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DIDÁTICA,

PLANEJAMENTO E
AVALIAÇÃO
AULA 4
Conhecimento
e Conteúdo
de Ensino

ABERTURA

Olá!
Os conteúdos escolares podem assumir diferentes orientações, conforme as várias teorias da
educação que foram construídas historicamente.

A importância de organizar e selecionar os conteúdos é indiscutível. Alguns educadores


acreditam que a organização do conteúdo se constitui numa só unidade, em que teoria e prática
se fundem. Ou seja, no fazer gera-se o saber.

Outros procuram redefinir os conteúdos a partir de um determinado ponto de vista da classe.

E existem aqueles que colocam a sistematização do conhecimento a partir de problemas postos


pela prática social. Nesta unidade continuaremos abordando os conteúdos de ensino.

BONS ESTUDOS!
REFERENCIAL TEÓRICO

Vamos conversar um pouco sobre PRÁTICAS PEDAGÓGICAS.

O Artigo a seguir tem como pressuposto a consideração de que as práticas pedagógicas


se configuram na mediação com o outro, ou com os outros, e é esse outro que oferece às
práticas seu espaço de possibilidade.

Contraditoriamente, observa-se que as práticas podem funcionar como espaço de


resistência e de reverberação de múltiplas dominações; portanto, como um espaço eivado
de contradições.

BOA LEITURA!

Ao final desta aula, você deverá:

• Reconhecer a relação existente entre recurso material, metodologia e conteúdo.


• Escolher os melhores recursos materiais para cada tipo de conteúdo.
• Respeitar as habilidades dos diferentes profissionais no uso dos recursos eleitos para o
desenvolvimento dos conteúdos.
CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

Práticas pedagógicas de ensinar-aprender: por entre


resistências e resignações

Maria Amélia Santoro FrancoI


Resumo

O presente artigo tem como pressuposto a consideração de que as


práticas pedagógicas se configuram na mediação com o outro, ou
com os outros, e é esse outro que oferece às práticas seu espaço
de possibilidade. Contraditoriamente, observa-se que as práticas
podem funcionar como espaço de resistência e de reverberação
de múltiplas dominações; portanto, como um espaço eivado de
contradições. Os dados empíricos que permitiram a construção
desses pressupostos decorrem de uma pesquisa-ação pedagógica
(FRANCO, 2012) realizada com docentes de ensino fundamental. A
análise desses dados, realizada por meio da hermenêutica crítica,
permite a discussão de três objetivos: a) analisar a abrangência e as
possibilidades da prática pedagógica como espaço de contradição
e de resistência; b) compreender a importância da pedagogia
como ciência que pode esclarecer e indicar reflexões para as
resistências que, inexoravelmente, impõem-se às práticas; e c)
identificar as possibilidades da pesquisa-ação pedagógica como
instrumento de mediação das contradições e como dispositivo
formativo na negociação de sentidos que emergem das práxis.
Conclui compreendendo que, na tensão primordial inerente ao
processo de ensinar-aprender, convivem resistências e resignações;
aprendizagens e possibilidades. As práticas pedagógicas operam a
partir do diálogo fecundo, crítico e reflexivo, que se estabelece entre
os múltiplos sujeitos, entre intencionalidades e ações. A retirada
dessa esfera de reflexão crítica e do diálogo entre intencionalidades
e ações implica o empobrecimento do sentido da prática educativa.
Reafirma-se que os princípios fundadores da pesquisa-ação
pedagógica podem auxiliar na ressignificação de práticas escolares.

Palavras-chave

Práticas pedagógicas — Práticas educativas — Pedagogia —


Pesquisa-ação pedagógica.

I- Universidade Católica de Santos, Santos,


SP, Brasil.
Contato: ameliasantoro@uol.com.br

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 3, p. 601-614, jul./set. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702 2015 07140384 601
CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

Pedagogical practices of teaching-learning: amid


resistances and resignations

Maria Amélia Santoro FrancoI

Abstract

This article presupposes that pedagogical practices are configured in


the mediation with the other, or with others, and that the other offers
practices his or her space of possibility. Paradoxically, practices
can work as a space of resistance and reverberation of multiple
dominations; therefore, as a space riddled with contradictions.
The empirical data that allowed the construction of these
assumptions result from pedagogical action research (FRANCO,
2012) conducted with primary education teachers. Performed by
critical hermeneutics, data analysis allows the discussion of three
objectives: a) to analyze the scope and possibilities of pedagogical
practice as a space of contradiction and resistance; b) to understand
the importance of pedagogy as science that can clarify and indicate
reflections for the resistances that inexorably impose themselves on
practice; and c) to identify the possibilities of pedagogical action
research as an instrument of mediation of the contradictions and
as a formative device in the negotiation of meanings that emerge
from praxes. It concludes that, in the primordial tension inherent
in the process of teaching-learning, resistances and resignations,
as well as learning and possibilities coexist. Pedagogical practices
operate from the fertile, critical and reflective dialogue established
between multiple subjects, and between intentionalities and actions.
The removal of this sphere of critical reflection and dialogue
between intentionalities and actions leads to the impoverishment
of the sense of educational practice. This article reaffirms that the
founding principles of pedagogical action research can assist in
resignifying school practices.

Keywords

Pedagogical practices — Educational practices — Pedagogy —


Pedagogical action research.

