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Luz

Palavra
Atravessamento
Trabalho de Conclusão de Curso
Artes visuais — Habilitação Artes Gráficas
Escola de Belas Artes — UFMG
Belo Horizonte 2021

Luíza Marcolino
Orientadora: Elisa Campos
Apresentação [1]

Deixo aqui um testemunho das experiências artísticas, acadê-


micas e pessoais que me levaram a desenvolver o projeto Luz
Palavra Atravessamento (2020) durante a pandemia provoca-
da pela Covid-19. Esta publicação se divide em quatro partes:
‘Luz: transparência e atravessamento’, ‘Atravessamento: espa-
ço e sociedade’, ‘Palavra: processo e impressão’ e ‘Luz Palavra
Atravessamento’. Nas duas primeiras, apresento os trabalhos
que guiaram minha produção em direção à luz e à intervenção
urbana como meios de expressão. Num segundo momento,
transpareço a influência do confinamento na minha prática atra-
vés de uma livre narrativa dos acontecimentos e reflexões que
acompanharam-me em 2020. Por fim, trago os registros do pro-
cesso de construção deste trabalho que percebo tanto como
uma base quanto como uma consequência da minha busca pela
plasticidade no mundo das imagens.
inspiração apneia

expiração sopro
Luz: transparência
e atravessamento
Ser transparente é permitir a passagem da luz.

Entretanto, as transparências mais inte-


ressantes são incompletas e deixam ras-
tros, criando sombras. Tudo o que tenta
ser transparente provoca curiosidade pelo
que é visível, mas está ausente ­— e assim
desperta o desejo pelos atravessamentos.
OQVDPM
[2]

O Que Você Deixou Para Mim (2016) : nesse projeto, doze


pessoas foram fotografadas com objetos relacionados a uma
ausência importante em suas vidas — ­ uma câmera fotográfica
herdada, um anel de noivado desfeito, uma pulseira recebida de
presente. Para a exposição, as fotografias foram impressas em
alto contraste sobre acetato transparente e fixadas no vidro de
uma das janelas do prédio da Escola de Belas Artes da UFMG,
por onde a luz do sol entrava em determinadas horas do dia.

Existe uma magia no ato de expor que extrapola o


simples compartilhamento. Quando um pensamento
é escrito, quando uma leitura é pronunciada, quando
uma fala acontece, algo novo no discurso é revelado.
Em 2016, o contato com o público era ainda um lugar
novo para mim e, no entanto, muito do que eu ainda
viria a desenvolver no ateliê já estava presente.
[3]
Navegante (2016) : nesse zine, as imagens, a passagem das Se observamos com cuidado, percebemos
folhas e a leitura do texto induzem o leitor a adentrar um espaço que as transparências não se resumem ao
fictício — a superfície do oceano. mundo material e à luz. Não apenas as su-
perfícies podem dar a ver além de si mes-
mas, como também as palavras, os gestos e
o próprio tempo nos levam a saber ou ima-
ginar mais do que aquilo que está em pri-
meiro plano. Em todo caso, por ser fluida,
abundante e atraente aos sentidos, a luz
talvez seja a melhor representante dessas
presenças invisíveis, como uma lembrança
constante de tudo que nos atravessa.
[4]

Rexistir (2018) : instalação site-specific feita com


fita adesiva semi transparente amarela e branca
no desenho modular de um portão nos fundos da
Escola de Belas Artes da UFMG, onde também
localiza-se a entrada para o auditório do prédio,
fazendo com que a palavra Rexistir (junção entre
resistir e re-existir) surgisse escrita no chão, na
sombra provocada pela incidência da luz solar.
Devido ao movimento do sol e das nuvens, o desenho
projetado era inconstante.
[5]

[6]

No fundo, é como se tudo que existe do lado de fora ressurgisse cá dentro.


Como se, de dentro, o mundo fosse visto através das sombras numa caverna
e assim enxergássemos suas formas puras, brincando com as sombras de
nossas próprias mãos para remodelar as sombras do mundo.
[caderno de notas, 2018]

[8]

[7]
Permitimos assim que tudo exista por uma segunda, uma terceira, uma
quarta vez. Um re-existir que é prova da eterna resistência à rigidez.
[caderno de notas, 2018]

Coçam-me as instalações site-specific


que lidam com a incidência da luz natural
em espaços alternativos aos do museu, al-
terando essa luz, alterando esse espaço e
aceitando a imperatividade do contexto
nessas alterações, provocando no obser-
vador uma percepção diferente do entor-
no, do tempo e de si mesma.
[9] [10] [11]

Daniel Buren (França) e Lúcia Koch (Brasil) são dois


artistas conhecidos por desenvolverem trabalhos
nesse sentido. Embora ambos façam uso da lógica e
da tecnologia para decompor a luz em cores, seus tra-
balhos atuam no campo do sensível, extrapolando a
predefinição da técnica e florescendo na experiência
do público.
[12] [13]

A visão do mundo como sistema funda-se em acordos entre pessoas


com padrões interdependentes. A percepção de cores, em particular,
evidencia a necessidade de diferentes indivíduos compararem a experi-
ência diante de um fenômeno. Quando padrões cromáticos normais são
alterados, somos levados a buscar no olhar do outro a medida de nós
mesmos.
Felipe Chaimovich, 2009 ¹

A exemplo dos trabalhos de Daniel Buren e Lúcia Koch, acredi-


to que o distanciamento entre a experiência artística e a vida
comum é insustentável no mundo em que vivemos. Mais do que
nunca, o confinamento da arte a quatro paredes significa o alie-
namento da sociedade em relação a ela, mesmo que o contrário
não seja verdade. Por isso, para promover o contato e a troca na
[14] arte, é preciso também encontrar pontos de elasticidade entre
os espaços expositivos e os espaços públicos, e discutir essas
relações de modo que as transformações desejadas não fiquem
restritas à teoria. Se o museu é o mundo2, a Arte não existe sem
aferir e calibrar sempre seus valores com esse mundo que a abri-
ga e a inspira3.
Atravessamento:
espaço e sociedade
A luz que atravessa é mais interessante quando
definida por uma gama de superfícies.

Como onda, a luz inunda o espaço, sendo esse movimento vai além do estímulo visual e reves-
capaz de comunicar a respeito dos mate- te-se de poesia. São exemplos de pequenos eventos
riais que encontra através de fenômenos poéticos a luz que escapa por uma fresta, que emerge
tais como a sua fragmentação, a sua sub- difusa de uma janela, que, sendo projetada sobre uma
tração, reflexão, transformação e redire- parede, cobre um corpo no meio do caminho, que é
cionamento. Para um espectador atento, engolida ou refletida pelo mar no fim do dia.

[15]
Entre os diversos formatos de superfícies, o círculo é um
dos mais interessantes. A luz irradiada por uma lâmpada ou
por uma fogueira descreve um círculo, mas essa também é
a forma que o ser humano desenha quando gira em torno
de si mesmo, a forma dos abraços e das cirandas, o rastro
que é deixado pelos ponteiros de um relógio.
A homogeneidade e continuidade dos círculos pode prote-
ger tanto quanto ameaçar, mas é humanamente inevitável. [16]
O ser humano se faz sempre cercado, seja física ou virtual-
mente, refletindo essa que parece ser a sua condição natu-
ral desde o ventre da mãe.

