada gotta de suor que cae sobre a
terra. A energia do querer, e o desenvolvimento intelectual tiraram os paulistas os laivos
de aventureiro, e ligaram as gigantescas empresas do século.

O trecho destacado anteriormente foi retirado de uma área reservada aos


comentários do jornal, é um trecho que podemos ter como grande destaque os elogios a
esse complemento de linha férrea de Itu, não poupando elogios percebemos que existe
um grande contentamento em relação a esse projeto, percebe-se também uma sutil mais
perceptível compreensão que a indústria está vindo para mudar as vidas dessas pessoas,
configurada na seguinte frase “O paulista de hoje corta o espaço nas azas do moderno
gripho domado pela civilização (...) A energia do querer, e o desenvolvimento
intelectual tiraram os paulistas os laivos de aventureiro, e ligaram as gigantescas
empresas do século” essa frase representa a noção do impacto industrial na vida do
agricultores, mudando agora como o trabalho é visto.

Ainda na mesma página do jornal destaco outro trecho que deve ser evidenciado:
“Além da exposição dos factos relativos a reunião dos acionistas da nova companhia,
traz ainda fiel indicação da vida ituana, hábitos da população, seus recursos etc., e
notável exposição, embora summaria, da importantíssima fabrica para fiar e tecer
algodão há pouco tempo montada naquela cidade com as mais aperfeiçoadas machinas
conhecidas na Europa e com o poderoso auxilio do vapor”. Esse trecho temos duas
principais características extremamente importantes, uma delas é a importação de
maquinas da Europa, demonstrando que esse continente exibe uma grande influência na
economia brasileira, a outra é a menção da máquina a vapor na indústria de algodão que
acaba de abrir, essa menção é extremamente relevante, pois de fato essas máquinas a
vapor representava um grande progresso tecnológico, além disso representa também um
grande investimento por parte de um empresário, isso significa que a região está se
desenvolvendo e proporcionando um clima seguro para investimentos em altas
tecnologias. Um outro fator interessante é em relação ao produto em que essa empresa
irá trabalhar, que é o algodão, isso reforça o fato de o surgimento de ferrovias estimular
a produção de outros produtos além do café que era muito cultivado ainda nesse
período.

“Noticiário” – dia: 22/01/1870 – Página 1, edição 04073. A seguir destaco mais


um trecho encontrado no noticiário do jornal: “As lutas dos partidos no Brazil são de
pequena importância para a apropriação da situação actual e futura do império, quando
comparada com seu desenvolvimento material e comercial. A politica do Rio de Janeiro
é, em verdade, uma mero episódio da História do Império. As provas do seu progresso
encontra-se, não nas discussões da Assembleia geral, mas sim nos louváveis esforços
dos lavradores para aumento da produção agrícola, na atividade do commercio, nos
projeto que estudam com o fim de reduzir as despesas de transporte e na animação
dadas pelos governos geral e província ao espírito da empreza e da Industria.”
Considero esse trecho de grande importância Histórica, nele podemos perceber a falta
de interesse na politica imperial, colocando o desenvolvimento capitalista acima desses
problemas políticos enfrentados no Rio de Janeiro, esse trecho representa o otimismo
em relação ao desenvolvimento dos setores capitalistas de São Paulo e do Brasil, isso
pode ser compreendido principalmente pelo salto de desenvolvimento que São Paulo
passava nos últimos anos, como foi dito anteriormente em o “Crescimento Industrial no
Brasil Império” houve entre 1865 e 1868 um grande salta no desenvolvimento urbano
de São Paulo, esse salta se deve principalmente pela construção de ferrovias que nos
anos seguintes continuaram a ser ampliadas, elevando esse otimismo em relação ao
desenvolvimento Industrial.

