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Organizacao de Redes Regionalizadas e Integradas de Atencao A Saude
Organizacao de Redes Regionalizadas e Integradas de Atencao A Saude
ARTIGO ARTICLE
de atenção à saúde: desafios do Sistema Único de Saúde (Brasil)
Abstract This article examines the causes of the Resumo O artigo refere-se às causas da segmen-
segmentation/fragmentation in the healthcare tação/fragmentação na atenção à saúde e aos be-
process and the benefits of the constitution of net- nefícios da integração e constituição de redes para
works set up to rationalize expenditures, optimize racionalizar gastos, otimizar recursos e promo-
resources and ensure care tailored to the needs of ver uma atenção condizente com as necessidades
the users. Its main purpose is to analyze the cur- dos usuários. Tem como principal objetivo anali-
rent challenges facing Brazil’s Unified Health Sys- sar os desafios presentes no Sistema Único de Saú-
tem, in order to promote improved integration de para promover uma melhor integração entre
between services. Among the challenges, those re- os serviços e organizar redes. Entre os desafios
lated to the insufficiency of resources due to low abordados, destacam-se os relacionados à insufi-
public funding, the training and education pro- ciência de recursos decorrentes do baixo financi-
cesses and their effects on the availability of health amento público, aos processos de formação e edu-
professionals to work in the public health system cação e seus reflexos na disponibilização dos pro-
and the difficulties in the decentralization of health fissionais para o sistema público e às dificuldades
services and actions in the context of the Brazil- inerentes à descentralização de ações e serviços de
ian Federation Pact should be stressed. The paper saúde no contexto do pacto federativo brasileiro.
concludes that, besides the efforts to tackle these O artigo conclui que, além de esforços para en-
challenges, the organization of regionalized net- frentar esses desafios, a organização de redes regi-
works integrated with the Unified Health System onalizadas e integradas no SUS depende de aper-
also depends on the improvement of intergovern- feiçoamento na gestão intergovernamental nas
mental management in the health regions to bol- regiões de saúde para qualificar a pactuação de
ster the agreement on responsibilities among the responsabilidades entre as esferas de governo e de
government areas and the qualification of prima- qualificação da atenção primária à saúde para
ry healthcare to coordinate care and ensure its coordenar o cuidado e ordenar sua continuidade
continuity at other levels of the system. nos outros níveis do sistema.
Key words Integrated delivery systems, Regional- Palavras-chave Redes de atenção à saúde, Regi-
1
Conselho Nacional de
Secretarias Municipais de ization, Comprehensive health care, Primary onalização, Assistência integral à saúde, Atenção
Saúde. Eplanada dos health care, Unified Health System primária à saúde, Sistema Único de Saúde
Ministérios, bloco G, anexo,
ala B, sala 144. 70058-900
Brasília DF.
silviof@sercomtel.com.br
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Silva SF
HIV/Aids, hanseníase, tuberculose, novas viroses lagem para articular esses níveis não deve ser na
respiratórias etc., além de expressivo aumento de forma piramidal, que habitualmente situa os ser-
causas decorrentes da violência. Esse perfil noso- viços de APS na base da pirâmide e os demais,
lógico, caracterizado por uma tripla carga de em complexidade crescente, da base para o topo.
doenças – crônicas, infecciosas e da violência –, Os serviços de saúde interagem entre si em dife-
exige diferentes respostas dos sistemas de saúde. rentes fluxos, em uma relação horizontalizada
Para atender a essas necessidades, os serviços pre- com elevado grau de interdependência, de forma
cisam estabelecer vínculos mais estáveis e dura- tal que os clássicos instrumentos de referência e
douros com os usuários e instituir mecanismos contrarreferência entre níveis de atenção em um
que assegurem longitudinalidade, através de li- modelo piramidal não se mostram adequados.
nhas de cuidado que abranjam prevenção e pro- Um princípio importante a ser adotado é o do
moção e orientem os usuários no seu caminhar sistema em redes usuário-centrado, no qual de-
nas redes de atenção à saúde. vem estar instituídas linhas de cuidado levando
Quanto à otimização dos recursos, as redes em conta a singularidade de suas demandas e
de atenção à saúde têm sido consideradas um necessidades.
importante fator de racionalização de gastos e Os principais componentes das redes inte-
melhor aproveitamento da oferta assistencial dis- gradas e regionalizadas de atenção à saúde são:
ponível. Em sistemas com essa organização, os (1) os espaços territoriais e suas respectivas po-
recursos podem ser mais bem aproveitados des- pulações com necessidades e demandas por ações
de que sejam aperfeiçoados os mecanismos de e serviços de saúde; (2) os serviços de saúde “ ou
incorporação tecnológica e de acesso dos usuári- pontos da rede “ devidamente caracterizados
os aos diferentes serviços, e de obtenção de eco- quanto a suas funções e objetivos; (3) a logística
nomias de escala e escopo na composição e or- que orienta e controla o acesso e o fluxo dos usuá-
ganização deles. rios; e (4) o sistema de governança.
