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dia por meio de influências mais complexas dificava os efeitos da audiência. Uma das
e sutis (anos 70 até os nossos dias). Em conseqüências desse modelo foi a divisão do
nosso estudo, para fins comparativos com campo da comunicação em áreas temáticas.
as teorias críticas, nos concentraremos nos Na prática, essa fórmula mantinha os pres-
dois primeiros períodos dos estudos norte- supostos ilimitados da comunicação e do re-
americanos em comunicação. Isso por- ceptor passivo. (AZEVEDO, op.cit).
que entendemos que a fase por eles com- Mas será Paul Lazarfeld, sociólogo aus-
preendida espelha as tendências de estudos tríaco, que irá por em cheque os efeitos ili-
mais influentes na tradição norte-americana. mitados, a partir de sua publicação The peo-
Além do mais, a partir dos anos 70 a pes- ples’s Choice, em 1944. Em seu estudo, em
quisa administrativa em comunicação co- contraponto ao paradigma dominante, Lazar-
meça a assumir contornos mais complexos feld apura que os indivíduos do círculo pri-
e interdisciplinares, inclusive por influências mário do eleitor (família, colegas, amigos...)
da própria teoria crítica, que já é parte espe- tem mais influência em sua decisão do que
cífica da presente análise. os meios de comunicação. A partir desse es-
O primeiro elemento conceitual do mass tudo, passa a ser valorizado dos mediadores
comnucicacion research é a bala mágica de opinião. É o período dos chamados estu-
(mágic bullet) ou teoria da agulha hipodér- dos dos efeitos limitados. Esse paradigma,
mica, termo cunhado por Harold D. Lasswell que rejeitava a noção de uma audiência pas-
(1902-1918). Essa noção, influenciada pe- siva, e colocava o papel da Mídia em se-
las lições da Primeira Grande Guerra, vem gundo plano só passou a ser desafiado a par-
a público em 1927, quando Lasswel publica tir dos anos 70 quando, como já foi dito, no-
Propaganda Techniques in the Word War. vos modelos teóricos retomam a idéia do po-
O ambiente behaviorista (que valoriza a in- der da Mídia na influência sobre as audiên-
fluência do meio sobre homem), determi- cias, agora a partir de formas mais comple-
nado pela Guerra estimulava uma visão auto- xas e sutis.
matista e causal e de um alcance indiscrimi- Embora a abordagem da pesquisa admi-
nado da mensagem. Esse contexto é propício nistrativa seja composta de uma larga vari-
pressupostos ingênuos, onde «a audiência é edade de tendências, basicamente quatro ca-
visada como um alvo amorfo que obedece racterísticas permitem dar unicidade ao seu
cegamente ao esquema estímulo-resposta» conjunto: a) a orientação empirista, ten-
(MATTELART, 2003:37). dente a enfoques quantitativos; b) a orien-
Tempos depois, Lasswel (1948), com a tação pragmática, mais política do que ci-
Fórmula “Quem (emissor)/ diz o Quê (men- entífica (voltada para demandas do Estado e
sagem)/ a Quem (receptor)/com que Canal por ele instrumentalizada); c) a ênfase na co-
(meio)/ e com que Efeito (efeitos de audi- municação midiática como objeto de estudo
ência)” teve grande influência na teoria dos e d) a inspiração em modelos matemáticos,
efeitos ilimitados. Com esse modelo, Las- funcionalistas e automatistas. (HOHFELDT,
swell transformava a comunicação em um op.cit:120-130). Durante essa evolução dos
fenômeno observável e mensurável. Qual- modelos mencionadas, havia uma divisão
quer modificação ocorrida nessas etapas mo- entre os paradigmas norte-americanos, es-
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um fenômeno que envolve fatores que se si- Isso implica em escolhas objetivas por parte
tuam além do aqui e agora e que «só adqui- do profissional da notícia em torno da ima-
rem sentido em relação ao todo social, do gem que quer construir. «Não há essência
qual são antes de mais nada uma mediação, e na sociedade moderna. A realidade é objeto
por isso, precisam ser estudadas à luz do pro- da contemplação (...) O espetáculo se apre-
cesso histórico global da sociedade» (RUDI- senta como a própria sociedade. O espetá-
GER in: HOHFELDT, op.cit:132). Aquilo culo é uma visão de mundo que se objeti-
que para a teoria administrativa corresponde vou. É, ao mesmo tempo, resultado e pro-
a dados de fato, é para a Teoria crítica pro- jeto (...) O mundo da objetividade escolhe o
duto de uma situação histórico-social especí- seu próprio conteúdo técnico». (DEBORD,
fica. 1997:13-20).
