Você está na página 1de 11

Pesquisa administrativa X Teorias críticas: Contrastes

entre duas tendências


Ronaldo Martins Botelho∗

Índice fonte os mentores da Escola de Frankfurt,


representados por ADORNO & Cia, além
1 O Processo comunicativo: Contro- de seus seguidores pós-modernos.
lado, Seqüencial, Determinista X
Global, Virtual, Multidimensional 3 Até o final dos anos 60 a pesquisa em
2 Estímulo-resposta X Estímulo- comunicação nos Estados Unidos foi hege-
consumo . . . . . . . . . . . . . . 6 monizada pela pesquisa administrativa. A
3 Abordagem restritiva X Perspec- denominada mass communicattion research
tiva estrutural . . . . . . . . . . . 7 dominou por muito tempo os estudos so-
4 Tendências contemporâneas . . . . 9 bre Mídia, marginalizando outras correntes
5 Referências bibliográficas . . . . . 10 teóricas que surgiam naquele País. Entre
elas, a Escola de Chicago - inaugurada pe-
los pesquisadores Robert E. Park, Charles
Resumo: Essa análise compara duas H. Coolley, Herbert G. Blumer, entre ou-
importantes tendências dos estudos e suas tros; a Semiótica – surgida a partir dos estu-
implicações sobre a teoria da comunicação dos de Charles Peirce - e a Escola Palo Alto
durante o século XX: a Pesquisa Admi- – tradição teórica desencadeada por cientis-
nistrativa e a Teoria Crítica. Após uma tas como George Bateson e Erving Goff-
breve apresentação dessas duas vertentes, man, e que nos anos 40 agregou áreas dis-
contrastamos ambas entre si, em torno de tintas como a Antropologia, a Lingüística,
aspectos relacionados ao processo comu- a Matemática, a Sociologia e a Psiquiatria.
nicativo, os modelos interpretativos e a (ARAÚJO in: HOHFELDT, 2001:119).
influência sobre as escolhas públicas. Nesse Conforme a classificação de McQuail1 , a
propósito, recorremos aos fundamentos da pesquisa administrativa no âmbito da comu-
Escola Norte-americana, desenvolvidos por nicação divide-se basicamente em três fa-
LASSWEL e LAZARFELD, na interpreta- ses, Teoria dos efeitos ilimitados ou podero-
ção de RUDIGER (1995), MATTELART sos (início dos séculos até os anos 40); Te-
(2003) [1995] e WOLF (1995). Para o oria dos efeitos limitados (dos anos 40 até
exame da teoria crítica, nos utilizamos como os 60) e Revalorização dos efeitos das Mí-

Mestrando em Ciências Sociais na Universidade 1
1979, apud AZEVEDO, 2003.
Federal de São Carlos.
2 Ronaldo Martins Botelho