Economia de escala é obtida quando o custo Embora as redes não precisem necessaria-
médio dos procedimentos diminui pelo bom mente de territórios definidos, isso representa
aproveitamento da capacidade instalada, com uma evidente vantagem. Essa condição favorece
distribuição dos custos fixos para o maior nú- uma definição mais clara das responsabilidades
mero possível de procedimentos, eliminando oci- que cabem a cada serviço situado no território e
osidades e desperdícios. Economia de escopo se também melhor articulação intersetorial para
obtém ampliando a gama de serviços oferecidos intervenção em determinantes de saúde através
pela unidade assistencial, com isso reduzindo de integração com outras políticas públicas. Tem
também os custos fixos pelo fato de eles se dilu- sido uma condição considerada imprescindível
írem em tipos diferentes de procedimentos como quando se pretendem cooperação e solidarieda-
ocorre, por exemplo, com unidades de APS de de entre os atores e organizações de saúde da
maior porte, que agregam alguns serviços am- região para o atendimento das demandas e ne-
bulatoriais especializados e de diagnose-terapia. cessidades em saúde de uma dada população.
No entanto, deve-se levar em conta o acesso mais Além disso, oferece melhores condições para cons-
facilitado das pessoas ao procedimento assisten- trução de vínculos e corresponsabilização entre
cial, buscando um equilíbrio deste com escala/ profissionais e usuários para melhoria das con-
escopo, já que o acesso, assim como a eficiência dições de saúde2,6,23.
econômica, é também um componente impres- No trinômio espaço territorial/população/
cindível da qualidade em saúde. serviços de saúde, deve-se enfatizar a importân-
Estudos que atestem a efetividade e a racio- cia primordial da atenção primária à saúde (APS)
nalização de gastos em sistemas integrados em como coordenadora do cuidado e ordenadora
redes são mais facilmente encontrados quando do acesso dos usuários para os demais pontos
se trata de aferir os benefícios dos cuidados para de atenção. O papel-chave da APS para o ade-
situações específicas como na atenção à Aids, nas quado funcionamento das redes de atenção à
redes de saúde mental e atenção hospitalar, entre saúde tem sido enfatizado por numerosos auto-
outras, tal como apontam Hartz e Contandrio- res3,24-27, e seu fortalecimento depende de um con-
poulos22. Esses autores destacam que ainda per- junto de condições entre as quais se destacam:
sistem lacunas na avaliação do desempenho dos (1) disponibilidade de médicos generalistas com
sistemas de saúde em seu conjunto. boa formação para cuidar da saúde da comuni-
Outro aspecto importante é a relação entre dade, com utilização das melhores evidências cien-
os níveis de atenção da rede assistencial. A mode- tíficas na terapêutica dos problemas mais pre-
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equipes de Saúde da Família, 300 em 1994, ultra- área de recursos humanos como um dos pontos
passam 35.000 em 2010. de estrangulamento do SUS. Afirmava o autor:
Apesar de, evidentemente, positiva para am- A inserção de novos profissionais de saúde no SUS,
pliar o acesso, a expansão de cobertura não tem mesmo tendo sido crescente nas duas últimas déca-
se mostrado suficiente para atender na plenitude das, tem sido ultimamente constrangida por fato-
às necessidades assistenciais dos usuários do SUS. res conjunturais e estruturais que poderão ter for-
Para ilustrar, o número de consultas médicas por te repercussão negativa na agenda futura do SUS29.
usuário do sistema público situa-se em 2,5 por Para enfrentar tal desafio, esse autor propunha,
ano, enquanto nos países da Organização para a na época, que se regulamentasse uma legislação
Cooperação Econômica Europeia (OECD), com compatível com o contexto da descentralização
sistemas universais, varia de 5 a 928. da saúde e que os municípios fossem apoiados
Os indícios de esgotamento dessa forma de solidariamente pelos outros níveis de governo.
expansão se expressam no crescimento dos gas- Em 2007, Silva e Silva30, analisando os desa-
tos municipais - já que os incentivos cobrem ape- fios da gestão municipal para a sustentabilidade
nas parte dos custos de implantação - e em res- da expansão dos serviços do SUS, apontaram
trições legais para contratação de pessoas. Os para a necessidade de revisão do pacto federati-
gastos municipais em saúde, que já vinham cres- vo, redefinindo as responsabilidades e atribui-
cendo na década de 1990 e segundo o Instituto ções entre os entes federados, e propuseram a
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o realização de uma reforma tributária que ajus-
Banco Central representavam 0,62% do PIB em tasse os tributos às responsabilidades assumi-
2000, continuaram a subir nesta última década, das e a revisão da Lei de Responsabilidade Fiscal
atingindo 1,07% em 2007. Os empregos públicos para a saúde. Consideraram também que a cria-
em saúde, principal componente de gastos de ção de um fundo especial tripartite para contra-
funcionamento dos novos serviços, que em 1980, tação de trabalhadores para o SUS seria uma al-
segundo o IBGE, eram 43.086, perfaziam 997.137 ternativa a ser considerada, pois poderia con-
em 2005, o que corresponde a um aumento su- substanciar operacionalmente a necessária soli-
perior a 2.000% nesse período. dariedade entre as esferas de governo na estrutu-
A maioria dos municípios compromete em ração da força de trabalho no SUS.