Aonde quer que vá, o homem leva consigo o seu centro.


Adrian Frutiger 4

[17]
Tapume I (2019) : este livro de artista parte
de cerca de 80 desenhos de bonecos feitos
individualmente a mão, vetorizados e impressos
sobre papel semitransparente. O centro é sempre
ocupado por um dos bonecos enquanto os demais
estão posicionados à sua volta em quantidades
que variam de uma página para outra. Devido à
sobreposição das páginas, a aparência e nitidez do
desenho criado oscila entre um círculo pontilhado
e uma massa amorfa que se aproxima ou distancia
do centro. Por se tratar de um livro sanfonado, as
sobreposições e narrativas produzidas podem ser
alteradas pelo leitor.
[18]
[19]

Em seu Livro da Criação (1959-1960), Lygia Pape tra-


balha repetidamente a centralidade. Quase sempre
simétricas e muitas vezes circulares, múltiplas formas
inicialmente escondidas no plano do papel emergem
pela manipulação do trabalho, sendo também susce-
tíveis à iluminação local. Por dar ao leitor o poder de
criar, desfazer, revelar e ocultar dimensões, a artis-
ta leva o livro ao limite do objeto na medida em que
considera a performatividade do público. Ao mesmo [20]
tempo, Lygia Pape aproxima-se da arquitetura e ten-
siona, assim, os conceitos de espaço e leitura na arte.

Tapume II (2019) : subsequente a Tapume I, o livro de artista


é aqui transformado em objeto. Com uma estrutura reforçada
, as páginas se sustentam de pé. Inteiramente reconfigurável,
o trabalho lembra um brinquedo de montar. Desta vez, a tinta
de impressão cobre o entorno dos bonecos, cuja forma é agora
vazada, sendo revelada apenas pelo atravessamento da luz
ambiente. [21]
[22]
[23]

A luz evidencia o que é desconhecido e, por isso, protege o ser humano. A própria luz,
entretanto, também se evidencia como sendo finita na presença das sombras. A luz seduz,
informa, engana e arma o ser humano. A luz preenche o espaço e o transforma.
[caderno de notas, 2019]
Regina Silveira, artista em cuja trajetória o trabalho
com a sombra levou ao interesse pela luz, ao contrá-
rio do que aconteceu comigo, quando indagada sobre
essa transição, respondeu:

Durante muito tempo meu trabalho se caracte-


rizou pelo uso das sombras projetadas, mas na
verdade a luz sempre esteve implicada nessas
projeções de sombra, pela simples relação de
causalidade entre as duas. (...) possivelmente o
que me levou a situar a luz como núcleo poéti-
co mais forte se explique por outra polaridade,
algo como refletir sobre a matéria construída
(mental / humano) e o imaterial (idéia de trans-
cendência).⁵

Regina Silveira associa a sombra à matéria construída/


humana e a luz ao imaterial/transcendente, mas não
seria verdade também que o ser humano encontra na
imagem produzida pela luz um sentido de posse?
[24]
Os filtros de cor como aqueles utilizados por Daniel Buren e Lúcia
Koch — e Regina Silveira, em outros trabalhos — são transparên-
cias incompletas. Sendo assim, as cores por eles evidenciadas
são tanto sombra quanto luz, dando a ver e ocultando o espa-
ço que se encontra além de sua superfície e alterando o espaço
onde a cor é projetada.

Entreolhar (2019) : instalação site specific nas janelas da galeria


do Instituto de Artes da UFRGS, localizadas no andar térreo de
uma rua movimentada no centro da cidade de Porto Alegre. O
revestimento dos vãos das grades exteriores a essas janelas
com folhas de papel celofane verde e azul criou o efeito de um
vitral visível no interior do prédio apenas durante o dia e na rua
durante a noite. Alguns vãos foram deixados sem revestimento,
permitindo a passagem do ar e chamando a atenção para a
comunicação entre os dois espaços.
[25]
[26] [27]
Nos dois sentidos, pelos dois lados, passam. Passam no tempo dos segundos,
ao longo das horas, dia após dia. Passam junto com as nuvens. E as janelas
passam entre os que passam, de um lado e de outro. Passam rápido porque
são estreitas (é preciso diminuir o passo para que o olhar as atravesse).
Entre os que passam, as janelas passam com suas grades e seus filtros.
Passam comunicando o transitar.
[caderno de notas, 2019]
[28]
Quase todos os artistas que me inspiram utilizam o
entorno como matéria plástica. Olhando para seus
trabalhos e para minhas duas instalações nas frontei-
ras de escolas de arte — Rexistir (2018) e Entreolhar
(2019) —, comecei a me perguntar qual entorno me
interessava. A intervenção urbana surgiu então para
mim como um lugar atraente e ardiloso. Afinal, o que
faria com que uma instalação site specific fosse tam-
bém uma intervenção urbana? Seria apenas a sua lo-
calização? O que significa esse salto entre a palavra
instalação e a palavra intervenção? Especialmente,
uma intervenção precisa ser notada por quem para
existir? Se ainda podemos dizer que o museu tem o
poder de validar uma obra, o que validaria uma inter-
venção urbana?

[29]
[30]

Em Desvio De Treliça (2020)6, o artista mexicano Héctor Zamora


construiu um muro curvo com cobogós no jardim suspenso do
Metropolitan Museum de Nova Iorque. Segundo Héctor, a obra
reverbera as políticas de exclusão que, nos Estados Unidos, o
governo de Donald Trump promoveu quando tentou implemen-
tar, por exemplo, a construção de um muro na fronteira com o
México. Entretanto, aqui, o muro de cobogós cria diálogos mais
do que impõe limites, suscitando a curiosidade e provocando
questionamentos.

Nesse sentido, a obra é paradoxal porque, no fundo, é uma barreira, mas,


introduzindo este elemento especial que é o muro de treliça, então vira
um jogo muito interessante e, no fim, ainda se cria essa divisão, mas,
essa divisão, o que faz é nos tornar mais conscientes sobre os dois lados
e buscar essa interação (...) por isso, um gesto tão simples quanto, de
repente, ver a luz atravessar o muro ou, de repente, alguém que possa
dar a mão atravez do muro, podem significar muito, sobretudo na situa-
ção em que se encontra o mundo atualmente.
Héctor Zamora, 2020 7
[31]
Dentro e fora dos museus, os trabalhos artísticos são afetados
tanto pelo contexto em que foram concebidos quanto por aque-
le em que são expostos. Dito isso, a figura e a própria presença
do artista são capazes de criar nesses contextos um espaço que
talvez não seja possível de outra forma.

[32]

Cobra-jornal (2019) : a partir de folhas de jornal velho enroladas


umas nas outras, foi criada uma estrutura circular de espessura
variável carregada pela artista nas ruas de Porto Alegre.
O DESLOCAMENTO É UMA ESTRATÉGIA ARTÍSTICA.