dia por meio de influências mais complexas dificava os efeitos da audiência. Uma das
e sutis (anos 70 até os nossos dias). Em conseqüências desse modelo foi a divisão do
nosso estudo, para fins comparativos com campo da comunicação em áreas temáticas.
as teorias críticas, nos concentraremos nos Na prática, essa fórmula mantinha os pres-
dois primeiros períodos dos estudos norte- supostos ilimitados da comunicação e do re-
americanos em comunicação. Isso por- ceptor passivo. (AZEVEDO, op.cit).
que entendemos que a fase por eles com- Mas será Paul Lazarfeld, sociólogo aus-
preendida espelha as tendências de estudos tríaco, que irá por em cheque os efeitos ili-
mais influentes na tradição norte-americana. mitados, a partir de sua publicação The peo-
Além do mais, a partir dos anos 70 a pes- ples’s Choice, em 1944. Em seu estudo, em
quisa administrativa em comunicação co- contraponto ao paradigma dominante, Lazar-
meça a assumir contornos mais complexos feld apura que os indivíduos do círculo pri-
e interdisciplinares, inclusive por influências mário do eleitor (família, colegas, amigos...)
da própria teoria crítica, que já é parte espe- tem mais influência em sua decisão do que
cífica da presente análise. os meios de comunicação. A partir desse es-
O primeiro elemento conceitual do mass tudo, passa a ser valorizado dos mediadores
comnucicacion research é a bala mágica de opinião. É o período dos chamados estu-
(mágic bullet) ou teoria da agulha hipodér- dos dos efeitos limitados. Esse paradigma,
mica, termo cunhado por Harold D. Lasswell que rejeitava a noção de uma audiência pas-
(1902-1918). Essa noção, influenciada pe- siva, e colocava o papel da Mídia em se-
las lições da Primeira Grande Guerra, vem gundo plano só passou a ser desafiado a par-
a público em 1927, quando Lasswel publica tir dos anos 70 quando, como já foi dito, no-
Propaganda Techniques in the Word War. vos modelos teóricos retomam a idéia do po-
O ambiente behaviorista (que valoriza a in- der da Mídia na influência sobre as audiên-
fluência do meio sobre homem), determi- cias, agora a partir de formas mais comple-
nado pela Guerra estimulava uma visão auto- xas e sutis.
matista e causal e de um alcance indiscrimi- Embora a abordagem da pesquisa admi-
nado da mensagem. Esse contexto é propício nistrativa seja composta de uma larga vari-
pressupostos ingênuos, onde «a audiência é edade de tendências, basicamente quatro ca-
visada como um alvo amorfo que obedece racterísticas permitem dar unicidade ao seu
cegamente ao esquema estímulo-resposta» conjunto: a) a orientação empirista, ten-
(MATTELART, 2003:37). dente a enfoques quantitativos; b) a orien-
Tempos depois, Lasswel (1948), com a tação pragmática, mais política do que ci-
Fórmula “Quem (emissor)/ diz o Quê (men- entífica (voltada para demandas do Estado e
sagem)/ a Quem (receptor)/com que Canal por ele instrumentalizada); c) a ênfase na co-
(meio)/ e com que Efeito (efeitos de audi- municação midiática como objeto de estudo
ência)” teve grande influência na teoria dos e d) a inspiração em modelos matemáticos,
efeitos ilimitados. Com esse modelo, Las- funcionalistas e automatistas. (HOHFELDT,
swell transformava a comunicação em um op.cit:120-130). Durante essa evolução dos
fenômeno observável e mensurável. Qual- modelos mencionadas, havia uma divisão
quer modificação ocorrida nessas etapas mo- entre os paradigmas norte-americanos, es-

www.bocc.ubi.pt
Pesquisa administrativa X Teorias críticas 3

sencialmente descritivistas e burocráticos, e tores vinculados às teorias críticas da cul-


os paradigmas europeus, essencialmente ide- tura de massa, desde a indústria cultural
ológicos. até as análises filiadas às tendências Pós-
Paralelo ao desenvolvimento da pesquisa modernas. A ênfase dessa análise recairá so-
norte-americana, outras correntes de pensa- bre os aspectos relacionados ao processo co-
mento surgiram também na Europa, com municativo e sobre o papel dos meios de co-
fundamentos e perspectivas completamente municação na formação da opinião pública,
distintas da comunicacattion research. Entre seja através da persuasão por mediadores de
elas, destaca-se a Escola de Frankfurt, tradi- opinião, da determinação de conteúdos ou
ção de pesquisa iniciada nas primeiras déca- mesmo da pura e simples sedução por inter-
das do século XX, fundamentalmente a par- médio dos meios e estratégias publicitárias.
tir da elaboração crítica de pensadores como
Theodor W. Adorno; Walter Benjamin; Her-
1 O Processo comunicativo:
bert Marcuse e Max Horkheimer. A idéia im-
pulsionadora dos frankfurtianos, em linhas Controlado, Seqüencial,
gerais, era a de fundir o comportamento crí- Determinista X Global,
tico com a proposta política, de modo a su- Virtual, Multidimensional
perar a crise da razão.
A Teoria Crítica influenciou outros estu- Uma das críticas dos estudiosos da indús-
dos sobre a cultura de massa, que envolve- tria cultural aos métodos de pesquisa empí-
ram teóricos contestadores, revisores e pros- rica da tradição norte-americana é a de que
seguidores das idéias frankfurtianas, dentre esses não penetram na objetivação dos fa-
os quais, H. Eco, E. Morin, F. Jameson, G. tos, nem na estrutura e nas implicações do
Debord e R. Ortiz, J. Habermas, J. Bau- seu fundamento histórico. Pelo contrário,
drillard, entre outros. Parte desses pensa- «provocam a fragmentação do todo social».
dores foram os pioneiros do chamado Pós- (WOLF, 2002:92). Esse déficit analítico
modernismo que têm imensa predominância pode ser identificado na Teoria informacio-
na produção científica contemporânea. Tra- nal, desenvolvida nas primeiras décadas do
çaremos a seguir um paralelo entre a per- século XX. Esta propõe uma análise seqüen-
cepção de alguns dos principais autores des- cial e fragmentada da comunicação, expli-
sas teorias críticas, em suas várias perspecti- citada no modelo matemático de Shannon
vas, e os pressupostos teórico-conceituais da & Weaver (Comunicador-transmissor-canal-
pesquisa administrativa, particularmente em receptor-destinatário). Essa divisão do pro-
sua primeira fase, visando com isso estabe- cesso comunicativo é criticada, sobretudo,
lecer alguns contrastes que contribuam para pela sua incapacidade de conceber a comu-
a melhor compreensão de ambas tendências nicação em sua amplitude histórica e cultu-
teóricas. ral. «o processo é concebido como série de
Para tanto, relacionaremos alguns traços procedimentos limitados no tempo e de com-
marcantes no desenvolvimento da pesquisa ponentes rigidamente separados no espaço»
norte-americana para, em seguida, analisá- (RUDIGER,1995:25).
los a partir de contrapontos com base em au- Para os frankfurtianos a comunicação é

