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I

KARINA DE FÁTIMA GOMES

MARIO PRATA:
Do acervo literário de A Gazeta de Lins
à fortuna crítica

TRÊS LAGOAS - MS
AGOSTO/2014
II

KARINA DE FÁTIMA GOMES

MARIO PRATA:
Do acervo literário de A Gazeta de Lins
à fortuna crítica
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras (Área de
Concentração: Estudos Literários) do
Câmpus de Três Lagoas da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS,
como requisito final para a obtenção do título
de Mestre em Letras.

Orientador: Prof°. Dr. Rauer Ribeiro Rodrigues

TRÊS LAGOAS - MS
AGOSTO/2014
III

GOMES, Karina de Fátima


Mario Prata: Do acervo literário de A Gazeta de Lins à fortuna
crítica. / Karina de Fátima Gomes. – – Três Lagoas - MS, 2014.
318p. il. 31cm.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Letras, Mestrado e Doutorado (Área de Concentração: Estudos
Literários) do Câmpus de Três Lagoas da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – UFMS, para obtenção do título de Mestre em
Letras, 2014.
Orientador: Profº Dr. Rauer Ribeiro Rodrigues

1.Mario Prata. 2. Acervo literário. 3. Fortuna crítica. I Título.

xxxxx
IV

PÁGINA DE APROVAÇÃO

GOMES, Karina de Fátima. MARIO PRATA: Do acervo literário de A Gazeta de Lins à


fortuna crítica. Três Lagoas, MS, 2014. 1. V. 306 f. Dissertação. (Mestrado, Estudos
Literários). UFMS.

___________________________________
Rauer Ribeiro Rodrigues (CPAN/UFMS)
Presidente

____________________________________
Aroldo José Abreu Pinto (UNEMAT)
1° Arguidor

____________________________________
Ricardo Magalhães Bulhões (CPAN/UFMS)
2° Arguidor

____________________________________
Luiz Carlos Santos Simon (UEL)
1° Suplente

____________________________________
Eunice Prudenciano de Souza (CPAN/UFMS)
2° Suplente

Três Lagoas, 21 de agosto de 2014.


V

Dedico este trabalho a minha mãe,

Neuza,

que apesar de não possuir títulos acadêmicos,

é e sempre será minha grande Mestra.


VI

AGRADECIMENTOS

A Deus, essência de todas as coisas, razão da minha existência, por ter me sustentado
em todos os momentos desta árdua caminhada.

A família, razão e motivo de tudo isso, Francisco (pai), Neuza (mãe), Josiane (irmã),
João Pedro e Vinicius (sobrinhos), que souberam compreender meus momentos de
ausência, meus momentos de nervosismo, de trabalho, de stress, de neura, de alegria,
que sempre me incentivaram e agora compartilham comigo minha alegria e conquista:
este trabalho também é de vocês.

A meu namorado Evandro, que bem de perto acompanhou o trabalho, que me conheceu
em uma mesinha de estudos (já sobre a obra de Mario Prata), obrigada por acompanhar
as noites em claro, os dias sem fim no computador, por trazer o café quentinho e a
Coca-Cola gelada e por ser a alegria dos dias nublados. Obrigada pelo apoio e paciência
nos dias de inquietação e cansaço.

A meu orientador, Profº. Dr. Rauer Ribeiro Rodrigues, pela paciência, dedicação,
preocupação, zelo e empenho com que exerce sua profissão: o senhor foi um verdadeiro
mestre.

A Mario Prata, que com sua obra me conquistou: suas palavras divertidas tanto me
ajudaram também neste trabalho. Obrigada pelas entrevistas informais, pelas conversas
não gravadas, pelos risos.

A todos os professores da UFMS, Câmpus de Três Lagoas: vocês foram fundamentais


nesta longa formação, obrigada pela competência e disposição em compartilhar
experiências e saberes.

À Profª. Dr. Clara Avilla Ornella e ao Profº. Dr. Ricardo Magalhães Bulhões, pelas
preciosas contribuições na Banca de Qualificação.

Ao Claudionor e Camila, da secretaria do Mestrado da UFMS, pelo auxílio e presteza.

Aos amigos do mestrado, pelos momentos divididos juntos, especialmente a Aninha,


Eleni, Aline, Jorge e André, que se tornaram verdadeiros companheiros e tornaram meu
trabalho mais leve. Obrigada por dividir comigo as angústias e alegrias e ouvirem
minha bobagens e filosofias. Foi bom poder contar com vocês!

As amigas Daniela, Ana Paula E Maria Amália, pelo incentivo em prestar o processo
seletivo, pelos livros, pelos conselhos, pelas palavras amigas sempre: vocês foram
fundamentais.

Aos amigos e conterrâneos Claudinha e Chico, agora moradores do sertão de Três


Lagoas, pelo acolhimento, pela cama quentinha (obrigada também à Lara), pela
conversa no final da tarde, pelo jantar todas as noites, vocês são muito especiais!
VII

A todos os meus amigos e amigas que sempre estiveram presentes, me incentivando


com carinho e dedicação.

A Carlos Eduardo Motta Carvalho (Didu) por todas as entrevistas, por todas as palavras,
por todos os jornais, por toda a atenção, você foi essencial nesta pesquisa. Muito
obrigada pela generosidade em compartilhar seu material.

À senhora Taka Suguitani Folquitto pela entrevista enriquecedora. Obrigada pela


gentileza.

Às minhas professoras de Língua Portuguesa Neuli, Silvani e Ed (in memorian),


inspiração na escola e na faculdade de Letras e incentivo ao gosto pelas palavras.

À Prefeitura Municipal de Lins, que em seu Estatuto prevê a Licença Especial para
estudo, proporcionando assim a oportunidade de seus funcionários se qualificarem, se
tornando assim, profissionais cada vez melhores, mais envolvidos e mais competentes.

E, por fim, a todos que por um lapso não mencionei nestes agradecimentos, mas que
colaboraram nesta pesquisa: abraços fraternos a todos!

Ninguém caminha sozinho...ninguém vence sozinho...obrigada a TODOS!


VIII

Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem?


Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou falando. Você
deve conhecer pelo menos uma pessoa que já defendeu uma
tese. Ou esteja defendendo. Sim, uma tese é defendida. Ela é
feita para ser atacada pela banca, que são aquelas pessoas
que gostam de botar banca.
As teses são todas maravilhosas. Em tese. Você
acompanha uma pessoa meses, anos, séculos, defendendo
uma tese.
Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba
nunca, que acompanha o elemento para a velhice. Tem até
teses pós-morte.
O mais interessante na tese é que, quando nos
contam, são maravilhosas, intrigantes. A gente fica curiosa,
acompanha o sofrimento do autor, anos a fio. Aí ele publica,
te dá uma cópia e é sempre - sempre - uma decepção. Em
tese.

(MARIO PRATA, 07/10/1998)


IX

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 1

CAPÍTULO I A VIDA....................................................................................... 6
1.1 Um linense de coração..................................................................................... 7

CAPÍTULO II A OBRA.................................................................................... 19
2.1 Obra múltipla........................................................................................... 20
2.2 Teatro, a TV e o cinema.............................................................................. 20
2.2.1 Teatro................................................................................................... 20
2.2.1 Televisão............................................................................................. 29
2.2.3 Cinema................................................................................................. 35
2.3 Literatura..................................................................................................... 41
2.3.1 Livros infantis e infanto-juvenis.......................................................... 44
2.3.2 Livros e coletâneas.............................................................................. 44
2.3.2.1 O Romance policial..................................................................... 45
2.3.3 A crônica............................................................................................. 61
2.3.3.1 A crônica ficcional...................................................................... 61
2.3.3.1.1 Crônica: Olha eu aqui, mãe!............................................... 68
2.3.3.1.2 Crônica: Minhas Bunda...................................................... 70
2.4 Premiações............................................................................................... 74

CAPÍTULO III O ACERVO.............................................................................. 76


3.1 Autorias em discussão............................................................................. 77
3.2 Autorias fixadas....................................................................................... 88
3.3 A coluna social........................................................................................ 91

CAPÍTULO IV A FORTUNA........................................................................... 98

CONCLUSÃO....................................................................................................... 116

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 120

ANEXOS................................................................................................................ 126

APÊNDICES.......................................................................................................... 272
X

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Foto de Mario Prata ainda bebê............................................................... 7


Figura 2 - Mario Prata com as irmãs Rita e Ruth..................................................... 8
Figura 3 - Funcionário Banco do Brasil................................................................... 12
Figura 4 - Filhos Maria e Antonio............................................................................ 14
Figura 5 - Jornal ―O Estado de São Paulo‖, 09/02/1993.......................................... 15
Figura 6 - Convite para cerimônia de entrega do Título de Cidadão 16
Linense..........
Figura 7 - Recebendo o título de Cidadão Linense.................................................. 17
Figura 8 – Escritório em São Paulo (Foto 1998)...................................................... 17
Figura 9- Ruy Guerra e Mario Prata na montagem da peça Fábrica de Chocolate 24
Figura 10: Capa DVD Besame 27
Mucho.....................................................................
Figura 11: Capa do livro Besame 28
Mucho.................................................................
Figura 12 - Ênio Gonçalves (à direita) com Regina Duarte, Mario Prata, Yara
Amaral e Sérgio Mamberti na peça Reveillon......................................................... 29
Figura 13 - Propaganda da novela Estúpido Cupido (Rede Globo)......................... 30
Figura 14- Revista Veja, 09 de fevereiro de 1977, p.71. Edição 440....................... 31
Figura 15 - Algumas das produções para televisão de Mario Prata......................... 33
Figura 16: Capa do filme Banana Split.................................................................... 37
Figura 17: Capa do filme Beijo 2348/72.................................................................. 38
Figura 18: Capa do filme O Testamento do Senhor Napumoceno........................... 39
Figura 19: Capa filme O Casamento de Romeu e 40
Julieta.........................................
Figura 20: Mario Prata e seu psicanalista; ao fundo, o enteado Joaquim filho da
segunda esposa Luciana........................................................................................... 54
Figura 21: Capa do Livro Os Viúvos........................................................................ 54
Figura 22: Exemplo de Crônica social da década de 83
60...........................................
Figura 23: Coluna Social Observatório de Galileu.................................................. 89
Figura 24: Reprodução do site oficial do escritor - contribuição da pesquisadora
Karina Gomes........................................................................................................... 108
Figura 25: Total de visualizações do canal em 21/07/2014..................................... 109
Figura 26: Vídeos mais assistidos de 13/04/2013 a 21/07/2014.............................. 109
Figura 27: Relação dos países com maior exibição dos vídeos entre 13/04/2013 a
21/07/2014................................................................................................................ 110
XI

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Pseudônimos de colunistas sociais em A Gazeta de Lins em 1963 e


1964........................................................................................................................... 84
Tabela 2: Colunas de Mario Prata com os pseudônimos utilizados.......................... 93
Tabela 3: Relação de vídeos do acervo da pesquisadora em abril de 2013.............. 107
XII

RESUMO

Este trabalho apresenta a vida e obra do autor Mario Prata, de Uberaba à Lins, e de Lins
para o universo literário. Faz o levantamento dos primeiros escritos de Mario Prata,
organizando o acervo do jornal A Gazeta de Lins, localizando o pseudônimo assumido
pelo autor (Franco Abbiati) e apresento outros (Di Franco, Ricardo Amaral, Newton e
Mario Alberto). Inicia a coleta de dados de sua fortuna crítica, demonstrando a
relevância do autor no cenário da literatura nacional. Realiza uma sucinta análise de
fragmentos de sua obra, como amostra da diversidade de sua obra, fazendo um histórico
das colunas sociais e um estudo das crônicas ficcionais, crônicas aliás, presentes na
carreira de Prata, desde o seu inicio, na pequena redação do interior de São Paulo.

Palavras-chave: Fortuna crítica – Mario Prata – crônicas – acervo literário


XIII

ABSTRACT

This work presents the life and work of author Mario Prata, Uberaba to Lins, Lins and
for the literary universe. Does the survey of the first writings of Mario Prata, organizing
the collection of newspaper A Gazeta de Lins, locating the pseudonym assumed by the
author (Franco Abbiati) and others present (Di Franco, Ricardo Amaral, Newton and
Mario Alberto). Starts collecting data from its critical fortune, demonstrating the
relevance of the author on the stage of national literature. Performs a brief analysis of
fragments of his work, as a sample of the diversity of his work, doing a history of the
social columns and a study of fiction, chronicles chronicles also present in the career of
Silver, since its beginning, in small writing interior São Paulo.

Keywords: critical Fortuna - Mario Prata - chronic - literary estate


XIV
1

INTRODUÇÃO
2

A leitura sempre esteve presente em minha vida, os clássicos no período escolar foram
devorados com prazer e dedicação de estudante, as indicações de leitura na faculdade de
Letras foram seguidas a risca, não por obrigação, mas por prazer. Nomes, muitos
nomes, autores, muitos autores. Sempre fui muito eclética e aprecio a leitura, seja do
que for.
Os caminhos da vida me conduziram a sala de aula e a outra graduação,
Pedagogia, e minhas leituras foram se ampliando, para outros nomes, outras ideias,
outros conceitos, mas o amor pela leitura sempre foi o mesmo, a leitura para estudo, a
leitura informação, a leitura fruição, a leitura para deleite, a leitura para ocupar o tempo,
para se divertir.
Da faculdade para as salas de aulas. Agora o meu papel era outro. Eu continuava
leitora, mas agora precisava formar leitores. E eu percebia que a minha vontade de ler
estendia-se aos meus alunos. Percebia neles o desejo em folhear e conhecer autores e
histórias. Também pude notar que alguns livros agradavam mais, outros menos e outros
nunca eram solicitados. Então, comecei a me questionar: qual o fator que desperta o
interesse do aluno por determinado livro ou autor? Passei para a função de
coordenadora pedagógica e o desafio era maior, formar os professores leitores, para que
esses levassem a leitura até os alunos. E os questionamentos continuaram.
No segundo semestre de 2011 solicitei uma vaga como aluna especial na UFMS
ao Profº Dr. Ricardo Magalhães Bulhões na disciplina ―Tópicos da Literatura
Brasileira- Literatura e Ensino‖, à procura de respostas para meus questionamentos
como docente e como formadora de professores. Nesta disciplina conheci diversos
autores e muitos teóricos que abordavam a temática da leitura. As discussões em sala e
os estudos particulares me auxiliaram a estabelecer alguns critérios entre o que era
literatura de qualidade, para a qual eu deveria ter um olhar mais atento para ler nas
entrelinhas.
Minhas leituras sempre foram das mais diversas, mas as crônicas de Mario Prata
sempre estiveram presentes, por ser uma leitura rápida, bem humorada, contextualizada,
que chamava a atenção e cativava, professores e alunos. A partir daí defini meu projeto
de pesquisa.
Sendo moradora da cidade de Lins/SP e conhecendo a biografia do autor, que
publicamente começou a escrever sob o pseudônimo de Franco Abiazzi, no Jornal A
3

Gazeta de Lins na década de 60, defini que faria o levantamento dos primeiros escritos
de Mario Prata nos arquivos do citado jornal.
Realizei algumas pesquisas sobre o escritor e percebi sua importância no
contexto nacional: as obras publicadas, o engajamento em vários setores culturais no
país. Desde então, Mario Prata tornou-se objeto de minha curiosidade e também de
minha leitura, não apenas suas crônicas, mas as peças de teatro, roteiros para filme,
novelas, romances.
Apesar do meu apreço inicial pelo escritor, a questão da qualidade literária
continuou me intrigando. Será que por ser um autor extremamente conhecido e
renomado, toda sua obra possui um caráter literário ou as questões teóricas devem ser
observadas e pensadas em relação a cada obra? Questionando isto e continuando a
refletir sobre as ideias apresentadas por diversos teóricos, já sob a orientação do Profº
Dr. Rauer Ribeiro Rodrigues a pesquisa foi ganhando vida e a fortuna crítica se tornou
parte do corpus, visando compreender o escritor e sua obra.
Mario Prata é um escritor presente no cenário nacional, possui uma vasta
coleção de obras publicadas e é também um dos mais destacados cronistas brasileiros.
Como escritor, estreou em 1969 com o livro O morto que morreu de rir, no teatro
estreou em 1970 com O Cordão Umbilical, na televisão em 1976 com a novela
Estúpido Cúpido, a partir de então não parou mais, tendo escrito 3000 crônicas de
acordo com informações de seu site pessoal.
Considerando a vasta produção de Mario Prata e sua importância para a
literatura contemporânea, iniciamos a pesquisa com sua vida e seu histórico
profissional, sua trajetória como escritor, de Lins para o mundo. Este material constitui
o primeiro capítulo desta dissertação.
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre todas as suas obras publicadas, o
que inclui livros, (coletâneas) de crônicas, livros históricos, livros infantis e infanto-
juvenis, peças de teatro, roteiros de novelas e filmes, novelas, além de contribuições
para jornais e revistas de todo o país. É apresentado um estudo sobre a crônica ficcional,
realizando a análise de quatro crônicas do autor como forma de demonstrar algumas
características principais de sua obra. É apresentado também ume estudo sobre o
romance policial, foco de trabalho atual do autor. Também elencamos as premiações
recebidas por essas obras, compondo assim o segundo capítulo.
4

No capítulo seguinte, já elencadas as obras do autor, prosseguimos o estudo com


o início da carreira do escritor Mario Prata, em especial junto à imprensa no Jornal A
Gazeta de Lins, discutindo a autoria das colunas sociais do pseudônimo de Franco
Abbiazzi, assumido pelo escritor em sua biografia e de outros localizados, e
organizando o material de acervo coletado no Jornal A Gazeta de Lins, definindo e
fixando as autorias dos pseudônimos utilizados pelo autor na adolescência. Também é
apresentado neste capítulo um estudo sobre a coluna social e suas principais
características, tendo em vista o tipo de texto produzido pelo autor nesta fase: o
colunista adolescente influenciado pelas revistas Manchete e O Cruzeiro.
No quarto capítulo passamos então a organização do material encontrado sobre o
autor em bibliotecas digitais, banco de dados de Universidades, sites, jornais, arquivos
pessoais de colecionadores, fãs e pesquisadores de modo geral, com a pretensão de
organizar a fortuna crítica disponível do autor. Para esta organização valemo-nos dos
estudos de Rauer Ribeiro Rodrigues sobre a taxonomia para organização de fortuna
critica de autor brasileiro contemporâneo.
Durante a coleta de dados da fortuna crítica do autor, apesar de muita dedicação
e empenho, sei que muito ficou sem ser localizado. Mario Prata é um autor muito
solícito, aberto aos leitores e fãs, um verdadeiro mídia-man, assim, em todas as feiras de
livros, palestras, eventos de que participa neste grande país (e são muitos) sempre dá
entrevistas a rádios, jornais e também a fãs e pesquisadores e tenho plena convicção de
que não localizei todo este material. A originalidade do presente trabalho é propiciar
uma fortuna organizada, descrita em detalhes, com uma classificação taxinômica que
indica a importância de cada item.
5

CAPÍTULO I

A VIDA

1.1 Um linense de coração

Mario Alberto Campos de Morais Prata é natural de Uberaba, estado de Minas


Gerais, onde nasceu no dia 11 de fevereiro de 1946.
6

Figura 1: Foto de Mario Prata ainda bebê.


Fonte: www.marioprataonline.com.br
Filho de Alberto Prata Junior (médico) e de Dona Didia (do lar), ainda pequeno,
no ano de 1950, mudou-se para Lins, cidade do interior do estado de São Paulo, distante
aproximadamente 430 km da capital do estado.

Figura 2: Mario Prata com as irmãs Rita e Ruth


Fonte: www.marioprataonline.com.br

Durante a adolescência e juventude, na pequena, hoje média (atualmente com


75.117 habitantes de acordo com o IBGE), cidade de Lins, interior paulista, Mario
Alberto Campos de Morais Prata foi um jovem popular e com grandes amizades, teve
uma infância de cidade do interior, com os amigos, a escola, o clube e os bailes como
7

centro das coisas. Aluno dedicado estudou no Grupo Escolar e depois por nove anos no
Colégio Salesiano.
Leitor fanático de crônicas, as quais tinha acesso semanalmente através da
Revista Manchete e O Cruzeiro, Mario Prata sempre foi leitor assíduo, e ainda jovem
(quatorze anos) começou a escrever uma coluna social no Jornal A Gazeta de Lins, do
então proprietário Cecílio Abrão, cuja sede e escritório se localizavam em frente a sua
casa, na Rua Oswaldo Cruz. Nesta coluna, de acordo com o site
www.marioprataonline.com.br, Mario Prata usava o pseusônimo de Franco Abbiazzi
para assinar os textos que escrevia.
Em 2012, durante a realização da FLIQ (Feira de Quadrinhos e Livros de Natal),
concede uma entrevista a estudante de jornalismo da Universidade Federal da Paraíba
Kathlen Nóbrega, nesta entrevista a estudante pergunta a Mario Prata se ele era um
garoto normal, se brincava, ou se já sabia que seria um escritor aos 14 anos. Prata dá o
seguinte depoimento à pesquisadora:
Eu era uma garoto absolutamente normal e eu tive uma sorte muito grande,
minha carreira é toda feita de sorte, eu acho que eu tenho mais sorte que
talento, e não estou me modestiando não. Porque meu pai alugou uma casa
em frente ao principal jornal da cidade, que era a Gazeta de Lins, e eu ia lá
justamente por causa de brinquedos. A gente jogava botão, e eu pegava
chumbo de uma máquina chamada linotipo, que fazia os tipos para fazer,
imprimir os livros, jornais, que era de chumbo derretido, e eu ia lá para pegar
o chumbo para fazer o goleiro do jogo de botão, porque com o chumbo o
goleiro ficava pesado e a bola podia bater que não caia para dentro entendeu.
E assim eu conheci o linotipista, e na minha casa lia-se muito, minha mãe lia
muito, minha mãe gostava de escrever, as vezes publicava crônicas no jornal
da cidade, e eu engatinhei em cima de livros. Eu tinha um primo muito
importante na literatura brasileira, que se você não conhece deve conhecer,
que se chama Campos de Carvalho, ele era primo da mamãe e mandava
livros prá ela, e nessa época com 4 anos, eu lia, eu tive a sorte de ler nesta
época os melhores cronistas do Brasil na Manchete, no Cruzeiro e na Última
hora, então com 14 anos eu lia Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues,
Millor Fernandes, Rubem Braga, Fernando Sabino semanalmente, e isso me
mostrava que a literatura não era aquela coisa chata que me davam na escola,
que eu podia escrever aquelas bobagens que aqueles caras escreviam
entendeu, então eu cresci sabendo que eu podia escrever outras coisas além
daqueles índios chatos do José de Alencar, sabe falsos, e isso me ajudou
muito. Mas nessa idade, com 14 anos, eu escrevia coluna social no jornal, de
brincadeira, falava bem de mim e tal...eu comecei a gostar da coisa, gostar,
mas nunca imaginei...(PRATA, 2012, entrevista anexa DVD).

