Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
2
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
pela utilização de muitos conceitos como por exemplo, crises, catástrofes naturais,
desastres naturais, riscos naturais, vulnerabilidade, situações extremas, impactos ne-
gativos, emergências; contudo, é possível diferenciar duas grandes tradições de análi-
se: a teoria dos Hazards, desenvolvida do ponto de vista geográfico, que enfatiza os
aspectos naturais, e a teoria dos Desastres desenvolvida do ponto de vista sociológico,
que enfatiza os aspectos sociais. Assim, na primeira parte do texto apresentaremos
como a teoria dos Hazards interpreta as “calamidades naturais”, para em seguida con-
siderarmos as contribuições da teoria sociológica dos Desastres. Como contribuição
para o debate, apresentaremos um conjunto de considerações sobre as contribuições
destas duas tradições para interpretação dos problemas ambientais. Esperamos, assim,
chamar a atenção para a atualidade da abordagem desta problemática por parte das
ciências sociais no Brasil.
3
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
Sistema de
eventos naturais
Sistema de
uso Humano
4
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
5
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
Enchente Terremoto
Fonte: Adaptado de TOBIN e MONTZ, 1997:129.
6
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
7
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
Situacionais (sistema social). A relação entre estes dois conjuntos de fatores pode ser
visualizada na FIGURA III.
Fatores situacionais:
è Físicos
è Sócio-econômicos
Respostas
Fatores cognitivos:
è Psicológicos
è Atitudionais
8
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
tária, e também reflete a aceitação dos riscos pela população. O terceiro comporta-
mento diz respeito aos esforços de redução dos impactos através de estratégias de
atenuação individual ou coletiva antes, durante e após os impactos, exprimindo a
capacidade de estimativa dos custos de proteção em face aos prejuízos provocados
pelo problema. A quarta postura frente ao problema refere-se à modificação radical
do comportamento social em caso de crise, através da redefinição do modo de ocu-
pação do solo em áreas inundáveis ou da realocação da população ameaçada, indi-
cando uma disposição política preventiva de longo prazo (THOURET & D’ERCOLE,
1996: 416-417).
É por isso que, segundo TOBIN e MONTZ, um Hazard representa o po-
tencial de interação entre os seres humanos e um evento natural extremo (1997: 11).
9
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
10
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
ção conceitual, verifica-se que a referência a fatores sociais tem substituído os fatores
naturais na definição de desastres que caracterizou o período pré-guerra. Esta tendên-
cia na sistematização dos estudos sobre Desastres pode ser observada em capítulos espe-
ciais preparados para o Annual Review of Sociology (DRABECK, 1986: 1-6).
No final dos anos setenta, os desafios e tendências que caracterizavam os
estudos de Desastres foram descritos por Enrico L. Quarantelli e Russell R. Dynes, o
que fornece uma idéia do desenvolvimento do campo. De acordo com os autores, as
pesquisas em Desastres apresentavam, neste período, sete tendências teóricas e
metodológicas principais. Na análise e interpretação dos Desastres observava-se uma
preocupação maior com a organização social do que com a psicologia social, e com
isso, a priorização dos grupos em detrimento dos indivíduos como unidades básica de
análise; aumento da utilização da noção de sistema na pesquisa; combinação das abor-
dagem baseadas no comportamento coletivo e organizações complexas no estudo do
comportamento coletivo em Desastres; aumento de estudos do período pré-impacto
como fonte das mudanças estabelecidas nos períodos pós-impactos; a focalização das
conseqüências funcionais e disfuncionais de longo prazo e a construção de modelos
teóricos, como mostra a figura abaixo.
11
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
dos estudos respondem a dois processos que se encontram interligados, por um lado,
ao crescente processo de institucionalização no campo acadêmico pela criação de
centros de pesquisa e à publicação de artigos especializados e, por outro, pela percep-
ção da relevância da pesquisa para a formulação de políticas públicas e atuação das
agências governamentais (QUARANTELLI & DYNES, 1977: 23-49).