www.bocc.ubi.pt
4 Ronaldo Martins Botelho

um fenômeno que envolve fatores que se si- Isso implica em escolhas objetivas por parte
tuam além do aqui e agora e que «só adqui- do profissional da notícia em torno da ima-
rem sentido em relação ao todo social, do gem que quer construir. «Não há essência
qual são antes de mais nada uma mediação, e na sociedade moderna. A realidade é objeto
por isso, precisam ser estudadas à luz do pro- da contemplação (...) O espetáculo se apre-
cesso histórico global da sociedade» (RUDI- senta como a própria sociedade. O espetá-
GER in: HOHFELDT, op.cit:132). Aquilo culo é uma visão de mundo que se objeti-
que para a teoria administrativa corresponde vou. É, ao mesmo tempo, resultado e pro-
a dados de fato, é para a Teoria crítica pro- jeto (...) O mundo da objetividade escolhe o
duto de uma situação histórico-social especí- seu próprio conteúdo técnico». (DEBORD,
fica. 1997:13-20).
Mais do que uma percepção de um pro- Ilustra essa situação a Guerra do Golfo,
cesso dialógico, os teóricos da indústria cul- em 1991, que marcou um divisor de águas,
tural vão tomar a comunicação como uma na medida em que pela primeira vez uma
«categoria essencialmente ideológica, cujo guerra era transmitida ao vivo, em rede pla-
questionamento deve ser essencialmente crí- netária e em tempo real, consagrando a espe-
tico» (RUDIGER, op.cit:80). Além do mais, tacularização da notícia. Nesse evento, as-
esses teóricos privilegiam uma visão dialé- sim como em Kosovo em 1999, muito des-
tica na análise do fenômeno comunicativo. taque foi dado aos ‘erros’ das armas sofisti-
«Denunciando a separação e a oposição do cadas do que às milhares de vítimas da tra-
indivíduo em relação à sociedade, como re- gédia. Esse evento mudou a relação da tele-
sultante histórica da divisão de classes, a te- visão com a notícia. Esta própria tornou-se
oria crítica confirma a sua tendência para a notícia. «A TV, assim, goza da possibilidade
crítica dialética da economia política. Con- de pautar o que vai ou não ser acontecimento
seqüentemente, o ponto de partida da teoria político. Uma das conseqüências desse Sho-
crítica é a análise do sistema da economia de wrnalismo é o total apagamento entre o real
mercado» (WOLF, op.cit:83). e o fictício» (ARBEX, 2001:30-32).
Na esteira dos frankfurtianos, outros au- Autores identificados com a perspectiva
tores problematizam ainda mais o papel dos pós-moderna avançam ainda nesse diagnós-
meios de comunicação. Na era da reprodu- tico sobre o poder de recriação da realidade
tibilidade técnica, a cultura e a informação através dos meios de comunicação e sobre
são mais do que mercadoria: se transformam os seus efeitos na sociedade contemporânea.
em espetáculo. Na imprensa, as possibilida- Com relação à visão global que caracteriza-
des que os veículos de comunicação de di- ria a percepção das teorias críticas, Jamen-
fundirem os acontecimentos de forma rápida son (1985) chama a atenção para a dissolu-
e até instantânea, permitem uma nova rela- ção de velhas fronteiras, notadamente o des-
ção do público com o aqui e agora dos even- gaste entre a cultura erudita e a cultura po-
tos, mesmo aqueles que lhes escapam geo- pular. Esse autor também sustenta que essa
graficamente ao alcance. Todavia, essa pos- imersão dos indivíduos em um imaginário
sibilidade de recriação do presente se realiza holístico não se traduz necessariamente em
no jornalismo através de padrões técnicos. uma assimilação consciente e construtiva.