Segundo depoimento do poeta Sergio Antunes (também linense, que conviveu


com Mario Prata nos períodos da adolescência e juventude), na contra capa do livro
Filho é Bom Mas Dura Muito, de 1995, ele diz:
8

Mario Prata será um grande escritor. É o que dizia dona Clara, clarividente
professora do Grupo Escolar. Inventou de fazer um jornal da classe e ele
virou redator. Depois o padre Pedro, professor de português do Salesiano,
que achava a mesma coisa. Ou o Cecílio Abrão, da Gazeta de Lins, que
deixava ele escrever a coluna social com o ridículo nome de Franco
Abbiazzi. Tinha o quê? Uns 14 anos, voz de taquara rachada e aparelho nos
dentes. Quando não escrevia ou jogava botão, lia Manchete, que tinha uns
cronistas muito bons. Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem
Braga, Henrique Pongetti. Lia e ficava imaginando se um dia ia escrever tão
bem e publicar em algum jornal da capital. E não é que apareceu a Última
Hora, com um tal de Samuel Wainer, que resolveu dar espaço para o interior?
O Mario Alberto topou. E Lins passou a ter crônica social em jornal da
capital. (ANTUNES, apud PRATA, 1995).

Além de escrever bem, Mario Prata se dedicava também aos esportes, jogava
tênis, e na década de 60, defendendo o Clube Atlético Linense, se tornou Campeão
Noroestino Infantil. Desta fase vem sua paixão pelo Clube Atlético Linense, seu time de
coração, o qual sempre seguiu fiel, mesmo o time estando durante mais de 50 anos na
segunda divisão. A paixão de Mario Prata pelo Clube Atlético Linense é expressada na
crônica ―De Pai para Filho‖, escrita pelo seu filho Antônio Prata, também cronista,
publicada no Jornal Folha de São Paulo, em 17 de janeiro de 2011, (Anexo 01), crônica
que o pai tem, inclusive afixada em quadro em seu escritório na cidade de Florianópolis,
onde mora atualmente.
Uma curiosidade sobre o título de campeão do qual o autor tanto se orgulha foi
exposta pela jornalista Débora Giannini, na Revista da Folha, em 09 de outubro de 2005
(Anexo 02):

Prata se orgulha de ostentar o título de campeão de tênis do Oeste Paulista,


conquistado na adolescência quando jogava pelo Clube Atlético Linense.
Mas seu filho Antônio se queixa de nunca ter visto medalhas que comprovem
o fato. (GIANNINI, 2005).

Durante o período de coleta de dados na cidade de Lins e nos arquivos da cidade


e dos colaboradores, não foram localizados registros deste título. A sede social do Clube
Atlético Linense mudou-se de lugar várias vezes neste período e muito material de
acervo fotográfico e documental se perderam nessas mudanças, não sendo possível
comprovar com registros históricos os fatos.
Dos 14 aos 16 anos colabora para os jornais A Gazeta de Lins, e também torna-
se correspondente do jornal Última Hora, enviando notícias da cidade de Lins e micro
região para o jornal da capital.
9

Aos 16 anos recebe convite de Roberto Filipelli para colaborar no Jornal do


Lar. Este jornal tinha conteúdos diversos, e era destinado ao público feminino, com a
divulgação de eventos, desfiles de modas, shows de MPB (como por exemplo Nara
Leão em 1965), receitas e culinária em geral. Também era bastante voltado a eventos de
caridade, como por exemplo chás beneficentes. O Jornal do Lar também recebia
material de São Paulo e Rio de Janeiro, pois Roberto Filipelli era bastante conhecido
nos meios sociais, e tinha muitos amigos em diversos jornais e revistas das capitais, que
colaboram com textos em diversas áreas. O Jornal do Lar tinha uma boa diagramação,
era impresso em papel de boa qualidade e agradava muito ao público em geral. Era
patrocinado pelas lojas Arapuã1.
O Jornal do Lar era um tipo de jornal como temos na atualidade os folhetos de
grandes lojas como Pernambucanas, Casas Bahia, Riachuelo, porém, não trazia apenas
propagandas, tinha também conteúdo, e Mario Prata colaborava com a produção destes
textos.
Em entrevista realizada com a senhora Taka Suguitani Folquitto, funcionária das
lojas Arapuã na época (Apêndice 1), Taka afirma que Prata era colaborador assíduo do
citado jornal publicitário:
Quando a Arapuã começou a preparar sua expansão, ela fez uma expansão de
marketing assim muito bem direcionada, muito bem divulgada, ela viu que os
veículos de comunicação de Lins, não atingiam o público que ela precisava,
porque até hoje uma emissora de rádio atinge quantos por cento da
população? Muito pouco. E os jornais? Na época a cidade só tinham dois
jornais: A Gazeta de Lins e O Progresso, ambos com tiragens muito
pequenas, com um público seleto e já direcionado, então para Arapuã, não
interessava, porque para a Arapuã interessava o púbico de classe A até a
classe B. A Arapuã era uma loja antes de tecidos, então ela precisava se
expandir, mas a expansão dela, ela queria começar a introduzir no mercado
de Lins também eletrodomésticos, daí ela foi introduzindo e foi vendo que
dava resultados, e assim, decidiu vender nas cidades da região, ela mantinha
grupos, peruas, de vendas externas, de porta em porta. Era necessário que a
loja tivesse um veículo de comunicação muito forte, para atingir a todos.
(TAKA, 2014).

O tio do Mario Alberto, era muito amigo do Jorge Jacob, Vicente de Paula
Prata, era dentista em Lins, hoje mora em Minas Gerais, era um dos diretores
do Hospital Sanatório Clemente Ferreira, foi ele que arrumou prá mim o
emprego nas Lojas Arapuã, então a minha amizade por ele é fantástica, vai
até hoje, é uma pessoa que eu tenho consideração, eu amo o Vicente, e ele
me falou, olha Taka eu tenho um sobrinho que escreve, será que você
publicaria a matéria dele? Olha depende, ele escreve bem? Ele falou: escreve.
Bom então manda ele que a gente publica, né. E o Mario Alberto começou a
trazer a matérias, trazia escrita a mão, e nós começamos a publicar, o menino

1
[Informações fornecidas por Mario prata em entrevista realizada através do Skype em outubro de 2013].
10

tinha um português fantástico, e eu era inclusive revisora de português, e nós


começamos a publicar os artigos do Mario Alberto nessas condições, e ele
sempre trazia, era infalível. Ai começou ele a trazer, o Carlos Soulié do
Amaral, que escreveu tanto tempo na Veja, o Sérgio Antunes. Eles escreviam
sobre cotidiano, comentários sobre eventos, sobre a cidade, sobre os jovens,
matérias bem interessantes, a gente pretendia com eles, atingir um público
mais jovem, todo mundo gostava muito das matérias deles. (TAKA, 2014).

Aos 20 anos, em 1966, ingressa como Auxiliar de Escrita referência 050, no


Banco do Brasil. De acordo com entrevista concedida em 02 de maio de 2012 a esta
pesquisadora, Prata informa que os cinco (5) primeiros classificados tinham o direito de
escolher a agência e local onde queria trabalhar. Mario Prata passou em 4° lugar, e
assim, muda-se para São Paulo:
Eu mandei uma carta pro Banco do Brasil, dizendo que eu queria trabalhar
em São Paulo, achando que São Paulo era igual Lins, entendeu: Banco do
Brasil aqui, Bradesco, Loja Riachuelo, Igreja, (tudo pertinho). Fui morar em
Penha de França, em SP, que era tipo o último bairro, limítrofe, longe prá
caralho...Só de Penha Lapa era uns 20 km, lá no Tatuapé, perto do campo do
Corínthians, e entrei na USP, aí fui fazer economia na USP e não tava
pensando em escrever, virei bancário. (PRATA, 2012, entrevista anexa
DVD)

Figura 3- Funcionário Banco do Brasil


Fonte: www.marioprataonline.com.br

Assim, torna-se funcionário público do Banco do Brasil, iniciando também, na


década de 1960, o curso de Economia na USP. Na Universidade começa a se envolver
com grupos teatrais, e volta a escrever, em 1967 ganha o primeiro lugar no 1º Concurso
Universitário de contos da PUC com o texto O morto que morreu de rir. Apesar da
11

opinião contrária de familiares e amigos, após trabalhar por oito anos no Banco do
Brasil, pede demissão e abandona a faculdade de Economia.
Com relação a sua saída do Banco e a desistência do curso de Economia, quando
resolveu abandonar tudo e seguir a carreira de escritor, Mario Prata dá o seguinte
depoimento, em 2012, para a estudante de jornalismo da Universidade Federal da
Paraíba Kathlen Nóbrega, na cidade de Natal, durante a realização da FLIQ (Feira de
Quadrinhos e Livros de Natal):
Eu tenho um tio (que é irmão do meu pai) que é padre, e sempre que a gente
tinha problema na família era o padre que intervinha. Meu pai mandou o
padre para São Paulo para conversar comigo, porque ele achava que além de
louco eu tinha virado viado, porque no Banco do Brasil na época (sei lá, eu
tinhas uns 23 anos) eu ganhava um dinheiro assim, tipo 6 ou 7 ‗paus‘ de hoje,
era uma grana, e eu era Oficial de Escrita 050, e pô, foi fazer teatro...na época
teatro era coisa de puta. Até que meu pai foi assistir minha primeira peça que
foi ‗O Cordão Umbilical‘, naquela época o teatro tinha oito sessões por
semana, 32 por mês, e meu pai apesar de médico sempre foi muito bom em
matemática, ele chegou e estava lotado o teatro, num sábado, e ele me
perguntou ‗quanto é que você ganha‘, e eu falei ‗eu ganho 10% do ingresso‘,
e ele perguntou ‗e quanto é o ingresso?‘ que ele não sabia porque eu tinha
dado, eu respondi ‗é tanto‘, e ele ‗e quantos cabem aqui?‘, eu respondi
‗tanto‘, ai ele fez uma conta rápido e disse ‗então quer dizer que hoje vc tá
mil‘ e eu disse ‗não pai, hoje tem duas sessões, eu tô ganhando dois mil‘, ai
ele disse ‗então você está ganhando mais do que eu‘ e eu respondi ‗bem
mais‘. Ai ele começou a ver que o negócio era lega, mas era arriscado,
porque eu não tinha mais nada, eu tinha que escrever para viver, mas as
coisas foram dando certo, e até hoje eu estudo muito. (PRATA, 2012,
entrevista anexa DVD).

A partir disso começa a produzir incansavelmente peças teatrais, novelas,


seriados, livros, crônicas, obras que serão elencadas no segundo capítulo desta
dissertação.
Também trabalhou na política. Foi assessor do Secretário da Cultura, Fernando
Gomes de Morais, também escritor, no governo Orestes Quércia entre 1988 e 1991,
onde teve a oportunidade de desenvolver projetos direcionados ao campo cultural no
Estado de São Paulo.
Com relação a este cargo público Mario Prata relata a Paulo Lima, em entrevista
a Trip FM no ano de 2011 que:
Fernando enganou todo mundo, ele montou uma equipe maravilhosa, era o
Pedro Paulo de Senna Madureira na literatura, era eu no teatro, Cláudio
Kahns no cinema, o Barnabé, Arrigo Barnabé n USP, e ele mentiu prá nós, o
Fernando, ele disse ‗é o seguinte, vocês vão lá todo dia lá pelas 6 da tarde, a
gente toma um whisky, troca umas ideias e não sei que, é só isso que eu
quero‘ e realmente começou com os wiskys às 6 da tarde, mas dai a um mês a
gente pegou gosto pelos projetos e começamos a chegar às 9 da manhã, 8h30
12

e saindo á meia-noite exaustos e tolos, ganhando uma miséria, é certa


sacanagem falar miséria, porque era mais do que o salário mínimo, mas não
era muito mais do que o salário mínimo, tipo assim, foi muito legal, a gente
fez muita coisa boa, a experiência foi muito rica, eu não faria mais porque
hoje não tenho saúde física, não aguento mais aquilo, porque isso foi há 20
anos.(PRATA, 2011, entrevista anexa DVD).

Mario Prata fala pouco de sua vida pessoal, mesmo em entrevistas e em fontes
de pesquisa de sua biografia. Casou-se jovem, em 1976, com a jornalista Marta Góes;
dessa união nasceram dois filhos, Antônio (1977) e Maria (1979). O casamento dura
sete anos.
O autor casou-se em 1976 usando tênis All Star e calça jeans; a cerimônia
aconteceu na sala de estar da sogra, em uma casa no Itaim Bibi. A noiva (a
jornalista Marta Góes) estava de vermelho. (GIANNINI, 2005).

Figura 4: Filhos Maria e Antônio


Fonte: http://www.reocities.com/coelha.geo/CARAS.html

Com o fim do casamento, Mario Prata tem muitas namoradas, uma delas tem
influência direta em sua carreira profissional: em 1991 foi para Portugal a convite de
uma namorada, Eugênia de Melo Castro. O relacionamento durou 16 dias, mas ele
permaneceu no país por dois anos, onde teve a oportunidade de trabalhar para televisão,
cinema e jornais do país.

Em 1990, foi para Portugal por amor, a convite de uma namorada nativa, a
cantora Eugênia de Melo Castro. O romance durou 16 dias, mas ele ficou por
lá dois anos. Um dos frutos dessa experiência foi o livro Schifaizfavoire,
dicionário bem-humorado da língua portuguesa falada pelos portugueses, seu
primeiro best-seller.(GIANNINI, 2005).

Em entrevista concedida a estudante de jornalismo Kathlen Nóbrega, no ano de


2012, Mario Prata fala uma curiosidade sobre sua permanência em Portugal:
13

Eu fui prá lá por dois motivos: primeiro porque eu estava com uma namorada
portuguesa e ela me convidou para ir prá lá, ela era uma cantora muito
famosa...ela me convidou para passar um mês na casa dela e eu fui. O
segundo motivo é que eu estava fugindo do cara que tinha sido eleito
governador de São Paulo, que era o Fleury (que foi aquele cara que teve
aquele problema no Carandiru, com aquelas mortes). E eu ajudei o Fleury no
segundo turno, eu tralhava na Secretaria de Cultura, com o Fernando Morais
no governo anterior e a gente fez uma lista de artistas, porque no segundo
turno era o Fleury e o Maluf, então a gente apoiou o Fleury, toda a
intelectualidade brasileira, e eu que organizei a lista, ai o Fleury queria me
dar o Memorial da América Latina pra eu ser diretor, e as pessoas falavam
prá mim ‗nossa todo mundo de olho nesse cargo e você não quer‘, e o
Fernando Morais vinha intermediar ‗ó, o Fleury quer conversar com você‘, e
eu dizia ‗Fala que eu tô em Portugal‘. E fui prá Portugal. Mas eu ia voltar
depois de um mês, quando já tivesse alguém no cargo, mas ai estava
passando uma novela minha, que eu tinha feito na Manchete, e me
convidaram para fazer um filme na África, em Cabo Verde, de um romance
de um cabo-verdiano, na época eu fiquei meio assim, era uma grana muito
boa, mas eu pensava ‗porra, África, eu não conhecia a África, nada‘. Ai,
quando eu li o livro eu pirei porque era maravilhoso, eu sou amigo do escritor
até hoje, Germano Almeida, ai eu adorei a ideia do filme, fiz o roteiro. Vim
prá cá, conversei com meus filhos que eram adolescentes, conversei com a
mãe deles, a Marta, e os três me deram a maior força, e ai eu fui e acabou
nisso, depois me convidaram prá fazer um projeto para televisão lá, ei eu fiz
e quando eu vi já ia fazer dois anos, já estavam me oferecendo cidadania
portuguesa, e meu filho com 16 anos ‗tomou pau‘ no primeiro colegial, e eu
comecei a achar que eu estava fazendo falta aqui, ai eu voltei, mas foi um
pulo, foi muito bom, quando eu estava lá eu viajei muito pela Europa, foi
muito bom. (PRATA, 2012, entrevista anexa DVD).

Casou-se pela segunda vez com a fotógrafa Luciana De Francesco. Mario Prata
tem um terceiro filho, Pedro Prata (1983) fruto de outra relação.
Mario Prata, nesse período, era uma celebridade, um famoso como utilizaríamos
o termo atualmente, e os jornais da época exploravam isso. Seu retorno de Portugal teve
notas no Jornal “O Estado de São Paulo” nos meses de janeiro e de fevereiro de 1993.
Em 31/01/1993 na capa do citado jornal há uma nota sobre o retorno de Mario Prata, e
no dia 09/02/1993, na coluna Galeria, de Nirlando Beirão, no Caderno 2, há a nota sobre
o desembarque do escritor no Brasil:
14

Figura 5: Jornal O Estado de São Paulo, 09/02/1993.


Fonte: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19930209-36273-nac-0045-cd2-3-not

No mesmo ano Mario Prata começa a colaborar para o jornal O Estado de São
Paulo, sua primeira reportagem no jornal foi em 22 de março de 1993, com uma matéria
intitulada ―Senhor Cunha ou Fred do Caniçal‖, sobre um padre homossexual brasileiro,
morador de Portugal, acusado de assassinato, onde já começa a explorar as palavras de
seu dicionário a ser lançado em abril de 1993.
Em abril de 1993 Mario Prata lança o livro Schifaizfavoire, um dicionário de
português, uma espécie de tradução das expressões utilizadas no português de Portugal.
Mario Prata coletou durante os dois anos morando no país palavras e expressões que
compuseram a obra. É o seu primeiro livro, até então Prata só tinha escrito contos,
livros infantis e trabalhos para televisão, cinema e teatro, sendo um roteirista Portugal.
No mesmo ano é homenageado pela Câmera Municipal de Lins, (projeto do
Vereador Alicio Mendes) com o título de Cidadão Linense:
15

Figura 6: Convite para cerimônia de entrega do Título de Cidadão Linense


Fonte: Correio de Lins/Didu

Figura 7 - Recebendo o título de Cidadão Linense


Fonte: www.marioprataonline.com.br
16

Para ele, como exposto em seu antigo site pessoal


(www.marioprataonline.com.br), hoje não mais no ar: ―Escrever é uma profissão séria
como outra qualquer, mas não deixa de ser um grande prazer‖.

Figura 8: Escritório em São Paulo (Foto 1998)


Fonte: http://www.reocities.com/coelha.geo/CARAS.html

Este site pessoal também falava do início de sua carreira, como redator do jornal
A Gazeta de Lins:
Ele já fez de tudo. Como escritor, se envolveu em todos os setores que a
atividade pode abordar: teatro, cinema, literatura, televisão. Para Mario
Alberto Campos de Morais Prata, escrever é uma profissão séria como outra
qualquer, mas não deixa de ser um grande prazer. Até integrar por nove
vezes a lista dos ‗mais vendidos‘ e, muitas vezes, liderá-la, Mario Prata
passou por algumas provações. O caminho começou em Uberaba (Minas
Gerais), onde nasceu. Ele viveu a infância e juventude em Lins (interior de
São Paulo), e lá descobriu os prazeres da literatura. ‗Eu sempre gostei de
escrever mas, naquela época – anos 50, 60 – não imaginava que isso pudesse
ser uma profissão. Não tive uma formação para ser escritor, acho que fui
educado para ser gerente do Banco do Brasil‘. Seguindo o destino, aos 20
anos, Mario Prata foi gerenciar uma agência em São Paulo e preparar-se para
o ‗futuro garantido‘ que a função lhe ofereceria. Mas o amor pela escrita não
foi abandonado. Desde os 14 anos, ele colaborou com a Gazeta de Lins, onde
foi colunista social, redator e editor. (CHALUPPE, disponível em
<www.marioprataonline.com.br>).
17

CAPÍTULO II

A OBRA
18

2.1 Obra Múltipla

Em sua obra, Mario Prata não se restringiu a nenhuma faixa etária: há, nas várias
etapas de sua carreira como escritor, textos direcionados a todos os públicos. Trabalhou
como jornalista, repórter, cronista, redator, roteirista, sendo muito premiado em diversas
categorias. Como podemos observar no Apêndice 2, a produção do autor é relevante,
tendo se dedicado a diversas áreas da arte e cultura de nosso país e exterior. É uma
produção vasta, em diversos setores da atividade cultural.
Em seu site atual (http://marioprata.net), o autor assim divide sua produção: TV,
Cinema, Teatro, Livros e Crônicas; com esse critério, abordamos a seguir a obra de
Mario Prata.