torno de 20% do orçamento municipal com saú- De acordo com Arretche31, é natural que os
de - lembrando que a Constituição estabelece 15% governos centrais procurem induzir as esferas
como limite mínimo - e muitos atingiram os li- subnacionais a implementar as políticas neces-
mites de gastos com pessoal impostos pela Lei de sárias para a consolidação de um sistema de saú-
Responsabilidade Fiscal (LRF). Um dos efeitos de forte e extensivo a todo o território nacional.
colaterais dessa situação é a contratação de pro- Acha necessário, no entanto, que seja preservado
fissionais de saúde através de parcerias com insti- um grau razoável de autonomia dos governos
tuições privadas para driblar a LRF, mas que dei- subnacionais para que eles adaptem o modelo
xam os gestores municipais em situação de fragi- de saúde às peculiaridades regionais e locais. Para
lidade perante o Ministério Público do Trabalho garantir a unidade do conjunto das políticas e o
pela dubiedade da legislação nesse aspecto. Outro uso adequado dos recursos transferidos, meca-
é a precarização nas formas de contratação, com nismos de regulação devem ser instituídos. O tri-
prejuízos aos direitos dos trabalhadores, o que nômio indução, autonomia e regulação deve ter
contribui para aumentar a rotatividade. um equilíbrio para que as relações entre os entes
federados seja harmônica. O excesso de indução
Equilíbrio entre indução, autonomia da década de 1990, especialmente após a vigência
e regulação entre as esferas de governo da NOB SUS 01/9632, sem considerar os reflexos
no processo de descentralização de longo prazo, foi um dos fatores importantes
da expansão não sustentada dos recursos assis-
A indução federal para os municípios assu- tenciais do SUS23,29.
mirem responsabilidades crescentes na assistên-
cia à saúde desconsiderando restrições do pacto Planejamento e gestão intergovernamental
federativo brasileiro, especialmente após a déca- nas regiões de saúde
da de 1990, tem sido motivo de preocupação dos
gestores municipais há algum tempo, especial- O Pacto pela Saúde tem a integração regional
mente pelo impacto na folha de pagamento. No como um de seus principais objetivos. Estudos
início dessa década, em 2001, Silva29 apontava a que avaliam sua implementação têm mostrado
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Campos38 tem divulgado a proposta de “co- cessárias para avançar na integração dependem
gestão da clínica”, que procura compartilhar as do momento histórico e dos marcos político,
responsabilidades entre paciente/usuário, gestor/ econômico e técnico que delimitam a organiza-
organização e clínico/equipe visando obter condi- ção dos sistemas de saúde; portanto, a investiga-
ções mais favoráveis para a efetivação da clínica ção sobre a integração em saúde deve considerar
ampliada. Esta tem como fundamentos a valori- os elementos contextuais presentes em cada país.
zação dos aspectos sociais e subjetivos, sendo mais Os obstáculos estruturais e conjunturais que
adequada para enfrentar as singularidades pre- dificultam a efetivação plena dos princípios da
sentes no trabalho em saúde. Nessa proposta, é reforma sanitária brasileira, tais como o baixo
dada ênfase à participação do paciente como su- financiamento público, as contradições entre as
jeito do processo de cuidado à saúde e à utilização políticas de formação e educação em saúde e as
de estratégias para incorporar os conceitos de ges- necessidades do sistema público e os problemas
tão da clínica nas organizações de saúde, tais como: não resolvidos de gestão e regulação públicas na
atuação multiprofissional em visitas clínicas; cria- saúde, constituem desafios importantes que de-
ção de equipes de referência para um conjunto de vem ser considerados na avaliação da integração
pacientes; elaboração de projetos terapêuticos sin- da saúde no SUS.
gulares para casos e situações mais complexas; e Além destes, dificuldades mais específicas
adoção de formas interativas para suporte especi- como as inerentes à institucionalidade para o pla-
alizado, através de equipes matriciais42. nejamento e gestão intergovernamental nas re-
giões de saúde e à gestão da produção do cuida-
do, com implementação de modelos de gestão e
Considerações finais de atenção à saúde que deem centralidade à APS
tanto para coordenar o cuidado quanto para or-
A integração da saúde, com constituição de redes denar as redes de atenção, são desafios também
regionalizadas e integradas de atenção, é condi- presentes no contexto do SUS. Propostas de in-
ção indispensável para a qualificação e a conti- tegração e constituição de redes de atenção à saú-
nuidade do cuidado à saúde e tem grande im- de no SUS terão chances reduzidas de avanço se
portância na superação de lacunas assistenciais e utilizarem modelos prescritivos sem considerar
racionalização e otimização dos recursos assis- esses elementos contextuais e as estratégias ne-
tenciais disponíveis. Condições e estratégias ne- cessárias para que as mudanças aconteçam.
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