www.bocc.ubi.pt
Pesquisa administrativa X Teorias críticas 5

Se, de fato, o sujeito perdeu sua capaci- de decomposição dos suportes do real em
dade de estender de forma ativa suas preten- seus variados aspectos. Ou seja, “liberta-
sões e retenções em um complexo temporal dos das cadeias de significação, os signos
e organizar seu passado e seu futuro como apartaram-se de qualquer referência ao ‘real’
uma experiência coerente, fica bastante di- e tornaram–se os elementos constitutivos do
fícil perceber como a produção cultural de que Baudrillard (1993: 8) chama de hiper-
tal sujeito poderia resultar e outra coisa que realidade, a pura simulação de imagens e sig-
não um ‘amontoado de fragmentos’ e em nos”. Portanto a pós-modernidade erigiu-se
uma prática da heterogeneidade a esmo do em decorrência de uma “atitude nascida do
fragmentário, do aleatório. (JAMENSON: espanto, do desencanto, da amargura aflitiva,
2000:52). que procura se reconstruir em seguida como
Diferentemente da fragmentação existente uma alternativa parcial, desprendida do so-
no processo comunicativo do modelo admi- nho de arrogância, de unidade e poder” (Sev-
nistrativo, que é instrumental e que se rela- cenko, 1995: 45).
ciona a uma visão de mundo recortada pela Por conseqüência, avalia o seu potencial
superdimensão do determinismo dos meios referencial de reproduzir nos indivíduos essa
sobre o sujeito, a fragmentação à que se re- mesma dispersão simbólica.
ferem os autores pós-modernos abrange um Um outro aspecto das possibilidades que
efeito político supra-real e destituído de co- se abrem a partir das novas tecnologias, e
erência temporal. O indivíduo não é mais que é reparado na interpretação dos pós-
visto como um mero alvo dos meios, como modernistas, é a quebra de fronteiras entre
um simples objeto manipulado. Ele é ser- povos e culturas. Através do acesso ins-
vido por uma multiplicidade de opções sim- tantâneo permitido por recursos eletrônicos
bólicas, que também lhe alienam, mas agora que progressivamente se popularizam (inter-
transportando-lhe da realidade. net, DVD, celular, vídeo...), desenvolvem-se
Nesse caso, a influência ocorre exata- novos níveis de comunicação, que transfor-
mente pela exploração do universo social, mam a própria percepção de tempo e espaço.
ainda que em direção à reconstrução da re- Essa integração entre universos distintos em
alidade em direção a novas significações. um não-lugar2 não se constitui uma troca
Nesse processo, onde impera a sensação de simbólica que implique na construção de la-
‘poder tudo’ é propiciado ao receptor tam- ços identitários, como observa FEATHERS-
bém a prerrogativa de agir - já que este é en- TONE:
volvido em um sentimento de liberdade to- Pensamos, porém, que a comunicação, a
tal, pelo acesso a um todo virtual - mas não 2
Termo de Marc Auge. Atualmente observa-se
como ator transformador: seu papel se li- mais a emergência dos não lugares: aeroportos, gran-
mita agora ao consumo desse universo ilusó- des centros comerciais, etc. estes lugares são vazio de
rio que a comunicação lhe proporciona, pau- conteúdos particulares, identitários, ou seja, um não-
tando a sua vida pela descaracterização de lugar representa uma cultura não localizada no tempo
e no espaço, mas todos se sentem em casa. (AUGÉ,
um sentido global.
1994:71-110).
Atualmente, arvora-se para muitos que es-
tamos assistindo a um acelerado processo