2.2 O teatro, a TV e o cinema

2.2.1 Teatro
No teatro Mario Prata escreveu 9 peças, sendo uma delas Papai e Mamãe
conversando sobre sexo em parceria com Marta Suplicy. Prata tem 4 textos inéditos
para teatro.
19

Mario Prata estreou no teatro em 1970 com a peça teatral O Cordão Umbilical,
que se tornou um grande sucesso. Prata, em entrevista concedida a pesquisadora Karina
Gomes em 2012 relata que a ideia surgiu de uma situação de sua vida, quando era
estudante de economia e dividia apartamento com um amigo linense, Dade:
Mario Prata: Entrei na USP, em economia e não tava pensando em escrever,
ai, não sei como eu conheci um cara, e a gente escreveu um show de calouros
juntos, e a gente fez o show, eu trabalhei de ator no show, fazia tudo [...] e foi
assistir o show um cara chamado José Rubens Siqueira que gostou de mim
como ator e me chamou prá entrar prum grupo de teatro, Sedes, o grupo de
teatro da psicologia da PUC, e ai eu comecei a trabalhar em teatro. Ai, eu
tinha duas amigas que moravam na casa da sogra do Zé Rubens, e elas quase
puseram fogo no apartamento, a Soninha e a ...como é o nome da outra...elas
deixaram um ferro de passar em cima do móvel e saíram, ligado, o ferro foi
caindo e queimando tudo, e o móvel era da velha, dona Filomena, ai essas
duas meninas ficaram na rua, a dona Filomena pôs as duas prá fora na hora.
Elas tavam lá porque eram amigas do Zé Rubens, ai a Soninha foi procurar
outro lugar prá morar, e o Zé Rubens levou elas lá prá minha casa, a Soninha
era a Soninha Braga, que na época era Soninha, trabalhava no Bradesco, e a
outra foi morar comigo. (Não lembro o nome dela...). a outra era atriz
também, e eu morava com um cara que fazia medicina, que era careta prá
caralho, só andava com puta, e ele achou que por essa menina ser atriz ela era
meio puta, isso foi 66, 67, e até que um dia ele apareceu com uma grávida lá
em casa, de uns 5 meses, ele falava que ia levar ela na Santa Casa, fazer uns
exames nela, num sei que, e eu sei que essa puta começou a morar lá
também, nós 4, ai o Zé Rubens falou prá mim: ‗pô, escreve uma peça, vocês
4‘. Ai eu comecei a forçar a ...(puta sacanagem eu não lembrar o nome
dela...) essa menina a andar de calcinha e sutiã pelo apartamento, prá
enlouquecer o Dade, e o Dade ficava louco, e a puta ia trabalhar, eu a puta, a
gente se dava bem...
Karina: Era tipo uma kitnet?
Mario Prata: Não, eram dois quartos, que a mãe dele tinha herdado de um tio,
foi uma sorte, ai eu fui morar com meu amigo de Lins, Dade. Julia Miranda.
(Prata fala o nome sozinho, se lembrando do nome da companheira de
apartamento). Ai eu comecei a escrever as cenas, e a inventar mesmo teatro,
e escrevi minha primeira peça, O Cordão Umbilical, e foi um sucesso filho da
puta, não só aqui em São Paulo, como também no Rio, foi montad no rio
também, Nanini que fez no Rio imagina...e nós todos com 23 anos. (PRATA,
2012, entrevista anexa DVD).

E Prata começa sua carreira teatral ficcionalizando sua própria história: a peça O
Cordão Umbilical tem quatro personagens: Kátia (Grávida de 8 meses), Marco (Marco
Aurélio Cunha Campos de Morais), Gladys Regina (atriz) e Didi (estudante de
medicina), numa história que segundo Rios, 2010, p. 55 ―oferece [...] a espontaneidade
e irreverência de uma juventude que está aí para o que der e vier, apanhando a vida
pelas pontas e dando o testemunho do seu tempo‖.
20

Foi assim sua estreia. Rios, conclui (2010, p. 58) conclui: ―O Cordão Umbilical
é explosão de vitalidade, esta densa, ainda imperfeita e entusiasmante vitalidade que se
derrama sobre o teatro brasileiro. Deve ser visto‖.
Dono de uma linguagem fluente, viva, carregada de uma vibração que se
extravasa em contínuos trocadilhos e achados humorísticos, o autor faz um
primeiro ato de risadas, mostrando sua gente, cinco criaturas, quatro adultas e
um feto que se manifesta apenas no fim, inesperadamente, dando um tranco
violento na plateia.[...] autêntico escritor que em sua estreia construiu uma
história com quatro personagens, fugindo do esquema de duas pessoas em
conflito e sabendo caracterizá-las com habilidade de bom observador.
(RIOS, 2010, p. 55,56).

O crítico José Márcio Penido, na revista Veja de 19 de outubro de 1972 (Anexo


10), na montagem da peça no Rio de Janeiro, sintetiza muito bem a obra de Mario Prata:
A história é simples. Em um pequeno apartamento do Rio moram
juntos um estudante de medicina, uma prostituta grávida, uma atriz e um
jovem escritor. Este é o começo, o meio e o fim da história. O trabalho do
autor foi derrubar as paredes do cenário que imaginou e franquear à plateia o
espetáculo de quatro seres humanos surpreendidos em sua intimidade.
Assim como ―voyeurs‖, os espectadores ingressam naquela pequena
comunidade e sem esforço se deixam ficar, pois o palco virou espelho. E
como os atores, pensam, falam e agem como gente comum, conviver com
eles é agradável tarefa, nas duas horas de espetáculo.(PENIDO, 1972).

Orlando Senna, no jornal Correio da Manhã, na montagem da peça teatral O


Cordão Umbilical no Rio de Janeiro comenta:

O Cordão é uma comédia. Quatro pessoas morando em um mesmo


apartamento, duas mulheres, dois homens. Um dos rapazes está escrevendo
uma peça de teatro e pede para que os outros três moradores o ajudem a
prosseguir na criação da obra, que a descrever, evidentemente, as próprias
pessoas envolvidas e suas relações entre si e o mundo. Com esse texto, Mario
Prata foi considerado como uma das melhores revelaçõesda última safra de
teatrólogos paulistas.(SENNA, 1972)

A segunda peça de Mario Prata, E se a gente ganhar a guerra? (1971) narra a


história de um bombeiro, noticiada pela revista Veja em 25 de novembro de 1970, que
se declarou governador do Espírito Santo, assim, deram-lhe mesa no palácio, serviram
cafezinho, convenceram-no a trocar de roupas para assumir a nova função, ofereceram-
lhe um carro para ir até a nova casa e o encaminharam até o manicômio judicial.
Prata reescreve esta história, novamente ficcionalizando fatos do cotidiano,
porém sem que o personagem (bombeiro) fosse para o manicômio, permitiu que ele
tomasse o poder. A reportagem da revista Veja de 13 de outubro de 1971 ―Malucos no
21

poder‖ (Anexo 05) elenca algumas das ações do governo de Dionísio (nome dado ao
personagem): Baixa um decreto transferindo o Pelé para o Coríntians, cassa deputados,
declara guerra ao estado da Guanabara (RJ) em decorrência de uma discussão por causa
de futebol, declara a independência do estado do Espirito Santo, que passa a se chamar
Coríntians, estado onde tem dois carnavais e dois natais por ano.
Vinicius de Moraes e Toquinho compuseram o hino oficial do país de
Dionísio. Cantado pelos atores e interrompido pelos aplausos do público no
final do espetáculo, completa os delírios de grandeza e encerra os sonhos
incendiários de sua Majestade Dionísio I, ex-sargento do Corpo de
Bombeiros. (Revista Veja, 1971, p. 94).

Anatol Rosenfeld comenta a peça de Mario Prata no jornal O Estado de São


Paulo em 08 de outubro de 1971 (Anexo 6):
Com tão pouca substância, Mario Prata conseguiu escrever uma sátira
política hilariante e irreverente, com um diálogo saboroso; salpicado de
chistes ás vezes ferinos, eivado de alusões não raro espirituosas. As situações
e falas provocam gargalhadas incessantes de um público que não resiste
àquele toque gostoso de autogozação tipicamente brasileira, na qual, no
fundo, se exprime muito mais confiança e auto-afirmação nacional do que no
ufanismo exaltado. (ROSENFELD, 1971).

A terceira peça de Prata, Fábrica de Chocolate (1979), dirigida por Ruy Guerra,
inova em um tema que, de acordo com o diretor que escreveu o prefácio da publicação
da peça teatral em livro ―é um desafio para todos‖ (PRATA, 1979, p. 9).
Mario Prata sentiu a necessidade deste questionamento, durante o
velório de Wlado Herzog. Porque a tortura, não sendo uma inovação do
regime militarista dos últimos quinze anos (basta lembrar os horrores da
polícia política do falecido senador Filinto Müller, quando chefe de policia
da ditadura Vargas), conseguiu uma proletarização, de baixo par cima na
escala social, na qual o caso de Wlado é um exemplo marcante.
Mas Mario Prata não deixou que a forte emoção pessoal o desviasse
de um questionamento que julgou mais urgente, talvez porque menos visível.
E para isso, eve a preocupação de acrescentar um dado fundamental nesta
terrível história que nos é contada sem pudor, com um humor irreverente que,
pro vezes, rompe a crueza da situação: a de transformar a sua mais direta
ligação com o jornalista e intelectual barbaramente assassinado, num
operário, mais revelador do processo repressivo no corpo social. (GUERRA
apud PRATA, 1979, p. 11)

De acordo com o pesquisador Ademir Batista da Silva na dissertação “Nos


Bastidores da Ditadura: a construção estética do medo na peça teatral Fábrica de
Chocolate, de Mário Prata” (2014), a peça se situa num momento histórico da política
brasileira, com o fim da ditadura militar e o retorno dos governos civis, a anistia política
e a redemocratização do país, enunciada pelo presidente Ernesto Geisel, em 1974.
22

Em novembro de 1975, o jornalista Wladimir Herzog foi morto na


Delegacia de Ordem Interna – DOI – da Barão de Mesquita/SP, onde se
apresentou, um dia antes, para prestar informações sobre suas atividades
políticas. Setenta e quatro dias mais tarde, o operário Manoel Fiel Filho, da
Metal Leve S/A, também foi morto nessa delegacia, na mesma cela onde
Herzog fora morto. Esse fato ajudou o Governo Geisel a acelerar o processo
de distensão política e o fim da ditadura.
A partir da convulsão social que ocorreu após a morte de Herzog,
Mário Prata, dramaturgo mineiro, percebendo que as discussões políticas
levariam o país a um processo de anistia política e legal a todos os
envolvidos no período ditatorial, utilizou o caso Herzog e a farsa do inquérito
montado para encobrir a sua morte para escrever Fábrica de Chocolate.
Aproveitando esse momento de liberação do regime Prata não
busca revanche, mas leva ao pé da letra o sentido da anistia – anistia é
perdão, mas não esquecimento do que foi feito – inventariando, dessa forma,
todo o arbítrio e a desumanização que a tortura provoca no ser humano.
(SILVA, 2014, p. 9).

Guerra (apud PRATA, 1979, p. 9) afirma que ―Fábrica de Chocolate é um


desafio, sob o ponto de vista de dramaturgia, porque o autor, recusando a emoção que
poderia criar a condição da vítima – emoção amplamente justificada -, optou por
aprofundar a sua perplexidade, buscando entender os valores e a mecânica daqueles que
exercem essa função degradante‖. (GUERRA apud PRATA, 1979, p. 9)
Fábrica de Chocolate, ao mesmo tempo em que evoca produção do
chocolate em si, pelo esmagamento do grão de cacau, até dele se tirar a
manteiga que irá proporcionar a fina iguaria, alegoriza a brutalidade do
sistema político da época que fez da tortura uma prática política de
Estado.(SILVA, 2014, p. 15).

Figura 9: Ruy Guerra e Mario Prata na montagem da peça Fábrica de Chocolate


Fonte: Revista Veja, 12 de dezembro de 1979, p. 103.(Foto Pedro Martineli)
Jeferson Del Rios (2010, p. 81) afirma que Fábrica de Chocolate é um
texto/espetáculo histórico, porque é o primeiro teatro sem metáforas inúteis que se
apresenta no país após anos de mordaça.
Mario Prata recolhe da memória geral uma das inúmeras tragédias políticas que
vivemos ou tomamos conhecimento, acompanhamos e choramos nas pequenas notícias,
23

conversas semissigilosas, por meio de fatos verdadeiros, mas difíceis de provar. E nos
protestos que aumentam à medida que a sociedade civil pode articular um mínimo de
resistência ao arbítrio. Generosa contribuição da dramaturgia ao esforço geral de
coragem e entorpecimento. O escritor quis retratar o brasileiro que tortura o semelhante
como alguém que tem família, se confunde na rua com a multidão e gosta de futebol. O
burocrata da morte. (RIOS, 2010, p. 82)
Impossível não relacionar a coluna social de Mario Prata na década de 60 com a
peça Fábrica de Chocolate. Em 13 de junho de 1963, Prata escreve sua coluna sob o
pseudônimo de Franco Abbiati, no jornal A Gazeta de Lins, fazendo um comentário
sobre a premiação de cinema e teatro, do Prêmio Saci2, se referindo a Ruy Guerra como
o verdadeiro merecedor do prêmio, que foi dado a Anselmo Duarte (Anexo 43). Prata
nem imaginava que este mesmo Ruy Guerrra viria a dirigir uma peça teatral de sua
autoria:

O SACI DE ANSELMO
Saci para o povo é o Pretinho de uma perna só que fica a espera de
alguém em lugares escuros a implorar; me dá um cigarro! Saci para os
artistas é uma estatueta de Vitor Brecheret que todos os anos serve para
premiar o que uma comissão de censura julgar ser o melhor em cinema e
teatro. Há 12 anos isto acontece, e de tanto persistir acabou com fóros de
máximo prêmio.
A semana passada realizou-se no teatro municipal uma dessas
premiações que consagrou mais ainda a Leonardo Vila, ―ator‖ da versão
cinematográfica de ―O Pagador de Promessas‖ e Maria Fernanda, estrêla da
peça de T. Willian ―Um bonde chamado desejo‖.
A consagração começou no cinema, e a Anselmo Duarte foi dado um
prêmio que ignora-se, era um prêmio especial quando Anselmo era o
favorito, pois é um dos únicos na história do sací a obter para si as vistas
gerais após o acontecimento do Festival Internacional de cinema de Cannes.
O prêmio dado a Anselmo era como ―consolação‖ quando o verdadeiro era
de Rui Guerra (português) diretor de ―Os Cafajestes‖, muito severamente
atacado pelos críticos nacionais e estrangeiros. (ABBIATI, 1963).

Aos 17 anos, Mario Prata, sob o pseudônimo de Franco Abbiati, já se interessava


por teatro e cinema, mostrando-se entendedor e apreciador do cinema brasileiro.

2
O Prêmio Saci foi uma premiação criada em 1951 pelo jornal O Estado de São Paulo que era dada
anualmente aos melhores da produção brasileira de cinema e teatro. Tinha como estatueta o saci, famosa
figura do folclore brasileiro, símbolo que foi sugerido por um leitor de Rio Claro por meio de um
concurso aberto pelo jornal e esculpido pelo artista Victor Brecheret.
24

Em 1980 Prata escreve Dona Beja, que é classificada como ―escandalosa‖ pela
revista Veja em 29 de outubro de 1980 (Anexo 7):

[Mario Prata] ―Depois de ouvir historiadores e ler o livro sobre ela,


comcluí que quase tudo escrito a respeito de dona Beja era folclore. Assim,
imaginei a peça como um conto de fadas.‖
Recheado de palavrões e cenas de sexo, trata-se de um conto de fadas
bastante peculiar: nele, dona Beja é apresentada como uma prostituta bem-
sucedida, um hábil produto de propaganda para atrair turistas à estância
hidromineral de Araxá. (Revista Veja, 1980)

A peça Dona Beja rendeu a Mario Prata uma das suas histórias no livro Minhas
mulheres e meus homens (1999), sobre o professor Antônio Cândido, vizinho de Mario
Prata (Anexo 8).
Prata relata que sendo vizinho Antônio Cândido, em certa ocasião o professor
foi viajar, passar três meses em Havard dando aulas, e pediu a Mario que recebesse suas
correspondências em sua ausência, além de dar partida diariamente na Brasília bordô de
propriedade do professor. O filho de Mario Prata, Antonio, diariamente dava partida no
carro, e Mario recebia a correspondência, que dentro do primeiro mês não cabia mais
em sua casa e foi levada para a casa de sua sogra na época, Loli (mãe de Marta Góes).
No retorno do professor, Mario Prata foi levar os livros e encomendas recebidos em
uma Kombi, dada a quantidade de material, e relata que aproveitou e pediu ao professor
material, livros, para a peça que estava escrevendo sobre dona Beja. O professor ―meia
hora depois me levou uns dez livros sobre a doida e ainda me confidenciou que era
sobrinho-neto de um dos amantes da dona Beja. Amante este que, casado, tinha tido
uma filha com ela, a Joana‖ (PRATA, 1999, p. 30)
Dias depois, pesquisando no Araxá, descobri um documento
manuscrito, escrito pelo pai do do José Gaspar, farmacêutico da cidade, onde
informava, com toda a segurança, que a vagina da dona Beja era vibrátil,
atraente, deglutante, sucçátil, assimilante e mais uns três ou quatro adjetivos.
Mostrei aquilo ao Mestre, que leu seriamente:
- Interessante. Muito interessante.
E deve ter pensado lá no tio-avô dele que por lá andara e vibrara.
Dois meses depois, estou saindo de um cinema com a Marta Góes e
encontramos com ele. Demos carona para aquele homem sempre, sempre
muito elegante, bem barbeado, terno e gravata, cabelinho perfeito e, sempre,
sempre com o seu guarda-chuva, para sol ou chuva.
Já no carro:
- Como vão os ensaios da dona Beja?
- Estreamos em um mês professor.
- O cenário como é?, perguntou curioso.
Expliquei todo o cenário, feito por um uruguaio.
- Mas já está pronto?
- Praticamente. Por quê?
25

- É que eu tive uma idéia lendo aqueles manuscritos que você me


deu. Uma idéia para o cenário.
- E como seria, professor?, a Marta perguntou.
E o grande Mestre, no banco de trás, abrindo os braços, genial:
- Uma grande vagina, ocupando todo o espaço cênico. Uma parte
vibrátil, e a outra sucçatil, a oura deglutante... (PRATA, 1999, p. 30, itálicos
no original).

Novamente Prata consegue transformar fatos do cotidiano em histórias.


Prata têm outros sucessos nos palcos: em 1983 Mario Prata escreve a peça
Besame Mucho, que tem montagens em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Brasília, tornando-se um de seus maiores sucessos no teatro, sendo publicada como
livro e também filmada em 1987.

Figura 10 : Capa DVD Besame Mucho


Fonte: http://astrosemrevista.blogspot.com.br/2012/06/christiane-torloni-nas-novelas-de-televisao.html
26

Figura 11: Capa do livro Besame Mucho


Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora

No mesmo ano escreve Salto alto, com direção de Nitis Jacon. No ano de 1994
escreve Papai & Mamãe, conversando sobre sexo, em 1984, em parceria com Marta
Suplicy. No mesmo ano Purgatório, uma Divina Comédia, é montada pela companhia
Teatro cultura Artística.
Sua última peça é Eu falo o que elas querem ouvir (2001), que inicialmente se
chamava O Caçador de Rolinhas e teve seu nome alterado em decorrência do conto de
Grandeza e decadência de um Caçador de Rolinhas, de Carlos Heitor Cony.3
Tem quatro textos inéditos para teatro:
 Rê Bordosa, A peça (Vida e morte de uma porralôca) – adaptação dos
quadrinhos de Angeli;
 Pilatos: vida e obra – adaptação livre do livro homônimo de Carlos
Heitor Cony;
 O Caminho da Roça – tragicomédia;
 O príncipe encantado – tradução da peça de Eugênio Griffero.

Prata também trabalhou como ator na peça Reveillon, de Flávio Márcio, no ano
de 1975 (Anexo 9).