Saindo um pouco das ferrovias, agora falarei um pouco sobre uma grande
evolução no que se diz respeito a iluminação. As ferrovias já podemos considerar um
dos grandes responsáveis pelas modificações Urbanas, pois agora os mais ricos deixam
de viver aos arredores em chácaras vivendo dentro dos centros Urbanos, e utilizando
esses pequenos sítios apenas para feriados, também foi responsável por facilitar a
comunicação e encontros entre pessoas de cidades diferentes. Mas nesse período ainda
se usava iluminação a velas e lâmpadas a querosene, e no ano de 1870 já se inicia
prelúdios da chegada da iluminação a gás, essa afirmação pode ser configurada no
seguinte recorte: “Esperanças de Iluminação” – dia 8 de junho de 1870, edição 04175,
“Parece que vae afinal desencantar-se a de tanto tempo projectada e encantada
iluminação á gaz da capital. Communicam-nos que hontem foi depositada no tesouro
provincial a quantia de duas mil libras (...) Como promessa de que em breve começarão
as obram”. Vemos então que a capital do Brasil já possuía essa iluminação e que São
Paulo espera ansiosamente para a tal chegada. No trecho “Iluminação a Gaz” – dia:
02/04/1872 – página: 2, edição 04687, “Anunciou-se que a iluminação geral dos bicos
de gaz ante-hontem era a inauguração do serviço. Parece que não. Foi experiencia ao
mesmo tempo festejo á volta do Imperador. Hontem houve repetição, mas ainda com
caracter festivo, assim como anuncia-se para hoje a iluminação do jardim, se não
chover, com musica etc. Como inauguração seria inaceitavel o serviço, pois havia
muitos bicos de gaz (principalmente fora das ruas principaes da cidade), dando menos
luz que uma vela de sebo. Além do mais, não nos consta que as obras estejam recebidas
pela comphania, correndo portanto estas experiencias por conta dos empreiteiros.
Experiencia ou inauguração, o que é certo é que ainda não é satisfatório o serviço. Pois
então o projeto de iluminação a Gás é finalizado no ano de 1872, mas antes de fazer
comentário sobre esse trecho, gostaria de citar mais um na Seção particular intitulada
“Iluminação a Gás” do ano de 1873 e edição 05008, irei expor apenas um pequeno
trecho, pois o texto é longo e denso, destaco assim “ Antes de haver gáz a iluminação a
querosene me custou 18$ a 20$, se houvesse continuado com o querosene durante esses
onze meses teria gasto com iluminação no meu estabelecimento 220$, gerando um
economia de mais de cem por cento sobre o misterioso gás de São Paulo” É interessante
de se perceber que a iluminação a gás era muito esperada, porém não agradou nem um
pouco a população paulista, desde sua inauguração começou a se questionar se valia a
pena essa iluminação, ao analisar diversas páginas de jornais havia uma quantia muito
grande de informações deslegitimando essa iluminação com o argumento que ela é
menos eficaz e mais cara, ademais haviam noticias onde pessoas responsáveis pela
empresa que distribuía o gás dizendo que essas informações de o gás seria mais caro era
uma falácia, mas estava muito claro de quem o custo da iluminação a gás era
extremamente mais cara em comparação a de querosene, gerando altos custos para
empresários, comerciantes e outros.

5. Conclusões

É evidente que o jornal Correio Paulistano tinha grande apresso pelo


desenvolvimento Industrial e fazia questão de expor isso em seus periódicos, o jornal
estava sempre relatando notícias referente a construção de ferrovias e surgimentos de
novas Indústrias. Também podemos perceber que o jornal tinha pouco preocupação em
se relacionar, apoiar ou expor muitas opiniões sobre o império, obviamente era comum
notícias sobre esse tema, mas não era algo que chamava muito atenção, os periódicos
são extremamente focados em questões relativas à cidade de São Paulo, principalmente
no que se diz respeito ao desenvolvimento e progresso da cidade.

É interessante notarmos também que o jornal tem características populistas,


principalmente em relação a classe média, com comerciantes. Frequentemente pode-se
encontrar relatos de comerciantes criticando alguma decisão da cidade que tenha
afetado essas pessoas, também é notável a maneira como é trazido falas de políticos ou
de empresários, como já citado o representante de empresa responsável pela distribuição
do gás na cidade, suas falas são expostas de forma crítica, você consegue perceber que
não existe apoio por parte do jornal em relação a fala, diferente de quando temos relatos
de comerciantes ou até moradores.

Referências bibliográficas
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 9.ed.
São Paulo: Editora UNESP, 2010. Capítulo 6 Urbanização no Brasil no século XIX.

HEES, Felipe. A industrialização brasileira em perspectiva histórica (1808-1956). Em


Tempo de Histórias, nº. 18, Brasília, jan/jul. 2011, p. 100-131

LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização. Editora Alfa Omega, São Paulo,
1978.

MARTINS, Ana Luiza. Imprensa em tempos de Império. In: MARTINS, Ana Luiza;
LUCA, Tania Regina de. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.

TRIZOTTI, Patrícia T. O folhetim nas páginas do Correio Paulistano (1854-1940).


XXVIII Simpósio Nacional de História, Florianópolis, 2015.

BIBILIOTECA NACIONAL DIGITAL. Correio Paulistano (SP) - 1870 a 1879.


Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?
bib=090972_03&Pesq=fotos&pagfis=0. Acesso em: 18 out. 2021.

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções – Europa 1789 – 1848. 19° edição. São
Paulo: Editora Paz e Terra, 2005.

MORSE, Richard M. Formação Histórica de São Paulo (de Comunidade á


Metrópole). São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.

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