www.bocc.ubi.pt
6 Ronaldo Martins Botelho

informação, o contato com outras culturas, mento que os meios impõe ao seu receptor,
não nos tornaram sujeitos universalizados; os pensadores da Escola de Frankfurt consi-
apenas nos possibilitaram conhecer outras deram essa relação em um nível mais pro-
culturas sem sair da nossa. Dito de outro fundo. Ao invés de situar o receptor como
modo, permanecemos vivendo em nossas al- um ser vulnerável pela passividade ante ao
deias, só que agora com a possibilidade de estímulo externo, os frankfurtianos vêem os
saber o que se passa nas outras. Assim, indivíduos na era da reprodutibilidade téc-
como conseqüência, mesmo que paradoxal, nica como sujeitos que interagem com as no-
o processo de globalização permitiu-nos evi- vas tecnologias, cientes de que essas mediam
denciar “a percepção de finitude e da au- o mundo à sua volta. Diferente do receptor
sência de limites do planeta e da humani- apático que recebe o estímulo da bala má-
dade”. Ao contrário de produzir homogenei- gica (magic ballet) da teoria hipodérmica, o
dade, a globalização consentiu “familiarizar- homem-massa da sociedade de consumo se
nos com a maior diversidade, com a grande envolve em uma relação voluntária, embora
amplitude das culturas locais” (Featherstone, esse condicionamento não aponte a um pro-
1997:124). cesso de libertação. Ao contrário, conduz a
o indivíduo massa «a se engajar nas tarefas
necessárias à manutenção do sistema econô-
2 Estímulo-resposta X
mico e social através do consumo estético
Estímulo-consumo massificados, articulados pela indústria cul-
Na medida em que se baseia no estimulo do tural» (HOHFELDT, op.cit:133).
espectador através do comportamento como O estímulo-resposta sobre o emissor, que
condição primária, a teoria hipodérmica – é objeto central no modelo empirista da teo-
desenvolvida na pesquisa administrativa - ria dos efeitos ilimitados, cede lugar na soci-
isola o contexto não relacionado ao ato co- edade de consumo ao sujeito condicionado
municativo em si. Valoriza-se, assim, o com- pelos estímulos da sociedade espetaculari-
portamento, mas apenas na medida em que zada. A liberdade de dizer não existe entre
esse interfere na comunicação. A relação as opções de escolha oferecidas por essa rea-
causa-efeito do modelo estímulo-resposta re- lidade virtual que ‘mostra, mas não dá’. En-
duz o sujeito a um nível atomizado, alienado, tretanto, negar essa totalidade que coloniza
primitivo. «se uma pessoa é apanhada pela todo o imaginário do homem comum sujeita
propaganda pode ser controlada, manipu- o receptor a negar-se enquanto ser social e,
lada, levada a agir» (idem, p.28). Nesse mo- como conseqüência, negar a si mesmo. «sob
delo da teoria administrativa, a abordagem o monopólio privado da cultura, a tirania
se concentra na eficácia persuasiva. Dessa deixa o corpo livre e vai direto à alma. O
forma, predomina a noção de que os efeitos mestre não diz mais: você pensará como eu
desejados podem ser administrados através ou morrerá. Ele diz: você é livre de não pen-
de mensagens adequadamente estruturadas. sar como eu: sua vida, seus bens, tudo você
(WOLF, op.cit:34). há de conservar, mas de hoje em diante, você
Ainda que notem essa condição de isola- será um estrangeiro entre nós». (ADORNO
& HORKHEIMER,1985:125).