Mais do que uma percepção de um pro- Ilustra essa situação a Guerra do Golfo,
cesso dialógico, os teóricos da indústria cul- em 1991, que marcou um divisor de águas,
tural vão tomar a comunicação como uma na medida em que pela primeira vez uma
«categoria essencialmente ideológica, cujo guerra era transmitida ao vivo, em rede pla-
questionamento deve ser essencialmente crí- netária e em tempo real, consagrando a espe-
tico» (RUDIGER, op.cit:80). Além do mais, tacularização da notícia. Nesse evento, as-
esses teóricos privilegiam uma visão dialé- sim como em Kosovo em 1999, muito des-
tica na análise do fenômeno comunicativo. taque foi dado aos ‘erros’ das armas sofisti-
«Denunciando a separação e a oposição do cadas do que às milhares de vítimas da tra-
indivíduo em relação à sociedade, como re- gédia. Esse evento mudou a relação da tele-
sultante histórica da divisão de classes, a te- visão com a notícia. Esta própria tornou-se
oria crítica confirma a sua tendência para a notícia. «A TV, assim, goza da possibilidade
crítica dialética da economia política. Con- de pautar o que vai ou não ser acontecimento
seqüentemente, o ponto de partida da teoria político. Uma das conseqüências desse Sho-
crítica é a análise do sistema da economia de wrnalismo é o total apagamento entre o real
mercado» (WOLF, op.cit:83). e o fictício» (ARBEX, 2001:30-32).
Na esteira dos frankfurtianos, outros au- Autores identificados com a perspectiva
tores problematizam ainda mais o papel dos pós-moderna avançam ainda nesse diagnós-
meios de comunicação. Na era da reprodu- tico sobre o poder de recriação da realidade
tibilidade técnica, a cultura e a informação através dos meios de comunicação e sobre
são mais do que mercadoria: se transformam os seus efeitos na sociedade contemporânea.
em espetáculo. Na imprensa, as possibilida- Com relação à visão global que caracteriza-
des que os veículos de comunicação de di- ria a percepção das teorias críticas, Jamen-
fundirem os acontecimentos de forma rápida son (1985) chama a atenção para a dissolu-
e até instantânea, permitem uma nova rela- ção de velhas fronteiras, notadamente o des-
ção do público com o aqui e agora dos even- gaste entre a cultura erudita e a cultura po-
tos, mesmo aqueles que lhes escapam geo- pular. Esse autor também sustenta que essa
graficamente ao alcance. Todavia, essa pos- imersão dos indivíduos em um imaginário
sibilidade de recriação do presente se realiza holístico não se traduz necessariamente em
no jornalismo através de padrões técnicos. uma assimilação consciente e construtiva.
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Se, de fato, o sujeito perdeu sua capaci- de decomposição dos suportes do real em
dade de estender de forma ativa suas preten- seus variados aspectos. Ou seja, “liberta-
sões e retenções em um complexo temporal dos das cadeias de significação, os signos
e organizar seu passado e seu futuro como apartaram-se de qualquer referência ao ‘real’
uma experiência coerente, fica bastante di- e tornaram–se os elementos constitutivos do
fícil perceber como a produção cultural de que Baudrillard (1993: 8) chama de hiper-
tal sujeito poderia resultar e outra coisa que realidade, a pura simulação de imagens e sig-
não um ‘amontoado de fragmentos’ e em nos”. Portanto a pós-modernidade erigiu-se
uma prática da heterogeneidade a esmo do em decorrência de uma “atitude nascida do
fragmentário, do aleatório. (JAMENSON: espanto, do desencanto, da amargura aflitiva,
2000:52). que procura se reconstruir em seguida como
Diferentemente da fragmentação existente uma alternativa parcial, desprendida do so-
no processo comunicativo do modelo admi- nho de arrogância, de unidade e poder” (Sev-
nistrativo, que é instrumental e que se rela- cenko, 1995: 45).
ciona a uma visão de mundo recortada pela Por conseqüência, avalia o seu potencial
superdimensão do determinismo dos meios referencial de reproduzir nos indivíduos essa
sobre o sujeito, a fragmentação à que se re- mesma dispersão simbólica.