3
Informação dada por Mario Prata por e-mail em 21 de junho de 2014.
27

Figura 12 - Ênio Gonçalves (à direita) com Regina Duarte, Mario Prata, Yara Amaral e Sérgio Mamberti
na peça Reveillon.
Fonte: http://astrosemrevista.blogspot.com.br/2012/08/enio-goncalves-nas-novelas-teatro-e.html

2.2.2 Televisão

Para televisão são de sua autoria 5 novelas, 1 co-autoria de novela, 3


telerromances, 1 minissérie, 2 sinopses de minissérie, 2 ―Caso Verdade‖ 4, além de ter
arquivados 3 textos inéditos para televisão. Na categoria televisão Mario Prata lista na
obra Filho é bom, mas dura muito outras produções que não estão incluídas em sua
listagem no site atual.5

4
Caso Verdade foi um série da televisão brasileira exibida pela Rede Globo de 26 de abril de 1982 a 18
de abril de 1986, com 152 episódios, onde a cada semana havia uma história diferente, sempre baseada
em fatos reais.
5
Bang Bang – 1989, projeto de novela para Manduri Filmes.
O Testamento do senhor Napomuceno da Silva Araújo – 1991, minissérie em 5 capítulos baseada no
romance do cabo-verdiao Germano Almeida, para a Opus Filmes de Portugal.
Hotel Europa- 1991, projeto de seriado para Herman José, produzido pela Videoarte e Costa Castelo, em
Portugal.
Viva a Vida – 1991/2, assessoria de teledramaturgia para os Palops para um programa da RTP
Internacional de Portugal.(PRATA, 1995, p. 207)
28

Estreou na televisão no ano de 1976, com a novela Estúpido Cúpido, que em


televisão foi seu grande sucesso:

Figura 13: Propaganda da novela Estúpido Cúpido (Rede Globo)


Fonte: http://www.teledramaturgia.com.br/tele/estupidof.asp

A novela Estúpido Cúpido foi a última novela da Rede Globo gravada em preto
e branco, seu último capítulo foi transmitido a cores. De acordo com site
www.memoriaglobo.com.br, o LP da trilha sonora da novela, gravado pela Som Livre,
vendeu mais de um milhão de cópias, superando a marca anterior da novela Escalada
(1975).
José Márcio Penido, em 27 de outubro de 1976 (Anexo 11) afirma:
Estava Mário Prata posto em sossego no Rio de Janeiro fazendo uma
pontinha na peça ―Reveillon‖, de Flávio Márcio, quando de repente, numa
noite de março passado, à saída do teatro, Régis Cardoso cutuca-lhe a
omoplata e, depois de apresentar-se, convida-o a discutir a idéia de escrever
uma novela para a Globo. Prata não apenas aceita conversar como, dias
depois, trabalhar. A emissora pagaria 400.000 cruzeiros ao autor em troca da
seguinte tarefa: escrever 160 capítulos de dezenove páginas cada um,
contendo diálogos e rubricas capazes de rechear 30 minutos diários, entre 25
de agosto de 1976 e 28 de fevereiro de 1977. (PENIDO, 1976).

E assim, começou um dos maiores sucessos da televisão brasileira.


A novela passou pela censura, tendo várias cenas cortadas:
29

Figura 14 - Revista Veja, 09 de fevereiro de 1977, p.71. Edição 440


Disponível em: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx

Uma curiosidade sobre a novela Estúpido Cúpido é que o autor José Saffioti
Filho moveu uma ação contra a Rede Globo acusando Mario Prata de plágio da peça
Anabela no mundo das maravilhas, de autoria de José Saffioti, que nunca foi editada ou
encenada. Na revista Veja de 18 de maio de 1977, Mario Prata afirma: ―Eu, plagiando
minha própria vida?‖ (Anexo 12).
A segunda novela de Mario Prata, Sem lenço, Sem documento (1977) teve 149
capítulos, e foi ao ar de 13 de setembro de 1977 a 04 de março de 1978, sem o mesmo
sucesso e repercussão da novela anterior.
A ideia de Mario Prata era fazer uma novela diferente, com vários temas se
cruzando e ampliando os debates proporcionados pela novela, porém este modelo não
demonstrou bons resultados, pois o ibope da novela caiu e Prata acabou acelerando seis
meses na novela para conseguir concluir as histórias, pois começaram a surgir muitos
personagens sem ‗núcleo‘, soltos.
A principal personagem dessa novela é o desemprego. Ele une todas as outras
numa espécie de cadeia de fatalidades, acasos, coincidências felizes ou
infelizes, e faz de ―Sem lenço, sem documento‖ uma história angustiada. [...]
A falta de trabalho – e dinheiro – é a sina compartilhada pelo casal classe
média, pela família da empregada, pelo rapaz que chegou do nordeste, pelo
garotão que planeja o golpe do baú. [...] Um dos achados de Mário Prata, em
sua segunda novela para a televisão, é que, dessa vez, as empregadas
domésticas não surgem como peças decorativas, têm um lugar na trama. Há
vida inteligente além da porta da cozinha. (KEHL, 1977, p. 154)
30

Sobre a novela Sem lenço, sem documento, inicialmente recebe criticas de


diversos setores da sociedade, principalmente de patroas, com relação a isso Mario
Prata responde em entrevista a Maria Rita Kehl, para a revista Veja, em 19 de outubro
de 1977 (Anexo 13):
VEJA: E os protestos das donas-de-casa?
PRATA: A patroa que reclama da novela é a mesma que vai ao
açougue e, além do contrafilé para a família, pede meio quilo de ‗carne de
empregada‘. Sabia que existe isso? É só ela pedir e o homem joga na balança
um tipo de carne inferior.[...]Quem segue a história pode perceber que eu não
estou colocando as empregadas como revolucionárias, não estou pregando
nenhuma luta de classes. Simplesmente coloco as trabalhadoras como seres
humanos, com aspirações, desejos, frustrações, origens, como qualquer
pessoa. Parece que isso é demais para uma certa mentalidade. (KEHL, 1977).

Outra inovação na novela Sem lenço, sem documento é a campanha de


merchandising produzida na novela. A campanha, criada pelo autor Mario Prata,
assessorado pela agência Novo Ciclo, de São Paulo, colocava a bicicleta Calói em 20
capítulos da novela, com propagandas pesadas dos novos modelos de bicicletas (Calói
Ceci) nos intervalos e grandes propagandas em outdoors no dia seguinte ao capítulo da
novela. A ação gerou algumas polêmicas entre os atores, até a definição de que cada um
receberia 65.000 cruzeiros pela veiculação do produto. É o inicio do merchandising na
televisão brasileira (Anexo 14).
A novela também dá uma crônica para o livro Minhas mulheres e meus homens
(1999) com o produtor de televisão Boni, Prata relata que Boni queria fazer alterações
na novela, colocar atores mais bonitos, mexer com a vida das personagens, visando
melhorar a audiência da novela, porém Prata não acatou suas sugestões. Ele relata um
episódio em que Boni oferece o que ele quisesse para aumentar o ibope da novela e
Prata pede uma viagem para duas pessoas para Tóquio com tudo pago. Prata vai embora
pensando em como aumentar o ibope, e resolve dar um tiro em Bruna Lombardi (Anexo
15):
Dei um tiro no peito da Bruna que virou capa da Amiga. O ibope
pulou 15 pontos, ele (Boni) me informou, entusiasmado pelo telefone.
- A Bruna vai ficar até o final da novela nesse morre-não-morre,
né?
- Não, sai do hospital amanhã. Desculpa, cara, não sei enrolar.
- Pois não vai conhecer Tóquio tão cedo!
Vinte e um anos depois, ainda não fui a Tóquio. (PRATA, 1999, p.
41).
31

O site www.teledramaturgia.com.br, organizado por Nilson Xavier, apresenta


uma lista com 10 produções televisivas de Mario Prata, que exemplificam bem a obra
do autor.

Figura 15: Algumas das produções para televisão de Mario Prata


Fonte: http://www.teledramaturgia.com.br/tele/mario_prata.asp

Mario Prata não inclui a novela O Campeão em suas produções ou co-


produções. A novela, transmitida pela TV Bandeirantes entre 25 de março e 04 de
novembro de 1996, num total de 128 capítulos. Foi escrita em parceria com Ricardo
Linhares, e baseada no conto de Aguinaldo Silva, de acordo com informações do site
www.teledramaturgia.com.br:

A TV Plus, que a essa altura produzia novelas para a Bandeirantes, negociou


o texto de Aguinaldo Silva, então contratado da Globo. O autor indicou
Ricardo Linhares para escrever a novela. Com o contrato com a Globo
vencido e no final do seu prazo de prorrogação – e como não foi procurado
pela emissora carioca -, Ricardo Linhares aceitou o convite da TV Plus.
Apesar de ter sido comunicada anteriormente, a direção da Globo exigiu a
quebra do contrato de Linhares com a TV Plus, por não querer abrir mão do
autor. A Globo liberou o texto de Aguinaldo silva para a produção de uma
novela em outro canal, mas fazia questão de Ricardo Linhares, pois tinha
planos para ele. Sem Linhares, a TV Plus contratou Mario Prata para dar
continuidade à novela. (XAVIER, 2010).
32

Sua última novela foi Bang Bang (2005), retornando a Rede Globo após 20
anos. A novela foi ao ar de 03 de outubro de 2005 a 22 de abril de 2006, com 173
capítulos. De autoria de Mario Prata, foi escrita por Mario Prata, Antônio Prata, Ana
Ferreira, Chico Mattoso, Felipe Miguez, Márcia Prates e Reinaldo Moraes, com revisão
de texto de Carlos Lombardi, e este é que, de acordo com Mario Prata, foi o grande
problema, por ele não saber escrever em equipe.
Prata se afastou da novela no primeiro mês de exibição, com um problema de
saúde, nas articulações do ombro. Sobre a novela Bang Bang Mario Prata afirma em
entrevista a Paulo Lima, para a rádio Trip FM, que a novela Bang Bang foi uma
experiência muito dolorida, que o levou inclusive a psicoterapia:
PAULO LIMA: Você tem uma história muito rica em sua obra, mas tem um
episódio que eu queria saber, que eu acho que não foi muito, tão legal assim,
você mesmo estava me dizendo aqui que foi uma passagem difícil de sua
carreira, que é a tal da novela Bang Bang, novela eu tinha a Fernanda Lima,
que também sofreu bastante com esse trabalho, o que aconteceu, e como você
analisa, agora que se passaram vários anos, foi em 2005 né?
MARIO PRATA: A novela Bang Bang é o seguinte: o Mario Lúcio Vaz,
instigado pelo Luiz Fernando Carvalho (era um projeto que eu tinha com o
Luiz Fernando Carvalho, prá fazer na Manchete em 86 quando a Manchete
faleceu), e um dia o Luiz Fernando me ligou e falou ―olha os caras tão a fim
de conversar‖, e ai eu falei ―mas é daquele jeito?‖, ele respondeu ―é daquele
jeito‖ [...]A novela das 7 o público classe C e D tá começando a perceber que
a gente tá fazendo a mesma novela a 30 anos, é a mesma novela, então a
gente queria dar uma mexida nessa novela, ver o que acontecia com todo
risco, e eu comecei...e anovela tinha uma historia bem novela das 7, era um
cara que teve a família toda metralhada, assassinada por um bandido, um
latifundiário no velho oeste, ele tinha 6 anos, ele viu e volta 20 ano depois
para matar o cara que matou a família dele. Na diligência ele encontra a
Fernanda Lima e se apaixona por ela, e ela é filha do cara que ele vai
matar...quer dizer, mais novela das 7 do que isso não existe, inclusive já deve
ter sido feita umas 40 com essa história, só que o que a gente fez, e quando
eu falo a gente é porque foi com a conivência da Globo, foi que a gente tirou
vários ícones que a novela das 7 tem sabe, vários símbolos, que nesses 25,
30, 40 anos foi indo devagar e o público foi assimilando aquilo sem perceber
que dentro dele tinha aquilo, e a gente tirou tudo isso, e quando ele (o
público) viu a novela e não tinha aquilo ele não entendeu. E foi tão violenta a
coisa que o 1º capítulo deu 37, e o 2º deu 29, e uma novela, por pior que seja,
se ela estrear com 37, prá ela chegar a 29 demora 2 meses pro público
perceber que ela é ruim, e não no 2º capítulo, ou seja quase 30% das pessoas
que viram o 1º capítulo não viram o 2º. E eram coisas bobinhas assim (quer
dizer, eu achava que era, mas não era) por exemplo o personagem não falava
sozinho entendeu, então tava proibido de falar sozinho, tiramos várias
coisinhas né, o chão não era de sinteco, do sallon, era sujo, tinha bosta de
cavalo, tal. Tem um negócio que o Gilberto Braga falou prá mim: ―meu se tá
tirando areia de Copacabana e pondo a poeira do velho oeste no lugar, isso
não vai dar certo‖, ele tinha razão. Nós tiramos a areia de Copacabana e
colocamos a poeira do velho oeste, as pessoas suavam, sabe, ficavam
despenteadas, e isso tudo às 7hs e o mais grave é que a gente tirou o
personagem principal da novela das 7, que é o sofá, a novela das 7 é toda
feita em função de um sofá, toda casa tem um sofá e tem 2 mulheres sentadas
33

no sofá 180 capítulos, e agente tirou o sofá, e o povo não percebeu que não
tinha o sofá, mas ele não entendeu.
PAULO LIMA: Sentia falta de alguma coisa...
MARIO PRATA: Sentiu falta de várias coisas, e eu quero deixar claro aqui
que a Globo topou isso até o fim, a Globo mesmo chamava a novela de
abusada, foi uma expressão que eles inventaram lá, e apesar de vários boatos,
da Revista Veja por exemplo que disse que eu fui demitido no 2º capítulo
pelo meu gênero ‗iracível‘ e com uma suposta tendinite calcária, a Globo
cumpriu meu contrato por mais de um ano e meio, eu fiquei recebendo,
foram muito legais comigo inclusive porque sabiam do meu problema no
ombro, tavam acompanhando e eu não tinha condições de fazer porque além
do meu ombro estar estourado eu não conseguia mesmo escreve 42 páginas
por dia, não eram as 19 do Estúpido Cúpido, e quando eu montei uma
equipe, ai eu me perdi, minha cabeça se perdeu, porque cada um dava tiro prá
um lado, inclusive meu filho, e eu não tinha capacidade de liderança, eu
nunca trabalhei, eu tava a 30, 40 anos com trabalhos isolados, só meus, tudo
o que eu fazia era eu, teatro, cinema, literatura, tudo era eu com eu, nunca
dividi isso, então eu não tava preparado prá trabalhar em equipe, ai eu me
retirei, minha equipe continuou, meu filho inclusive e mais prá frente entrou
o Carlos Lombardi, que é um cara eu entende de novela das 7 e o Carlos
Lombardi deu uma ajeitada e a novela foi até o fim, não teve que cortar
nenhum capítulo e tal. Foi uma experiência muito dolorida prá mim, porque
eu não consegui fazer o que eu queria, eu me arrebentei...o braço... eu fiquei
8 meses fazendo fisioterapia e 1 ano fazendo psicoterapia, foi muito violento
prá mim o negócio. (PRATA, 2011, entrevista anexa DVD).

2.2.3 Cinema
Para cinema Mario Prata escreveu 7 textos para longa metragem e 2 curta
metragens. Na categoria cinema Mario Prata elenca na obra Filho é bom, mas dura
muito outras produções (em uma categoria que ele classifica como vídeo-ficção) que
não estão incluídas em sua listagem no site atual. 6
Prata estreou no cinema com os diálogos para o filme O jogo da vida e da morte
(1971), que é uma adaptação de Hamlet, porém a luta no filme é pela liderança no
tráfico de entorpecentes. liderança no tráfico de entorpecentes. De acordo com o site
pessoal do autor www.marioprata.net ―Todas as personagens conservam os nomes
dados por Shakespeare, com exceção de Hamlet, que passa a se chamar João e é
interpretado por Walter Cruz‖ (PRATA, 2013).
Em 1985 produz o argumento para o filme Chico Rei, que conta a história de
Galanga, rei do Congo, que em meados do século 18 é aprisionado e vendido como
escravo.
―Trazido da África num navio negreiro, recebe o cognome de Chico Rei e vai
trabalhar nas minas de ouro de um desafeto do governador de Vila Rica.
Escondendo pepitas no corpo e nos cabelos, Galanga habilita-se a comprar

6
Os Dois – 1990, direção de Adriano Goldman e Hugo Prata.
Sexta-feira, de noite - 1994, direção de Hugo Prata (PRATA, 1995, p. 213)
34

sua alforria e, após a desgraça do seu ex-senhor, adquire a mina Encardideira,


tornando-se o primeiro negro proprietário. Ele associa-se a uma irmandade
para ajudar outros negros a comprarem sua liberdade‖ (PRATA, 2013).

Em 1987, Besame Mucho, peça teatral de Mario Prata vai para o cinema, com
direção de Francisco Ramalho Junior, ganhando diversos prêmios como o prêmio de
melhor roteiro nos festivais de Gramado (Brasil), Cartagena (Colômbia), Figueira da
Foz (Portugal) e Espanha. (PRATA, 1995, p. 215).

Besame Mucho conta a história dos amigos Xico (José Wilker) e


Tuca (Antônio Fagundes), que se casaram com duas amigas, Olga (Glória
Pires), e Dina (Christiane Torloni) e viveram sonhos, realizados ou não. O
filme começa na década de 1980, com a crise das relações dos dois casais:
Xico está se separando de Olga e Tuca está enlouquecido, ameaçando Dina
com uma faca. A partir desses fatos, a história passa a ser narrada do fim para
o começo. Primeiro vem o efeito e depois vão se descobrindo as causas.
Xico veio do interior para São Paulo e é escritor de sucesso. Só que
seus livros são escritos por sua mulher Olga, que também veio do interior,
exilou-se em Paris em 1968 e criou reputação como socióloga. Tuca é amigo
de Xico desde a infância, permaneceu no interior como homem de negócios
realizado e se casou com Dina, que escolheu ser esposa e mãe. Mas ela tem a
cabeça cheia de ensinamentos religiosos e por isso vive as mais loucas
fantasias sexuais na tentativa de auto-conhecimento.
As relações desses casais são mostradas como um retorno no tempo,
com passagem por baile de debutantes, colégio de freiras, concurso de Miss
Brasil, PT, machismo e feminismo, Marilyn Monroe, AI-5, as lutas políticas
de 1968, a revolução de 64, namoros nas noites interioranas de domingo,
ejaculação precoce e tudo o que foi importante na vida dos personagens. Esse
retorno mágico e realista no tempo, descreve a amizade entre dois homens—
nascidos na mesma cidade do interior—que viveram a alegria dos anos 60, o
desencanto dos anos 70 e a queda na real dos anos 80. Um retorno que, no
final, chega às causas que fizeram dos personagens o que eles são: o namoro
com as duas garotas, ingênuas e simples, ao som da música que dá nome ao
filme. (PRATA, 2013).

Francisco Ramalho afirma em matéria no jornal O Estado de São Paulo, em 13


de agosto de 1987 ao colaborador do Caderno 2 Maurício Stycer:
―Escolhi o texto de Mario Prata (a peça Besame Mucho) pela sua
universalidade, por ser, como dizia Hitchock, uma ―boa história‖, uma
história que me daria prazer em filmar e com a qual qualquer pessoa, de
qualquer idade poderia se identificar‖ (STYCER, 1987).

Na mesma matéria, capa do Caderno 2 da data, Fernão Ramos faz um grande


apanhado do filme e do texto de Mario Prata:
Com direção de Francisco Ramalho, baseada em peça homônima de Mario
Prata, Besame Mucho possui uma narrativa que avança cronologicamente no
inverso, indo dos dias de hoje, paulatinamente, em direção aos anos 50.
(RAMOS,1987).
35

Banana Split, em 1988, foi um dos filmes que alcançou os melhores resultados
de bilheteria do ano. Com direção de Paulinho Almeida (Paulo Sérgio de Almeida) o
filme é uma comédia romântica ambientada na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, nos
anos 60.7

Figura 16: Capa do filme Banana Split


Fonte: http://blogdoantonicodaigreja.blogspot.com.br/2009/08/banana-split.html

Em 1990, Beijo 2348/72, onde foi co-autor com Walter Rogério, José Rubens
Chachá, Sérvulo Augusto, José Mariano, Crochiquia e Chico Botelho, narra a vida de
um operário que é flagrado beijando uma colega durante o expediente de trabalho,
sendo despedido por justa causa.

7
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Banana_Split_(filme).
36

Figura 17: Capa do filme Beijo 2348/72


Fonte: http://pt.wikipedia.org/?title=Beijo_2348/72#mediaviewer/Ficheiro:Beijo_234872.jpg

Em 1997, O Testamento do Senhor Napumoceno, baseado na obra do cabo-


verdiano Germano Almeida, com autoria de Mario Prata, realização de Francisco
Manso e produção de J.L. Vasconcelos. Foi um filme de grande sucesso produzido pela
RTP, Portugal.