www.bocc.ubi.pt
Pesquisa administrativa X Teorias críticas 7

3 Abordagem restritiva X Mais tarde, Schramm, apoiado nas pes-


Perspectiva estrutural quisas realizadas por Merton, Kats e Lazar-
fed, revisa esse modelo, atribuindo aos gru-
Mesmo que reconheçamos o valor da inves- pos primários (família, amigos, colegas) um
tigação e da verificação empírica, é preciso papel de mediadores no processo comunica-
apontar a sua insuficiência em considerar a tivo. Assim, o automatismo imponente do
sociedade como um todo. Trata-se de um meio sobre o indivíduo passa a ser ponde-
tipo de teoria que se situa claramente em um rado por outras influências, decorrentes da
contexto social do tipo administrativo, e se persuasão. Desenvolve-se, a partir de então,
concentra na dimensão prático-aplicável dos a idéia de filtragem e reintepretação (codifi-
problemas investigados. (WOLF, op.cit:47). cação/decodificação) entre os elos da cadeia
Os pressupostos sobre a sociedade de comunicativa. Essa perspectiva terá mais a
massa em que se assenta a pesquisa norte- frente, no final da década de 60, importante
americana sobre comunicação, especifica- papel nos estudos dos efeitos de longo prazo
mente nas primeiras décadas do século XX, da pesquisa norte-americana (Newsmaking,
partem da percepção de que o homem massa Gattekepears, Sociologia dos emissores...).
é um ser isolado em meio à multidão homo- A teoria crítica, associada à tradição eu-
gênea. No contexto da industrialização pro- ropéia, evoluiu muito mais profundamente
gressiva, a sociedade é uma massa amorfa do que a pesquisa norte-americana no que
que se desconhece entre si, não possuindo se refere à percepção sobre a complexidade
tradições ou regras de comportamento ou es- das relações entre o processo produtivo e a
trutura organizativa (BLUMER apud WOLF, comunicação, particularmente em uma soci-
op.cit:25). Esse isolamento físico, espacial e edade capitalista. Já nos estudos de Marx
simbólico é o ponto de partida de onde vai se e Engels é possível a elaboração de uma
construir a teoria hipodérmica. Esta consi- concepção materialista do fenômeno comu-
dera o indivíduo como exposto e frágil diante nicativo, ainda que aqueles dois pensadores
dos mass media, que terão plena capacidade não tenham sido teóricos da comunicação.
de manipulação sobre ele. Mesmo assim, encontram-se entre suas obras
Essa ingerência do meio sobre o indiví- inúmeros escritos que pintem a elaboração
duo é também sintoma de uma perspectiva de um paradigma relacionado ao universo
comportamentalista (behaviorista) hegemô- comunicativo.
nica na época. O objetivo da metodolo- Aqueles pensadores centrais da teoria
gia desenvolvida através desse modelo está marxista, que viram no trabalho a base fun-
resumido a uma relação de causa e efeito. damental da estruturação e organização da
Mesmo com o seu aperfeiçoamento, a partir sociedade moderna, deixaram para os teóri-
do modelo de LASSWELL elaborado na dé- cos da comunicação estudos que se constituí-
cada de 30 (Quem?/ Diz o Quê?/Em que ca- ram uma ampla e rica fonte de análise cien-
nal?/Com que efeito?), o que percebe é que tífica das sociedades contemporâneas. Cola-
os papéis do comunicador e do destinatário boraram, da mesma forma, para o desenvol-
situam-se isolados, independente das rela- vimento de uma visão do processo comuni-
ções sociais e culturais. (WOLF, op.cit:30). cativo enquanto fenômeno integrado às rela-

www.bocc.ubi.pt
8 Ronaldo Martins Botelho

ções de produção e, portanto, como elemento secretamente, no interesses de uma minoria


determinante da práxis social através da me- de proprietários, a inquebrantável aspiração
diação subjetiva. por novas condições sociais (...) a expropria-
Mas será no século XX, posterior ao pe- ção do capital cinematográfico é uma exigên-
ríodo histórico vivido por Marx e Engels, cia prioritária do ploretariado» (BEJAMIN,
que os pensadores da Escola de Frank- op.cit:185).
furt desenvolvem estudos que contextuali- Por outro lado, em sua Dialética do escla-
zam a modernidade na dialética da razão. recimento, Adorno denuncia precisamente a
Denunciam, dessa forma, que a moderni- desvirtuação das novas tecnologias. Na me-
dade, sob o pretexto de emancipar o homem, dida em que a relação com a obra de arte é
coisificou-lhe na lógica avassaladora do con- apropriada pela lógica consumista nas socie-
sumo, vigente na era da reprodutibilidade dades capitalistas, a indústria cultural trans-
técnica. (RUDIGER, op.cit:79) e (HOH- forma a cultura em mercadoria. No campo
FELDT, op.cit:134). Diferente do indivíduo- da comunicação, observa Adorno, essa con-
massa, isolado, apático e vulnerável ao fluxo versão implica na superficialização e atrofia-
comunicativo, que está resumido na inter- mento do pensamento crítico.
locução unidimensional que povoa as pri- os interesses dos inúmeros consumidores
meiras fases da teoria administrativa, o pú- se prendem à técnica, não aos conteúdos (...)
blico perceptivo que tem acesso à cultura em o telespectador não deve ter necessidade de
um nível expositivo dispõe do privilégio de nenhum pensamento próprio, o produto pre-
inteirar-se de uma segunda natureza ofere- escreve toda reação: não por sua estrutura te-
cida pelas câmeras. «ela [a descrição ci- mática – que desmorona na medida em que
nematográfica da realidade] oferece o que exige pensamento – mas através de sinais.
temos o direito de exigir da arte: um as- Ela [a cultura] se confunde com a publici-
pecto da realidade livre de qualquer manipu- dade. Nas mais importantes revistas norte-
lação pelos aparelhos, precisamente graças americanas, Life e Fortune,o olhar fugidio
ao procedimento de penetrar, com os apare- mal pode distinguir o texto e a imagem publi-
lhos, no âmago da realidade.» (BEJAMIN, citários do texto e imagem da parte redacio-
1955[1955]:187). nal. (ADORNO, 1986 [1947]:127-128;151-
Nessa nova dimensão que a indústria 152)
transforma a cultura, sob a perspectiva frank- Constatamos, assim, a partir da Escola de
furtiana, muito mais do que um processo Frankfurt, uma perspectiva que contextualiza
estímulo-resposta - característico dos pri- o espectador em um processo político (o con-
meiros modelos comunicacionais da Escola trole ideológico dos meios), decorrente de
norte-americana - é percebida uma dimensão relações de produção que transformam a cul-
política capaz de multiplicar as formas de ex- tura em produto de consumo (a indústria cul-
posição e acesso cultural nas sociedades de- tural). Tão importante quanto as contradi-
mocráticas, expandir o universo perceptivo ções que a teoria crítica desvenda ao apon-
dos telespectadores e aprofundar as possi- tar a dimensão econômica que a comunica-
bilidades de controle ou emancipação atra- ção está envolvida nas relações entre mídia,
vés desses meios. «ele [o cinema] explora cultura e sociedade, são as questões valora-