ferem os autores pós-modernos abrange um Um outro aspecto das possibilidades que
efeito político supra-real e destituído de co- se abrem a partir das novas tecnologias, e
erência temporal. O indivíduo não é mais que é reparado na interpretação dos pós-
visto como um mero alvo dos meios, como modernistas, é a quebra de fronteiras entre
um simples objeto manipulado. Ele é ser- povos e culturas. Através do acesso ins-
vido por uma multiplicidade de opções sim- tantâneo permitido por recursos eletrônicos
bólicas, que também lhe alienam, mas agora que progressivamente se popularizam (inter-
transportando-lhe da realidade. net, DVD, celular, vídeo...), desenvolvem-se
Nesse caso, a influência ocorre exata- novos níveis de comunicação, que transfor-
mente pela exploração do universo social, mam a própria percepção de tempo e espaço.
ainda que em direção à reconstrução da re- Essa integração entre universos distintos em
alidade em direção a novas significações. um não-lugar2 não se constitui uma troca
Nesse processo, onde impera a sensação de simbólica que implique na construção de la-
‘poder tudo’ é propiciado ao receptor tam- ços identitários, como observa FEATHERS-
bém a prerrogativa de agir - já que este é en- TONE:
volvido em um sentimento de liberdade to- Pensamos, porém, que a comunicação, a
tal, pelo acesso a um todo virtual - mas não 2
Termo de Marc Auge. Atualmente observa-se
como ator transformador: seu papel se li- mais a emergência dos não lugares: aeroportos, gran-
mita agora ao consumo desse universo ilusó- des centros comerciais, etc. estes lugares são vazio de
rio que a comunicação lhe proporciona, pau- conteúdos particulares, identitários, ou seja, um não-
tando a sua vida pela descaracterização de lugar representa uma cultura não localizada no tempo
e no espaço, mas todos se sentem em casa. (AUGÉ,
um sentido global.
1994:71-110).
Atualmente, arvora-se para muitos que es-
tamos assistindo a um acelerado processo
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informação, o contato com outras culturas, mento que os meios impõe ao seu receptor,
não nos tornaram sujeitos universalizados; os pensadores da Escola de Frankfurt consi-
apenas nos possibilitaram conhecer outras deram essa relação em um nível mais pro-
culturas sem sair da nossa. Dito de outro fundo. Ao invés de situar o receptor como
modo, permanecemos vivendo em nossas al- um ser vulnerável pela passividade ante ao
deias, só que agora com a possibilidade de estímulo externo, os frankfurtianos vêem os
saber o que se passa nas outras. Assim, indivíduos na era da reprodutibilidade téc-
como conseqüência, mesmo que paradoxal, nica como sujeitos que interagem com as no-
o processo de globalização permitiu-nos evi- vas tecnologias, cientes de que essas mediam
denciar “a percepção de finitude e da au- o mundo à sua volta. Diferente do receptor
sência de limites do planeta e da humani- apático que recebe o estímulo da bala má-
dade”. Ao contrário de produzir homogenei- gica (magic ballet) da teoria hipodérmica, o
dade, a globalização consentiu “familiarizar- homem-massa da sociedade de consumo se
nos com a maior diversidade, com a grande envolve em uma relação voluntária, embora
amplitude das culturas locais” (Featherstone, esse condicionamento não aponte a um pro-
1997:124). cesso de libertação. Ao contrário, conduz a
o indivíduo massa «a se engajar nas tarefas
necessárias à manutenção do sistema econô-
2 Estímulo-resposta X
mico e social através do consumo estético
Estímulo-consumo massificados, articulados pela indústria cul-
Na medida em que se baseia no estimulo do tural» (HOHFELDT, op.cit:133).