Parecida em muitos sentidos com Belo Horizonte,


Porto Alegre tensionou as perspectivas, realidades e
lugares que até então eu me via ocupando no mundo.
Se sou desconfiada porque nasci e cresci entre as
montanhas de Minas, os horizontes inalcançáveis do
Rio Grande do Sul me ensinaram a ser firme. Descobri
que perceber o número de bolhas sociais dentro das Ninho (2019): a instalação foi montada na galeria principal do
quais vivemos, sermos confrontados por outras tan- Instituto de Artes da UFRGS. Trinta e oito balões transparentes
tas das quais nunca faremos parte, perceber o próprio cheios, contendo, cada um, até três bonequinhos de plástico
sotaque, o tom da própria pele, a origem e o alcance foram amarrados a um único gancho no teto. Todos os
das pessoas com quem dialogamos, tudo isso é incisi- bonequinhos foram adquiridos no comércio do centro da cidade
vo, sobretudo no momento político em que vivemos. de Porto Alegre e aplicados diretamente na obra.
[33]
O número de bonecos pretos utilizados foi consideravelmente
menor do que o de bonecos brancos por aqueles terem sido
encontrados sempre com poucas unidades disponíveis e por
um preço muito mais baixo, fatos que foram incorporados ao
trabalho. Muito além do que simplesmente refletir um falso
estereótipo da população local, tal discrepância toca em pontos
como a falta de representatividade nas artes plásticas, a
ausência de pessoas pretas na academia e o racismo estrutural
da sociedade brasileira.
[34]
[35]

Palavra: processo
e impressão
A escrita sugere um caminho incerto e, por
que não, mais tranquilo de expressão.
Assim, uma palavra ou uma frase pode permanecer
conosco por muito tempo, como se estivéssemos
aos poucos redescobrindo-a. Tendo sido deixada por
É por meio da escrita — grafada, pensada uma conversa ou uma leitura qualquer, ela ecoa em
ou dita — que muitas vezes as ideias se en- pensamento até que dela consigamos extrair a razão
caixam, ainda que temporariamente, inde- do eco, transformando-a de alguma forma e fazendo
pendentemente do nosso desejo. com que seja nossa.
Algumas são encontradas prontas, algumas são sonhos, algumas vêm
de jornais. Elas são finalizadas por uma fé cega. Não importa se eu vi na
televisão ou li no jornal, minha mente parece abraçar essa coisa até que
esteja pronta.
Ed Ruscha 8

Ed Ruscha é conhecido por uma série de fotografias de postos


de gasolina no interior dos Estados Unidos e pelas pinturas onde
ele retrata paisagens neutras e esteriotipadas, quase publicitá-
rias, atrás de frases comuns, escritas com letras simples e lim-
pas — dando ao conjunto um ar comercial e nostálgico, bastante
conectado com o imaginário nacional estadunidense. Dito isso,
algumas de suas pinturas também mostram palavras aparente-
mente aleatórias, tais como Smash (1963), sobre um fundo mo-
nocromático. Essas palavras soltas são de algum modo provo-
cantes, mesmo quando despidas de sentido.
[36]
2020, 17h32min
Chuvas torrenciais; mortes; bebidas para o carnaval; cidades fechadas; carnaval; mortes; lives; olimpíadas cance-
ladas; lives; ensino remoto emergencial; black lives matter; queimadas; lives.
[37]

Sobre a VI Bienal do Mercosul ­—­edição dedicada às relações


entre arte e espaço —, Paulo Sérgio Duarte escreveu que cada
No espaço de um caderno, vez mais, no mundo contemporâneo, a noção de espaço acu-
transformar a escrita, mula-se em experiências de diferentes camadas acompanha-
das de suas respectivas temporalidades, como se cada espaço
a colagem, solicitasse sua correspondente experiência no tempo9. Podemos
o recorte acrescentar que cada tempo também solicita sua correspon-
e a costura em instalações; dente experiência no espaço. Se por um lado o distanciamento
transformar o folhear em performance. social de 2020 tornou as áreas comunitárias inóspitas e mesmo
inacessíveis; por outro, foi preciso encontrar e criar no espaço
doméstico novas possibilidades e outras experiências.
2020, 13h15min
Hoje, eu estou um semestre atrasada no meu semestre atrasado. Atrasada, sim, porque o mundo não parou em
2020, o mundo nem sequer se move. Quem anda, quem se transforma, quem envelhece sou eu, somos nós. E você,
que também pertence profundamente ao mundo, apesar das paredes que erguemos para afirmar o contrário e
os relógios que construímos para acreditarmos que encarceramos o tempo. O tempo: cada um tem o seu e talvez
seja mesmo tudo o que cada um tem. É por ele estar sempre nos deslocando que a vida é uma sucessiva perda
de lugar.
Afinal, existe uma caminhada à qual estamos condenados. O lado bom é que podemos caminhar junto das pes-
soas de quem gostamos. O ruim é que também precisamos tolerar quem consideramos desagradável. No ano de
2020, a pista ficou escorregadia e começamos a andar desajeitadamente. Antes, tínhamos um ritmo (e ritmo é
tudo). Agora, ofegantes e preocupados em continuar caminhando juntos, mal conseguimos nos manter de pé.
Na publicação de Lygia Pape pela FUNARTE10, no tre- No caso de Palafita (1983), Lygia Pape simplesmente transferiu
cho intitulado O Livro Da Criação Recriado (1983), a para uma das páginas da publicação um dos trabalhos de O Livro
artista interferiu com o próprio trabalho no livro que da Criação. Já no caso de Semear a Terra (1983) (ao lado), de
poderia ou deveria simplesmente descrevê-lo, re- forma muito mais interessante, a obra acontece no próprio fo-
criando pontualmente O Livro da Criação (1959- lhear, fazendo uso do conceito por traz do trabalho original mas
1960), já mencionado anteriormente. incorporando o passar da página na obra.

Escrevo: vivo em minha folha de papel, a cerco, a percorro.


Provoco espaços em branco, espaços (saltos de sentido: des-
continuidades, passagens, transições)
Georges Perec 11

No livro Especies de Espacios, Georges Perec descre-


veu um espaço feito de palavras — de signos desenha-
dos sobre a página12. Através dessa perspectiva e a
exemplo de Lygia Pape, quando os espaços públicos
tornaram-se inóspitos devido à Covid-19, seria possível
recriar na folha de papel experimentações espaciais?
[38]
Na verdade, há muito tempo, as artes gráficas lidam com aspec-
tos da arquitetura transferindo-os para o papel (linhas, planos,
recortes). Além disso, por conta de características como a re-
produtibilidade e a interdisciplinaridade, essa prática incorpora e
se incorpora à sociedade contemporânea, talvez, de forma mais
enfática do que qualquer outra.
No cerne das artes gráficas, está a escrita.
De certa forma, a escrita é um registro da língua e, sendo por meio
da língua que a humanidade constrói e perpetua suas idéias, a
escrita é também um registro cultural como um todo. As pala-
vras possibilitam não apenas a expressão, mas a reprodução de
realidades particulares, ainda que de forma inexata. Quando ou-
vimos ou lemos uma palavra, recriamos em nossa mente uma
idéia mais ou menos próxima daquela de quem a falou ou escre-
veu. Assim, pela sua incerteza coletiva, as palavras alimentam a
criatividade, sendo a comunicação uma experiência plástica por
si só, dentro e fora do meio artístico.

