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Aplicações das Equações Lineares de Primeira Ordem

As equações diferenciais têm interesse para quem não é matemático, especialmente em virtude
da possibilidade de usá-las na investigação de ampla variedade de problemas nas ciências físicas,
biológicas e sociais. Há três etapas identificáveis neste processo, que estão sempre presentes,
independentemente do campo particular de aplicação.
Em primeiro lugar, é necessário traduzir, em termos matemáticos, a situação física, o que em
geral s faz mediante hipótese em torno do que está ocorrendo, e que parecem ser coerentes com os
fenômenos observados. Por exemplo, observou-se que os materiais radioativos decaem com uma taxa
proporcional à quantidade de material presente na amostra; que no calor passa de um corpo de
temperatura alta para um outro a temperatura mais baixa a uma taxa proporcional à diferença de
temperatura entre os dois corpos; que os corpos se deslocam de acordo com as leis de Newton do
movimento; e que as populações de insetos, isoladas, crescem a uma taxa proporcional à população
presente. Cada uma destas afirmações envolve uma taxa de variação (derivada) e, por isso, ao ser
expressa matematicamente, assume a forma de uma equação diferencial. A equação diferencial é um
modelo matemático do processo.
É importante ter em mente que as equações matemáticas são quase descrições aproximadas
dos processos reais, pois estão baseadas em observações que são, em si mesmas, aproximações. Por
exemplo, os corpos que se movem a velocidades comparáveis à velocidade da luz não são governados
pelas leis de Newton; nem as populações de insetos crescem indefinidamente, conforme o enunciado
anterior, em virtude de limitações de fontes de alimentos; e a transferência de calor é também
influenciada por outros fatores que não a diferença de temperatura. Além disso, o processo de formulação
de um problema físico em forma matemática, muitas vezes, a substituição conceitual de um processo
discreto por um processo contínuo. Por exemplo, o número de membros de uma população de insetos se
altera por quantidades discretas; no entanto, se a população for grande, parece razoável considerar a
população como uma variável contínua e até falar da sua derivada. Uma outra forma de interpretar o
processo de tradução é a de adotar o ponto de vista de as equações matemáticas descreverem
exatamente a operação de um modelo simplificado, que foi construído (ou concebido) de modo a
incorporar os traços mais importantes do processo real.
Em qualquer caso, uma vez que se tenha formulado matematicamente o problema, fica-se com o
problema de resolver uma, ou mais de uma, equação diferencial ou, quando isto não for possível, de
descobrir o máximo que for possível acerca da solução. Pode acontecer que o problema matemático seja
bastante difícil e, quando for assim, talvez sejam indicadas outras aproximações para que o problema
seja matematicamente tratável. Por exemplo, uma equação não-linear pode ser aproximada por uma
equação linear, ou uma função que varie lentamente pode ser aproximada pelo seu valor médio.
Naturalmente, qualquer dessas aproximações deve ser examinada também do ponto de vista físico, a fim
de que se tenha a segurança de o problema matemático continuar a refletir os traços essenciais do
processo físico que se estiver investigando. Ao mesmo tempo, o conhecimento íntimo da física do
problema pode sugerir aproximações matemáticas razoáveis que farão o problema matemático mais
tratável pela análise. Esta inter-relação da compreensão dos fenômenos físicos e do conhecimento das
técnicas matemáticas e das suas limitações é uma característica da melhor matemática aplicada e é
indispensável para a construção correta de modelos matemáticos de processos físicos complexos.
Finalmente, depois de conseguir a solução (ou pelo menos de ter uma certa informação sobre a
solução), é necessário interpreta-la em termos do contexto no qual se formulou o problema. Em particular,
é preciso sempre verificar se a solução matemática parece fisicamente razoável. Isso pode envolver, por
exemplo, o cálculo dos valores da solução em determinados pontos para compara-los com valores
observados experimentalmente. Ou pode-se verificar se o comportamento da solução após um longo
período de tempo é compatível com as observações feitas. Ou pode-se examinar as soluções
correspondentes a determinados valores particulares dos parâmetros no problema. Como é evidente, o
fato de a solução matemática parecer razoável não garante que seja correta. No entanto, se for
seriamente incoerente com as observações cuidadosas do sistema físico que pretende descrever, há a
sugestão de que erros talvez tenham sido cometidos na resolução do problema matemático ou de que o
modelo matemático seja, em si mesmo, muito grosseiro.