espectador através do comportamento como O estímulo-resposta sobre o emissor, que
condição primária, a teoria hipodérmica – é objeto central no modelo empirista da teo-
desenvolvida na pesquisa administrativa - ria dos efeitos ilimitados, cede lugar na soci-
isola o contexto não relacionado ao ato co- edade de consumo ao sujeito condicionado
municativo em si. Valoriza-se, assim, o com- pelos estímulos da sociedade espetaculari-
portamento, mas apenas na medida em que zada. A liberdade de dizer não existe entre
esse interfere na comunicação. A relação as opções de escolha oferecidas por essa rea-
causa-efeito do modelo estímulo-resposta re- lidade virtual que ‘mostra, mas não dá’. En-
duz o sujeito a um nível atomizado, alienado, tretanto, negar essa totalidade que coloniza
primitivo. «se uma pessoa é apanhada pela todo o imaginário do homem comum sujeita
propaganda pode ser controlada, manipu- o receptor a negar-se enquanto ser social e,
lada, levada a agir» (idem, p.28). Nesse mo- como conseqüência, negar a si mesmo. «sob
delo da teoria administrativa, a abordagem o monopólio privado da cultura, a tirania
se concentra na eficácia persuasiva. Dessa deixa o corpo livre e vai direto à alma. O
forma, predomina a noção de que os efeitos mestre não diz mais: você pensará como eu
desejados podem ser administrados através ou morrerá. Ele diz: você é livre de não pen-
de mensagens adequadamente estruturadas. sar como eu: sua vida, seus bens, tudo você
(WOLF, op.cit:34). há de conservar, mas de hoje em diante, você
Ainda que notem essa condição de isola- será um estrangeiro entre nós». (ADORNO
& HORKHEIMER,1985:125).
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tivas que essa perspectiva teórica coloca no ambas fixam-se agora nos efeitos de longo
horizonte dos estudos sobre mídia e política. prazo.
Isso se viabiliza a partir da própria rein- Por outro lado, em termos concretos,
terpretação da cultura de massa e das for- pouco se verificou na assimilação mútua de
mas de fruição, particularmente através dos princípios e estratégias operacionais entre a
meios comunicação de massa. teoria crítica e pesquisa administrativa. Uma
A falha está em formular o problema nes- interpretação sobre essa dificuldade de apro-
ses termos é bom ou mau que exista a cultura ximação diz respeito à interpretação redutora
de massa? (...) Quando, na verdade, o pro- de cada uma das abordagens com relação à
blema é: no momento em que a presente si- outra.
tuação de uma sociedade industrial torna ine- Dificuldade acentuada pelo fato de, para
liminável aquele tipo de relação comunica- a teoria crítica, esse tipo de análise [da te-
tiva conhecido como conjunto dos meios de oria administrativa] como momento autono-
massa, qual a ação cultural possível a fim de mamente pertinente – ser irrelevante e aces-
permitir que esses meios de massa possam sório – estando já implícito na descrição di-
veicular valores culturais? (ECO, 1993:50). nâmica fundamental da sociedade industrial
capitalista. (...) Quanto à pesquisa adminis-
trativa, a consciência da necessidade de um
4 Tendências contemporâneas
quadro de referência mais vasto no qual fixar
Nas primeiras décadas do século XX, que o estudo de problemas específicos, atenuou-
marcam a evolução dos paradigmas dos estu- se freqüentemente, devido (também) à pres-
dos comunicativos em um nível mais articu- são que o caráter institucional da pesquisa
lado, os enfoques fechados e unidirecionais exercia em direção aos aspectos metodológi-
predominaram a produção teórica. Nesse pe- cos e operativos do trabalho de investigação.
ríodo, um diferencial latente entre a pesquisa (WOLF, 2002: 98-99).
norte-americana e a européia é a focalização Independente dessas motivações de ordem
da primeira na influência dos meios de co- conceitual ou institucional, a pesquisa cien-
municação sobre o público, enquanto a se- tífica em comunicação avança através de ou-
gunda se concentrou mais nos determinis- tras motivações de ordem política e social.
mos estruturais do pensamento. (MERTON No caso da América Latina, como observa
apud WOLF, op.cit:17). BERGER «as marcas da dependência estru-
Entretanto, à medida que se aprofunda- tural, que evoca uma cultura de silêncio e
ram ambas perspectivas, começa lentamente da submissão, mas também, de resistência e
a se desenvolver os pilares de uma Comu- de luta, são o pano de fundo na busca por
nidade científica, que virá a promover pon- compreender o que acontecia com a comu-
tos de convergências entre as duas corren- nicação». (apud HOHLFELDT, op.cit:241).
tes, melhor percebidas nas tendências con- Essa leitura se ajusta, evidentemente à rea-
temporâneas. Um desses pontos, identificá- lidade brasileira, onde a concentração histó-
vel em ambas tendências na prática científica rica de grandes conglomerados dos meios de
atual é a compreensão sobre a necessidade comunicação inserem desafios sociais con-
de uma abordagem variada. A atenção de
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