www.bocc.ubi.pt
Pesquisa administrativa X Teorias críticas 9

tivas que essa perspectiva teórica coloca no ambas fixam-se agora nos efeitos de longo
horizonte dos estudos sobre mídia e política. prazo.
Isso se viabiliza a partir da própria rein- Por outro lado, em termos concretos,
terpretação da cultura de massa e das for- pouco se verificou na assimilação mútua de
mas de fruição, particularmente através dos princípios e estratégias operacionais entre a
meios comunicação de massa. teoria crítica e pesquisa administrativa. Uma
A falha está em formular o problema nes- interpretação sobre essa dificuldade de apro-
ses termos é bom ou mau que exista a cultura ximação diz respeito à interpretação redutora
de massa? (...) Quando, na verdade, o pro- de cada uma das abordagens com relação à
blema é: no momento em que a presente si- outra.
tuação de uma sociedade industrial torna ine- Dificuldade acentuada pelo fato de, para
liminável aquele tipo de relação comunica- a teoria crítica, esse tipo de análise [da te-
tiva conhecido como conjunto dos meios de oria administrativa] como momento autono-
massa, qual a ação cultural possível a fim de mamente pertinente – ser irrelevante e aces-
permitir que esses meios de massa possam sório – estando já implícito na descrição di-
veicular valores culturais? (ECO, 1993:50). nâmica fundamental da sociedade industrial
capitalista. (...) Quanto à pesquisa adminis-
trativa, a consciência da necessidade de um
4 Tendências contemporâneas
quadro de referência mais vasto no qual fixar
Nas primeiras décadas do século XX, que o estudo de problemas específicos, atenuou-
marcam a evolução dos paradigmas dos estu- se freqüentemente, devido (também) à pres-
dos comunicativos em um nível mais articu- são que o caráter institucional da pesquisa
lado, os enfoques fechados e unidirecionais exercia em direção aos aspectos metodológi-
predominaram a produção teórica. Nesse pe- cos e operativos do trabalho de investigação.
ríodo, um diferencial latente entre a pesquisa (WOLF, 2002: 98-99).
norte-americana e a européia é a focalização Independente dessas motivações de ordem
da primeira na influência dos meios de co- conceitual ou institucional, a pesquisa cien-
municação sobre o público, enquanto a se- tífica em comunicação avança através de ou-
gunda se concentrou mais nos determinis- tras motivações de ordem política e social.
mos estruturais do pensamento. (MERTON No caso da América Latina, como observa
apud WOLF, op.cit:17). BERGER «as marcas da dependência estru-
Entretanto, à medida que se aprofunda- tural, que evoca uma cultura de silêncio e
ram ambas perspectivas, começa lentamente da submissão, mas também, de resistência e
a se desenvolver os pilares de uma Comu- de luta, são o pano de fundo na busca por
nidade científica, que virá a promover pon- compreender o que acontecia com a comu-
tos de convergências entre as duas corren- nicação». (apud HOHLFELDT, op.cit:241).
tes, melhor percebidas nas tendências con- Essa leitura se ajusta, evidentemente à rea-
temporâneas. Um desses pontos, identificá- lidade brasileira, onde a concentração histó-
vel em ambas tendências na prática científica rica de grandes conglomerados dos meios de
atual é a compreensão sobre a necessidade comunicação inserem desafios sociais con-
de uma abordagem variada. A atenção de