I- Universidade Católica de Santos, Santos,


SP, Brasil.
Contact: ameliasantoro@uol.com.br

602 http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702 2015 07140384 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 3, p. 601-614, jul./set. 2015.
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Resistência é um conceito originariamente ético, e Quero, neste texto, discutir a


não estético. abrangência e as possibilidades da prática
O seu sentido mais profundo apela para a força da
vontade que resiste a outra força, exterior ao sujeito. pedagógica como espaço de contradição, da
Resistir é opor a força própria à força alheia. pesquisa-ação pedagógica como instrumento
O cognato próximo é in/sistir; o antônimo familiar é de/sistir. de mediação das contradições e da pedagogia
Alfredo Bosi
como ciência que pode iluminar a compreensão
da inexorabilidade dessas resistências frente às
Introdução práticas, realçando seu papel na negociação
de sentidos que emergem das práxis e que
A questão investigativa que trago neste permitem sua reconfiguração. Coloco como
artigo foi desencadeada nas discussões que se questão central para este artigo a que me foi
seguiram a uma palestra que apresentei no VII posta pela plateia: se a pedagogia é sempre
Seminário Internacional Redes, ocorrida em uma intervenção nas práticas educativas, qual
junho de 2013, na Universidade Estadual do é o papel das práticas pedagógicas frente às
Rio de Janeiro (UERJ). Em uma mesa com Jean resistências postas pelos sujeitos da prática?
Houssaye, professor da Université de Rouen,
discutimos as possibilidades da aula expositiva Pedagogia como práxis: a esfera
na atualidade. Comecei apresentando alguns do imponderável
mitos que rondam a significação das práticas
de ensinar-aprender. A identificação e análise A pedagogia e suas práticas são da ordem
desses mitos eu os tenho realizado com da práxis; assim, ocorrem em meio a processos
professores que partilham comigo pesquisas, que estruturam a vida e a existência. A pedagogia
junto ao observatório da prática docente, projeto caminha por entre culturas, subjetividades,
que desenvolvo junto ao Conselho Nacional sujeitos e práticas. Caminha pela escola, mas
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico a antecede, acompanha-a e caminha além. A
(CNPq), desde 2007 (FRANCO, 2010; 2013), didática possui uma abrangência menor, mais
na perspectiva metodológica do que venho focada nos processos escolares dentro das salas
denominando pesquisa-ação pedagógica. de aula. A pedagogia coloca intencionalidades,
Ao rever os mitos para discuti-los projetos alargados; a didática compromete-se a
nessa mesa redonda, veio-me a questão de dar conta daquilo que se instituiu chamar de
que as práticas pedagógicas se configuram saberes escolares. A lógica da didática é a lógica
na mediação com o outro, ou com os outros, da produção da aprendizagem (nos alunos),
e é esse outro que oferece às práticas seu a partir de processos de ensino previamente
espaço de possibilidade. Portanto, as práticas planejados. A prática da didática é, portanto,
podem funcionar como espaço de resistência uma prática pedagógica. A prática pedagógica
e também de reverberação de múltiplas inclui a didática e a transcende.
dominações. Trata-se de um espaço eivado Muitas questões logo se colocam:
de contradições. As práticas pedagógicas posso planejar o ensino-aprendizagem ou
revelam o outro da relação educativa. O outro apenas será possível planejar atividades que
pode/deve, muitas vezes, resistir e não entrar talvez conduzam à aprendizagem? Trabalha
no jogo proposto pela prática pedagógica. a didática na perspectiva do talvez? Será esse
No entanto, a compreensão/enfrentamento talvez o componente que carrega a didática
dessas resistências configuram à pedagogia de certa imponderabilidade? Posso controlar
um papel fundamental. Por entre resistências, a aprendizagem que decorre do ensino? Ou
desistências e insistências, a pedagogia se faz as aprendizagens são caminhos construídos
prática e habita entre nós. pelos sujeitos a partir de suas interpretações

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e vivências nas diferentes esferas de vida? O concretizar determinadas expectativas


professor concretiza sua ação pedagógica ao educacionais. São práticas carregadas de
dar aula ou a concretiza quando consegue intencionalidade e isso ocorre porque o próprio
ensinar alguma coisa a alguém? O aluno precisa sentido de práxis configura-se através do
aprender. Aprender o que o professor deseja estabelecimento de uma intencionalidade, que
ou aprender o que o momento lhe permite dirige e dá sentido à ação, solicitando uma
aprender? Posso/devo como professor controlar intervenção planejada e científica sobre o
o que o aluno aprende? objeto, com vistas à transformação da realidade
Planeja-se o ensino na intencionalidade da social. Tais práticas, por mais planejadas que
aprendizagem futura do aluno. No entanto, o grande sejam, são imprevisíveis porque nelas “nem a
desafio da didática tem sido a impossibilidade teoria, nem a prática tem anterioridade, cada
de controle ou previsão da qualidade e da uma modifica e revisa continuamente a outra”
especificidade das aprendizagens que decorrem de (CARR, 1996, p. 101).
determinadas situações de ensino. As aprendizagens ocorrem entre
O planejamento do ensino, por mais eficiente os múltiplos ensinos que estão presentes,
que seja, não poderá controlar a imensidão de inevitavelmente, nas vidas das pessoas e que
possibilidades das aprendizagens que cercam um competem ou potencializam o ensino escolar.
aluno. Como saber o que o aluno aprendeu? Como Há sempre concomitâncias de ensino. Aí está
planejar o próximo passo de sua aprendizagem? o desafio da tarefa pedagógica hoje: tornar
Precisamos de planejamento de ensino ou de o ensino escolar tão desejável e vigoroso
acompanhamento crítico e dialógico dos processos quanto outros ensinos que invadem a vida
formativos dos alunos? dos alunos.
A contradição sempre está posta Dessa forma, podemos perceber o perigo
nos processos educativos: o ensino só se que ronda os processos de ensino quando este
concretiza nas aprendizagens que produz! E se torna excessivamente técnico, planejado
as aprendizagens, em seu sentido alargado e e avaliado apenas em seus produtos finais. A
bem estudadas pelos pedagogos cognitivistas, educação se faz em processo, em diálogos, nas
decorrem de sínteses interpretativas realizadas múltiplas contradições que são inexoráveis
nas relações dialéticas do sujeito com seu meio. entre sujeitos e natureza, que mutuamente
Não são imediatas, não são previsíveis, ocorrem se transformam. Medir apenas resultados e
por interpretação do sujeito, dos sentidos produtos de aprendizagens como forma de
criados, das circunstâncias atuais e antigas. avaliar o ensino pode se configurar como uma
Enfim, não há correlação direta entre ensino e grande falácia!
aprendizagem. Quase que se pode dizer que as A ação educativa verdadeira só pode
aprendizagens ocorrem sempre para além, ou ser vista como práxis que integra, conforme
para aquém do planejado; ocorrem nos caminhos Kosik (1995), dois aspectos - o laborativo e
tortuosos, lentos, dinâmicos das trajetórias dos o existencial - e se manifesta tanto na ação
sujeitos. Radicalizando essa posição, Deleuze transformadora do homem, como na formação
(2006, p. 237) afirma que jamais será possível da subjetividade humana. Quando se deixa de
saber e controlar como alguém aprende. considerar o lado existencial, a práxis se perde
Os processos de concretização das como significado e permite ser utilizada como
tentativas de ensinar-aprender ocorrem por manipulação. (FRANCO, 2001).
meio das práticas pedagógicas. Essas são Considero que as relações entre professor,
vivas, existenciais, por natureza, interativas aluno, currículo e escola são relações que impõem
e impactantes. As práticas pedagógicas são uma convivência, tensional e contraditória,
aquelas práticas que se organizam para entre o sujeito que aprende e o professor que se