Napumoceno da Silva Araújo, um dos homens mais ricos de Cabo Verde,


morre na sua casa do Mindelo na ilha de S. Vicente. A sua desconhecida e
insuspeita filha chega para tomar conta da herança e percorre as memórias do
pai. Este deixou-lhe uma série de cassetes gravadas em que narra a sua
acidentada e apaixonante vida. Desembarcou no Mindelo em 1928 com 15
anos de idade, vindo da ilha de S. Nicolau, e graças a uma série de acasos e à
sua personalidade empreendedora, prosperou de forma espectacular. Carlos,
o sobrinho de Napumoceno, sempre acreditou ser o seu único e legítimo
herdeiro, mas o aperecimento da sua desconhecida prima vem destruir todos
os seus sonhos. Mas tal como o tio, Carlos, é um homem de várias artes e
muito engenho.Francisco Manso, um dos mais bem sucedidos
documentaristas portugueses, estreou-se na longa metragem de ficção em
1997 com ―O Testamento do Senhor Napumoceno‖, uma pituresca e
divertida adaptação ao cinema do romance do escritor caboverdiano
Germano de Almeida, sobre a vida de um homem ao longo de várias décadas
em que, graças a acasos da vida e uma forte e empreendedora personalidade,
se tornou no homem mais rico de Cabo Verde. Rodado em Cabo Verde e
com um elenco misto de caboverdianos, portugueses e brasileiros, onde se
destacam as presenças de Nelson Xavier, Maria Ceiça, Chico Diaz e Zézè
Motta, ―O Testamento do Senhor Napumoceno‖ é uma crónica agri-doce
evocativa da vida e costumes da sociedade de Cabo Verde ao longo das
últimas décadas da colonização portuguesa. Destaque ainda para a
participação especial de Cesária Évora num filme que recebeu prémios em
vários festivais internacionais de cinema, nomeadamente em Gramado no
Brasil, em Assunção no Paraguai e em Seia e Santa Maria da Feira em
Portugal. (http://www.rtp.pt/programa/tv/p3720).
37

Figura 18: Capa do filme O Testamento do Senhor Napumoceno


Fonte: http://www.imdb.com/media/rm378379264/tt0120313?ref_=ttmd_md_nxt

O filme mais recente que Prata participou foi O Casamento de Romeu e Julieta,
no ano de 2003 (foi lançado em 2005). O filme é baseado no livro de Mario Prata
Palmeiras, um caso de amor, e teve o roteiro escrito por Marcos Caruso, Jandira
Martini e Mario Prata, com direção de Bruno Barreto.
Nesta comédia romântica, baseada no conto Palmeiras, um caso de amor, de
Mario Prata, o advogado e palmeirense inveterado Alfredo Baragatti (Luis
Gustavo) é membro do Conselho do Clube e pai de Julieta (Luana Piovani).
A mocinha é fanática pelo Verdão, joga como centroavante do time futebol
feminino do Palmeiras e foi até batizada em homenagem a Julinho e
Echevarietta, dois ídolos do time. Ela se apaixona por Romeu (Marco Ricca),
um médico oftalmologista de 45 anos e torcedor roxo do rival Corínthians.
Para conquistar o sogro, Romeu finge que é palmeirense, associa-se ao clube
e chega até a torcer pelo verdão no estádio. Logo a família dele começa a
desconfiar de suas atitudes, principalmente o filho Zilinho (Leonardo
Miggiorin) e a avó Nenzica (Berta Zemmel), ambos corinthianos roxos.
(PRATA, 2013).

A pesquisadora Danielle dos Santos Borges, em sua dissertação A retomada do


cinema brasileiro: uma análise da indústria cinematográfica nacional de 1995 a 2005
(2007, p 34) mostra os dados de bilheteria do filme O Casamento de Romeu e Julieta,
que no ano de 2005 teve 969.278 pagantes, ficando atrás apenas dos filmes Dois filhos
de Francisco (5.319.677 pagantes) e Xuxa e o Tesouro da cidade perdida (1.331.652
38

pagantes), sendo classificado em 27º lugar nos filmes com melhor bilheteria entre 1995
e 2005. (p. 37).
De um total de 300 filmes nacionais estreados nos cinemas entre 1995 e
2005, apenas 43 superaram os 500 mil em audiência (14,3%) (BORGES,
2007, p. 36).

Figura 19: Capa filme O Casamento de Romeu e Julieta


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Casamento_de_Romeu_e_Julieta

Curta metragem

Em 1987 produz o curta-metragem Assalto, com direção de Adriano Goldman e


Hugo Prata narra a história de dois amigos que planejam um golpe em um banqueiro
paulistano porém as coisas não funcionam de acordo com o planejado.
39

O E o Zé Reinaldo, continua nadando? no ano de 1989 foi o trabalho de Mario


Prata que lhe rendeu mais prêmios no Brasil e exterior8, com roteiro de Mario Prata e
direção de Adriano Goldman e Hugo Prata narra a história de Suzana com ―z‖:

Tudo começa na mesa de um bar onde os escritores Mario Prata e


Gianfrancesco Guarnieri tomam um chope despretensiosamente. Prata insiste
que Guarnieri lhe escreva uma história para futura gravação em video. A
partir da personagem principal – Suzana com “z” – Guarnieri desenvolveria
o enredo. Só que dramaturgia e realidade se fundem, levando Guarnieri à
beira da loucura. (PRATA, 2013).

Há muito a se estudar e pesquisar sobre a obra de Mario Prata como roteirista,


dramaturgo, tanto no Brasil quanto no exterior, pois no período em que viveu em
Portugal trabalhou muito nesta área.

2.3 Literatura

Em literatura Mario Prata classifica sua obra em infantil, juvenil, adulta e


participação em coletâneas. Na categoria literatura infantil tem 4 livros e 1 participação
em coletânea. Em sua classificação de literatura infanto-juvenil, Prata tem 6 contos,
todo publicados na Série ―Quem conta um conto‖, organizada por Samir Curi Mesarini.
Nos livros adultos são 22 publicações, entre coletâneas de crônicas, textos das peças
teatrais e romances e 1 livro histórico. São 10 participações em coletâneas.
Também foi localizada a coletânea Tulípio, humor de botequim, que conta com
a participação de Mario Prata, porém não consta em seu site pessoal ou em sua qualquer
biografia em sites e livros. Tomei conhecimento da obra através das pesquisas nos
acervos dos jornais, na época do lançamento, em uma matéria do Jornal Folha de São
Paulo intitulada ―Livro mostra por que personagem Tulípuo é boêmio de verdade‖, de
30 de dezembro de 2009. A obra é organizada por Eduardo Rodrigues e Paulo Stocker,
no ano de 2009, pela Editora Devir Livraria. O texto de Mario Prata que faz parte desta
coletânea é ―Um minuto, por favor!‖.
Na categoria literatura Mario Prata se refere na obra Filho é bom, mas dura
muito a outra produção que não está incluída em sua listagem no site atual, que é a
coletânea Preto no Branco, do ano de 1978, com contos cariocas de vários autores.9

8
Fonte: www.marioprata.net.
9
Preto no Branco – 1978, coletânea de contos cariocas de vários autores (PRATA, 1995, p. 210)
40

A categoria crônicas é um capítulo a parte. Mario Prata afirma em seu site atual
(www.marioprata.net) que já escreveu 3000 crônicas. No site elas estão organizadas da
mesma forma que o último livro de crônicas publicado pelo autor Cem Melhores
Crônicas, que, na verdade, são 129 e reproduz as mesmas crônicas selecionadas para
este livro, organizadas por categorias/temas: Palavras, Homem, Mulher, Sexo,
Psicanálise, Crianças, Gente, Lugar, Objetos, Coisas, Portugal, Brasil e Copa do
Mundo. No antigo site (www.marioprataonline.com.br) a apresentação das crônicas era
diferente, havia um acervo de 589 crônicas disponíveis para leitura, porém, no novo
site, a opção foi por colocar a seleção das consideradas melhores pelo autor e já
publicadas em livro, porém como já dito anteriormente, Mario Prata afirma já ter escrito
3000 crônicas, o que pode realmente ser possível, tendo em vista que o autor colaborou
durante longo período em diversos periódicos e também porque costuma escrever e
publicar constantemente, como por exemplo a obra citada (Tulípio, Humor de
Botequim) que o autor nem inclui em suas obras, talvez por considerar um texto
descartável ou de menor importância.
Em conversa com o escritor por email em 26 de junho de 2014, eu o questionei
sobre a obra localizada Tulípio, Humor de Botequim:

Mario
Eu localizei a coletânea Tulípio, humor de botequim, que conta com a sua
participação, porém não consta em seu site pessoal ou em sua qualquer
biografia em sites e livros. Tomei conhecimento da obra através das
pesquisas nos acervos dos jornais, na época do lançamento, em uma matéria
do Jornal Folha de São Paulo ―Livro mostra por que personagem Tulípuo é
boêmio de verdade‖, de 30 de dezembro de 2009. A obra é organizada por
Eduardo Rodrigues e Paulo Stocker, no ano de 2009, pela Editora Devir
Livraria. O texto de sua autoria que faz parte desta coletânea é ―Um minuto,
por favor!‖.
Porque vc não a cita em suas obras? você considera uma literatura
descartável, um texto sem importância? (GOMES, 2014).

Prata respondeu ao meu email no mesmo dia, e com o mesmo tom de


irreverência e ironia de sempre me disse:

Oi, Karina,
Eu já colaborei com dezenas – provavelmente centenas – de revistas e jornais
nestes 54 anos de trabalho. Muitas eu nem me lembro mais, como é o caso
citado por você. Não queira ir atrás de tudo, porque vai enlouquecer. Pra ter
uma ideia, escrevi durante um ano numa revista de urologia...
Beijos.
Prata (PRATA, 2014, por email).
41

Desta forma é possível tem uma ideia da quantidade de textos que o autor
escreveu em colaboração para revistas de todo o país, sendo difícil realizar toda a coleta
e organização deste acervo, bem como a organização da fortuna crítica.
Outras obras não foram localizadas, porém são citadas pelo próprio autor quando
se refere a sua produção. Na coletânea de crônicas Filho é bom, mais dura muito,
primeira coletânea das crônicas de Mario Prata, no ano de 1995, o autor elenca, a partir
da página 205, suas obras para televisão, teatro, cinema, literatura, literatura infanto-
juvenil, jornalismo, vídeo-ficção e vídeo não-ficção (categoria que não aparece mais em
nenhuma outra lista de suas obras) e produção:

Vídeo – não-ficção:
Refinações de milho Brasil – 1988, Usina Filmes.
Heublein, 1988, Argumento Vídeo.
Ministério da Educação, 1988, Argumento Vídeo.
Caldo Knorr – 1989, TV1.
Refinações de milho Brasil – 1990, Receitas, TV1.
Metrô – 1990, AC Produções. (PRATA, 1995, p. 213).

Na orelha do livro Cem crônicas – O Estado de São Paulo Prata elenca sua
produção/colaboração no jornalismo:
―JORNALISMO: A Gazeta de Lins, Última Hora, Folha de S. Paulo, O
Pasquim, Isto é, Jornal da Tarde, O estado de S. Paulo, Playboy, Homem,
Lui, Status, Saque, AZ, Ícaro, Criativa, Placar, Motorshow.‖ (PRATA, 1997,
p. 231).

Além destes periódicos/revistas, no livro Fábrica de chocolate, 1ª Edição, esta


listada na categoria jornalismo a revista ou jornal Ex10, na orelha James Lins, 51: O
Playboy que não deu certo, 1ª Edição, Prata acrescenta em sua produção jornalística
mais duas revistas: Careta e Istoé11. Desta forma, temos uma ideia do que afirmou o
autor por email: não conseguirei encontrar tudo, não nestes ‗pequenos e curtos‘ dois
anos de trabalho. Todas as divergências de informação com relação a datas ou obras não
citadas serão colocadas como notas de rodapé.

10
Mario Prata, 1979, p. 4.
11
Mario Prata, 1994, orelha 2.
42

2.3.1 Livros infantis e infanto-juvenis

Mario Prata divide suas obras para crianças em jovens em dois grupos, literatura
infantil: Chapeuzinho Vermelho de Raiva, 1970; O homem que soltava pum, 1983;
Sexta-feira, de noite, 1984; Ritos de Passagem de Nossa Infância e Adolescência,
(coletânea de textos de diversos autores) 1985; A viagem de Memoh, 1987.
A obra infanto-juvenil é composta, de acordo com a classificação do autor em
seu site pessoal www.marioprata.net pelos contos da coletânea ―Quem conta um conto‖,
organizada por Samir Curi Maserani, com 6 volumes, que se organizam em torno dos
elementos da narrativa. Cada volume tem 5 contos, todos com a mesma temática, e
colaboram, além de Mario Prata, os autores: Ignácio de Loyola Brandão, Marcia
Kupstas, Guilherme cunha Pinto e Vivina de Assis Viana. Os textos de Mario Prata
nessas coletâneas são:
 Volume 1: As Meninas de Vinte Anos, 1989, estudo da ação;
 Volume 2: E o Zé Reinaldo, Continua Nadando?, 1989, estudo da
personagem;
 Volume 3; Love Story, 1990, estudo do espaço;
 Volume 4: Quadrilha, 1990, estudo do tempo;
 Volume 5: Tá me Ouvindo, Frei Vicente?, estudo do ponto de vista narrativo;
 Volume 6: Vestibulando, 1990, estudo do gênero do conto.

2.3.2 Livros e coletâneas

Prata tem uma produção muito relevante na literatura; como já citado


anteriormente, são inúmeras colaborações em coletâneas, jornais, revistas, que nem
mesmo o autor tem o exato controle disso. Serão listadas as obras que o autor atribui
como de sua autoria em seu site pessoal www.marioprata.net.
O Morto que Morreu de rir (1969) foi a primeira obra de Mario Prata, livro que
foi produzido em mimeógrafo. Posteriormente publica duas peças teatrais Fábrica de
Chocolate, em 1979, pela Editora Hucitec e Besame Mucho, no ano de 1987 pela
editora LP&M.
43

O primeiro livro escrito pelo autor foi Schifaizfavoire, um dicionário de


expressões lusitanas que Prata escreveu em seu retorno de Portugal. A partir daí publica
diversos livros e descobre-se em literatura: James Lins, o Playboy que (não) deu certo
(1994) primeiramente publicado como folhetim o jornal O Estado de São Paulo e
posteriormente em livro pela Editora Cartaz. Filho é bom, mas dura muito é sua
primeira coletânea de crônicas, no ano de 1995. Mas será o Benedito? em 1996 pela
Editora Globo é seu segundo dicionário, nele, Mario Prata cria definições para 419
provérbios, inventando histórias para todos eles. Em 1997 lança seu maior sucesso
editorial Diário de Um magro, pela Editora Globo. No mesmo ano sua segunda
coletânea de crônicas é lançada 100 crônicas O Estado de São Paulo, pela Cartaz
Editorial. Em 1998 lança Minhas Vidas Passadas (a limpo) e em 1999 Minhas
Mulheres e Meus Homens, ambas coletâneas de crônicas e histórias. No ano 2000
inova com a obra Os Anjos de Badaró, inteiramente escrita pela internet, ao vivo. Em
2001 publica a coletânea de crônicas Minhas Tudo, em 2002 Buscando o seu
Mindinho, no mesmo ano Palmeiras, um caso de Amor, conto que se transforma no
filme O Casamento de Romeu e Julieta. Em 2004 publica Diário de um magro 2 (de
volta ao spa), em 2005 Paris,98!. Em 2008 três importantes obras de Prata são
lançadas: o romance Purgatório – A verdadeira história de Dante e Beatriz, a
coletânea de crônicas Cem Melhores Crônicas (que, na verdade, são 129), e seu
primeiro romance policial Sete de Paus. Seu segundo romance policial sai em 2010, Os
Viúvos. No ano de 2012 publica o Almanaque Pinheiro Neto – Nossas Sete Décadas,
uma obra com cunho histórico, sendo esta sua última publicação.
Será realizado um estudo do romance policial, sendo a vertente que o autor tem
se dedicado na atualidade e a das crônicas, suas maiores publicações e área onde o autor
é reconhecido nacionalmente.

2.3.2.1 O Romance Policial

Mario Prata publicou dois romances policiais: Sete de Paus (2008) e Os Viúvos
(2010).
A origem da história policial tem relação histórica com o surgimento das
grandes cidades. Como o aumento da população, os problemas sociais ficam mais
44

evidentes e a busca por justiça se torna uma constante, uma necessidade, o que exige a
organização das forças policiais, que se instauraram sistematicamente no século XIX.
Este cenário foi o que principalmente impulsionou o nascimento deste estilo, e
Edgar Allan Poe é tido como o criador do gênero. O romance policial é considerado
um subgênero literário, e se caracteriza, em termos de sua estrutura narrativa, pela
presença do crime, da investigação e da revelação do malfeitor. Apesar de pertencer à
tipologia narrativa, também permite a inserção da tipologia descritiva:

O tipo mais divulgado de narrativa policial, isto que eu e você normalmente


chamamos de romance policial, é a narrativa policial de detetive ou romance
de enigma. A denominação romance de enigma nos parece perfeita, pois, de
fato, esse gênero de policial parte sempre de um enigma. Sua gênese, seu
ponto de partida é sempre uma dada situação de enigma. O enigma atua,
então, como desencadeante da narrativa e a busca de sua solução, a
elucidação, o explicar o enigma, o transformar o enigma em um não-enigma
é o motor que impulsiona e mantém a narrativa; quando se esclarece o
enigma, se encerra a narrativa. (REIMÃO, 1983, p. 10).

O romance policial apresenta características diferenciadas dos outros subgêneros


da narrativa: o jogo de inteligência entre o escritor e o leitor gera uma intimidade, de
modo que os leitores na maioria das vezes se tornam ―fiéis‖ ao autor, leitores assíduos,
uma vez que apenas a leitura não entretém o leitor, o que o prende é também o mistério.
O foco remete para o processo de elucidação do mistério, empreitada geralmente a
cargo de um detetive, seja ele profissional ou amador. A essência da narrativa policial é
a busca pela identidade desconhecida:
Em linhas gerais, o romance policial é um tipo de narrativa que expõe uma
investigação fictícia, ou seja, a superação metódica de um enigma ou a
identificação de um fato ou pessoa misteriosos. Toda a narrativa policial
apresenta um crime e alguém disposto a desvendá-lo, porém nem toda a
narrativa em que esses elementos estão presentes pode ser considerada
policial. Isto porque além da necessidade de um crime, é preciso também
uma forma de articular a narrativa, de estabelecer a relação do detetive com o
crime e com a narração. (PIRES, 2005).

O romance policial também demonstra que não pode haver crime perfeito, logo,
não há lugar para a impunidade, para o crime sem punição. A principal função
ideológica na literatura policial é a demonstração da estranheza do crime, já que o
criminoso é apresentado como um ser estranho à razão natural da ordem social. É
importante salientar que no romance policial prevalece a ideia de aventura, de bem
45

contra o mal, detetive bom, policial bom, criminoso mau, além do raciocínio lógico
espetacular dos detetives, característica muito marcante.
O universo do romance policial é permeado por esses vários elementos:
medo, mistério, investigação, curiosidade, assombro, inquietação, que são
dosados de acordo com os autores e as épocas. Através da palavra, o medo se
torna uma tortura da imaginação e estabelece uma relação poética entre
narrador e leitor; o mundo é, dessa forma, uma fonte de inspiração literária,
visto que, mistérios sempre existiram desde os primórdios da história da
humanidade. (PIRES, 2005).

O romance de Mario Prata, além das características clássicas de romance


policial, o detetive e o criminoso, o assassino e a vitima, enredo criativo repleto de
repetições, duplicidades, inversões e oposições, apresenta características próprias, entre
as quais a presença constante do humor, das piadas, dos chistes e das sátiras.
Leitor de todos os gêneros, o escritor, nas últimas entrevistas, declarou que
desde que resolveu escrever romances policiais começou a se dedicar à leitura desse
gênero. Mario Prata tem se dedicado nos últimos anos não apenas a escrita de romances
do gênero policial, mas também ao estudo.
Em entrevista concedida a Cláudia Barbosa, no programa ―Pelas ruas de minha
cidade‖, pela TV Câmara de Florianópolis, declarou que antes de iniciar a escrita de
seus romances policiais leu aproximadamente 160 livros, em um ano e meio, todos
romances policiais. Isso foi em 2008.
Na Feira Literária de Votuporanga (FLIV), realizada em maio de 2012, o autor
participou da roda de conversa ―Literatura policial, riso e mistério‖. Na ocasião
declarou que até o momento leu aproximadamente 600 livros policiais e que já tem 250
comprados, aguardando leitura. Esse é seu método de preparo para escrever novas
obras, sempre estudando, pesquisando, lendo o gênero no qual vai criar seus livros. É o
que podemos observar na entrevista a Luiz Carlos Santos durante a XV Feira Pan-
Amazônica do Livro:

Meu negócio agora é escrever romance policial. ―Ainda não estou como
quero, mas chego lá‖, analisa, revelando um dado impressionante: nos
últimos seis anos, tempo em que vem se dedicando às tramas de mistério, ele
leu 600 livros – média de três por dia. ―Levo muito a sério o meu trabalho.
Sou dedicado‖, justifica. (PRATA, 2011).