Exemplo

Ex.-1 O nuclídeo radioativo tório 234 desintegra-se a uma taxa proporcional à quantidade presente. Se
100mg deste material reduzem-se a 82,04mg em uma semana, ache uma expressão que dê a
quantidade presente em qualquer instante. Acha também o intervalo de tempo necessário para
que a massa do material decaia à metade do seu valor inicial.
Resolução:

M é massa do material, t é o tempo, k é a constante de proporcionalidade,  é a meia-vida


do material radioativo.
Equação de Primeira Segunda condição Cálculo da meia-vida
decaimento condição M  82,04 M     50
7 
dM M  100 M     100e 0, 02828
 kM 0
M  100e
k 7
dt k 0 7 
dM M C e 50  100e 0, 02828
 kdt 0 7k
0
82,04  100e e 0, 02828  0,5
M 0
100  C e
 
ln e 0, 02828  ln 0,5
7k
 0,8204
 
dM e
 kdt
0

M C  100
0  
ln e  ln 0,8204 
7k
 0,02828  0,6931
ln M  kt  C kt
7 k  0,19796  0,6931
M  100e 
ln M kt  C t   0,02828
e e k  0,02828
0 , 02828t   24,5 dias
 100e
kt C
M e e M
t  A meia-vida do nuclídeo é
C kt
M  e e Função massa de 24,5 dias.
kt
M C e
0

Ex.-2 Suponha que uma soma de dinheiro seja depositada num banco, ou numa financeira, que paga

juros à taxa anual i. O valor do investimento I t  , em qualquer instante t, depende da

freqüência na qual o juro é capitalizado e também da taxa de juros. As instituições financeiras


seguem várias orientações no que se refere à capitalização dos juros: algumas fazem-na
mensalmente, outras semanalmente e até diariamente. Se admitirmos que a capitalização seja
contínua podemos enunciar um problema de valor inicial simples que descreve o crescimento do
investimento feito.
Suponha que um cidadão abra uma conta individual para a aposentadoria, com a idade de 25
anos e um investimento inicial de R$200,00 e depois faça de maneira contínua. Admitindo que a
taxa de juros seja 8%a.a. qual será o montante disponível quando o cidadão tiver 65 anos?
Resolução:

I é o montante do investimento, t é o tempo, D é o valor depositado mensalmente, k éa


constante de proporcionalidade.

8
k  8%aa  %am  0,6667%am  0,006667
12
D  200
Equação da capitalização Primeira Segunda condição Cálculo da meia-vida

dI condição M  82,04 M     50
 kI  D 7 
dt M  100 k 7 M     100e 0, 02828
0
dI M  100e
 0,006667 I  200 k 0 7 
M C e 50  100e 0, 02828
dt 0 7k
0
82,04  100e e 0, 02828  0,5
dI
 dt
0
100  C e
 
ln e 0, 02828  ln 0,5
7k
0,006667 I  200 0 e  0,8204
dI
 0,006667 I  200   kdt
C  100
0  
ln e  ln 0,8204  0,02828  0,6931
7k

M  100e
kt
7 k  0,19796  0,6931

ln 0,006667 I  200  kt  C  t  k  0,02828  0,02828
ln 0 , 006667I  200 0 , 02828t   24,5 dias
e  e kt C M  100e
t 
0,006667 I  200  e kt e C A meia-vida do
0,006667 I  200  e e C kt
Função massa nuclídeo é de 24,5

0,006667 I  200  C0 e kt dias.

0,006667 I  C0 e kt  200
C0 200
I e kt 
0,006667 0,006667
I  C1e kt  29.998,5

Ex.-3 Na investigação de um homicídio, ou de uma morte acidental, é muitas vezes importante estimar
o instante da morte. Vamos descrever uma forma matemática para abordas este problema.
A partir de observações experimentais, sabe-se que, com uma exatidão satisfatória em muitas
circunstâncias, a temperatura superficial de um corpo se altera com uma taxa proporcional à
diferença de temperatura entre a do corpo e a temperatura das vizinhanças (a temperatura

ambiente). É o que se conhece como a lei de Newton do resfriamento. Assim, se T for a

temperatura do corpo num instante t , e se t A for a temperatura constante do ambiente, então

 k T  t A  , onde k  0
dT
T deve obedecer à equação diferencial linear é a constante
dt
de proporcionalidade. O sinal negativo da equação provém do fato de se o corpo for mais quente
que o ambiente T  t A  então ele se torna mais frio com o tempo. Então dT
0 quando
dt
T  t A  0 . Vamos agora admitir que no instante t  0 descobre-se um cadáver e que a sua

temperatura é medida e igual a T0 . Vamos admitir que no instante da morte t m a temperatura

do corpo fosse Tm igual à temperatura normal de 36ºC. Se admitirmos que a equação

diferencial seja válida para modelar esta situação, a nossa tarefa é determinar tm .
Vamos admitir que a temperatura do corpo seja 30ºC no instante da descoberta e 23ºC duas
horas depois; a temperatura ambiente é 20ºC. O corpo foi descoberto depois de quanto tempo
do óbito?

