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Créditos
Ações afirmativas e reativas
Sobre sua opção pelo uso da língua inglesa, Luciana explicou que ele tinha
total fluência nesse vernáculo e, além disso, escrevia em um inglês “por
vezes, codificado, cifrado, com abreviações, mesclando letras gregas com
terminações em inglês”. Isso servia para que ninguém “decifrasse o material,
não lesse os relatos íntimos, descrições detalhadas de cada encontro”. Mas
Alair também podia usufruir das lembranças, ao fazer detalhadas
descrições eróticas, conforme Luciana descreveu: “Ao mesmo tempo, [os
diários] estavam repletos de erotização, ali, bem próximos, para serem lidos
e relidos, num exercício de repetição intensa do prazer dos encontros, da
mesma forma como se deleitava, infinitamente, revendo e revendo as
fotografias”. Luciana comentou ainda os vãos esforços de Alair para
divulgar sua obra, à qual se dava então pouca importância: “A utilização da
língua inglesa também sinalizava um certo exílio, uma das saídas de um
Brasil que não o compreendia e não queria a sua obra”. Por fim, um fato
curioso. Aíla Gomes, irmã católica praticante de Alair, guardou os
manuscritos depois da morte dele. Sendo tradutora do inglês, curiosamente
interagiu com esses escritos, tomando notas nas margens, como uma longa
conversação com o irmão, mantida de 1994 a 2004, ano da doação do
material à Biblioteca Nacional. Um trecho inédito do diário de Alair Gomes,
na década de 1980, coletado por Luciana Muniz de Sousa, revela à
perfeição seu processo criativo como mergulho homoerótico, durante a
sessão fotográfica em que clica um dos seus modelos/amantes. Sua
descrição expressiva e detalhada nos faz cúmplices, palavra por palavra, de
uma trepada visual, em que a câmera fotográfica exerce a soberana função
de instrumento erótico. Esse diário íntimo, por ele chamado de “Ex-alto”,
foi o único escrito em português, o que permite avaliar sua elegância
literária:
A tônica e o comportamento dominante da sessão fotográfica pareciam em média significativas,
favoráveis aos meus anseios. Sua resolução imediata de molhar o corpo, à minha primeira
observação de que molhado ficaria mais belo e sensual, sua própria ideia de encharcar também
seus cabelos alourados e naturalmente revoltos para emplastá-los contra a cabeça, num penteado à
moda Rodolfo Valentino, sua pronta observância de minhas sugestões de novas poses, inclusive as
de nítido sentido erótico; sua total aquiescência à aproximação em close de minha câmera, para
que eu colhesse detalhes de seu torso — seus mamilos salientes, ornados de escura e sinuosa seda,
pareciam tornar-se mais rubros e túrgidos à grande aproximação, como que ritualística, de minha
câmera e ao som das saudações que exaltadamente eu proferia; a expressão facial de seu fascínio
com o meu fascínio diante dele, expressão que em mais de uma ocasião admitiu com intenso
componente de volúpia e langor; na maneira com que às vezes projetava seus ombros e contraía
seu peito, como que para tornar-se erótica e romanticamente mais vulnerável e sedutor — tudo
isso era e continua sendo evidência segura do intenso grau de seu autoerotismo — e, portanto, tal
como acontece em qualquer jovem no qual essa generalíssima e quase infalível tendência se
manifesta com muita intensidade — evidência igualmente de grande receptividade de jovem para
o sexo [...]. Em princípio, o jovem está sempre eroticamente mobilizado pelo milagre erótico de
seu próprio corpo; e facilmente se erotiza a ponto de manter uma ereção que também facilmente
pode caminhar para o orgasmo diante da evidência do fascínio erótico que exerce sobre o
outro.19
Só revelados em parte mínima, uma amostra dos escritos de Alair Gomes
apareceu no documentário A morte de Narciso, de Luiz Carlos Lacerda,
realizado em 2003. Quando forem publicados integralmente, esses escritos
revelarão não apenas a especificidade do seu olhar, mas também a
elaboração teórica de um projeto estético de grande alcance. O desenlace
da vida de Alair ilustra bem o processo do desejo em que êxtase e agonia se
misturam, nas malhas da homofobia. Remetendo à experiência derradeira
de Pier Paolo Pasolini, para não haver dúvida de que vida e obra se
entrelaçavam, Alair Gomes acabou assassinado, em 1992, por um dos seus
musos fotografados. Mais uma vez, convém lembrar que a fragilidade do
desejo é proporcional à sua força de sobreviver contra a corrente. Nessa
empreitada, sua grande aliada é a imaginação, ou seja, a capacidade de
construir mundos a partir do nada. A representação desse estado de graça,
tão delicadamente tecido na experiência humana, encontra-se descrita à
perfeição pelo filósofo francês Georges Didi-Huberman, numa reflexão que
se desdobra como poema:
Ainda que beirando o chão, ainda que emitindo uma luz bem fraca, ainda que se deslocando
lentamente, não desenham os vaga-lumes, rigorosamente falando, uma tal constelação? Afirmar
isso a partir do minúsculo exemplo dos vaga-lumes é afirmar que em nosso modo de imaginar jaz
fundamentalmente uma condição para nosso modo de fazer política. A imaginação é política.20