[39]
Entre as artes gráficas, talvez seja na arte postal que Quando encontramos carros e construções bem pensadas,
a palavra revele com mais força seu poder de conec- ficamos impressionados e apreciamos de verdade o talento
tar pessoas, ainda que falantes de línguas diferentes. dos designers e arquitetos. Eu às vezes desenvolvo logotipos
Expressões dos sistemas internacionais de postagem, e poesia visual e, quando completos, sinto-me satisfeito. En-
tretanto, agora eu gostaria de pensar princípios muito mais
emblemas de movimentos populares e nomes de ar-
fundantes com os artistas: espaço, átomos e coisas assim.
tistas consagrados são exaustivamente reproduzidos Essa é a razão pela qual eu inaugurei um quadro de avisos.
ao redor do mundo e através de gerações, circulando Todas as pessoas têm o direito de discutir o começo e o fim
entre endereços de artistas em contextos diversos, do espaço. Não hesite em deixar a sua idéia sobre isso no
sendo vestígios de uma rede viva há mais de 50 anos meu quadro.
e não à toa conhecida como rede eterna. Ryosuke Cohen, 2021 13

Meu contato com a arte postal foi intenso devido à or-


ganização da convocatória Re-Volver, em 2020. Para
essa convocatória, o artista japonês Ryosuke Cohen
enviou três de suas células (as de número 1070, 1071
e 1072). As células são correspondências onde carim-
bos e selos de artistas do mundo inteiro sobrepõem-
-se uns aos outros, ocupando um espaço democrá-
tico, diverso e singular, onde a presença da palavra é
constante.
[40]

Escrever é mais do que simplesmente depositar pa- Ferdinand de Saussure foi um dos primeiros a investigar a estru-
lavras sobre o papel ou na tela do computador, pois tura da língua e da escrita propriamente dita. Em suas aulas, dife-
engloba um testemunho. Uma palavra escrita nunca renciava significante e significado no signo linguístico14, atribuin-
detém por muito tempo o que desejava-se dela num do ao significante aquilo que ele chama de imagem acústica. A
primeiro momento: ela torna-se algo novo, algo mais, imagem acústica pode ser definida como a impressão psíquica
a depender do que será escrito depois, do que será dos sons de uma língua na mente do falante, aquilo que invoca
lido e vivido depois dela, e de quem a lerá. Em relação determinadas idéias associadas ao significado de determinadas
a uma folha ou às pastas de um computador, a escrita palavras.
sempre cria uma intervenção material e temporal.
GOOD (2020), AFFLITO (2020): intervenções feitas com fita
adesiva e lápis de cor que exploram o espaço criado pela língua
entre o som e o significado das palavras a partir da perspectiva
da imagem.
[41] Saussure foi insistente em tratar a língua como sistema coletivo, comunica-
tivo e individualmente fixado. Entretanto, desde muito antes de Saussure e
ainda hoje, as artes gráficas dedicam-se à plasticidade das palavras através
da escrita. Poderia essa plasticidade ser extendida para as imagens acústi-
cas? Com o desejo de provocar no leitor um ligeiro desencontro entre ima-
gem, significante e significado, comecei a investigar a escrita de palavras e
letras distorcidas, baseada na idéia de que a escrita alfabética é um proces-
so sinestésico (na medida em que o que se registra no papel é um código
sonoro associado a uma idéia e traduzido em sinais gráficos, em oposição,
por exemplo, aos ideogramas chineses)15.
[42]

2020, 3h16
Durante os últimos meses, eu evitei ser produtiva. Fiz isso porque, para produzir, eu precisaria esquecer meus
projetos anteriores e deixar minhas raízes crescerem entre as tábuas dos poucos metros quadrados suspensos,
cercados por paredes pintadas de branco, onde, alternativamente, durante esses meses, eu me escondi. Preferi
ler José Saramago, com quem aprendi sobre o medo daquilo que não podemos evitar16, do que enfrentar esse
mesmo medo. Lendo também descobri palavras ariscas — algumas das quais eu escrevo agora.
Uma palavra tem sido mais importante para mim do que as outras: casa. Recentemente, decidi morar na casa
do meu namorado e, embora eu nunca tenha desejado o casamento, desde que me mudei sem casar, sinto que
estou perdendo algo. Sinto que estou me casando e ele não está — e isso incomoda um pouco. No instante em
que decidi não me casar, por puro reflexo, um dilema nasceu daquilo que antes era puro desejo de morar com
ele. Uma parte de mim estranhou a decisão, como se não tivesse sido minha; outra parte de mim, censura esse
estranhamento, como se ele não fosse meu.
Talvez por isso eu tenha pensado na arte da contradição — uma arte que é recusa do que é estático; que é autên-
tica, apesar de e por conta de ser inconstante; que é indeterminada. Sobre ela, eu não sei muito. Sei mais sobre
a arte da autodeterminação, que não condiz com o que eu preciso para sobreviver hoje, embora se pareça mais
com o que eu sempre fiz de fato.
Em 2020, entendi que numa pandemia é preciso se contradizer: abrir mão da rua e fugir de casa ao mesmo tem-
po — coisa relativamente fácil no mundo moderno. Aceitei que estar em quarentena significa dançar com movi-
mentos curtos, desejando o calor, o som e a poeira lá de fora. Geralmente, eu evito pensar sobre essa dança, mas
hoje lembrei há quanto tempo não sinto o meu corpo cansado. Hoje, eu chorei por saber que tenho deixado meu
corpo se desfazer, carinhosamente. E, diante da tela que me conecta com tudo o que não é meu, senti-me um
sonho de outra pessoa.
Luz Palavra Atravessamento

Devido à pandemia e ao esvaziamento dos Alguns anos atrás, o sentido da substituição foi con-
espaços públicos, as janelas dos aparta- trário: à medida que as janelas se elevaram em prédios
mentos e casas substituíram as grades de cada vez mais altos, as grades ocuparam a rua. Isso
Belo Horizonte. Isto é, assim como as gra- porque, apesar de se parecerem muito, grades são di-
des de antes, as janelas de hoje permitem ferentes de janelas. A última convida o fora, o outro, o
o atravessamento — visual, sonoro, mate- longe (às vezes) para dentro, enquanto a primeira in-
rial —, mapeando os espaços particulares e terrompe, delimita. Uma janela é manipulável e dinâ-
privados na cidade. mica; uma grade é fixa, estática. Quem olha por uma
janela com frequência faz uma pergunta a si mesmo;
quem olha para uma grade encontra uma afirmação.
[43]

O projeto Luz Palavra Atravessamento (2020) ocorreu sobre


uma janela de quatro folhas no décimo segundo andar de um
prédio no centro de Belo Horizonte, minha casa. Apesar disso,
essa janela viria a se apresentar mais como a parte da cidade à
qual eu tinha acesso — ou a parte de minha casa à qual a cidade
tem acesso — do que como uma propriedade privada, e precisou
ser ocupada como tal. O espaço interior da janela (0,86m x 0,
89m) foi dividido em módulos que poderiam ser cobertos com
papel kraft considerando a multiplicidade e a harmonia das for-
mas possíveis a serem construídas com eles e a quantidade de
luz exterior/interior que passaria pelos espaços descobertos.
As formas desembocaram em palavras devido a capacidade de
síntese dessas. As letras foram então desenhadas para que san-
grassem cada módulo, ocupando o maior espaço disponível
para elas na janela. Assim, percebi ser possível presentificar meus
pensamentos e idéias por até dois quarteirões a partir de meu
apartamento.