www.bocc.ubi.pt
10 Ronaldo Martins Botelho

cretos, sobre os quais a pesquisa científica AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução


não pode passar distante. a uma antropologia da supermoderni-
Em vista disso, é desejável que no de- dade. Campinas, SP: Papirus, 1994.
senvolvimento de novas abordagens teóricas
nesse campo, se aliem a eficácia dos mo- BAUDRILLARD, Jean. O Pós-Moderno
delos experimentais - acumulada pela longa Explicado às Crianças. Lisboa, Publi-
tradição da escola administrativa; a percep- cações Dom Quixote, 1993.
ção social profunda da abordagem crítica - BEJAMIN, Walter. A obra de arte na era de
emergida desde a experiência da Escola de sua reprodutibilidade técnica. In: obras
Frankfurt, enriquecidas ambas pelos olhares escolhidas: Magia e técnica, arte e po-
difusos e multidimensionais dos autores pós- lítica. SP: Brasiliense, 1985 [1955].
modernos. Torna-se esta uma exigência pre-
mente para a compreensão sobre uma época DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo.
em que comunicação, cultura e espetáculo SP: Contraponto, 1997.
se confundem sob o signo do capital, sub-
vertendo a promessa emancipadora da mo- ECO, Humberto.Apocalípticos e integrados.
dernidade. Nesse quadro, a comunicação SP: Perspectiva, 1993.
se constitui, não apenas uma esfera de in-
FEATHERSTONE, Mike. O Desman-
tervenção ética, política e profissional mas,
che da Cultura, Globalização, Pós-
sobretudo, cenário privilegiado de explora-
Modernismo e Identidade. São Paulo,
ção científica no propósito de construção de
Studio Nobel, 1997.
uma nova ordem informacional libertadora e
transparente. JAMESON, Frederic. Pós-modernismo. São
Paulo: Ática, 1996.
5 Referências bibliográficas JAMESON, Frederic. Pós-modernidade e
ADORNO, Theodor. W. A indústria cultu- sociedade de consumo. In: Novos es-
ral: o esclarecimento como mistificação tudos do CEBRAP, n.12, jun, 1985.
das massas. In: Dialética do esclareci-
MATTELART, A., e M. História das teorias
mento. RJ: Zahar, 1986 [1947].
da comunicação.SP: Loyola, 2003.
ARAÚJO, Carlos Albert; BERGER, Christa
McQUAIL, D. (1979). The influence and
e RUDIGER Francisco. In: HOL-
effects of Mass Media. J. Curran, M.
FELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C;
Gurevitch, J. Woolacott (Eds.). Mass
FRANÇA, Vera Veiga (orgs). Teorias
communication and society. Londres:
da Comunicação: conceitos, escolas e
Sage. Apud: Agemda Setting. F.A.
tendências. Pp. 119-241. Petrópolis,
AZEVEDO, 2003. No prelo.
RJ: Vozes, 2001.
ORTIZ, Renato. Cultura e modernidade: a
ARBEX, Jr., José. Showrnalismo. Casa
França do século XIX. São Paulo, Bra-
Amarela: 2001.
siliense, 1991.

www.bocc.ubi.pt
Pesquisa administrativa X Teorias críticas 11

RÜDIGER, Francisco R. Comunicação e Te-


oria Social Moderna. POA: Fênix,
1995.

SANTOS, Jair Ferreira dos Santos. O que é


pós moderno? Col. Primeiros Passos.

SEVCENKO, Nicolau. “O enigma pós-


moderno”. In: Pós-modernidade. Ca-
pinas, Editora da UNICAMP, 1995.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação.


Lisboa: Editorial Presença,1995.

www.bocc.ubi.pt

Você também pode gostar