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organiza e prepara as condições para ensinar. comportamentos utilizados pelo professor


O professor pode encontrar meios para viver a durante uma aula. Carr (1996) ajuda-nos a
dissonância das resistências e resignações postas compreender essa questão quando diferencia
pelo aluno, quer atuando como desencadeador o conceito de poiesis do conceito de práxis.
de processos de aprendizagem, quer como Esse autor considera a poiesis como uma
acompanhante das possibilidades múltiplas de forma de saber fazer não reflexivo, ao
retorno de sua ação. contrário do conceito de práxis, que é
Enfim, como a vida, o que decorre eminentemente uma ação reflexiva. Assim,
da ação de um bom ensino serão sempre realça que a prática educativa não se fará
situações imponderáveis! O importante é inteligível, como forma de poiesis, cuja
acompanhar, vigiar, recompor e readequar ação será regida por fins pré-fixados e
o planejado inicial. Essa dinâmica, que governada por regras pré-determinadas.
vai do desencadear nos alunos situações Para o autor, a prática educativa só adquirirá
desafiadoras, intrigantes, exigentes, aos inteligibilidade “à medida que for regida por
retornos que os alunos produzem, misturando critérios éticos imanentes à mesma prática
vida, experiência atual e interpretações dos educativa” (CARR, 1996, p. 102), os quais,
desafios postos, é a marca da identidade do segundo ele, servem para distinguir uma boa
processo ensino-aprendizagem, visto em sua prática de uma prática indiferente ou má. Eu
complexidade e amplitude. utilizaria o termo para especificar que esses
Considero que as práticas pedagógicas critérios servirão para distinguir uma prática
devam se estruturar como instâncias críticas pedagogicamente tecida de outra, apenas
das práticas educativas, na perspectiva tecnologicamente tecida.
de transformação coletiva dos sentidos e Portanto, uma aula só se torna uma
significados das aprendizagens. prática pedagógica quando ela se organiza em
O professor, no exercício de sua prática torno: de intencionalidades, de práticas que
docente, pode ou não se exercitar pedagogicamente. dão sentido às intencionalidades; de reflexão
Ou seja, sua prática docente, para se transformar contínua para avaliar se a intencionalidade está
em prática pedagógica, requer, pelo menos, dois atingindo todos; de acertos contínuos de rota e
movimentos: o da reflexão crítica de sua prática de meios para se atingir os fins propostos pelas
e o da consciência das intencionalidades que intencionalidades. Configura-se sempre como
presidem suas práticas. A consciência ingênua de uma ação consciente e participativa.
seu trabalho (FREIRE, 1979) impede-o de caminhar Considero interessante especificar os
nos meandros das contradições postas e, além princípios que organizam uma prática pedagógica:
disso, impossibilita sua formação na direção de um
profissional crítico. a) As práticas pedagógicas organizam-
-se em torno de intencionalidades previamente
Práticas pedagógicas: por entre estabelecidas e tais intencionalidades serão
resistências e insistências perseguidas ao longo do processo didático, de
formas e meios variados.
Tenho notado alguma dificuldade Na práxis, a intencionalidade rege os
entre professores em perceber o sentido que processos. Para a filosofia marxista, a práxis é
costumo atribuir à prática pedagógica ou entendida como a relação dialética entre homem
mesmo aos saberes pedagógicos. Percebo e natureza, na qual o homem, ao transformar
que há certa tendência de considerar como a natureza com seu trabalho, transforma a si
pedagógico apenas o roteiro didático de mesmo. Marx (1994) afirma, na oitava tese sobre
apresentação de aula, apenas o visível dos Feuerbach:

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[...] que toda vida social é essencialmente Quando o professor chega a um