Esta forma de delimitar o objeto de estudo favoreceu o desenvolvimento
de pesquisas centradas na análise das características da unidade social impactada e
nos padrões de respostas empreendidos. DRABECK, por exemplo, argumenta que as
respostas aos Desastres apresentam uma dimensão temporal e outra estrutural. No que
se refere à dimensão temporal, as respostas podem ser divididas em quatro etapas: a)
preparação, que contempla às atividades de planejamento, previsão e prevenção (TEM-
PO 1); b) reação, refere-se as atividades de mobilização imediatamente antes e ações
de emergência imediatamente depois (TEMPO 1/TEMPO 2); c) recuperação, com-
preende as medidas de restauração e de reconstrução (TEMPO 2); d) mitigação, me-
didas que alteram a percepção do fenômeno e do ajustamento de longo prazo (TEM-
PO 2). No que se refere à dimensão estrutural, o autor enumera seis categorias em
termos de aumento de complexidade das respostas: individual, grupal, organizacional,
comunitária, nacional e internacional (DRABECK, 1986: 9-10). Neste sentido, como
observa Wenger, no contexto pré-desastre dois fatores determinam o padrão de respos-
ta da comunidade: os tipos de integração e conflito existentes no período de normali-
dade e a experiência acumulada na confrontação da crise. A relação entre estes dois
fatores indica que a dimensão social pode alterar a magnitude e a intensidade dos
Desastres através da predição e do controle de seu potencial destrutivo mediante o
aprendizado prévio. O exame destes aspectos enfatiza a idéia de que a importância
nos estudos dos Desastres não está em sua dimensão natural, mas em suas conseqüên-
cias sociais num contexto social específico (WENGER, 1978: 17-47).
Com base nestes pressupostos teóricos e metodológicos, PELANDA sus-
tenta que o aspecto mais significativo para a caracterização dos Desastres consiste na
análise das condições de “normalidade” que precedem o impacto, radicalizando este
argumento. Sua análise concentra-se no diagnóstico das características da organiza-
ção social pré-impacto. Processa-se, portanto, um deslocamento da análise da fase
pós-desastre para a análise pré-desastre, mas aqui a ênfase restringe-se aos fatores
sociais. Segundo o autor, o tipo de organização social pré-impacto exerce uma influên-
cia decisiva no grau de vulnerabilidade das populações a eventos disruptivos de tipos
e intensidades variados. Afirma que as situações encontradas no contexto pós-desas-
tre podem ser entendidas como a extensão das condições sociais vigentes na fase pré-
desastre. Este argumento incorpora a hipótese de “responsabilidade total” da organi-
zação social na geração das pré-condições que se estendem de vulnerabilidade a de-
sastres, mesmo quando o agente deflagrador pode ser associado a fatores naturais,
como é o caso de enchentes, terremotos etc. Nestes casos, o problema resulta da
incapacidade de prevenir e amenizar a sua ocorrência adequadamente. Observa-se
uma radicalização do “princípio de continuidade” introduzido por Dynes e Quarantelli,
pois distancia-se da idéia de “responsabilidade parcial” da estrutura social na geração
12
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
13
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
dade e natureza. Por um lado, não é possível conceber adequadamente uma enchen-
te, um terremoto, uma seca etc., partindo da idéia de que os Desastres são eventos
concentrados no tempo e no espaço; por outro, cada sociedade pode absorver e res-
ponder aos Desastres a partir das experiência acumulada de convívio com o problema.
Nesse sentido, o aumento do número de Desastres nos últimos anos, face a condições
geofísicas relativamente estáveis, indica que o aumento da vulnerabilidade está inti-
mamente conectada com o crescente processo de subdesenvolvimento e de
marginalização social: desastre é visto como resultado da interface de uma população
marginalizada e um ambiente físico deteriorado (SUSMAN et al., 1983: 263-283).
Este padrão incremental da vulnerabilidade aos Desastres pode ser ilustrado no dia-
grama abaixo.