Novas frentes
NOVAS FRENTES
1. Rodrigo Rangel e Solange Azevedo, “Eles são do Exército. Eles são parceiros. Eles são gays”.
Revista Época, n. 524, 2 jun. 2008, pp. 110-5.
2. Fernando Alcântara de Figueiredo, Soldados não choram : A vida de um casal hom ossexual no
Exército do Brasil (Depoim ento a Roldão Arruda). São Paulo: Globo, 2008.
3. “O que aconteceu com o primeiro casal gay a se revelar no Exército brasileiro”. Época, 18 ago.
2017. Disponível em: <https://epoca.globo.com/especiais/EPO CA-1000/noticia/2017/08/o-que-
aconteceu-com-o-primeiro-casal-gay-se-revelar-no-exercito-brasileiro.html>. Acesso em: 15 fev.
2018.
4. Paulo Gomes e Fabiana Martins, “Casar ou unir?”. Folha de S.Paulo, Cotidiano, 11 jun. 2017, p.
B-5.
5. Heloisa Brenha, “De Itaquera aos Jardins, SP tem 2 uniões gays por dia”. Folha de S.Paulo,
Cotidiano, 27 abr. 2014, p. C-3.
6. “Homossexuais celebram união em 1º casamento coletivo gay em Alagoas”, 8 dez. 2015.
Disponível em: <www.radiomegaflex.com.br/2015/12/homossexuais-celebram-uniao-em-1.html>.
Acesso em: 17 fev. 2017.
7. Paula Sperb, “Brigada Militar gaúcha autoriza soldado gay a casar de farda”. Folha de S.Paulo,
Cotidiano, 4 jun. 2016, p. B-8.
8. Victoria A. Brownworth, Too Queer: Essays From a Radical Life. Nova York: Firebrand Books,
1996, pp. 83, 128-36.
9. “Daniela Mercury sai do armário e ataca Feliciano”. Folha de S.Paulo, 4 abr. 2013. Disponível
em: <www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/102028-daniela-mercury-sai-do-armario-e-ataca-
feliciano.shtml>. Acesso em: 15 fev. 2018.
10. “Manifestantes contra Feliciano usam máscaras de Daniela Mercury no Piauí”. 17 abr. 2013.
Disponível em: <http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/04/manifestantes-contra-feliciano-
usam-mascaras-de-daniela-mercury-no-piaui.html>. Acesso em: 18 fev. 2018.
11. “Daniela Mercury e Malu Verçosa ‘se casam’ em trio elétrico”. Veja, 24 fev. 2017. Disponível
em: <https://veja.abril.com.br/entretenimento/daniela-mercury-e-malu-vercosa-se-casam-em-trio-
eletrico/>. Acesso em: 15 fev. 2018.
12. Daniela Mercury e Malu Verçosa, Daniela & Malu: Um a história de am or. Rio de Janeiro:
Leya, 2013, pp. 184, 95 e 144, respectivamente.