prática. Todos os mistérios que dirigem momento de produzir um ensino em sala de
a teoria para o misticismo encontram aula, muitas circunstâncias estão presentes:
sua solução na práxis humana e na desejos; formação; conhecimento do conteúdo;
compreensão dessa práxis. conhecimento das técnicas didáticas;
ambiente institucional; práticas de gestão;
A compreensão dessa práxis é tarefa clima e perspectiva da equipe pedagógica;
pedagógica. Kosik (1995, p. 222) realça que a práxis organização espaço-temporal das atividades;
é a esfera do ser humano, portanto, não é uma infraestrutura; equipamentos; quantidade de
atividade prática contraposta à teoria, mas práxis alunos; organização e interesse dos alunos;
“é determinação da existência como elaboração conhecimentos prévios, vivências, experiências
da realidade”. Uma intervenção pedagógica como anteriores; enfim, muitas variáveis.
instrumento de emancipação considera a práxis Muitas dessas variáveis induzem a uma
como uma forma de ação reflexiva que pode boa interação, a um bom interesse e diálogo
transformar a teoria que a determina, bem como entre as variáveis do processo-aluno, professor e
transformar a prática que a concretiza. conhecimento -, vistas na perspectiva de Houssaye
Uma característica importante da (1995) como o triângulo pedagógico. Como atua
práxis, analisada por Vásquez (1968, p. 240), o professor? Como aproveita os condicionantes
é o caráter finalista da práxis, antecipador dos favoráveis e anula os que não ajudarão na hora?
resultados que se quer atingir, e esse mesmo Tudo exige do professor reflexão e ação. Tudo
aspecto é enfatizado por Kosik (1995, p. 221) exige dele um comportamento compromissado
ao afirmar que na práxis a “realidade humano- e atuante. Tudo nele precisa de empoderamento.
-social se desvenda como o oposto ao ser dado, As práticas impõem posicionamento, atitude,
isto é, como formadora e ao mesmo tempo força e decisão. Fundamentalmente, é exigido
forma específica do ser humano”. Talvez seja do professor trabalhar com as contradições.
por isso que o autor diz que a práxis tanto é Como está o professor preparado para tal? A
objetivação do homem e domínio da natureza, ausência da reflexão, o tecnicismo exagerado, as
como realização da liberdade humana. desconsiderações aos processos de contradição
Realce-se, portanto, que a práxis permite e de diálogo podem resultar em espaços de
ao homem conformar suas condições de engessamento das capacidades de discutir/
existência, transcendê-las e reorganizá-las. Só propor/mediar concepções didáticas. A ausência
a dialética do próprio movimento transforma o do espaço pedagógico pode significar o
futuro e essa dialética carrega a essencialidade crescimento de espaço de dificuldade ao diálogo.
do ato educativo: intencionalidade Sabe-se que o diálogo só ocorre na
coletivamente organizada e em contínuo ajuste práxis (FREIRE, 1979), a qual requer e promove
de caminhos e práticas. Talvez o termo mais a ultrapassagem e superação da consciência
adequado seja o da insistência. O professor não ingênua em consciência crítica. Assim,
pode desistir do aluno. Há que insistir, ouvir, concordando com Freire (1979, p. 25), posso
refazer, fazer de outro jeito, acompanhar a acreditar que a superação da contradição
lógica do aluno, descobrir e compreender as “é o parto que traz ao mundo este homem
relações que ele estabelece com o saber, mudar novo, não mais opressor, não mais oprimido,
o enfoque didático, as abordagens de interação mas o homem libertando-se.” Talvez a prática
e os caminhos do diálogo. pedagógica, absorvendo, compreendendo e
b) As práticas pedagógicas caminham transformando as resistências e resignações,
por entre resistências e desistências, em uma possa mediar a superação dessas, em processos
perspectiva dialética, pulsional, totalizante. de emancipação e aprendizagens. Tenho sempre

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me utilizado das reflexões de Imbert (2003) bons professores, teremos de formá-los como
quando ele realça a distinção entre prática e sujeitos capazes de produzir conhecimentos,
práxis, ao reafirmar o que venho enaltecendo ações e saberes sobre a prática. Não basta
neste texto e atentando para a autonomia e fazer uma aula; é preciso saber porque tal
para a perspectiva emancipatória, inerente ao aula se desenvolveu daquele jeito e naquelas
sentido de práxis: condições: ou seja, é preciso a compreensão e
leitura da práxis.
Distinguir práxis e prática permite Quando um professor é formado de modo
uma demarcação das características do não reflexivo, não dialógico, desconhecendo
empreendimento pedagógico. Há, ou não, os mecanismos e movimentos da práxis, ele
lugar na escola para uma práxis? Ou será não saberá potencializar as circunstâncias
que, na maioria das vezes, são, sobretudo, que estão postas à prática. Ele desistirá e
simples práticas que nela se desenvolvem, replicará fazeres. O sujeito professor precisa ser
ou seja, um fazer que ocupa o tempo dialogante, crítico e reflexivo. Ter consciência
e o espaço, visa a um efeito, produz um das intencionalidades que presidem sua prática.
objeto (aprendizagem, saberes) e um Sintetizando com a afirmativa de Imbert (2003,
sujeito-objeto (um escolar que recebe esse p. 27): “o movimento em direção ao saber e à
saber e sofre essas aprendizagens), mas consciência do formador não é outro senão o
que em nenhum momento é portador de movimento de apropriação de si mesmo”.
autonomia. (IMBERT, 2003, p. 15). c) As práticas pedagógicas trabalham
com e na historicidade; implicam tomadas de
Portanto, só a ação docente, realizada decisões; de posições e se transformam pelas
como prática social, pode produzir saberes, contradições.
saberes disciplinares, saberes referentes a Por que assim se fazem? Por que tais
conteúdos e sua abrangência social, ou mesmo práticas não podem ser congeladas, reificadas e
saberes didáticos, referentes às diferentes realizarem-se linearmente? Não podem porque
formas de gestão de conteúdos, de dinâmicas da são práticas que se exercem na interação de
aprendizagem, de valores e projetos de ensino. sujeitos, de práticas e de intencionalidades.
Tenho realçado o sentido de saberes pedagógicos À medida que o professor desconsiderar as
como sendo aqueles que permitem ao professor especificidades dos processos pedagógicos e
a leitura e a compreensão das práticas. Ao tratar a educação como produto e resultados,
mesmo tempo, permitem ao sujeito colocar-se numa concepção ingênua da realidade, o
em condição de dialogar com as circunstâncias pedagógico teima em não se instalar, porque,
dessa prática, dando-lhe possibilidade de nesses processos em que se pasteurizam a vida e
perceber e auscultar as contradições. Assim, a existência, não há espaço para o imprevisível,
ele pode articular teoria e prática. É possível, para o emergente, para as interferências
portanto, falar em saberes pedagógicos como culturais, para o novo.
sendo saberes que possibilitam aos sujeitos As práticas pedagógicas estruturam-se em
construir conhecimentos sobre a condução, mecanismos paralelos e divergentes de rupturas e
a criação e a transformação dessas mesmas conservação. À medida que diretrizes de políticas
práticas. O saber pedagógico só pode se públicas consideram a prática pedagógica como
constituir a partir do próprio sujeito, que deverá mero exercício reprodutor de fazeres e ações
ser formado como alguém capaz de construção externas aos sujeitos, essas se perdem e muitos
e de mobilização de saberes. se perguntam: por que não conseguimos mudar
A grande dificuldade em relação à a prática? A prática não muda por decretos ou
formação de professores é que, se quisermos ter por imposições. A prática pode mudar quando