População
subdesenvolvida
Aumento da Ocorrência
marginalização do desastre
Ambiente
físico
Assistência
deteriorado e ajuda
Desenvolvimento Reforço do
Ajuda de desenvolvimento status quo
continuado do e transferência de capital
subdesenvolvimento
Aumento da
marginalização
Eventos
Processos
Fonte: SUSMAN, O’KEEFE, WISNER, 1983, p. 279
14
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
Figura VIII - Relação entre o sistema humano e o evento natural na teoria dos desatres
COMENTÁRIOS FINAIS
15
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
análise típica dos problemas ambientais caracteriza-se pela consideração dos impactos
provocados pelo sistema humano (econômico e tecnológico) sobre o ambiente natu-
ral: a dimensão social é pensada como uma variável que afeta a dimensão natural.
Alguns estudos incluem também a consideração dos possíveis efeitos que o ambiente
modificado pode provocar sobre os seres humanos; neste caso, a dimensão natural
intervém no processo. Em contraste com esta postura, as teorias dos Hazards e Desas-
tres examinam os efeitos provocados pelo ambiente físico sobre as atividades humanas:
a dimensão social converte-se na pré-condição para que a dimensão natural se torne
destrutiva. Esta forma de considerar as relações entre as dimensões natural e social
fundamenta-se no princípio de que existe uma relação de influência recíproca entre
as duas dimensões: as enchentes não provocam impactos sem chuvas, no entanto, só
existe impacto quando a chuva afeta uma população. Deste ponto de vista, um pro-
blema ambiental pode ser caracterizado por um efeito negativo que emerge nos pontos
de interseção entre sociedade/natureza.
BIBLIOGRAFIA
16
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
————. Land instability as a Hazards. In: Hazards. New York: Cambridge University,
1991.
BUTZKE, I. C. Ocupação de áreas inundáveis em Blumenau - SC. Rio Claro: (Dis-
sertação de Mestrado em Geografia - UNESP/Rio Claro), 1995.
————. Meandros de Agrolândia. Dynamis, V.2, N.8, pp. 143-150, jul./set., 1994.
CAPUTO, M. G; HARDOY, J. E; HERZER, H. M. La inundación en el Gran
Resistência, Provincia del Chaco, Argentina. In: CAPUTO, M. G; HARDOY,
J. H; HERZER, I. M. Desastres naturales y sociedad en America Latina. Buenos
Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 1985. pp. 129-156.
————. La inundación en el Gran Resistência: evaliación de las respuestas frente a la
emergencia. In: GRUPO DE TRABAJO DE LA COMISIÓN DE DESAROLLO
URBANO Y SOCIEDAD EN EL GRAN RESISTÊNCIA. Inundaciones y sociedad
en el Gran Resistência, Chaco 1982-83. Resistência: (s.n.), 1984. pp. 13-36.
CARRASCO, F. Estratégias de desarrollo social en situaciones de desastre. Revista
Mexicana de Sociologia, Ciudad de Mexico, V. 53, N. 4, pp. 11-24, oct.dic. 1992.
CASTELLS, P. B. International decade for natural disaster reduction. UNDRO-New,
Geneve, pp. 19-20, 1991.
CÉSPEDES, L. R; RIOS, L. S. Analises del impacto de las inundaciones en el Paraguay.
In: CAPUTO, M. G; HARDOY, J. E; HERZER, H. M. Desastres naturales y
sociedad en America Latina. Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano,
1985. pp. 235-258.
CLARKE, L.; SHORT, J. F. Social organization and risk: some current controversies.
Annual Reviews of Sociology, Palo Alto, V. 19, pp. 375—399, 1993.
COMFORT, L. K. Integrating organizational action in emergency management:
strategies for change. Public Administration Review, Washington, Special Issuis,
N. 45, pp. 155-164, 1987.
CUSTERS, P. Banking on a flood-free future? Flood management in Bangladesh. The
Ecologist, Dorset, V. 22, N. 5, pp. 241-247, set./out., 1992.
DEPARTEMENT DES AFFAIRES HUMANITAIRES. What’s natural about a disaster?
DHA-News, Geneve, N. 17, nov./dec. 1995.
————. Catastrofes en el mundo em 1992: vision global. DHA-News, Geneve,
Edicion Especial, ene./fev., 1993.