[44]
Repetidas vezes, Regina Silveira fez uso da luz para escrever pala-
vras. Em Glossário (2010), ela interferiu com vinil azul na parede
envidraçada do Espaço Cultural Hospital Raimundo Vasconcelos,
recortando e subtraindo do vinil a palavra luz escrita diversas
vezes com tipos variados. O interior do prédio adquiriu então
uma atmosfera única, sobretudo nas horas do dia em que a luz
do sol invadia a sala em linhas e formas iluminadas. Nesse inte-
rior, enxergava-se a palavra zul — com as letras Z e L refletidas —
escrita no vidro e na projeção desse vidro no chão, enquanto, do
lado de fora, lia-se sempre a palavra luz.
[45]

Já em Luz/Zul (2003), a artista escreveu a palavra zul, também


a partir da subtração das letras, numa das janelas do Centro
Cultural Banco do Brasil de São Paulo. Dessa vez, o sol incidia de
tal forma na janela escolhida que a palavra luz surgia iluminada no
interior do prédio. Esses dois trabalhos de Regina Silveira lidam
diretamente com a relação interior/exterior e a luz que ocupa
ambos, utilizando da fronteira entre os espaços para evidenciá-
-la na própria palavra. Aqui, a luz é feita protagonista pelo que se
diferencia dela sendo sombra (embora azul) produzida pela in-
terferência do filtro de cor.
[46]
Ainda que Regina Silveira tenha traduzido a palavra luz para ou-
tros idiomas em trabalhos semelhantes, essa palavra é insubsti-
tuível dentro de sua poética. No caso de minha janela, entretan-
to, eu desejava mais o diálogo com a rua do que a escrita em si.

[47]

Assim, a primeira palavra que escolhi interessava-me


devido à (quase) simetria gráfica entre suas letras,
mas, sobretudo, por estar em meus pensamentos já
há algum tempo. Percebo que vivemos num mundo
onde é comum que os erros sejam censurados ou a
responsabilidade sobre eles seja apagada — o que
faz com que, essencialmente, deixem de ser erros.
Portanto, o convívio com o erro (para além do acaso,
como algo que precisa ser corrigido) e a presença
dessa palavra em nosso vocabulário, pareciam-me
ser humanamente necessários.
[48]
2020, 09h42
Começo olhando para a folha cor de creme do meu caderno. Não escrevo textos corridos há muito tempo. Hoje,
eu invento mapas de palavras. Hoje, eu lido com um espaço inventário, um espaço inventado17, o espaço que co-
meça comigo tateando palavras sobre páginas. Tenho aqui uma porção delas, todas rodeadas pelas rotas dos
estilhaços das explosões que me vieram à mente quando, por um acaso, li algo que me deixou pensativa; quando,
por ler, escrevi em mim mesma18. Percebo que, na verdade, também deixei de escrever palavras para apenas fin-
gir que as escrevo e, quando pareço reler, o que faço é apenas lembrar daquilo que, alguma vez, eu quis escrever.
No fim, eu escrevo palavras que parecem outras sempre que as encontro, debatendo-se contra aquilo que deixa-
ram de ser no momento em que desejei registrá-las. De certa forma, quando escrevo à mão, tenho a impressão
de fecundar meu caderno.
E como isso é difícil! Caminhar entre a leveza e a irresponsabilidade da escrita, escolhendo com cuidado as pa-
lavras. O problema de escrever é saber que, assim como não se pode voltar atrás no que foi dito, nenhum traço
pode ser desfeito sem deixar cicatrizes horrorosas no papel, consequências não dos erros em si — esses filhos
disformes que ainda assim são nossos —, mas das tentativas de negá-los. Vejo a escrita como um processo por
demais potente para querermos apagá-lo depois de pronto. Quando, por exemplo, eu me arrependo de anotar
determinada palavra, deixo-a existir em paz; quem sabe, com duas linhas em cruz.
Admito que meu apego ao erro veio depois de muito tempo, vários cadernos em branco e muitas horas perdidas
na ansiedade característica de quem se encontra disposto a escrever. Nessas ocasiões, eu era como um Martim
relutante para quem Clarisse diria no seu tom habitual que para escrever seria preciso me abster da força e apre-
sentar-me à tarefa como quem nada quer. E, assim como Martim, diante do fracasso eu eventualmente conclui
que a solução mais acertada, a única solução possível, era mesmo falhar19. Falhar repetidamente, constantemente.
Falhar tanto que nenhuma palavra restasse indubitavelmente escrita. Aprendi a esculpir então, a partir do alfa-
beto latino cursivo, a escrita dos meus batimentos cardíacos; uma escrita fina que não é mais comunicação, mas
puro rastro.
Chega a ser engraçado saber que, antigamente, minha letra era tão gorda que mal cabia entre as linhas da pauta.
Assustada pelas revoluções das palavras e ainda sem a orientação de Clarisse, eu segurava o lápis com força e o
apertava bem contra o papel para que as minhas palavras nunca se tornassem outras — eu as matava e empa-
lhava ali mesmo. Lembro de como as caudas, as barrigas, as orelhas, as espinhas e os braços das letras entrela-
çavam-se e do esforço arquitetônico que eu fazia para que elas nunca se sobrepusessem por completo na fossa
que eu cavava em meu caderno. Era como se, diante da maravilha da língua, que não se esconde atrás do cará-
ter sólido e permanente das imagens gráficas, mas flui em cada indivíduo e na massa cultural como um todo, eu
dissesse: é impossível. Tia Angélica, mais de uma vez, torceu o nariz, embora nunca tenha chegado a me corrigir.
Pelo contrário, dizia que a minha grafia era excelente: cada palavra começando e terminando numa única linha
contínua, perfeita e enorme. Nutrida pelo excesso de zelo dela — que me permitiu jamais escrever algo legível na
vida —, cheguei a exigir milagres da minha memória, aperfeiçoando-a. Hoje, com meus mapas, reconheço seus
ensinamentos.
Das palavras para as quais eu olho no caderno agora e tento resgatar, insisto em ler divagar/devagar, assim, com
uma barra no meio: ou uma ou outra. O estranhamento não está no verbo, porque eu sei que divago bastante,
mas na presença dele nesta página — teria eu divagado alguma vez naquele dia? Eu divago, eu divaguei, eu diva-
gava. Já faz tempo que eu tenho uma imagem para isso: estou sentada na estação de metrô, vendo as pessoas
passarem. Vejo pernas ágeis, sacolas, mochilas e o vagão que chega de repente e vai embora sem se importar.
Fico olhando para a senhora sentada ao lado e para a criança fazendo birra apesar da veia que pulsa cheia de
sangue bem no meio da testa da mãe. Sinto o cheiro do calor da cidade misturado ao da chuva que mais cedo eu
achei que viria. Sinto minhas coxas escorrerem por entre as gretas do banco, como minha letra de criança pelas
pautas do caderno.
Devagar já seria outra coisa, do tipo de coisa que dizem que sou. Eu mesma não me sinto devagar e, talvez por
isso, detesto que me apressem. Sinto uma angústia terrível quando me apressam, sabendo que, por um tempo,
viver será desgastante, sem o banco do metrô ou o calor da cidade. Eu devago, afinal. Devago tanto no mundo
quanto por estes mapas no meu caderno. Lentamente, perco-me entre coisas e palavras rasas, estudando-as a
fundo, observando seu comportamento. Por isso, no geral, as pessoas preferem dizer que eu sou calma — devagar
soa um pouco ofensivo. Mas a verdade é que não sou calma, nem tranquila, nem paciente. Eu sou precisamente
devagar. Eu preciso da lentidão para reparar nessas coisas tanto quanto precisaria de paciência para escrever as
palavras por inteiro.
Talvez a língua precise ser sempre estudada tendo em vista o
compartilhamento e a expressão de ideias, ainda que voláteis.
Mais do que isso, talvez a apreensão das palavras não possa ser
completa em isolamento. Se a língua comunica tanto para fora
quanto para dentro20, as palavras escritas na janela de meu apar-
tamento eram a materialização desse limiar, entre o lugar priva-
do de criação e o espaço público de exposição.
Daniel Buren pensou sobre as relações que uma obra
estabelece com o ateliê do artista em contraposição
a qualquer outro espaço que venha a ocupar quando
Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em
entende o ateliê como lugar de uma realidade própria,
todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um
sistema gramatical que existe virtualmente em cada cére- paralela, origem da obra de arte, onde ela existe como
bro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de in- concebida e de onde ela se afasta continuamente22.
divíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só Entretanto, que lugar de fato é esse de onde os tra-
na massa ela existe de modo completo. balhos de arte estão constantemente se afastando?
Saussure 21 Sobretudo, quando esses trabalhos são concebidos?
[49]