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houver o envolvimento crítico e reflexivo dos e o significado. Assim, as práticas pedagógicas


sujeitos da prática (FRANCO, 2006). serão, a cada momento, expressão do momento
Sabe-se que a educação é uma prática social e das circunstâncias atuais. Serão sínteses
humana; é um processo histórico inconcluso, que provisórias que se organizam no processo
emerge da dialética entre homem, mundo, história de ensino. As situações de educação estão
e circunstâncias. Sendo um processo histórico, a sempre sujeitas a circunstâncias imprevistas,
educação não poderá ser vivenciada por meio de não planejadas e, dessa forma, os imprevistos
práticas que desconsideram sua especificidade. Os acabam redirecionando o processo e, muitas
sujeitos sempre têm resistências para lidar com vezes, permitindo uma reconfiguração da
imposições que não abrem espaço ao diálogo e à situação educativa.
participação. Como nos alerta Freire (1983, p. 27): Portanto, o trabalho pedagógico requer
espaço de ação sobre e de análise do não
O conhecimento, pelo contrário, exige planejado, do imprevisto, da desordem aparente.
uma presença curiosa do sujeito face ao Isso deve pressupor a ação coletiva, dialógica
mundo. Requer sua ação transformadora e emancipatória entre alunos e professores.
sobre a realidade. Demanda uma busca Toda ação educativa tem em seu fazer uma
constante. Implica em invenção e em carga de intencionalidade que integra e
reinvenção. Reclama a reflexão crítica de organiza sua práxis, confluindo, de maneira
cada um sobre o ato mesmo de conhecer, dinâmica e histórica, tanto as características do
pelo qual se reconhece conhecendo e, ao contexto sociocultural como as necessidades
reconhecer-se assim, percebe o “como” de e possibilidades do momento as concepções
seu conhecer e os condicionamentos a que teóricas e a consciência das ações cotidianas, em
está submetido seu ato. um amalgamar provisório que não permite que
uma parte seja analisada sem referência ao todo,
Sabe-se que a educação, como prática nem que este seja visto como síntese provisória
social histórica, transforma-se pela ação dos das circunstâncias parciais do momento.
homens e produz transformações nos que dela É por isso que reafirmo que práticas
participam. Dessa forma, é fundamental que o pedagógicas requerem do professor adentrar na
professor esteja sensibilizado em reconhecer dinâmica e significado da práxis, de forma a poder
que, ao lado das características observáveis do compreender as teorias implícitas que permeiam
fenômeno, existe um processo de transformação as ações do coletivo de alunos. A prática precisa
subjetiva, que não apenas modifica as ser tecida e construída a cada momento e a
representações dos envolvidos, mas produz uma cada circunstância, pois, como Certeau (1994),
ressignificação na interpretação do fenômeno acredito que a vida sempre nos escapa e se
vivido, o que produzirá uma reorientação nas inventa de mil maneiras não autorizadas, com
ações futuras. Assim, é importante que o professor movimentos táticos e estratégicos.
compreenda as transformações dos alunos, das As práticas pedagógicas incluem desde
práticas, das circunstâncias em processo. planejar e sistematizar a dinâmica dos processos
Realço a necessidade da consideração de aprendizagem até caminhar no meio de
do caráter dialético das práticas pedagógicas, processos que ocorrem para além dela, de forma
no sentido de considerar que a subjetividade a garantir o ensino de conteúdos e de atividades
constrói a realidade e essa se modifica por que são considerados fundamentais para aquele
meio da interpretação coletiva. A educação estágio de formação do aluno, e, através
permite sempre uma polissemia em sua desse processo, criar nos alunos mecanismos
função semiótica, ou seja, nunca existe uma de mobilização de seus saberes anteriores
relação direta entre o significante observável construídos em outros espaços educativos.

608 Maria Amélia Santoro FRANCO. Práticas pedagógicas de ensinar-aprender: por entre resistências e resignações
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O professor, em sua prática Em segundo lugar, porque possibilita


pedagogicamente estruturada, deverá saber sistematizar os processos críticos e reflexivos,
recolher como ingredientes do ensino essas dando-lhes uma dimensão científica, para além
aprendizagens de outras fontes, de outros do bom senso e da espontaneidade. Para tanto,
mundos, de outras lógicas, para incorporar organiza as reflexões dos participantes em
na qualidade de seu processo de ensino e na torno dos condicionantes ideológicos, políticos
ampliação daquilo que se considera necessário e econômicos, “desvelando as forças tácitas
para o momento pedagógico do aluno. que constroem a consciência no nível da vida
cotidiana” (KINCHELOE, 1996, p. 219).
Pesquisa-ação: compreender e Em terceiro lugar, porque induz os
transformar as práticas participantes a uma reconceitualização crítica
de suas práticas, de suas crenças e de suas
Tenho utilizado a pesquisa-ação concepções na direção da construção de práticas
pedagógica (FRANCO, 2010, 2011, 2012b, mais adequadas a seus objetivos atuais.
2013) como instrumento de disponibilizar Por último, a pesquisa-ação crítica busca
aos docentes dispositivos pedagógicos que substituir a colonização cognitiva e emocional dos
permitem facilitar a compreensão de suas professores por uma pedagogia da participação,
práticas. Ao fazer isso, tenho constatado que a que vai procurando aproximar o sujeito à
compreensão da dinâmica e funcionamento das sua consciência, seu saber de seu fazer, sua
práticas potencializa sua transformação. intencionalidade de sua prática – encaminhando
Sabe-se que os saberes docentes compõem- o sujeito a substituir, na linguagem de Paulo
se de uma multiplicidade de dimensões, entre as Freire, a consciência ingênua por caminhos de
quais se evidenciam: os saberes da formação uma consciência crítica.
profissional; os saberes disciplinares; os saberes Um dos grandes desafios da formação
curriculares; e os saberes da experiência. No de professores, portanto, tem sido a articulação
entanto, há que se considerar que tais saberes entre teoria e prática, considerando-se a
se organizam, se entrecruzam, se mobilizam, insuficiência da perspectiva técnica, que
se reformulam pela capacidade do sujeito separa e fragmenta a realidade da práxis,
interrogante, dialogante, crítico e criativo. Nessa valorizando apenas a tecnologia da prática,
direção, pode-se dizer que o sujeito, para integrar seu observável, seu aparente, o visível. Nesse
e potencializar tais saberes em sua prática sentido, reconheço, conforme Grundy (1982,
profissional, precisa constituir-se em um sujeito p. 358), que é somente mediante a crítica, em
empoderado, ou seja, com capacidade de diálogo especial a reflexão crítica, que será possível
e contato consigo próprio, com disponibilidade estabelecer as mediações entre teoria e prática.
de aproveitar-se da crítica e do coletivo para A reflexão pautada na crítica esclarece
recompor e atualizar tais saberes. os condicionantes que organizaram as práticas
Investigações com pesquisa-ação anteriores, referendando ou refutando concepções
pedagógica (FRANCO, 2012a) fundamentada que não estão mais presentes nos contextos atuais.
na abordagem crítica parecem contribuir Diz Grundy (1982) que, quando uma pessoa reflete
com a perspectiva de oferecer aos docentes a respeito de uma teoria à luz da práxis ou do
mecanismos de articulação das práticas com julgamento prático, o conhecimento que emerge
as intencionalidades coletivas. Isso ocorre, desse processo é um conhecimento pessoal ou
primeiramente, porque trabalha sempre tácito, que é possibilitado pela interação crítica
com o pressuposto da autoria individual, da entre teoria, esclarecimento e ação.
participação dos sujeitos em todo processo de O professor em processo de formação,
construção dos conhecimentos. dentro da perspectiva de uma epistemologia