Os romances policiais podem apresentar elementos tais como um enigma que


parece inexplicável, ou seja, um mistério que será resolvido mediante um complicado e
46

preciso trabalho de inteligência; um detetive aficionado, intelectual; uma metodologia


baseada em deduções, que possibilitará desvendar o enigma a partir de pistas, indícios e
indagações; e uma técnica narrativa que consiste em manter o segredo até o momento
final da narrativa. Estas são características presentes no romance policial de Mario
Prata, marcados pela casualidade, por apresentar em histórias inusitadas uma inquietude
que não permite que leitor fique estático diante das situações que ocorrem; geralmente
os temas expostos envolvem ambição, culpa, traição, vingança, extorsões, fugas, entre
outros elementos; as personagens nos remetem sempre a uma perspectiva de antíteses
— bem contra o mal: de um lado temos o policial, o detetive, o inspetor, do outro o
assassino, o espião que atua em pé de igualdade, se estabelecendo um jogo de
inteligência e, por ele, o interesse do leitor.
Cândido(2010) afirma que a personagem literária é caracterizada por fazer parte
de um mundo mais fragmentário do que o mundo empírico, é um ser esquematicamente
configurado, tanto no sentido físico como psíquico. A estética também é importante em
uma obra ficcional, pois ela apresenta papel fundamental no que tange a composição da
obra, pois representa seres de contornos definidos e definitivos, em amplas medidas
transparentes. O leitor se vê diante de uma obra literária, de uma realidade que é fictícia,
mas que trata mimeticamente da realidade real pertencente ao momento em que foi
escrita a obra.
Dourado menciona que ―o criador amassa e emprega a realidade para criar uma
outra realidade, uma realidade que obedece à complicada geometria literária, ao seu
sistema de forças, que nada tem a ver com as ciências física, naturais, ou sociais‖
(DOURADO, 1978, p.98). Lembrando que a ―personagem tem mais a ver com a forma
do que com a vida, embora a vida seja o seu alimento diário‖ (DOURADO, 1973
p.100).
Em seu ensaio ―Personagem do Romance‖ (2002), Antônio Cândido esclarece
que o enredo existe através das personagens; as personagens vivem no enredo. Enredo e
personagem exprimem, ligados entre si, os intuitos do romance, a visão da vida que
decorre dele, os significados e valores que o animam.
A afirmação de Candido se reforça em Rosenfeld (2002, p. 27-28), que afirma:
―as personagens são partes fundamentais para o desenvolvimento de uma narrativa. São
47

elas que animam a ação das estórias, do mesmo que, para Aristóteles, a alma anima os
seres, sendo a essência da vida‖.
Três elementos centrais de um desenvolvimento novelístico (o enredo e a
personagem, que representam a sua matéria, e as ideias, que representam o seu
significado) existem intimamente ligados, inseparáveis, nos romances bens realizados.
A personagem vive o enredo e as ideias, e os torna vivos. A personagem é um
ser fictício - expressão que soa como paradoxo. A criação literária repousa sobre este
paradoxo, e o problema da verossimilhança no romance depende da possibilidade de um
ser fictício, sendo uma criação da fantasia que comunica a impressão da mais lidima
verdade existencial, que se baseia num certo tipo de relação entre o ser vivo e o ser
fictício, manifestada, por sua vez através da personagem, que é a concretização deste. A
vida no romance é criada, estabelecida e racionalmente dirigida pelo escritor, que
delimita e encerra, numa estrutura elaborada, a aventura sem fim que é, na vida, o
conhecimento do outro.
Na obra de Mario Prata é uma constante a ficcionalização de seu dia a dia, fatos
e pessoas de seu cotidiano aparecem frequentemente em sua obra.
Em Sete de Paus, Mario Prata narra a historia da venerável grã-ordem de São-
Fuldêncio, irresponsável por vários assassinatos, no Brasil e no exterior, investigados
pelo agente federal Ugo Fioravanti Neto e seu fiel escudeiro Darwin Matarazzo.
Em Os Viúvos, Mario Prata traz uma nova aventura do detetive Ugo Fioravanti e
seu fiel companheiro Darwin Matarazzo na bela ilha de Florianópolis. Desta vez, o ex-
policial federal e agora detetive particular, Fioravanti, terá que desvendar dois
sequestros, encontrar uma mulher a pedido do príncipe de Dubai e descobrir quem é o
louco remetente E.R.N., que lhe envia e-mails com desabafos sobre sua vida tediosa,
seus problemas com a Receita Federal e com avisos dos vários crimes que cometerá.
Nas duas obras Mario Prata usa notas de rodapé para apresentar as personagens
ao longo do livro. Em Sete de Paus aparecem 99 personagens e 63 em Os Viúvos.
Ambas as obras tem as mesmas personagens principais Ugo Fioravanti Neto e
Darwin Matarazzo.
Observe a descrição das personagens nas duas obras respectivamente:
Ugo Fioravante Neto é agente da Polícia Federal de Santa Catarina. Entre 50
e 60 anos, idade que ninguém nunca soube direito, exceto o RH da
instituição. Cabelos totalmente brancos, com rabo-de-cavalo. Alto, bonito.
Tipo italiano, quase um metro e oitenta, olhos verdes. Honesto. Se ele não
48

fosse investigador, poderia muito bem ser técnico de futebol argentino ou


vendedor de carro importado, no Rio de Janeiro. O mau humor do técnico
argentino e o bom humor do carioca. (PRATA, 2008, p. 19)

Ugo Fioravante Neto – ex-policial e agora detetive. Investigador aposentado


da Polícia Federal de Santa Catarina, hoje detetive particular. Viúvo, mora
sozinho como filho Valentim, de 11 anos. Entre 50 e 60 anos, idade que
nunca ninguém soube direito. Cabelos totalmente brancos, com rabo de
cavalo. Alto, bonito. Tipo italiano, quase um metro e oitenta, olhos verdes.
Honesto. Se ele não fosse detetive, poderia muito bem ser técnico de futebol
argentino ou vendedor de carro importado no Rio de Janeiro. O mau humor
do técnico argentino e o bom humor do carioca. (PRATA, 2010, p. 23)

Darwin Matarazzo (nada a ver com aqueles). 30 anos, baixinho. Tímido, há


cinco anos na polícia. Fioravanti o escolheu para ser o seu segundo, por ser
filho de um amigo também policial que morreu no morro, traiçoeiramente.
Mas o menino promete. (PRATA, 2008, p. 28)

Darwin Matarazzo, 35 anos, baixinho. Tímido, depois de cinco anos na


Polícia federal, Fioravanti o convidou para deixar o emprego público e ir
trabalhar com ele. Darwin não decepcionou e nem se arrependeu. Casado, um
filho, vive momentos dramáticos com sua mulher, coitado. (PRATA, 2010, p.
40)

Podemos observar que mesmo se tratando das personagens principais das obras,
as descrições são bastante superficiais, e não se aprofundam no decorrer das obras, o
que de acordo com a teoria de Brait são planas.
As personagens são divididas de acordo com a complexidade apresentada pelas
―classificação das personagens (flat) em plana, tipificada, sem profundidade
psicológica, e (round) redonda, complexa, multidimensional‖ (BRAIT,1985,p.40).
Antônio Cândido aponta a definição de Forster quanto às personagens planas:

As personagens planas eram chamadas temperamentos (humours) no século


XVII, e são por vezes chamadas tipos, por vezes caricaturas. Na sua forma
mais pura, são construídas em torno de uma única ideia ou qualidade; quando
há mais de um fator neles, temos um começo de curva em direção à esfera. A
personagem realmente plana pode ser expressa numa frase, como: ‗Nunca hei
de deixar Mr. Micawber‘. Aí está Mrs. Micawber. Ela diz que não deixará
Mr. Micawber; de fato não o deixa, e nisso está ela. [...] são facilmente
reconhecíveis sempre que surgem [...] são, em seguida, facilmente lembradas
pelo leitor. Permanecem inalteradas no espírito porque não mudam com as
circunstâncias. . (CANDIDO, 2002, p.62-63).

Gancho (1993) também classifica a personagem plana caracterizando-a com um


número pequeno de atributos que os identifica facilmente perante o leitor. Nesse sentido
49

percebe-se que a personagem plana é pouco complexa, de pouca ou nenhuma


personalidade, atributo e que pode ser definida em poucas palavras.
As personagens-tipo, segundo Gancho (1993, p.16), ―é um personagem
reconhecido por características típicas, invariáveis, quer sejam elas morais, sociais,
econômicas ou de qualquer outra ordem‖. A autora aponta as personagens-tipo como
personagens planas confeccionadas a partir de uma ideia relacionada a um papel social
(profissão, atribuições, idade) como, por exemplo, o jornalista, o estudante, a dona de
casa, a solteira. Em acréscimo, é possível citarmos o solteiro, o vagabundo, o político, o
delinquente, a feia, o valente, o aposentado, a beata, o anarquista, as crianças, os jovens,
o homem do campo, as ―peruas‖, os ―filhinhos de papai‖, o gaúcho, o marido traído etc.
A lista é interminável. Observa-se que são generalizações baseadas em características
comuns aos elementos de um grupo, que seriam, supostamente, representativas de cada
um dos seres que o compõem.
Este personagem descrito por Gancho é muito comum na obra de Prata. Em Sete
de Paus podemos citar vários personagens secundários com essas características:
Fabiana de Castro Matarazzo. Mulher de Darwin, 25 anos, gorda. Nunca
recuperou o peso da gravidez do filho Tomás. Dentista. Um rosto lindo,
moreno, provavelmente descendente dos açorianos que iniciaram a conquista
da Ilha no século XXIII. Lê muito: Caras, Contigo, Tititi. Semanalmente.
Fala do José Wilker como se fosse um primo. Sabe o nome dos filhos da
Globo inteira. Tem tesão pelo Antonio Fagundes. (PRATA, 2008, p. 30).

Márcio, um dos mais simpáticos garçons do lugar. Faz caipirinha para o fiora
há mais de vinte anos. Bom garçom: não é surdo e fala pouco. Casado com
dona Maria Beatriz. 62 anos.(PRATA, 2008, p. 32).

Juan Gutierrez, de Assunção, Paraguai. Há dez dias em Mindelo. Profissão:


ninguém sabia. Passava os dias praticamente no quarto e na piscina.
(PRATA, 2008, p. 89).

Denise Cabral, uns 50 anos, é a secretária de Fioravanti, na Federal, em


Floripa. Solteirona, chegada numa igreja católica. Ela ainda não tinha entrado
na história porque, até agora, o Fioravanti não estava na sala dele, desde que
começou o livro. Masturba-se pensando no chefe. Há anos. Vem a ser a tia da
Ana Paula Coimbra, do rodapé 13. (PRATA, 2008, p. 100).

Doutor José Carlos Abud, O Zeca Abud, 42 anos, médico, criador de uma
injeção que tira a vontade de fumar. A famosa ―Clínica Dr. José Abud‖ fica
numa pequena cidade do interior paulista: Guaiçara. Era gordo. Há cinco
anos fez a cirurgia de estômago e perdeu oitenta quilos. Tem uma imensa
gibiteca. (PRATA, 2008, p. 103).

Em Os Viúvos também são várias personagens com essas características:


50

O Contador, 55 anos, ladrão, estelionatário, formador de quadrilhas, ex-


foragido. (PRATA, 2010, p. 21).

Denise Cabral 50 anos (há anos), com quem ele também já trabalhava na
Federal. Solteirona, chegada numa igreja católica. O que poucos sabem é o
que esta mulher faz de noite pela Internet. (PRATA, 2010, p. 41).

Fabiana de Castro Matarazzo, mulher de Darwin, 30 anos, obesa. Muito


obesa. Nunca recuperou o peso da gravidez do filho Tomás tem 11 anos. E,
nos últimos anos, apesar de visitas anuais a um SPA, havia passado dos cem
quilos. Dentista. Um rosto lindo, moreno. Lê muito: revistas de celebridade.
Semanalmente. (PRATA, 2010, p. 63).

Everaldo Raspante Nogueira, o homem mais azarado de todo o estado de


Santa Catarina. (PRATA, 2010, p. 173).

Rodolfo Pérez, motorista e amante da señora Idalina, 24 anos. Feio como o


diabo. Mas a señora devia ver coisas nele que a gente não vê. (PRATA, 2010,
p. 204).

Em Sete de Paus Mario Prata retrata momentos de sua vida em que passou por
um SPA, e também viagens a Portugal (em especial a Cabo verde).
Em Os Viúvos, Mario Prata se personifica na figura da personagem E.R.N.
(Escobar Rocha Neto):

Escobar Rocha Neto voltou com uma pequena mala, um paletó que devia ser
do tempo do Banco do Brasil, os olhos ainda vermelhos de tanto chorar.
(PRATA, 2010, p. 275-276).

Neste trecho é feita uma referência a biografia do próprio autor, ex-funcionário


do Banco do Brasil, mas a nota autobiográfica deste personagem é a história que Mario
Prata viveu na vida real com seu contador e com a receita federal, usando então a ficção
para realizar uma critica ao sistema tributário, bancário e contábil brasileiro.
Mario Prata sofreu um golpe por parte de seu contador, que durante três anos
não efetuou os pagamentos de sua microempresa a Receita Federal. Quando o autor
soube disso, teve bens confiscados, contas bloqueadas e a vida posta de ―pernas pro ar‖
como costuma dizer. Em entrevista ao Jornal O Norte, seção Show, em 30 de maio de
2010, Mario Prata explica os motivos que o levaram a escrever sobre o fato:
O fato é que aconteceu comigo. Eu achei que escrevendo isso eu exorcizava,
parava de pensar nesse assunto. E foi muito legal esse exorcismo. Fiquei
impressionado, depois que o livro saiu e comecei a dar entrevistas, o tanto de
pessoas vítimas do mesmo tipo de situação, dessa coisa implacável da
Receita Federal, e que não tiveram chance de entrar em acordo. Você passa a
ser criminoso, sonegador da noite pro dia, e começam a tentar pegar tudo o
que você tem, inclusive direitos autorais. Algumas coisas eles não podem
51

pegar, por lei, como o salário. Mas direitos autorais, sim. Então, o livro foi
um desabafo. Também por causa desse sistema bancário absurdo, mentiroso,
eu quase perdi tudo o que tinha. Você não consegue conversar com a Receita,
com a Justiça, você é um número. É foda. Só não sequestrei ninguém... mas
tive vontade! (PRATA, 30/05/2010).

Na mesma entrevista quando questionado sobre semelhanças entre Mario Prata e


outros personagens, além do E.R.N., Prata afirma:

Sempre tem. É difícil criar um personagem que não tenha alguma coisa sua.
A Til, por exemplo, se parece muito comigo, meu lado feminino. O
Fioravanti tem essa coisa de se apaixonar por menina mais nova. Os homens
da minha idade são tarados por meninas novas. É coisa da minha geração,
mesmo. A minha namorada, por exemplo, é bem mais nova do que eu.
(PRATA, 30/05/2010).

Em entrevista intitulada ―Ugo Fioravante Neto reaparece em Os Viúvos, de


Mario Prata‖ ao Jornal do Brasil, Coluna Idéias e Livros, em 17 de maio de 2012, Mario
Prata retorna ao tema que o motivou a ficcionalizar o fato de sua vida na obra Os
Viúvos. Quando questionado se ele queria, mesmo em forma de ficção, tomar as dores
do brasileiro, o pagador de impostos, Prata afirma:

Não tenho tanta pretensão. Mas se alguém da Receita Federal ou do


Judiciário brasileiro ler o livro e perceber como estão sendo tratados
centenas, talvez milhares de brasileiros enganados por contadores
estelionatários, já fico feliz. No Brasil, os contadores, não são
responsabilizados por nenhum dos atos por eles cometidos, em nome do
contribuinte honesto que o contratou. A Receita Federal não quer saber se
você pagou e ele não repassou. A Receita Federal ignora o profissional
contador. E o mais grave é que a pessoa lesada por tal profissional não
consegue ao menos dizer isso para a Receita. Os computadores mandam a
informação para as autoridades (in)competentes, a coisa vai para o promotor
que manda para o juiz que manda um oficial da justiça na tua casa querendo
levar teu carro e até mesmo a tua garagem. Isso depois de limparem a tua
conta bancária com o que eles denominaram – talvez com um certo sarcasmo
– ―confisco online‖. Não respeitam nem salários depositados. (PRATA,
17/05/2010).

E esclarece o sério problema que teve com os contadores:

Quando descobri que o contador não havia pago absolutamente nada durante
três anos – embora a papelada apresentada anualmente parecia estar certa,
com carimbos da Receita e tudo, fiquei meio sem saber o que fazer. Todo
mundo me dizia para ficar quieto porque em cinco anos prescrevia. Mas isso
é sonegação, é crime. E não tenho mais idade para começar a cometer crimes.
Então avisei a Receita de todo o faturamento da minha microempresa.
Pronto, soltaram os cachorros em cima de mim. Depois que o livro saiu,
52

estou me sentindo um porta-voz. É imensa a quantidade de e-mails que tenho


recebido de pessoas roubadas pelos contadores. Pessoas que tiveram que
vender casas, carros, tudo, para pagar o que já havia sido pago. E com juros e
multas aviltantes, absurdas. É realmente muito desagradável ser tratado como
criminoso. Na minha noite de autógrafos uma senhora, vitima como eu, já
velhinha, me abraçava e me beijava, agradecendo por eu ter escrito tudo que
ela queria dizer e não tinha para quem. Ela perdeu tudo que tinha, inclusive
uma previdência privada. (PRATA, 17/05/2010).

Outra característica autobiográfica é a capa do livro, que é do arquivo pessoal do


próprio autor:

Figura 20: Mario Prata e seu psicanalista; ao fundo, o enteado Joaquim filho da segunda esposa Luciana.
Fonte: Site pessoal do autor (www.marioprataonline.com.br)

Figura 21: Capa do Livro Os Viúvos


Fonte: Site pessoal do autor (Capa: Marina Kurth Kinas)
53

O encontro descrito no final do livro já existia, mas acrescentei o garoto da


imagem. A história é o seguinte: a capa da edição brasileira do livro "Os
Viúvos", dos franceses Boileau-Narcejac, anos 80, tem dois viúvos frente a
frente, sérios. Eu tinha terminado já o livro, minha irmã estava aqui e
estávamos passando algumas fotos da família. Quando vi a foto eu falei "pô,
parece a capa d'Os Viúvos". Minha irmã falou "não vai por você na capa,
vai?" Olha aí que ideia! Essa foto tem uns oito anos, mais ou menos. O livro
é muito colorido. E além de usar Florianópolis, eu queria que a capa refletisse
essas cores também. (PRATA, 30/05/2010).

A personagem é um ser inventado ou reproduzido. Importa destacar que


François Mauriac (1952), ―o grande arsenal do romancista é a memória, de onde extrai
os elementos da invenção, e isto confere acentuada ambigüidade às personagens, pois
elas não correspondem a pessoas vivas, mas nascem delas‖.
Segundo Candido (2002, p.58-59),
...na vida estabelecemos uma interpretação de cada pessoa, a fim de
podermos conferir certa unidade à sua diversificação essencial, à sucessão
dos seus modos de ser. No romance, o escritor estabelece algo mais coeso,
menos variável, que é a lógica da personagem. A nossa interpretação dos
seres vivos é mais fluída, variando de acordo com o tempo ou as condições
da conduta. No romance, podemos variar relativamente a nossa interpretação
da personagem; mas o escritor lhe deu, desde logo, uma linha de coerência
fixada para sempre, delimitando a curva da sua existência e a natureza do seu
modo de ser.‖.

No mundo fictício as personagens obedecem a uma lei própria, são mais nítidas,
mais conscientes, tem contorno definido. Candido aponta que Mauriac (2002, p.67), ―há
uma relação estreita entre a personagem e o autor‖. Este vínculo que há entre o autor e a
sua personagem estabelece um limite à possibilidade de criar, à imaginação de cada
romancista, que não é absoluta, nem absolutamente livre, mas depende dos limites do
criador. O romancista deve reconhecer os seus limites e criar dentro deles, e isso é uma
condição de angustia, impedindo certos voos sonhados da imaginação, que nunca é livre
como se supõe, como ele próprio supõe.
Autran Dourado salienta,

no romance, o personagem não existe antes de ser criado na escrita, antes da


palavra ele é apenas fumaça, ilusão, a dor que impulsiona o romancista a
criá-lo, embora os romancistas poderosos consigam às vezes visualizá-lo -
senão seria incapaz de transpô-lo para o papel. Mesmo quando o romancista
pretende que está retratando uma pessoa da vida real, que ele tenha
conhecido, o que na verdade está fazendo não é retratar a pessoa real mas
transpor para o romance uma figura que agora existe dentro dele (a pessoa
real pode morrer, que continuará a viver na memória do autor); uma pessoa
real filtrada pelas lentes da memória e da imaginação, subordinada à
54

composição do livro, tendo o romancista de aumentar ou diminuir ou mesmo


apagar os seus traços mais marcantes, segundo o ritmo e a necessidade
estrutural da obra. (DOURADO. 1973, p.103-104).

Conclui-se, no plano crítico, que o aspecto mais importante para o estudo do


romance é o que resulta da análise da sua composição, não da sua comparação com o
mundo. Portanto, originada ou não da observação, baseada mais ou menos na realidade,
a vida da personagem depende da economia do livro, da sua situação em face dos
demais elementos que o constituem: outras personagens, ambiente, duração temporal,
ideias, enfim, todo um universo fictício que o escritor cria através da palavra.
Ambos os livros tem características humorísticas muito marcantes, aspectos
relacionados ao humor, a sexualidade e ao cotidiano em Sete de Paus e Os Viúvos. Para
observá-las, valemo-nos da taxonomia proposta por Rauer Ribeiro Rodrigues (2006) na
tese Faces do conto de Luiz Vilela. Rauer estuda as unidades constitutivas do riso,
propondo que elas são o cômico, o humor, a ironia e a sátira, tendo por figuras
cristalizadoras, respectivamente, a palhaçada, a gozação, o chiste e a piada12. Ainda que
preso à semiótica do texto, o estudioso pondera que

[a]s definições sobre o riso literário estão condicionadas à recepção da obra,


uma vez que o cômico, se contido na intencionalidade do texto, depende da
reação do leitor para se estabelecer como riso. (RAUER, 2006, p. 97).