Segundo Jorge Menna Barreto, as práticas artísti-


cas específicas para um contexto desconstroem a
ideia do lugar como um suporte neutro para a obra
e o ativam como parte integrante do trabalho23.
Consequentemente, podemos pensar que uma ins-
talação site specific não é alheia a todos os lugares
onde poderá se encontrar depois do ateliê, mas que
ela nasce, precisamente, nesses lugares e, justamen-
te, por recriá-los em si mesmos.
O projeto Luz Palavra Atravessamento (2020) ocor-
ria ao mesmo tempo em dois espaços diferentes: no
ateliê de Buren e no contexto a que se refere Barreto.
Sendo exposto fora do ateliê sem jamais deixar o ate-
liê, percebi que o trabalho na janela parecia responder
e evitar as definições colocadas por eles pela multipli-
cação e simetria dos espaços possíveis.

[50]
2020, 20h03
Tenho andado com a cabeça nas nuvens atravessadas pelos urubus do centro de Belo Horizonte. Ontem, eu vi um
pousar no topo de um dos prédios mais altos e ficamos nos encarando não sei por quanto tempo. Quando ele
voou, procurei com alguma ansiedade o chão, onde encontrei meus pés descalços — será um incômodo prazeroso
voltar a usar sapatos. Os nós se acumulam na garganta desde que o medo da rua se enraizou em mim e começo
a sentir-me deslocada apesar dos calos que sumiram. Em casa, vivemos a ilusão do chamado distanciamento so-
cial. Ilusão não por conta do que a internet nos possibilita, mas pelas pessoas que vejo passarem nos ônibus abar-
rotados e aquelas que sei que estão atrás das paredes e vidros desses prédios que me cercam, apesar de nunca
aparecerem nas janelas. Tenho olhado bastante para esses prédios. Tenho procurado as janelas do meu próprio
apartamento. Acho que, desde muito antes, vivemos o que eu chamaria de distanciamento comunicacional.
Para mim, a comunicação sempre foi um terreno lamacento, cheio de fósseis e mistérios. Já me disseram que eu
escuto só o que quero e talvez estejam certos. E talvez até seja por isso que eu gasto tanto tempo anotando e re-
cuperando as palavras do meu caderno. Tudo o que eu escuto, eu preciso processar. Tudo o que me dizem, tudo
o que eu falo, penso, escrevo. Escrever é uma estratégia que roubei da escola, uma promessa de que esse tudo
talvez volte à tona um dia, numa hora mais propícia para a escuta, ainda que eu o esqueça.
Quantas vezes é preciso repetir uma palavra até que se conheça ela profundamente? Quantas vezes é preciso evi-
tá-la para que ela morra? Algumas palavras são mais fortes do que as outras — não porque dizem muito, mas
porque não dizem quase nada — desse nada que também é tudo. Já faz tempo que carrego comigo algumas pa-
lavras assim e sofro sabendo que, quando escrevo qualquer uma delas, produzo tantos sentidos quantas forem
as pessoas que me leiam. Por exemplo, fato. Fato era uma palavra simples, quase boba, quando eu mesma a es-
crevi pela primeira vez. Hoje, fato talvez seja a palavra mais importante e mais múltipla de todas; a palavra que
eu mais temo — bem longe de achar que o ponto de vista precede o fato, diria que é o fato que cria o ponto de
vista24, seja lá qual fato for. Assim como as lembranças, as palavras mudam — mudam de pessoa para pessoa, de
ano para ano — sem nunca deixarem de ser verdadeiras. Barthes diria simplesmente que não há verdade objetiva
ou subjetiva, apenas verdades lúdicas25. A verdade é que Barthes escrevia como o viciado no jogo da comunicação
que ele era, mas, para mim, a ansiedade toda vem exatamente desse espaço entre o que eu escrevo e essas ou-
tras idéias, outras imagens, outras significações, imprevisíveis; inacessíveis como meus vizinhos.
[51]

Quem ocupa o interior das outras janelas e varandas que vemos de nossas casas — lugares onde, raramente, nosso olhar encon-
tra o de outro? Essas presenças-fantasmas podem ser entendidas como comunidade?
A noção de que as palavras escritas na janela eram
lidas por outras pessoas trouxe para mim, que as es-
crevia, a sensação de estar no cerne delas, o que in-
tensificou-se quando instalei na sala duas lâmpadas
que alternavam automaticamente entre sete cores
disponíveis, diferenciando, agora de modo afirmativo,
os espaços interior e exterior.
Durante a noite, minha janela passou a destoar das ja-
nelas de outros apartamentos, da iluminação pública,
do farol dos carros, e as palavras adquiriram visibilida-
de no cenário urbano. Ao mesmo tempo, minha sala
passou a ser afetada pelas cores da lâmpada, além
da luz e da sombra vindas do exterior. O resultado foi
uma maior consciência da sobreposição de uma ex-
periência pública — embora inacessível para mim — e
a minha experiência particular — inacessível para qual-
quer outro.
[52]
As quatro folhas da janela determinaram o tamanho das pala-
vras possíveis. Ao longo das semanas seguintes, selecionei entre
elas para escrever aquelas que produziram em mim algum tipo
de inquietação. Outras surgiram, entretanto, em meio ao próprio
processo de escrita. Depois de ‘erro’, vieram ‘medo’ e ‘fome’, pa-
lavras que foram seguidas por ‘arma’, ‘arte’, ‘amor’, ‘casa’, ‘fato’ e
‘some’.
[53]
[54]