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crítica da prática, enriquece-se quando percebe Nesse mergulho, com o processo de práxis
como construir, rever, criticar e ressignificar, investigativa, os discursos que fundamentam
em processo, tais conhecimentos. A pesquisa- sua prática vão sendo substituídos não por
-ação funciona como um instrumento que outros discursos, mas por uma nova maneira de
o coloca em contato com suas construções perceber o mundo, que implica reconstrução da
cognitivas, suas concepções de prática, suas ação, o que normalmente coloca sob suspeita
representações culturais. discursos anteriores. Ocorre um processo
A pesquisa-ação trabalha na/com a gradativo de desmistificação de suas convicções
práxis. Para isso, utiliza-se da imbricação de dois anteriores. A pesquisa–ação, por congregar
eixos fundamentais: o eixo da ação, que parte de a concomitância de pesquisa com ação, cria
uma ação individual para uma ação estruturada uma reciprocidade entre ações e discursos,
coletivamente; e o eixo da significação da ação, entre pensar e agir, entre saberes e práticas.
que parte de uma concepção individual, pautada (FRANCO; LISITA, 2004).
em bom senso, e chega ao esclarecimento crítico Esses dois eixos são bem visualizados
ideológico. Mediando os dois eixos, encontra-se nos trabalhos de Morin (1992), em que o autor,
a reflexão coletiva e emancipatória. ao descrever os modos de funcionamento
A pesquisa-ação crítica contempla a da pesquisa-ação integral, realça que a
articulação desses eixos por meio do trabalho “pesquisa-ação integral visa a uma mudança
dialético das espirais cíclicas (LEWIN, 1946) em pela transformação recíproca da ação e do
torno do processo reflexivo. Assim, posso explicitar: discurso” (MORIM, 1992, p. 21), isto é, de uma
a) Eixo da ação: a pesquisa-ação ação individual em uma prática coletiva mais
crítica organiza-se em torno da abertura do pertinente e investigativa e de um discurso
individual ao coletivo, permeando essa relação que vai aos poucos se transformando em um
com os processos de socialização e crítica diálogo esclarecido e engajado.
coletiva. Com o movimento de reflexão cíclica A mudança dessas duas esferas relativas
desencadeando-se pela prática da pesquisa, o à ação e às suas formas de significação implica
fazer individual socializa-se, compondo-se propriamente um processo formativo do sujeito
com o coletivo, incorporando os anseios que e das condições existenciais de sua ação. É um
vão sendo esclarecidos na práxis investigativa, trabalho eminentemente pedagógico e, nessas
coletivamente construída; condições, político.
b) Eixo da significação1: Como Nessa direção, Charlot (2002, p. 94) pode
os sujeitos concebem as razões de suas ajudar a referendar o papel da pesquisa-ação como
ações? Como identificam as teorias que as integradora da teoria com a prática. O autor diz
fundamentam? Normalmente os docentes que não acredita que haja problema no diálogo
atribuem às suas ações práticas um significado da teoria com a prática. Porém, o que existe é um
intuitivamente elaborado, fruto de bom senso, problema de diálogo entre dois tipos de teoria:
das teorias não explícitas. Quando mergulham uma teoria enraizada nas práticas e uma teoria
em processos de pesquisa-ação, eles vão sendo que está se desenvolvendo na área da pesquisa
interpelados pelo grupo, entram em processos e das próprias ideias entre os pesquisadores. Ele
de dissonância cognitiva e buscam no coletivo ajuda-nos a refletir em duas direções: a primeira
novas formas de perceber o mundo, de analisar sinalizando que, muitas vezes, a própria pesquisa,
os condicionantes ideológicos de sua prática. distante dos sujeitos da prática, elabora teorias
1- Há autores que utilizam o termo: eixo de representação. Eu mesma já o que pouco têm a ver com a realidade da prática
utilizei (FRANCO, 2005). No entanto, considero que o conceito aproxima-se desempenhada pelos docentes; já a segunda induz-
mais do termo significação. Considero que há uma interpretação partilhada
da ação e essa interpretação condiz mais com o sentido de atribuir -nos a refletir e reafirmar que os docentes possuem
significados (FRANCO, 2012a). uma teoria que fundamenta suas práticas.