Lei de Newton de Primeira Segunda condição Determinação do


resfriamento condição T  23 momento do óbito

 
2 
dT T  20  C e
kt
Tt   36
 k T T k 2
dt  t  0 T  20  10e
Tt   20  10e 0, 602t
A
2 
T  30
 k T  20 
dT 0  2k
20  10e  23 20  10e 0, 602t  36
dt k 0
T  20  C e 2k
10e 0, 602t  36 - 20
dT 0  10e  23  20
 kdt
0

T  20 0
20  C e  30 10e  3
2k
10e 0, 602t  16

 
dT 0
16
 kdt C  30  20 2k 3 0 , 602t

T  20 0
e  e
10
10
ln T  20   kt  C C  10 2k e 0 , 602t
 1,6
ln T  20 e  0,3
 
kt C 0
e
   ln 1,6 
e  0 , 602t
ln e
ln e  ln 0,3
kt
T  20  10 e 2k
C kt t   0,602t  0,4700
T  20   e e
2k  1,2040
kt 0,47
T  20  C e  1,2040 t
0 k  k  0,6020  0,602
kt 2
T  20  C e 0 , 602t t  0,7807 horas
0 T  20  10e
t  t  47 min utos

Função temperatura O óbito ocorreu


aproximadamente
53 minutos antes
da descoberta do
corpo.

Ex.-4 No instante t 0 um tanque contém M 0 kg de certo sal dissolvidos em 100 litros de água.

Uma solução de sal em água, com c kg por litro de água, entra no tanque à razão de q
litros/minuto e uma solução homogênea sai do tanque com a mesma vazão.
a) Resolva a equação descrita neste processo.

b) Determine a quantidade limite de sal ML .


c) Determine a quantidade de sal Mt .

d) Determine Mt  para c  0,25 kg l , q  3l min e M 0  2M L .


e) Determine o intervalo de tempo após o qual a diferença entre a quantidade de sal e ML
é menor que 2%.
f) Determine também a vazão em litros/minuto para que o valor de t não seja maior do que
45 minutos.

Exercícios

dM
E-1. O nuclídeo plutônio 241 decai de acordo com a equação diferencial  0,0525M , onde
dt
M está em miligramas e t em anos.
a) Determinar a meia-vida  do plutônio 241.
b) Se 50mg de plutônio 241 estiverem presentes numa amostra no dia de hoje, quanto plutônio
existirá daqui a 10 anos?
E-2. O einstéinio 253 decai a uma taxa proporcional à quantidade do nuclídeo presente. Determine a
meia-vida  se o material perde um terço da sua massa em 12 dias.
E-3. Suponha que 100mg de tório 234 estejam num recipiente fechado e que se adicione ao recipiente
amostras de tório 234 à taxa constante de 1mg/dia.

a) Achar a quantidade Mt  de tório 234 presente no instante em qualquer instante.

b) Achar a quantidade limite ML de tório 234 no recipiente , quando t  .


c) Qual deve ser o intervalo de tempo decorrido até que a quantidade de tório 234 no recipiente

fique a 0,5mg do seu valor limite ML ?


d) Se o tório 234 for adicionado ao recipiente à taxa de k mg/dia, achar o valor de k necessário
para manter, num nível constante de 100mg, a quantidade de tório 234.

E-4. Mostre que, qualquer material radioativo que decaia segundo a equação M \  kM , a meia-
vida  e a taxa de decaimento k satisfazem a equação k  ln 2 .
E-5. Suponha que a população da terra está aumentando a uma taxa proporcional à população.