Di GIUSEPPE, R. J; VARGAS, R. Hacia un modelo de ordenamiento hidraulico
urbano. In: GRUPO DE TRABALHO DE LA COMISIÓN DE DESARROLLO
URBANO Y REGIONAL DE RESISTENCIA. Inundaciones y sociedad en el
Gran Resistencia, Chaco 1982-83. Resistencia: (s.n.), 1984. pp. 75-103.
DORY, D. Catastrophes et gestion de l’environnement dans le tiers-monde. Recherche
International, Paris, N. 24, pp. 42-53, 1987.
DOUGLAS, M.; WILDAVSKY, A. Risk and culture: an essay on the selection of
technological and environmental dangers. Los Angeles: University of California
Press, 1982.
DRABECK, T. E. Human system responses to disaster: an inventory of sociological
findings. New York: Springer-Verlag, 1986.
17
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
18
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
19
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
20
A relação entre o social e o natural - ANTÔNIO MATTEDI & IVANI BUTZKE
21
Ambiente & Sociedade - Ano IV - N o 9 - 2 o Semestre de 2001
NOTAS
*
Doutor em Ciências Sociais UNICAMP, professor do curso de Ciênciais Sociais da Universidade Regional de
Blumenau (mam@furb.br).
**
Doutora em Geografia UNESP, professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Regional de Blumenau
(icbuktke@furb.br).
1
Existe um grande número de periódicos especializados que problematizam as “calamidades naturais”: as mais
conhecidas são: International Journal of Mass Emergencies and Disasters, Disasters, Asian Disaster Management
News, The Australian Journal of mergency Management, DHA News, DisasterCom, Disaster Management,
Disaster Prevention and Management: na International Journal, Disaster Recovery Journal, Disasters: The Journal
of Disaster Studies and Management, Natural Hazards; Journal of the International Society for the Prevention and
Mitigation of Natural Hazards, Response, Risk Abstracts, Risk Analysis. Além disso os estudos das “calamidades
naturais” constituem uma área específica de classificação das pesquisa em sociologia, como indica a classificação
temática do Sociological Abstract: os estudos sobre calamidades são classificados dentro do campo de 2600
(Environmental Interactions) área 2681 (Disasters Studies).
2
Na geografia os estudos de Hazards situam-se na Comission of Man and Environment of the International
Geographical Union. Em 1974 no Oitavo Congresso Internacional de Sociologia o tema das calamidades tornou-
se um comitê especifico da Associação Internacional de Sociologia, tornando-se um comitê permanente em 1982,
que conta com duzentos membros em mais de trinta países.
3
Entre os principais centros de estudos dedicados a questão das “calamidades naturais” cabe destacar: Asian
Disaster Preparedness Center na Thailandia, Bar-Ilan University Mass Emergencies Project em Israel, Caribean
Disaster Emergency Response Agency em Barbados, Center for Research on Epidemiology of Disasters na Bélgica,
Centre for Disaster Management na Australia, Centro de Coordinacion para la Prevencion de Desastres Naturales
en Centro America no Panamá, Centro Nacional de Prevencion de Desastres no México, Disaster Mitigation
Institute na India, Disaster Preparedness Resource Center no Canada, Disaster Prevention Research Institute no
Japão, Emergences Research Center na Grécia, International Society for the Prevention and Mitigation of Natural
Hazards no Canadá, National Centre for Disaster Management na India, Relief and Disaster Policy Programe na
Inglaterra, Regional Disaster Information Center for Latin America and The Caribean na Costa Rica, Oxford
Centre for Disaster Studies na Inglaterra; nas Nações Unidas: Departament of Humanitarian Affairs (DHA) Office
of Disaster Relief Co-ordinator New York; nos Estados Unidos: Center for Hazards Research na California State
University, Natural Hazards center na University of Colorado, Hazard Reduction and Recovery Center na Texas
A&M University, Disasters Research Center na University of Delaware, Center for Hazards Research and Policy
Development, Hazards Research laboratory na University of South Carolina, Disaster Management Center na
University of Wisconsin.
4
A palavra Hazards não é fácil de ser traduzida e pode indicar perigo, eventos perigosos, azares, acidentes. Desta
forma optamos por manter o temo no idioma original.
22