610 Maria Amélia Santoro FRANCO. Práticas pedagógicas de ensinar-aprender: por entre resistências e resignações
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Quando os professores participam em processos mútuos de aprender-ensinar, de


de processos de pesquisa-ação, eles têm estranhar-compreender. É preciso superar a
oportunidade de compreender a origem histórica perspectiva de serem os docentes vistos apenas
de suas teorias e, com base nessa compreensão, como objetos de estudo; é preciso tempo e espaço
conseguem propor e operar rupturas (cognitivas, para que pesquisadores e sujeitos da prática sejam,
emocionais) nas convicções das concepções que ao mesmo tempo, participantes e protagonistas.
fundamentam suas práticas. É o que confirmam Esse é um dos aspectos importantes do processo
pesquisas desenvolvidas nessa perspectiva, de conscientização tão bem explicado por Freire
tais como a de Franco (2013), cujos resultados (1983). Trata-se de transformar a consciência
referendam mudanças nas concepções pessoais ingênua em consciência crítica, de superar e
e profissionais dos participantes. transcender o senso comum; de produzir novas
Tenho investigado (FRANCO, 2012b) que relações com o saber da docência.
a pesquisa-ação crítica permite a articulação É importante realçar: se quero a
entre os saberes científicos e os saberes participação de todos, preciso organizar algum
práticos, fazendo emergir novos conhecimentos dispositivo para funcionar como estruturante
a respeito da realidade educativa. de um universo comum de conhecimentos,
Um dos pressupostos fundamentais de conforme sempre nos alertou Paulo Freire (1979).
qualquer forma de pesquisa-ação é a convicção Criar um universo cultural coletivo é
de que a pesquisa e a ação podem e devem uma tarefa fundamental do pesquisador em
caminhar juntas. Caminhar juntas não significa pesquisa-ação; no entanto, precisa fazê-lo na
apenas uma concomitância temporal, mas, perspectiva de construção coletiva, de buscar
essencialmente, uma articulação dialética desses participação, permitindo a contribuição de
dois aspectos: o fazer reflexivo e o pesquisar; todos. Um alerta: isso é diferente de organizar
o fazer pesquisando e o pesquisar fazendo. Na textos ou aulas para aplicar nos participantes!
pesquisa crítica, é fundamental que o fazer coletivo É fundamental essa postura de buscar o outro,
signifique também a construção de movimentos partilhar valores e agir de modo coerente com
intersubjetivos, interdialogais, intercomunicantes. as expressões do grupo.
Esses movimentos irão construindo um universo Essa triangulação praxiológica entre
de significações coletivas organizado pelas valores, teorias e práticas é um processo
mediações entre as experiências e os saberes exigente que, contudo, tem fontes de inspiração
individuais, formando uma rede de coformadores muito ricas na herança pedagógica do século
e gerando processos de autoformação continuada. vinte. Uma dessas inspirações é exatamente
Franco (2003, p. 99) considera que todos a investigação-ação, pois ela tem um papel
os envolvidos na prática reflexiva precisam muito relevante na formação do profissional
constituir-se em investigadores no contexto da docente reflexivo. (OLIVEIRA-FORMOSINHO;
práxis e, nesse sentido, poderão desenvolver KISHIMOTO; PINAZZA, 2007).
saberes para sua emancipação como sujeitos. Há que se recordar, conforme Contreras
Esses saberes referem-se tanto a predisposições (1994), que a autonomia docente não é
para participar de um processo de pesquisa, uma qualidade presente individualmente
como à disponibilidade para se construir em cada sujeito, mas um processo que vai,
como pesquisador de sua prática ou, ainda, à gradativamente, garantindo a assunção, por
possibilidade de se transformar em um sujeito parte do professor, de sua responsabilidade
produtor de conhecimento. social pela condução do ensino em situações
Para transformar uma ação pedagógica em complexas, historicamente construídas e
práticas colaborativas, considero fundamental ideologicamente comprometidas. Isso só
que pesquisadores e professores se engajem pode ser feito com um sujeito que se sinta, se

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 3, p. 601-614, jul./set. 2015. 611


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perceba como ator de sua história, um sujeito coletivamente assumido. As práticas pedagógicas
empoderado, habilitado ao exercício do poder podem caminhar na direção da domesticação
que advém de sua práxis. ou da emancipação. A consciência crítica, a
A questão que se coloca é: como os autonomia, o empoderamento dos docentes, a
professores, em sua grande maioria formados tessitura coletiva das intencionalidades fará toda
dentro dos pressupostos de uma racionalidade diferença no rumo dessas práticas.
técnica, saberão reconstruir a epistemologia que
rege suas práticas e transformar-se em sujeitos Considerações, decorrências e
críticos de uma nova concepção de prática? perspectivas
Ainda mais, pergunto: como os
professores, inseridos em um contexto social A resistência estabelece-se naturalmente
e político que desvaloriza cotidianamente sua nas práticas pedagógicas, porque as lógicas de
profissão, imersos num modelo hegemônico ensinar e de aprender não são lógicas lineares,
de democracia representativa liberal (SANTOS, nem lógicas paralelas. São, antes de tudo,
2002, p. 46) que desconsidera o papel da lógicas que se embatem, que se contradizem
mobilização social e da ação coletiva, podem e que se fundem em alguns momentos. O
romper com tais condicionantes e fazerem-se ensino implica: o planejamento das metas; a
sujeitos históricos, compromissados com uma organização dos conteúdos de aprendizagem;
práxis política emancipatória? os recortes daquele que ensina; a posição social
Como ainda os professores, alijados e acadêmica do professor que supostamente
historicamente do papel de participante ativo sabe e do aluno que está ali para aprender
e inseridos em sua maioria em processos de com o professor. Já a aprendizagem implica
pauperização da profissão, podem encontrar especialmente o envolvimento, a adesão, a
forças e caminhos para constituírem-se como participação, a vontade e o desejo de aprender.
atores sociais, críticos e comprometidos com Na maioria das vezes, o professor quer
uma nova concepção de vida e mundo? ensinar e o aluno quer aprender; mas nem
Suojanem (1999) tem um trabalho sempre entram em acordo. O aluno, muitas
denominado A pesquisa-ação como estratégia vezes, não aprende aquilo que o professor
para o empoderamento, no qual analisa que quer ensinar, mas aquilo que a vida e suas
o exercício criativo e transformador de uma experiências disponibilizam. O professor quer
prática profissional só pode ser exercido pelos ter a certeza de que o aluno aprendeu o saber
sujeitos que têm o sentimento de controle de ensinado; mas, muitas vezes, o aluno aprendeu
sua vida e de suas decisões, o que lhes dá a outras coisas do saber ensinado. Como disse,
capacidade de sentirem-se encorajados para não há uma correlação imediata entre ensinar
mudar, rever, transformar. Empoderar, para a e aprender. Sabe-se e muito enfatiza Charlot
autora, é um ato de construção de capacidades, (2005) que, para aprender o aluno precisa
de desenvolvimento pessoal e coletivo, de envolver-se intelectual e emocionalmente,
apreensão, de crescente poder de conhecimento além de mobilizar sua atividade intelectual.
e controle, que vai se incorporando por meio do Essa mobilização só ocorre quando o aluno
exercício da cooperação, do compartilhamento dá sentido àquilo que querem ensinar-lhe.
de saberes e do trabalho coletivo. Freire (1979) realça com insistência, bem
A autora realça que o empoderamento como Meirieu (1997), que, de alguma forma,
significa comprometer-se com os objetivos precisamos da autorização da pessoa do aluno
comuns, assumindo riscos e demonstrando para entrar em sua lógica e assim configurar
iniciativa e criatividade, o que deve implicar uma um processo de mútuo ensino-aprendizagem.
direção ética, advinda do compromisso social O ensino sem sentido, imposto de fora para