A obra de Mario Prata tem em sua essência a presença do riso, seja as para
televisão e teatro, seja as para o cinema ou as literárias, seja em suas crônicas ou em
seus romances. O riso literário é uma constante na obra de Mario Prata, o que pode ser
percebido já no título de algumas de suas publicações: Filho é Bom, Mas Dura Muito
(1995), Mas Será o Benedito? (1996), Diário de um Magro (1997), Minhas Mulheres
e Meus Homens (1999), e tantos outros.
Prata é especialista em escrever com humor sobre cenas do cotidiano, e
consegue como poucos autores contextualizar situações, ligar pessoas, fatos, criando
cenas repletas de chistes, de gozações, de piadas. Prata parece se adequar ao que é
proposto teoricamente por Rauer:

12
Em anexo, reproduzimos o quadro operacional do riso literário proposto por Rauer (2006). (Anexo 93)
55

O riso literário pode variar da sátira desbragada ao humor de fina ironia, pode
se manifestar em uma piada ou em um chiste ou apresentar-se como paródia;
pode ser cômico em trocadilho ou caricatura; pode ser de escárnio, de
exclusão, ou de simpatia, de aceitação. As manifestações do riso podem,
portanto, apresentar gradações extremas ou sutis, e os estudos literários
expõem, em diferentes epistemologias e configurações teóricas, as suas
nuances. (RAUER, 2006, p. 97).

Há, na primeira orelha de Sete de Paus, uma apresentação escrita por ninguém
menos que uma das personagens (Darwin Matarazzo): é o inicio de uma obra repleta de
gozação. Há piadas, palhaçadas, chistes e gozações em todas as páginas, tendo por mote
gordos, gays, maçons, ricaços, spas, universitárias casadouras, polícia e políticos. A
trama policial parece pretexto para o autor usar todo seu talento em criar situações
engraçadas e críticas.
O detetive Fioravante, responsável pela investigação criminal que é o fio
narrativo do romance, tem um filho pequeno, chamado Valentim. Ele conta
constantemente uma história para a filho, O homem que soltava pum, uma obra do
próprio Mario Prata, publicada em 1983, pela Editora Escrita (3ª. Edição pela Siciliano
em 1998).
Na obra Os Viúvos, a orelha também é escrita por Darwin Matarazzo
(personagem da trama), repetindo o mesmo ritmo de gozação.
Esse reiterado recurso apresenta características de piada. A piada é um gênero
que, embora seja considerado menor, é significativamente importante no discurso
interacional de todos os tempos. A partir de estudos de Sirio Possenti, Kassandra
Muniz define nos seguintes termos o gênero piada:

O gênero piada parte de um ponto de vista coletivo (sócio-cultural) e é


atravessado pelos discursos produzidos na sociedade; é tendencialmente
curto e contém características básicas de uma narrativa. Apresenta dois
scripts opostos que, geralmente, dizem respeito a algum estereótipo (tema),
seja linguístico ou social, que serão ativados através de um gatilho e, além
disso, contém uma característica pragmático-discursivo non-bona-fide, que
‗fecha‘ o texto. Para que o desfecho produza humor, principal função da
piada, o leitor/ouvinte terá que buscar amparo no contexto, uma vez que a
piada vai ‗brincar‘ tanto com fatos linguísticos, como com fatos concernentes
ao entorno sócio-cultural para veicular discursos geralmente ‗não-
autorizados‘ socialmente. (MUNIZ, 2004, p. 145).

Sabemos que a piada precisa de fatores que influenciam seu texto e contexto
para ser compreendida; várias piadas precisam de conhecimento cultural, situação
56

política, notícia da mídia, entre outros elementos, para ser compreendida. É preciso
entender a piada para conseguir rir da mesma, ou então o discurso não se completou.
Os chistes também são uma constante na obra de Mario Prata. Para Freud,
[u]m chiste diz o que tem a dizer, nem sempre em poucas palavras, mas
sempre em palavras poucas demais, isto é, em palavras que são insuficientes
do ponto de vista da estrita lógica ou dos modos usuais de pensamento e
expressão. Pode-se mesmo dizer tudo o que se tem a dizer nada dizendo.
(FREUD, 1996, p. 21).

Os estudiosos descrevem em detalhe o conceito freudiano de fundo


psicanalítico:
Para que haja chiste, é preciso haver algo de surpreendente. E à surpresa se
acrescenta a genialidade, o talento que um indivíduo tem para forjar a relação
surpreendente. De acordo com Freud (1995), o chiste gera um prazer estético
no ‗receptor‘, quando este acredita ter percebido o que o outro quis dizer.
Segundo ele, todos os conflitos psíquicos surgem, aparentemente, da
oposição entre o princípio da realidade e o princípio do prazer. Lembrando
que o recalque é o conceito básico da teoria do inconsciente, é interessante
observar que, para Freud (1995), o recalque e a sublimação de processos
inconscientes estão intimamente ligados à teoria das piadas e do cômico. Sua
hipótese é a de que o chiste se forma quando um pensamento pré-consciente
é abandonado, por um momento, à revisão do inconsciente e o resultado
disso é imediatamente capturado pela percepção consciente. O chiste torna
possível a satisfação de um instinto (libidinoso ou hostil) diante de um
obstáculo colocado em seu caminho. Tal obstáculo é transposto e, assim, é
possível retirar prazer de uma fonte que ele tinha tornado inacessível. Nessa
concepção, o chiste é a mais social de todas as funções mentais que
objetivam a produção do prazer. (SANTOS, 2009, p. 521).

Um chiste só ocorre quando o receptor da mensagem tem condições de


compreendê-lo, ele não se realiza sozinho. Para que o chiste seja compreendido é
necessário que haja três pessoas em sua estrutura: a pessoa que produz o chiste, que o
fala, o receptor da mensagem que o compreende e a pessoa a quem ele se refere. É
preciso que o receptor tenha condições de compreender a mensagem, ou o chiste não
acontece.
O Dr. Leo Cardon, da Associação Psicanalítica Internacional, em entrevista a
Elida Oliveira no Blog Fotos e Grafias diz:
―Não existe no Brasil a palavra ‗chiste‘. Nós conhecemos por piada.
Entretanto Freud difere chiste como sendo o cômico, as caretas, o clown e a
piada é a relação que isso tem no inconsciente para provocar o riso. O nome
do livro aqui no Brasil deveria ser ―A piada e sua relação com o
inconsciente‖ (VERRONE, 2009, p. 41).

O estudioso VERRONE (2009, p. 65) compara o chiste ao que chamamos de


―tirada‖, um dito espirituoso, uma frase inteligente, com duplo sentido, ou humorística,
57

que gera o riso. Os chistes também mudam com o passar do tempo. Rimos de coisas
diferentes em lugares e épocas diferentes. Em cada sociedade uma determinada situação
tem um determinado teor de graça.
Na narrativa do romance policial Sete de Paus, Mario Prata utiliza-se destes
recursos a todo o momento. Vamos elencar e comentar algumas piadas e chistes
presentes no livro, visando conhecer a forma de escrita do autor e o uso do humor em
sua narrativa. Eis um primeiro exemplo de chiste:

Bom trabalho. Não acredito que ele entraria aqui com um passaporte
brasileiro. Estamos trabalhando com um profissional, senhor delegado. Sua
única falha foi a marca do baralho brasileiro. Mas, mesmo assim, pode ter
sido de propósito para rir da nossa cara. Para avisar que era ele. Vocês
falaram com o paraguaio? Pode ser um paraguaio falsificado. (PRATA, 2008,
p. 77).

Neste trecho os investigadores Fioravanti e Darwin estão a procura de um


assassino na cidade de Mindelo (Cabo Verde, África), e estão a procura de brasileiros
que estejam visitando o país e possam ter relação com o crime. Um paraguaio que visita
o local é citado pela proximidade dos dois países e é chamado a depor. O investigador
faz uma piada “paraguaio falsificado” em referência ao país Paraguai que é conhecido
como centro de contrabando e de falsificações. Para compreender a piada é necessário
conhecer o contexto do comércio paraguaio. Podemos analisar que um chiste não
depende apenas da frase pronunciada, da palavra dita, ele depende também da relação
entre os personagens, os envolvidos na historia, do contexto, da situação que existe
entre as pessoas ou personagens envolvidas.
Vejamos uma piada:

Foi a primeira vez na vida que Fioravanti viu seis homens reunidos, oito com
ele e Darwin, todos tomando água mineral. (PRATA, 2008, p. 150).

O narrador faz uma gozação com o fato de homens terem o hábito do consumo
de bebidas alcoólicas em suas reuniões e eventos. Vejamos outra tirada cômica:
Depois disso, da passagem pelo ambulatório, uma mocinha simpática
revistou toda minha mala no quarto. Chegou a cheirar o creme de barbear:
-Tem gente que coloca leite condensado aqui dentro, acredita?
Acreditei piamente. (PRATA, 2008, p. 149).
58

Durante as investigações as personagens vão a um SPA, onde será realizado um


encontro entre possíveis vitimas do assassino. Na entrada no SPA, o detetive Fioravanti
tem sua bagagem revistada pela funcionária que explica que alguns pacientes do SPA
tentam entrar com coisas comestíveis (no caso leite condensado) nos lugares mais
impróprios, em referência e piada a gordos tentando ―enganar‖ o SPA, porém
continuariam gordos.

Aterrissaram na ilha da Madeira de madrugada.


Aquilo parecia um filme de Spielberg com produção do Cecil B. DeMille. A
quantidade de holofotes brancos, vermelhos e azuis, os carros de bombeiro e
da polícia era cinematográfica. A primeira coisa que o Fiora fez foi pedir
para apagarem todas as luzes extras, sirenes e caceta a quatro e sumirem com
os carros de bombeiros e policiais.
- Parece coisa de português, Darwin.
- São portugueses, Fiora. (PRATA, 2008, p. 224).

Os detetives estão chegando à Ilha da Madeira na perseguição a um avião que


estaria levando o possível assassino. O narrador faz piada com portugueses, ironizando
a burrice e o exagero. Na mesma cena, três policiais portugueses entram no avião à
procura do assassino e novamente é feita uma piada:

Fioravanti deu a ordem para três policiais armados:


— Entrem com cuidado, porque a mulher está armada. E ela não tem
nada a perder.
Mas Pederneira [policial português] não entendeu:
— Não tem nada a perdeire, gajo? E o que poderia perdeire a essa hora da
madrugada numa pista de decolagem? (PRATA, 2008, p. 225).

A piada acima reforça a ironia feita aos portugueses, quando satiriza o fato da
personagem do policial português não compreender a frase ―Ela não tem nada a perder‖,
interpretando que no sentido denotativo, de perder coisas concretas, assim ela realmente
não teria nada a perder.
Sabemos também que um chiste pode ou não provocar riso ou sorriso,
dependendo da pessoa ou da cultura uma piada poderá ser considerada divertida ou até
imprópria. Nos livros de Mario Prata, o riso é apenas para os brasileiros.
59

2.3.3 A crônica
2.3.3.1 A crônica ficcional

Esse gênero de literatura ligado ao jornal está entre nós há mais de um século
e se aclimatou com tal naturalidade, que parece nosso. Despretensiosa,
próxima da conversa e da vida de todo dia, a crônica tem sido, salvo alguma
infidelidade mútua, companheira quase que diária do leitor brasileiro.
(ARRIGUCCI, 987, p. 51).

O termo crônica, do grego krónos, significa tempo, e do latim annu, ano e ânua,
anais. De acordo com Massaud Moisés, professor emérito da USP, em seu Dicionário
de termos literários:
o vocábulo crônica mudou de sentido ao longo dos séculos. Empregado
primeiramente no início da era cristã, designava uma lista ou relação de
acontecimentos, arrumados conforme a seqüência linear do tempo.
Colocando, assim, entre os simples anais e a História propriamente dita, a
crônica se limitava a registrar os eventos sem aprofundar-lhes as causas ou
dar-lhes qualquer interpretação. Em tal acepção a crônica atingiu o ápice na
alta Idade Média, ou seja, século XII. (MOISÉS, 2002, p. 132).

Nesse momento houve uma guinada para o lado mais histórico, em que se
distinguiam obras com predomínio de detalhes e pormenores, chamadas de ―crônicas‖, e
obras mais simples e impessoais, sem aprofundamento, chamadas de ―crônicas breves‖
ou ―cronicões‖. Foi a partir do Renascimento (século XIV) que o vocábulo ―crônica‖
passou a ser substituído por ―História‖.

Não por acaso a palavra crônica vem do latim chronica, que radica no grego
khronos, ―tempo‖, uma vez que é um texto destinado a registrar o tempo
histórico, o momento que passa, desde os cronicões medievais, de modo que
cronógrafo e historiógrafo se equivaliam: assim, o primeiro historiador em
língua portuguesa, Fernão Lopes, é conhecido como ―cronista‖; os reis, na
Idade Média, tinham o seu cronista-mor, que fixava as genealogias das
famílias nobres, da mesma forma que os grandes navegadores levavam em
suas viagens seus escrivães, com seus diários de viagem, verdadeiras
crônicas. Nunca é demais lembrar que o primeiro texto escrito sobre o Brasil
é de um cronista, Pero Vaz de Caminha, que, num misto de poeticidade e
referencialidade, informa ao rei de Portugal, na sua Carta, sobre as índias:
‗suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas que não havia,
nisso, nenhuma vergonha‘ (apud Abdala; Campiddelli, 1997, p. 10). Neste
trocadilho com a palavra ―vergonha‖, com o ludismo aí implícito, intui o
autor, a modo quase profético, o estilo descontraído que dominará o gênero
aqui no Brasil.‖(GOTTARDI, 2007, p. 11).

Como se pode perceber, a palavra crônica está diretamente ligada a noção de


tempo. A palavra crônica possui inúmeros significados, porém afirma Arrigucci (1987,
p. 51), ―todos, porém, implicam a noção de tempo‖.
60

O dicionário contemporâneo de língua portuguesa de Caldas Aulete, oferece


nove definições para o verbete crônica:

CRÔNICA: sf 1 Liter. Breve narrativa sobre temas cotidianos e atuais. 2


Jorn. Coluna ou seção em revista ou jornal, ger. assinada com comentários,
criticas, narrativas etc., sobre temas ou fatos momentosos de interesse diverso
(culturais, esportivos, políticos, sociais etc.) ger. a partir de noticiário. 3
Gênero ou categoria ou conjunto de textos ou matérias que se referem a tema
ou atividade de determinada especialidade (crônica esportiva, crônica
política) 4 Hist. Narração de fatos históricos em ordem cronológica (crônica
republicana) [+de: crônica do império brasileiro. O gênero evolui, de relato
verídico de eventos historicamente relevantes, a análise e comentários sobre
temas correntes e cotidianos da sociedade, como os sociais, políticos,
culturais, etc.] 5 Descrição da genealogia de uma família nobre, da vida de
um rei etc. 6 Liter. Narrativa com descrição de personagens e da evolução de
fatos e circunstâncias ao longo do tempo; ROMANCE: ―...leia a Crônica do
Condestabre ou a Crônica de Dom Pedro de Menezes.‖(Alberto da Costa e
Silva, As Caravelas na Senegâmbia) 7 Mid. Relato detalhado dos
acontecimentos de uma determinada situação ou evento: Encarregou-o de
fazer a crônica do jogo decisivo. 8 Pop. Conjunto de notícias ou boatos
referentes a certos boatos ou assuntos: É surpreendente a crônica de traições
do meio político. 9 Pop. Biografia escandalosa: sua crônica era conhecida por
toda a vizinhança. [F: Do gr. Chroniká, pelo lat. Chronica]. (AULETE, 2011,
p. 421).

Arrigucci (1987, p. 51) afirma que ―são vários os significados da palavra


crônica. Todos, porém, implicam a noção de tempo, presente no próprio termo, que
procede do grego chronos. Um leitor atual pode não se dar conta desse vínculo de
origem que faz dela uma forma do tempo e da memória, um meio de representação
temporal dos eventos passados, um registro da vida escoada.‖
Inicialmente o vocábulo crônica foi empregado no início da era cristã para
designar uma lista ou relação de acontecimentos, arrumados conforme a sequência
linear do tempo, limitando-se a registrar eventos, sem aprofundar-lhe as causas ou dar
grandes explicações. (MOISÉS, 2002, p. 131-132)
Com a atual significação a primeira crônica teria sido publicada no Jornal de
Débatis, Paris, em 1799, a crônica surge na forma de literatura produzida inicialmente
por poetas e ficcionistas, transformando fatos do dia a dia em fantasia:
Beneficiando-se da ampla difusão da imprensa, nessa época a crônica adere
ao jornal, como a sugerir, no registro do dia a dia, a remota significação de
ante-histórica do anuário. É em 1799 que o seu aparecimento ocorre, mercê
dos feuilletons dados à estampa por Julien-Louis Geoffroy no Journal de
Débats, que se publicava em Paris. Fazendo a crítica diária da atividade
dramática, este professor de retórica na verdade cultivava uma forma ainda
embrionária de crônica, evidente no fato de reunir os artigos em seis
volumes, sob o título de Cours de Littératura Dramatique (1819-1820).
(MOISÉS, 2003, p. 102).
61

Jorge de Sá (1987, p. 5) aponta como a primeira crônica brasileira a Carta de Pero


Vaz de Caminha, o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, que relata ao Rei D.
Manuel os acontecimentos da descoberta do Brasil.
Esse gênero passa, então, por diversas transformações ao longo dos séculos. O
termo crônica, na época de Caminha, está relacionado à narrativa de acontecimentos
históricos. Já na Idade Média e no Renascimento, passa a ser utilizado em toda a
Europa. No século XVIII, começa a ser substituído por história, parte do conhecimento
que registra os acontecimentos e sua interpretação. No Brasil e em Portugal, é a partir
do século XlX que a crônica passa a ter significação como texto literário.
Em se tratando de cronistas, de acordo com Jorge de Sá, uma figura se destaca
como precursor do gênero no Brasil: estamos nos referindo ao carioca João do Rio que,
no final do século XIX, não se contentava em ficar na redação do jornal esperando por
um fato que suscitasse uma boa crônica. Ele passou a sair pela cidade e a observar o
mundo que o cercava: as ruas movimentadas, os bares e a boemia, os morros etc. Nesses
lugares, passou a ter contato direto com a matéria de sua crônica: os detalhes do mundo
que não constava dos grandes noticiários e a vida das pessoas ―baixas‖. Seu papel foi
desvelar uma realidade encoberta pelo filtro da moral social, da elite nacional.
À João do Rio seguiram-se outros cronistas importantes, como Rubem Braga,
Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino. E mais
recentemente Carlos Heitor Cony, Moacyr Scliar e Luis Fernando Verissimo, entre
outros. Esses autores continuaram e ampliaram o uso peculiar e brasileiro desse gênero,
que também teve ícones como Machado de Assis e Olavo Bilac. As muitas facetas da
sociedade brasileira se apresentam nas diversas crônicas escritas por nossos autores.
Isso se torna possível tanto pelo talento próprio desses escritores como pela
versatilidade inerente à própria crônica.
Segundo muitos estudiosos, a crônica é um gênero bastante brasileiro, não
havendo similaridade em outros países, como ocorre com o conto, o romance ou o
poema. Em geral, e historicamente, sua predominância se dá nos jornais e revistas,
sendo posteriormente reunida em forma de coletâneas, por seus autores, num livro. Por
esse motivo, muitos cronistas também desempenharam um papel ligado ao jornalismo,
tendo surgido o termo ―narrador repórter‖ (SÁ, 2005, p. 7).
62

No Brasil ela tem uma boa história, e até se poderia dizer que sob vários
aspectos é um gênero brasileiro, pela naturalidade com que se aclimatou aqui
e a originalidade com que aqui se desenvolveu. Antes de ser crônica
propriamente dita foi ―folhetim‖, ou seja, um artigo de rodapé sobre as
questões do dia – políticas, sociais, artísticas, literárias. Assim eram as da
secção ―Ao correr da pena‖, título significativo e cuja sombra José de
Alencar escrevia semanalmente para o Correio Mercantil, de 1854 a 1855.
Aos poucos o ―folhetim‖ foi encurtando e ganhando certa gratuidade, certo ar
de quem está escrevendo a toa , sem dar muita importância. Depois, entrou
francamente pelo tom ligeiro e encolheu de tamanho, até chegar ao que é
hoje. (CÂNDIDO, 1992, p. 15).

Brito Broca faz um estudo intitulado “Crônica na atualidade literária francesa”


que foi publicado no suplemento Literário do Jornal O Estado de São Paulo em 13 de
setembro de 1958, neste artigo ele afirma:

No Brasil, apesar da influência francesa, sempre verificou-se uma tendência


contrária, e agora mais do que outrora, porque estamos criando uma nova
forma de crônica (ou dando erradamente esse rótulo a um gênero novo) que
nunca medrou na França. Crônica é para nós hoje, na maioria dos casos,
prosa poética, humor lírico, fantasia, etc. afastando-se do sentido de história,
de documento que lhe emprestam os franceses. Seria preciso descobrir um
termo mais adequado para classificar essas páginas que na categoria crônica
encontramos com frequência em nossos jornais e revistas. (BROCA, 1958, p.
9).