Calcula-se que no instante t 0 (1650) a população da terra era de 600 milhões de habitantes e

que no instante t  300 (1950) era de 2,8 bilhões.


a) Determine uma expressão para a população da terra em função do tempo.
b) Supondo que a maior população que a terra é capaz de sustentar seja de 25 bilhões de
habitantes, quando será atingido este limite?
E-6. Suponha que a temperatura de uma xícara de café obedece à lei de Newton do resfriamento. Se o
café está a uma temperatura de 90ºC logo depois de coado e um minuto depois a temperatura
diminuiu para 85ºC em uma cozinha que se encontra a 25ºC, determine o tempo que o café levará
para chegar a temperatura de 65ºC.
E-7. Vamos admitir que a temperatura de um corpo seja 30ºC no instante da descoberta e 23ºC duas
horas depois; a temperatura ambiente é 0ºC. O corpo foi descoberto depois de quanto tempo do
óbito?
E-8. Suponha que um corpo à temperatura de 30ºC seja descoberto à meia-noite e que a temperatura
ambiente seja constante e igual a 20ºC. O corpo é transportado rapidamente (suponha que o
transporte seja instantâneo) para o necrotério, onde a temperatura ambiente é mantida em 5ºC.
Depois de uma hora, a temperatura do corpo é de 15ºC. Estimule a hora da morte.
E-9. Suponha que uma gota de chuva esférica evapora com uma rapidez proporcional à área
superficial. Se o raio da gota é originalmente 3mm e meia hora depois diminui para 2mm,
determine uma expressão para o raio da gota em função do tempo.
E-10. Um tanque contém inicialmente 120 litros de água pura. Uma mistura contendo uma concentração
de  g/litro de um certo sal entra no tanque com uma vazão de 2litros/minuto e a solução
homogênea deixa o tanque com a mesma vazão. Determine uma expressão em termos de 
para a quantidade de sal no tanque em função do tempo t. Determine também a quantidade
limite de sal no tanque quando t  .
E-11. Considere um tanque usado em certos experimentos de hidrodinâmica. Depois de um
experimento o tanque contém 200 litros de uma solução de corante com uma concentração de
1g/litro. Para preparar o sistema para o experimento seguinte, o tanque é lavado com água pura,
que entra com uma vazão de 2 litros/minuto; a solução homogênea sai com a mesma vazão.
Determine o tempo necessário para que a concentração de corante diminua para 1% do valor
original.
E-12. Um tanque contém inicialmente 400 litros de água pura. Uma solução de 50g/l de um certo sal é
introduzida no tanque com uma vazão de 10 litros/minuto e a solução homogênea resultante sai
do tanque com a mesma vazão. Depois de 10 minutos, o processo é interrompido e água pura é
despejada no tanque com uma vazão de 10litros/minuto; a solução sai novamente com a mesma
vazão. Determine a quantidade de sal no tanque após mais 10 minutos.
E-13. Um tanque com 500 litros de capacidade contém originalmente 200 litros de água com 10kg de
um certo sal em solução. Um fluxo de água contendo 100g de sal por litro entra no tanque com
vazão de 15 litros/minuto e a solução homogênea sai do tanque com uma vazão de 10
litros/minuto. Determine a quantidade de sal no tanque em função do tempo antes que ele comece
a transbordar. Determine a concentração (em kg por litro) de sal no tanque quando está
completamente cheio. Compare esta concentração com a concentração limite se o tanque tivesse
uma capacidade infinita.

E-14. Suponha que um aposento contenha 34m3 de ar originalmente isento de monóxido de carbono.

A partir do instante t  0 , fumaça de cigarro contendo 4% de monóxido de carbono é introduzida


3
no aposento com uma vazão de 0,002m /minuto e a mistura gasosa homogênea sai do aposento
com a mesma vazão.

a) Determine uma expressão para a concentração C t  de monóxido de carbono no aposento.

b) A exposição prolongada a concentrações de monóxido de carbono maiores do que 0,00012 é


prejudicial à saúde. Determine o intervalo de tempo  após o qual esta concentração é atingida.

3.5 Respostas

R - 1 (a)   13,20 anos (b) M  29,575 mg


10

R-2   20,5 dias .


0, 0283t
R - 3 (a) M  35,34  64,66e ; (b) M  35,34 mg ; (c) t  171,7 dias ; d)
t  L

c  2,83 mg dia .
R-4
0, 005135t
R - 5 (a) P  600e ; (b) t  726,3 anos .
t 

R-6 t  6,07 min utos


R-7 t  1,58 horas , ou seja, o corpo foi descoberto uma hora e trinta e quatro minutos depois do
óbito.

R-8 t  0,51 horas ou t  30,6 min utos , ou seja, o corpo foi descoberto trinta e cinco

minutos depois do óbito.

3 1
R-9 r  ou r  .
t  t 1 t  0,33t  0,33
R - 10
R - 11 460,52 minutos
R - 12 3.426,7g
R - 13
R - 14

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