612 Maria Amélia Santoro FRANCO. Práticas pedagógicas de ensinar-aprender: por entre resistências e resignações
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dentro e de cima para baixo não cria condições As práticas, para operarem, precisam
de aprendizagem. do diálogo fecundo, crítico e reflexivo que se
As aprendizagens ocorrem na densidade estabelece entre intencionalidades e ações.
das práticas pedagógicas, tecidas com o outro, A retirada dessa esfera de reflexão, crítica e
no diálogo (FREIRE, 1979), na participação; diálogo com as intencionalidades da educação
na parceria, na compreensão das relações dos implica o empobrecimento e, talvez, a anulação
sujeitos com o saber (CHARLOT, 2005). do sentido da prática educativa.
Nessa tensão primordial do processo Aulas que se revestem apenas de
de ensinar-aprender é que a pedagogia como reprodução de discursos áridos, de manipulação
ciência encontra seu espaço: será preciso de textos prontos, de ausência de diálogo
compreender o que as práxis expressam e, criativo e de reflexão em processo deixam de
conhecendo-as, adentrando em seu âmago, ser práticas pedagógicas, perdem o sentido e a
reconhecê-las, transformá-las, enriquecê-las razão de ser para os alunos.
com as vivências dos múltiplos sujeitos. Assim, proponho que os princípios
Assim, reafirmo que as práticas fundadores da pesquisa-ação crítica, que
são da ordem da práxis, permeadas pela tenho chamado de pesquisa-ação pedagógica
contradição, interpostas pelos movimentos de (FRANCO, 2012), possam nortear e organizar
ruptura e conservação. Somente as práticas os princípios didáticos das práticas escolares. E
vivenciadas no coletivo e pedagogicamente assim repito: por entre resistências, desistências
estruturadas podem dar sentido aos processos e insistências a pedagogia se faz prática e habita
de ensinar-aprender. entre nós.

Referências

CARR, Wilfred. Una teoría para la educación: hacia una investigación educativa crítica. Madrid: Morata, 1996.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1 - artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

CHARLOT, Bernard: Formação de professores: a pesquisa e a política educacional. In: PIMENTA, Selma; GHEDIN, Evandro (Org.).
Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002. p. 89-110.

CHARLOT, Bernard. Relação com o saber, formação de professores e globalização: questões para a educação hoje. Porto
Alegre: Artmed, 2005.

CONTRERAS, José. La investigación en la acción. Cuadernos de Pedagogía, Barcelona, n. 224, p. 7-19, abr. 1994.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. A pedagogia como ciência da educação. Campinas: Papirus, 2003.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. A pedagogia como ciência da educação: entre praxis e epistemología, 2001. Tese (Doutorado
em Educação) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. A pedagogia da pesquisa-ação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 483-502, dez. 2005.

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FRANCO, Maria Amélia Santoro. Entre a lógica da formação e a lógica das práticas: a mediação dos saberes pedagógicos. In:
REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 29., 2006, Caxambu, Anais... Caxambu: Anped, 2006. Sessão especial. 1 CD Rom.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Observatório da prática docente: um espaço para compreensão/transformação da prática
docente. São Paulo: [s. n.], 2007-2013. Projeto de pesquisa e relatório de pesquisa Capes/CNPq, 2007, 2011 e 2013.

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PORTFÓLIO

Vamos trabalhar o conteúdo da aula...

O professor, ao planejar sua ação junto aos alunos, deve considerar, principalmente, certos
fatores importantes que sistematizam um ou vários aspectos do seu trabalho.
Um destes fatores principal é o conteúdo.
Conteúdo é uma parte da matéria-prima; é o que está contido em um campo do
conhecimento.

Envolvendo informações, dados, fatos, conceitos, princípios e generalizações acumuladas


pela experiência do homem, em relação a um âmbito ou setor da atividade humana.

Constitui um conjunto de conhecimentos organizados conforme sua natureza e objetivos.

Agora é a sua vez!

Elabore o conteúdo de ensino de ciências para o quarto ano e reflita sobre essa prática.

OBS: Para redigir sua resposta, use uma linguagem acadêmica. Faça um texto com
no mínimo 20 linhas e máximo 35 linhas. Lembre-se de não escrever em primeira
pessoa do singular, não usar gírias, usar as normas da ABNT: texto com fonte
tamanho 12, fonte arial ou times, espaçamento 1,5 entre linhas, texto justificado.
Pesquisa

AUTOESTUDO!

Vamos PESQUISAR sobre como os conteúdos podem ser trabalhados na escola.

Que tipo de material deve ser usado?

O que deve ser observado para a escolha do recurso material?

COLHA AS INFORMAÇÕES e reflita sobre a escolha do material didático.

Ao final, elabore um planejamento didático para a disciplina de matemática do segundo


ano.

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