13. Isabel Braga, “Daniela Mercury beija a mulher em seminário LGBT na Câmara”. O Globo, 20
maio 2015. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/daniela-mercury-beija-mulher-em-
seminario-lgbt-na-camara-16214746>; e Talita Abrantes, “Cunha veta divulgação de evento LGBT na
Câmara, acusa Wyllys”. Exam e, 19 maio 2015. Disponível em:
<https://exame.abril.com.br/brasil/cunha-veta-divulgacao-de-evento-lgbt-na-camara-acusa-wyllys/>.
Acesso em: 15 maio 2018.
14. “Judith Butler escreve sobre sua teoria de gênero e o ataque sofrido no Brasil”. Folha de
S.Paulo, Ilustríssima, 19 nov. 2017. Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/11/1936103-judith-butler-escreve-sobre-o-fantasma-do-
genero-e-o-ataque-sofrido-no-brasil.shtml>. Acesso em: 12 fev. 2018.
15. André Della Latta Cartaxo, “Casais homossexuais podem adotar no Brasil?”. Politize!, 21 jan.
2016. Disponível em: <www.politize.com.br/gays-podem-adotar-no-brasil/>. Acesso em: 14 fev.
2018.
16. “STJ mantém adoção de duas crianças por casal de lésbicas no Rio Grande do Sul”. O Globo, 27
abr. 2010. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/stj-mantem-adocao-de-duas-criancas-
por-casal-de-lesbicas-no-rio-grande-do-sul-3017563>. Acesso em: 15 fev. 2018.
17. “A adoção feita por homossexuais: Batalhas e vitórias legais”. Senado-Notícias. Disponível em:
<www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/relatos-reais-sobre-adocao/-a-adocao-
feita-por-homossexuais-batalhas-e-vitorias-legais.aspx>. Acesso em: 15 fev. 2018.
18. “Ministra do STF reconhece adoção de criança por casal homoafetivo”. EBC-Agência Brasil, 19
mar. 2015. Disponível em: <www.ebc.com.br/noticias/2015/03/ministra-do-stf-reconhece-adocao-
de-crianca-por-casal-homoafetivo>. Acesso em: 14 fev. 2018.
19. Patrícia Araújo, “Após perder a guarda de bebê, transexual quer entrar em cadastro de adoção”.
G1, 18 nov. 2008. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL 865122-
5605,00-
APO S+PERDER+A+GUARDA+DE+BEBE+TRANSEXUAL+Q UER+ENTRAR+EM+CADASTRO +DE+ADO CAO .
html>. Acesso em: 22 fev. 2018.
20. “Entenda por que os gays no Brasil sofrem restrição na doação de sangue”. Folha de S.Paulo,
12 nov. 2017. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/11/1934835-entenda-
porque-os-gays-no-brasil-sofrem-restricao-na-doacao-de-sangue.shtml>. Acesso em: 16 fev. 2018.
21. André Bernardo, “Doenças sexualmente transmissíveis não param de crescer”. Saúde-Abril, 16
jan. 2018. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/bem-estar/numero-de-infeccoes-sexualmente-
transmissiveis-nao-para-de-crescer/>. Acesso em: 16 fev. 2018.
22. André Cabette Fábio, “STF pode liberar doação de sangue por gays. De onde vem a proibição”.
Nexo Jornal, 22 out. 2017. Disponível em: <www.nexojornal.com.br/expresso/2017/10/22/STF-
pode-liberar-doação-de-sangue-por-gays.-De-onde-vem-a-proibição>. Acesso em: 16 fev. 2018.
23. Emilio Botta, “Primeira trans da Superliga sonha com seleção e diz que mãe confunde seu
nome”. Globo Esporte, 20 dez. 2017. Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/sp/tem-
esporte/volei/noticia/primeira-trans-da-superliga-sonha-com-selecao-e-diz-que-mae-confunde-seu-
nome.ghtml>. Acesso em: 16 fev. 2018.
24. Fábio Aleixo, “Médico de federação de vôlei quer regra mais rígida para transexuais”. Folha de
S.Paulo, Esporte, 19 jan. 2018, p. B.
25. “Direitos em quadra”. Folha de S.Paulo, Editorial, 13 fev. 2018, p. A-2.
26. “Kevin Spacey é acusado de assédio por produção de ‘House of Cards’”. O Globo, 3 nov. 2017.
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/kevin-spacey-acusado-de-assedio-por-producao-
de-house-of-cards-22027179>. Acesso em: 16 fev. 2018.