Em trabalhos como Aural (2018), Apani (2011) e os da


série Ganzfeld, James Turrell procura afetar a percep-
ção do espaço pelo público quando possibilita uma
imersão coletiva num ambiente tomado por uma luz
colorida. O resultado é o compartilhamento quase
meditativo da contemplação dessa cor, mediada
pelos próprios sentidos de cada indivíduo, e o efeito
que o artista chama de “perceber a si mesmo perce-
bendo”26, provocado por um intenso estímulo visual
independente de imagens, objetos ou algo em espe-
cífico para ser visto.
No caso de Luz Palavra Atravessamento (2020), ape-
sar de as palavras serem o objeto-foco de atenção, as
lâmpadas coloridas alteraram de forma consistente
o espaço a sua volta, sobretudo nas fotografias. Além
disso, a ausência de móveis e outros objetos na sala
contribuiu para o caráter imersivo da obra.
[55]
A fotografia evidenciou também a perturbação que
minha própria presença era capaz de provocar nas
palavras, motivo pelo qual continuei estudando meu
corpo em diálogo com elas. A minha capacidade ou
incapacidade de ocultar uma letra; o encontro com os
espelhamentos das palavras no chão, no teto, na pa-
rede lateral do prédio, junto ao meu reflexo no vidro;
a mobilidade entre as folhas da janela, que possibili-
tava sobrepor e trocar letras de lugar; o meu desloca-
mento, mal capturado pela câmera, em comparação
à permanência incômoda da palavra; o saber que a ja-
nela era observada por três pontos de vista diferentes
(o meu, o dos vizinhos e o da câmera), tudo isso afe-
tava-me durante a montagem e interação com a obra,
sendo registrado nas fotografias.
[56]
A esse trabalho, interessou mais a dualidade do pro- Expor a palavra tal qual um objeto, usando-a como um ready-made du-
cesso comunicativo e expositivo do que o sentido das champiano, nos coloca diante daquilo que ela esconde, mas que ainda
palavras em si. No entanto, as palavras erro, medo, assim está nela. Sem pretender reduzir a palavra às suas letras e apre-
sentando-a assim, de forma isolada, ela se impõe como impregnação,
fome, arte, amor, casa e fato eram parte de reflexões
contaminação e dúvida.
e discussões pertinentes no contexto em que foram
Elisa Campos 28
escritas, o que interferiu profundamente no meu rela-
cionamento com elas tanto quanto nos diálogos que Em O Rumor da Língua29, Barthes disse que a escrita canali-
o público provavelmente estabeleceu com o trabalho. za, enquanto a leitura dispersa, dissemina. Se Barthes e Elisa ti-
São palavras marcantes, mas de difícil apreensão por nham razão, então, quaisquer que fossem as palavras ready-ma-
dois motivos: primeiro, por serem complexas ou inde- de que eu escolhesse escrever na janela, elas seriam resultado
finidas; segundo por referirem-se a algo sobre o que é de uma série de pensamentos meus canalizados e, ao mesmo
desconfortável hoje considerar. tempo, origem de uma série de pensamentos outros — dos ou-
O primeiro motivo ressoa com o termo palavra-pre- tros — dispersos e disseminados, impregnados, contaminados.
nhe, idealizado por Elisa Campos: são palavras es- Entretanto, sendo as palavras escolhidas especificamente pro-
colhidas não por aquilo que parecem explicitar, mas blemáticas para a sociedade hoje, acredito que o deslocamento
pelo que escondem, pelo que deixam de revelar, pelas dos pensamentos que me levaram a elas e os pensamentos ou-
imagens difusas e plurais que suscitam.27 tros que delas possam ter surgido são particularmente potentes.
Ao longo das semanas, a montagem e desmon- F A T O E R R O A R T E
tagem das palavras escolhidas ficou cada dia
F A R O E R R E A R O E
mais fácil e rápida, entretanto, a consciência da
presença constante de um público levou-me a
E A R O A R R E A R O R
procurar algum tipo de narrativa nesse proces- E R R O A R T E A M O R
so. A sequência FATO - ERRO - ARTE - AMOR -
CASA - FOME - MEDO - FATO mostrou-se con-
A M O R F O M E M E D O
veniente na medida em que o conceito de cada
uma das palavras se relaciona com o de suas vi- A M O A M O M E M E T O
zinhas, e o conjunto, enquanto ciclo, também é C A O A M E M O M A T O
interessante. C A S A M E D O F A T O
A introdução de uma narrativa no projeto fez-me considerar O resultado foi uma série de vídeos em timelapse apre-
a potência do processo de troca em si, como na leitura de um sentados pela primeira vez sob o título Luz Palavra
texto. Para captar a mudança da luz natural paralela à mudança Atravessamento30 na exposição virtual Fazer da Ilha
das palavras na janela, as trocas foram registradas ao escurecer Arquipélago31, inaugurada em outubro de 2020 por
e amanhecer do dia. Desta forma, uma câmera digital foi progra- mim e meus colegas dos ateliês III e IV da habilitação
mada para tirar uma fotografia a cada 6 segundos e, durante oito em artes gráficas da UFMG.
dias, as palavras foram trocadas a cada 12 ou 36 horas, de forma
que cada uma permanecesse na janela durante uma noite e as Os vídeos podem ser assistidos individualmente em
trocas acontecessem sempre ao amanhecer ou ao entardecer. meu canal no YouTube ou acessados nos links abaixo:
Nesse processo, as lâmpadas coloridas permaneciam acesas o
tempo todo e a cor artificial tornava-se gradualmente mais forte
que a natural com o avanço da noite, ou mais fraca, com o avan- » Fato-erro » Casa-fome
ço do dia. » Erro-arte » Fome-medo
» Arte-amor » Medo-fato
» Amor-casa
[57]
Considerações finais

Desde o momento em que entrei na Escola de Belas Artes da UFMG, meu


percurso como artista não tem sido nada do que eu esperava. Ainda assim,
sei que esse percurso é meu (como poucas coisas são), e de todos que me
acompanharam (colegas, amigos, professores). Hoje, procuro por prólogos
e epílogos mais do que por certezas nestas considerações finais. De início já
afirmo que o dicionário da língua portuguesa é cheio de palavras com qua-
tro letras que esperam por um lugar em minha janela. No entanto, é preciso
dizer que alguns experimentos estão por fazer (como a alternância entre a
escrita voltada para o interior de meu apartamento e a escrita voltada para
a rua) e a janela que essas palavras encontrarão não será mais a mesma. Se
digo isso é porque o processo adentrou minha prática artística de tal forma
que dificilmente poderá ser ignorado daqui para frente. Finalmente, confes-
so meu fascínio pela luz e as sombras, e reconheço a descoberta mais im-
portante que fiz na EBA: para mim e por enquanto, a arte é o compartilha-
mento dessa fascinação.
Notas e referências
1 CHAIMOVICH, Felipe. In: KOCH, Lucia. Lucia Koch / Moacir dos Anjos. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009. 67 p.
2 OITICICA, Hélio. Aspiro Ao Grande Labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. 78p.
3 O’DOHERTY, Brian. No interior do Cubo Branco: a ideologia do espaço da arte. 1. ed. São Paulo: Martin Fontes, 2002. 14 p.
4 FRUTIGER, Adrian. Sinais e Símbolos: desenho, projeto e significado. 1. ed. São Paulo: Martin Fontes, 2001. 10 p.
5 Efeitos e Afetos. [Entrevista concedida a] Marcio Doctors. 1 p. Disponível em <https://reginasilveira.com/TEXTOS-texts>. Acesso em: 06
de janeiro de 2021.
6 Lattice Detour (2020).
7 Trad. minha. “En este sentido, la obra tiene esta paradoja porque, al final, es una barrera pero, introduciendo este elemento especial que
es el muro de celosía, entonces eso juega una parte muy interesante y, al final, también se créa esa división pero, en esa división, lo que hace
es hacernos más conscientes sobre esos dos lado y buscar esa interacción (...) por eso un gesto tan simple como de pronto ver a atravesar
la luz al muro o de pronto alguien que pueda darse la mano entre el muro pueden significar mucho sobre todo en la situación en la que se en-
cuentra el mundo actualmente.” ZAMORA, Héctor, set. 2020. Disponível em: <https://youtu.be/AsKEOXBPkKM>. Acesso em: 20 de outubro
de 2020.
8 Trad. livre. “Some are found readymade, some are dreams, some come from newspapers. They are finished by blind faith. No matter if I’ve
seen it on television or read it in the newspaper, my mind seems to wrap itself around that thing until it’s done.” RUSCHA, Ed; . Premeditated:
An Interview With Ed Ruscha. In: SCHWARTZ, Alexandra. Leave Any Information At The Signal: Writings, Interviews, Bits, Pages. Cambridge: The
MIT Press, 2002. 253 p.
9 DUARTE, Paulo Sérgio. Histórias da Arte e do Espaço–O Projeto. In: ALVES, José Francisco. Transformações do Espaço Público. Porto
Alegre: Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 2006. 10 p.
10 PAPE, Lygia. Lygia Pape. Apresentação de Mário Pedrosa. Poemas de Luiz Otávio Pimentel. Rio de Janeiro, Funarte, 1983.
11 Trad. minha. Escribo: vivo en mi hoja de papel, la cerco, la recorro. Suscito espacios en blanco: discontinuidades, pasajes, transiciones).
PEREC, Georges. Especies de Espacios. 2. ed. Barcelona: Montesinos, 2001. 31 p.
12 Trad. minha. Así comienza el espacio, sólamente con palabras, con signos trazados sobre la página blanca. PEREC, Georges. Especies de
Espacios. 2. ed. Barcelona: Montesinos, 2001. 33 p.
13 Trad. minha. “When we encounter well-designed cars and buildings, we are impressed by them, and do really admire the talent of their de-
signers and architects. I sometimes devise logotypes and visual poetry, and when completed, I feel satisfied with it. However, now I would like
to think of much more principle theme together with artists : space,atoms and others. This is the reason I opened a bulletin board. All the pe-
ople have the right to discuss the beginning and the end of the space. Don’t hesitate to put your idea on it about my bulletin board.” COHEN,
Ryosuke. Disponível em: <http://www.ryosukecohen.com/board/top.html>. Acesso em: 25 de jan. de 2021.
14 DE SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006.
15 Lemos de dois modos: a palavra nova ou desconhecida é soletrada letra por letra; abarcamos, porém, a palavra usual e familiar numa vista
de olhos, independentemente das letras que a compõem; a imagem dessa palavra adquire para nós um valor ideográfico. DE SAUSSURE,
Ferdinand. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006. 44 p. Minha interpretação dos atos de escrita e leitura estão, portanto, mais
associados a palavras desconhecidas para o sujeito.
16 Saramago, José. Ensaio sobre a cegueira. Editora Companhia das Letras, 1995.
17 PEREC, Georges. Especies de Espacios. Barcelona: Montesino, 2001.
18 BARTHES, Roland. Escrever A Leitura in O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
19 LISPECTOR, Clarice. A Maçã no Escuro. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
20 A linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro. DE SAUSSURE, Ferdinand. Curso de
Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006. 16 p.
21 DE SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006. 21 p.
22 BUREN, Daniel. A função do ateliê. Fonction de l’atelier], in LOOCK, Ulrich, Ed. Anarquitectura de Andre a Zittel, Porto, Público/Fundação
de Serralves, 2005. 49 p.
23 BARRETO, Jorge Mascarenhas Menna. Lugares moles. 2007. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. 11 p.
24 Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto. DE SAUSSURE, Ferdinand.
Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006. 15 p.
25 BARTHES, Roland. Da Obra Ao Texto in O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
26 Meu trabalho não tem objeto, nem imagem, nem foco. Sem objeto, sem imagem, sem foco, o que você vê? Você vê você vendo. Trad.
minha. “My work has no object, no image and no focus. With no object, no image and no focus, what are you looking at? You are looking at you
looking.” TURRELL, James. Disponível em: <https://jamesturrell.com/about/introduction/>. Acesso em 20 de out. de 2020
27 AMARAL, Maria Elisa Martins Campos. Por Uma Poética Do Mínimo: Matéria Da Poesia E Das Artes Visuais. Revista Asa Palavra / Faculdade
ASA de Brumadinho. V. 1, nº3 jul./de 2005. Brumadinho: Faculdade ASA, 2005. 97 a 108 p.
28 AMARAL, Maria Elisa Martins Campos. Por Uma Poética Do Mínimo: Matéria Da Poesia E Das Artes Visuais. Revista Asa Palavra / Faculdade
ASA de Brumadinho. V. 1, nº3 jul./de 2005. Brumadinho: Faculdade ASA, 2005. 97 a 108 p.
29 BARTHES, Roland. Escrever a Leitura. In: O Rumor Da Língua. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 26 a 29 p.
30 luizamarcolino.hotglue.me.
31 fazerdailhaarquipelago.hotglue.me.
Imagens
[1] Porto Alegre - RS (2019) [24] Regina Silveira, In Absentia M.D. [43] Porto Alegre - RS (2019)
[2] O Que Você Deixou Para Mim (2016) (1983) [44] Alfabeto usado no projeto Luz
[3] Navegante (2016) [25] [26] [27] [28] [29] Entreolhar (2019) Palavra Atravessamento (2020)
[4] [5] [6] [7] [8] Rexistir (2018) [30] [31] Héctor Zamora, Lattice Detour [45] [46] Regina Silveira, Glossário (2010)
[9] Daniel Buren, Excentrique(s) (2012) (2020) [47] Regina Silveira, Luz/Zul (2003)
[10] Daniel Buren, Le Cylindre incrusté aux [32] Cobra-jornal (2019) [48] [49] [50] Erro (2020)
couleurs (2017) [33] [34] [35] Ninho (2019) [51] Porto Alegre - RS (2019)
[11] Lúcia Koch, Gabinete (1999) [36] Ed Ruscha, Smash (1963) [52] Erro (2020)
[12] [13] Lúcia Koch, Clarabóias (2001) [37] Porto Alegre - RS (2019) [53] Medo (2020)
[14] Daniel Buren, Sun Catcher (2013) [38] Lygia Pape, O Livro da Criação [54] Medo (2020), Arte (2020), Fato
[15] Porto Alegre - RS (2019) Recriado (1983) (2020), Amor (2020), Arma (2020), Casa
[16] León Ferrari, Série Homens (sem data) [39] Liz Collini, DNA (2016) (2020), Fome (2020), Some (2020)
[17] León Ferrari, Série Homens (sem data) [40] Ryosuke Cohen, Brain Cell 1070 [55] James Turrell, Aural (2018)
(2020), Brain Cell 1071 (2020) e Brain Cell [56] Luz Palavra Atravessamento
[18] [19] Tapume I (2019)
1072 (2020) (2020)
[20] [21] Lygia Pape, O Livro da Criação
[41] Afflito (2020) [57] Luz Palavra Atravessamento
(1959-1960)
[42] Goood (2020) (2020)
[22] [23] Tapume II (2019)

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