Arrigucci (1987) compartilha com a mesma ideia: no Brasil a crônica feita não é
igual à francesa, ela tem características próprias, peculiares:
Teve aqui um florescimento de fato surpreendente como forma peculiar, com
dimensão estética e relativa autonomia, a ponto de constituir um gênero
propriamente literário, muito próximo de certas modalidades da épica e às
vezes também da lírica, mas com uma histórica específica e bastante
expressiva no conjunto da produção literária brasileira, uma vez que dela
participaram grandes escritores, sem falar daqueles que ganharam fama
sendo sobretudo cronistas. (ARRIGUCCI, 1987, p. 53).

Aceitando a crônica como uma forma de expressão literária, cujo primeiro


suporte são o jornal e a revista, temos nela uma característica forte de hibridismo. Não
nos referimos apenas ao fato de haver a intersecção de elementos líricos, descritivos ou
argumentativos em textos narrativos, por exemplo, mas ao fato de a crônica poder ter
uma mistura tipológica que permita a ela assumir formas de alegoria, de entrevista, de
resenha, de confissão, de monólogo, de diálogo, entre outras, além de poder estruturar-
se em torno de personagens reais ou fictícios.
63

Essa profusão de formas dá a crônica uma mistura de sabores que permitem a ela
registrar os mais variados aspectos da cena brasileira. Aliada a isso, há a habilidade dos
escritores em utilizá-la, também, de um jeito bem-humorado na abordagem dos mais
variados assuntos e acontecimentos do cotidiano. Sua matéria é o fato pequeno que,
bem trabalhado, assume novas proporções no debate social.
Antônio Cândido, na obra Literatura e Sociedade, destaca a influência decisiva do
jornal sobre a literatura, criando gêneros novos, como a chamada crônica (CANDIDO,
2010, p. 43).
Assim, podemos afirmar que a crônica ocupa um espaço entre a poesia (lírica) e
o conto; estrutura-se por uma visão pessoal e subjetiva ante um fato qualquer do
cotidiano; acaba por estimular a veia poética do autor/prosador; abre margem para que
se revelem os dotes de contador de história dos cronistas; garante ao cronista o poder de
recriação da realidade sobre a mera transcrição desta; utiliza o humor como meio de
despertar o senso crítico no leitor; assume diferentes aspectos da linguagem, aderindo
ao coloquialismo, com a presença de elementos da oralidade, ou utilizando-se do
registro mais formal, como modo de valorização da própria forma escrita (cf. MOISÉS,
2002, e SÁ, 2005).
A crônica, produzida principalmente para veiculação na imprensa, tornou-se
uma seção da revista ou do jornal com uma finalidade própria, que é a utilidade
predeterminada de agradar aos leitores dentro de um mesmo espaço e localização, para
a familiaridade entre o escritor e o ledor. A crônica é um texto em prosa, aparentemente
despretensioso, mas sempre pontual, que retrata fatos corriqueiros, diários, até
considerados banais, sempre com um olhar muito pessoal do autor.
Com a aparência de um texto curto e narrado em primeira pessoa com o propósito
de afunilar o vínculo de seu autor e fazer com que o mesmo ―dialogue‖ com seu leitor,
apresentando uma visão mais pessoal do assunto, ou seja, a visão do cronista ao relatar
determinado tema, o cronista utiliza-se de fatos e acontecimentos diários, dando-lhes
um toque próprio, envolvendo fantasia, ficção e criticismo, marcas que diferenciam a
crônica do texto informativo dos repórteres.
Sendo assim, segundo Jorge de Sá, quando a crônica passa do jornal para o livro,
amplia-se a magicidade do texto, permitindo ao leitor dialogar com o cronista de forma
64

bem mais intensa, ambos agora mais cumplices no solitário ato de reinventar o mundo
pelas vias da literatura. (SÁ, 1987, p. 86)
Assim, a crônica de Mario Prata supera o limite de transitoriedade próprio do
jornal, ou seja, a crônica é recolhida em livro por possuir qualidades literárias que são
atribuídas a seus textos graças à sua capacidade de abordar de forma poética fatos
corriqueiros do cotidiano, narrando um fato do cotidiano das pessoas, algo que
naturalmente acontece com muitas pessoas, porém incrementado com um tom de ironia,
de bom humor, fazendo com que as pessoas vejam por outra ótica aquilo que parece
óbvio demais para ser observado.
Em entrevista a Paulo Lima, para a Radio TRip FM, Mario Prata é questionado
sobre a crônica, se ela é jornalismo com literatura, ou se é um filhote dos dois, se é uma
literatura menor, ou se é jornalismo maior, o que é a crônica afinal para ele, Prata
afirma:
A crônica é igual palavra cruzada, serve para divertir, a crônica é uma coisa
quase que brasileira, foi inventada em Portugal mas foi no Brasil que cresceu,
com uma força muito grande, nos anos 50 e 60. Nós tínhamos os maiores
cronistas do Brasil, e eu tinha sorte de garoto, ler todos eles: Fernando
Sabino, Rubem Braga, Millor Fernandes, Nelson Rodrigues. Tudo chegava
nas revistas e nos jornais quando eu morava lá em Lins, no interior, eu tenho
uma forte influência desse pessoal todo e hoje é difícil ter um cronista, tem
muito articulista, e eu sempre defino dizendo que a crônica é você
transformar o banal em arte, você partir do nada e transformar aquilo em algo
gostoso de ler (...)atualmente o melhor cronista para mim, bem distante do 2º
lugar é o Veríssimo, o Veríssimo é um cronista, não só um cronista, mas um
escritor importantíssimo. (PRATA, 2011, anexo no DVD).

Já Luis Fernando Veríssimo, no prefácio a obra de Mario Prata Cem melhores


crônicas, que na verdade são 129 afirma:

O Mario Prata é um dos melhores prospectores de graça do país. Em ver e


transmitir o que o brasileiro (para ficar só num exemplo especialmente
cômico da espécie) tem de engraçado ele é inigualável. Mais do que
ninguém, sabe chegar no humor que ninguém tinha notado, diferenciar o
urânio da areia e fazer a bomba na hora. Você que fala português já tinha se
dado conta de como nossa língua – sem falar na de Portugal- é gozada, ou
gozável, e de como estamos constantemente fazendo humor sem saber ao
usá-la? Nada mais corriqueiro e banal do que a língua que falamos, e Mario
Prata é mestre em nos mostrar as preciosidades com que lidamos todos os
dias, distraídos. (VERISSIMO apud PRATA, 2007, p. 9).

As crônicas de Mario Prata sobreviveram ao jornal e foram, ao longo de vários


anos, recolhidas em livros. Faz-se necessário, então, indagar sobre o porquê dessa
sobrevivência. Seria em decorrência do fato de elas possuírem qualidades literárias que
65

as posicionam como capazes de se comunicar com seus leitores, mesmo depois de


muito tempo de sua publicação? Ou apenas constituem coletâneas organizadas para a
venda?
A crônica é um tipo de texto narrativo que tem características próprias, abrange
de maneira geral experiências, vivências, situações do cotidiano ou pontos de vista do
autor.
Ficcional é aquilo que é fruto da invenção, da imaginação do autor. Não
ficcional é o que procura ser o mais fiel possível a realidade. Na obra de Mario Prata, as
crônicas são um misto de ficção e cotidiano. Prata consegue ―ficionalizar‖ situações,
mesclar situações, gerando em algumas situações dúvida com relação a veracidade ou
não dos fatos.
Mario Prata, em sua carreira afirma ter escrito mais de 3000 crônicas em 50 anos
de carreira (PRATA, 2014, site pessoal).
Como exemplo da crônica de Prata, selecionamos algumas que apontam
características da obra de Mario Prata como um mentiroso contumaz, ou melhor, um
ficcionalizador do real imprevisto no seu dia-a-dia.
Sá (1987, p. 59) afirma que ―procedimento – puramente ficcional- é transformar
aquilo que nos aconteceu em fato relacionado com outras pessoas. Ao inventar um
personagem, o cronista confere a marca de ficção a fatos e pessoas reais, sem esquecer
que esse ato de fingir é um meio de buscar as faces da realidade‖.
Prata é especialista nesta ficcionalização, bem como na visão irônica e
humorística do cotidiano, se inserindo neste contexto, se personificando nas crônicas,
satirizando-se a si próprio.
Antonio Candido no texto ―A Vida ao Rés-do-Chão‖, prefácio da coletânea Para
Gostar de Ler –volume 5 – Crônicas afirma:
A crônica não é um ‗gênero maior‘. Não se imagina uma literatura feita de
grandes cronistas, que lhe dessem o brilho universal dos grandes romancistas,
dramaturgos e poetas. Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um
cronista, por melhor que fosse. Portanto, parece mesmo que a crônica é um
gênero menor. ‗Graças a Deus‘, - seria o caso de dizer, porque sendo assim
ela fica perto de nós. (CANDIDO, 1980, p. 5).

Assim, a crônica é compreendida como um texto de importância literária como


todos os outros gêneros, uma vez que mesmo considerado ‗gênero menor‘ tem
66

declaradamente o gosto do público leitor, a porta de entrada para o mundo da literatura


em alguns casos.
Selecionamos quatro crônicas do autor Mario Prata, para observamos as
características intrínsecas a elas, que o configuram como um expoente do gênero na
literatura brasileira.

2.3.3.1.1 Crônica: “Olha eu aqui, mãe!”

A crônica ―Olha eu aqui, mãe!‖ foi publicada no jornal O Estado de São Paulo
em 20/10/2002 (Anexo 89) e também está reproduzida na coletânea Cem melhores
Crônicas, que na verdade são 129, compondo assim um dos textos que Mario Prata
considera um de seus mais importantes, uma vez que esta coletânea foi organizada por
ele próprio, organizando e selecionando. A crônica também aparece na coletânea 100
Crônicas: O Estado de São Paulo, sendo reconhecidamente um texto que é ‗do gosto‘
do leitor, como a maioria das crônicas que compõe esta coletânea organizada pelo jornal
O Estado de São Paulo. Diante da data do volume 100 Crônicas: O Estado de São
Paulo (1997), a crônica ―Olha eu aqui, mãe!‖ deve ter sido publicada em O Estado de
São Paulo entre 1993 e 1997, porém até o momento não a localizamos no acervo do
jornal.
Esta crônica tem características autobiográficas. Prata explora nesta crônica a
profissionalização de escritor, com ele e a mãe ficcionalizados, com a temática central
em torno da vida profissional de Prata.
Primeiramente, a profissionalização do escritor aparece em outras crônicas de
Mario Prata, sendo um tema recorrente em sua obra como na crônica ―Quem escreve as
bulas?‖ (O Estado de São Paulo, 30/03/1997) onde Prata começa falando que escreve
de tudo, menos bula: ―Quando me perguntam a profissão e eu digo que sou escritor,
logo vem outra em cima: de quê? De tudo minha senhora. De tudo, menos de bula.
Romance, teatro, televisão, crônicas, ensaios, tudo-tudo, menos bula!‖ (PRATA, 2007,
p. 27). Outra crônica onde Mario Prata explora lembranças dos jornais onde já trabalhou
relacionando com as gripes famosas de cada período é ―Espirrando a crônica‖ (O
Estado de São Paulo, 03/09/2003), ―A Empregada‖ (O Estado de São Paulo,
19/12/2001), onde o autor relata casos de diversas empregadas que já teve e encerra
67

afirmando ―No Imposto de Renda, já consta empregada doméstica como profissão. Já


escritor...Morro de inveja delas. São reconhecidas como trabalhadoras necessárias e
honestas.‖ (PRATA, 2007, p. 76). Na crônica ―Uma noite com Rubem Braga‖ (O
Estado de São Paulo, 01/09/1993), além de prestar homenagem e admiração à Braga e à
Samuel Wainer, Prata encerra a crônica com a frase ―PS.: Esqueci de dizer que o
Rubem Braga me disse que crônica é contar um caso e artigo é explicar o caso. E que
escrever é uma profissão como outra qualquer‖ (PRATA, 2007 , p. 159), seria a frase
que levaria com ele, como fã, que desde a adolescência conhecia aquele autor, das
antigas Cruzeiro e Manchete. Na crônica ―Segismundo Mendes, 41‖ (O Estado de São
Paulo, 28/05/2003) Prata faz referência à casa de sua infância, o título da crônica é o
endereço da mesma. Prata relembra fatos da infância na casa, e se refere a profissão:
―Quando eu comecei a escrever, imaginava que um dia poderia vir a ser um escritor
famoso, e tinha um sonho. Um dia alguém iria fazer uma grande matéria comigo, aquela
de várias páginas, com fotos da infância, do pai e da mãe e – é claro – uma foto da casa
da Segismundo Mendes, com legenda: aqui nasceu o escritor, etc., etc.‖ (PRATA, 2007,
p. 180)
Na crônica ―Olha eu aqui, mãe!‖, Prata lhe explica que começou a escrever na
revista feminina Criativa, e a mãe, morrendo de vergonha, ironizando o fato do filho
estar escrevendo em uma revista feminina, a ainda por cima na última página:

– Não, mãe, é séria. Feita de mulher para mulher.


– E você vai escrever aí? Na última página, ainda por cima? Por que não
deixam você escrever na primeira? Por que você não escreve no Cruzeiro?
Tão boa revista, meu filho. (PRATA, 2007, p. 81).

A mãe também ironiza o fato de Mario Prata estar escrevendo para o público
feminino:
– Não, mãe. Vou falar do meu ponto de vista sobre as mulheres.
– Meu filho, não faça isso. Você sabe muito bem que você não entende nada
de mulheres. Como marido foi um fracasso. Quantas mulheres você já teve,
menino? Nenhuma te aguentou. Volta para a Globo, meu filho. Vai escrever
novela, vai. Tão bonitas as suas novelinhas. (PRATA, 2007, p. 81).

A mãe faz uma trajetória da carreira do filho, sugerindo que ele volte para a
Globo, ou escreva para revistas mais conceituadas como a Cruzeiro, ou a Parati, ou
então para a Playboy:
68

– Vou falar sobre orgasmo múltiplo.


– Múltiplo? Meu filho, que vergonha. Se o seu pai sabe disso, te mata. E
a Parati, escreve para a Parati.
– Já fechou. mãe.
– E a Playboy? Por que você não escreve para a Playboy? Pelo menos na
cidade não vão comentar.
– O Nirlando Beirão está escrevendo lá.
– Meu filho, aquele barbudinho que casou com a sua mulher? Estou quase
chorando, meu filho. O primeiro marido na revista de mulher e o atual…
Você está me fazendo sofrer tanto. Sabe o que eu acho, que você está
escrevendo nessa revista para namorar as moças de lá. (PRATA, 2207, p. 81).

A mãe satiriza o filho também pelo fato do atual marido (Nirlando Beirão) de
sua ex-mulher Marta Góes estar trabalhando na Playboy, uma revista masculina, e ele
em uma revista feminina.
Faz também uma referência ao inicio da carreira do filho:
– Eu me lembro, quando você tinha 14 anos e começou a fazer coluna social
lá em Lins. Comentei com o seu pai: Isso não vai dar certo. Olha onde você
terminou.
– Mãe, eu estou feliz. Isso é uma conquista profissional. (PRATA, 2007, p.
82).

Prata deixa claro para a mãe, que mesmo ela considerando que não acabou bem,
a satisfação com a vida profissional é clara, e mostra o processo da escrita e da evolução
profissional do escritor e o status de escritor, seja de novela da Globo, seja de revista
feminina.
Prata continua a ideia desta crônica em ―Outra vez com mamãe‖, publicada no
livro 100 crônicas O Estado de São Paulo, onde eles dialogam sobre a profissão que os
filhos Antonio e Maria pretendem seguir, no encerramento da ligação surge o diálogo:
- Bem, mãe, vou desligar. Tenho que trabalhar.
- Seu pai está mandando um abraço. (ouço meu pai gritar ao fundo:
‗Estou nada. Não mando abraço prá filho que escreve em revista de mulher.‖)
. Então fica com Deus. (PRATA, 1997, p. 141).

2.3.3.1.2 Crônica: “Minhas Bunda”

A crônica ―Minhas Bunda‖ (Anexo 92) faz parte da coletânea As Cem Melhores
Crônicas Brasileiras, organizada por Joaquim Ferreira dos Santos. Originalmente foi
publicada no livro Minhas Tudo (2001, Editora Objetiva) e reeditado pela editora
Planeta em 2012.
69

A escolha desta crônica para esta pequena análise amostral da obra de Prata é
interessante por compor uma coletânea que faz um histórico da crônica brasileira, de
1850 a 2000, incluindo assim o autor Mario Prata no rol de autores consagrados no
gênero no país, que vai de autores como Machado de Assis, João do Rio e Lima Barreto
à Antonio Prata, novo expoente da crônica no país.
A crônica selecionada de Mario Prata aparece na coletânea no capítulo ―Os anos
1990 – a vida privada virou uma comédia‖, ao lado de escritores como Arthur Dapieve,
Carlos Heitor Cony, Ferreira Gullar, Ignácio de Loyola Brandão, Luis Fernando
Veríssimo, Marcos Rey, Otto Lara Rezende, Roberto Drummond e Zuenir Ventura.
A temática da ‗bunda‘ retorna no romance policial “Sete de Paus” (2008, p. 87-
89) como um capítulo do livro, reescrevendo sua própria crônica, agora contextualizada
em uma obra, como um romance policial, como o capítulo 8 do livro, com pequenas
modificações. A mesma ideia também aparece na crônica ―Já ouviu falar em Germano
Almeida?‖ (O Estado de São Paulo, 02/11/1994) que também compõe a coletânea 100
crônicas O Estado de São Paulo, comparando as bundas brasileiras as irmãs africanas,
que de acordo com Mario Prata é a origem de nossa brasilidade, como ele afirma no
início da crônica ―Minhas bunda‖:

Mas de onde veio a nossa bunda? Não das alvas portuguesas, muito menos
das esparramadas italianas e, menos ainda, das desbundadas japonesas. Muito
menos das amassadas índias. Sempre me intrigou essa tanjúrica pergunta.
Quem arrebitou com pincel de ouro, com formão de prata, a bundinha
brasileira? (PRATA, 2012, p. 91).

A principal diferença entre a revista Playboy americana e a Playboy brasileira


é a língua? Errado. É a Bunda. Na americana, temos seios, úberes,
verdadeiras tetas que mal cabem nas páginas duplas. Na nossa, temos bundas.
Bundinhas de penugem loira, bundinhas de contorno marrom, até bundinhas
cor-de-rosa. (PRATA, 2012, p. 91).

Prata discorre historicamente sobre o tráfico negreiro, e consequentemente sobre


a chegada ao Brasil do sêmen abençoado da genética das africanas:

Foi em Cabo Verde que surgiram as primeiras mulatas. Apesar de a palavra


‗mulata‘ ter origem espanhola, o conteúdo foi uma criação dos ingleses, dos
holandeses e dos franceses que por lá passaram desde o começo do século
XVI, com seus navios negreiros trazendo escravos para o Brasil (PRATA,
2012, p. 92).

Foi na mesma África que fomos buscar a sonoríssima e mais do que


adequada palavra ‗bunda‘. Diz a lenda que a origem estaria nas danças dos
africano. Ficavam as mulheres dançando no meio e o crioléu em volta,
70

batendo tambor e fazendo som com a boca: bun-da!, bun-da! Mas isso é
lenda. Na verdade, a palavra veio da língua quimbundo (quimbundo), da
palavra bunda (mbunda, tubundas, elebunda?), lá para os lados de Angola.
(PRATA, 2012, p. 93-94).

A crônica selecionada explora muito bem duas características do autor: a


desenvoltura para falar do tema sexualidade, e a facilidade com que explora histórias,
com que relata fatos cotidianos, envolvendo seu leitor.
A sexualidade está sempre presente na obra de Mario Prata, diversas de suas
crônicas apresentam a mesma temática sexual. Na coletânea de crônica Cem melhores
crônicas (que, na verdade, são 129), há um capítulo só para as crônicas com esta
temática, com a seguinte abertura:
E o mundo descobriu que o Sexo era melhor que comer maçãs no Éden (um
lugar com esse nome não podia dar certo). E começou a sacanagem.
(PRATA, 2207, p. 85).

Contam nesta coletânea 10 crônicas com a temática: ―Sexo, sexo e mais


sexo!!!‖(O Estado de São Paulo, 01/05/2002), ―Minha vizinha divina, maravilhosa‖ (O
Estado de São Paulo, 26/11/1995), ―Eu e o Doutor Bráulio‖ (Revista de Urologia,
1998), O Dedo (Revista de Urologia, 13/08/1999), ―Viagem ao Redor de um Joelho‖ (O
Estado de São Paulo, 01/08/1995), ―Você já fez sexo com um alicate‖ (O Estado de São
Paulo, 08/08/1995), ―Ponto de Vista Masculino‖ (O Estado de São Paulo, 16/09/1998),
―De como ficar sem culpa‖ (Revista Claúdia, 11/03/1996), ―De Homem prá homem‖
(Revista Playboy, 29/11/1999), ―Sapatinho Vermelho‖ (O Estado de São Paulo,
17/07/1993).
Além dessas, na coletânea de crônicas Minhas Tudo, diversos textos também
são sensualizados pelo autor, como exemplo a crônica ―Minhas joelho‖, onde Prata
explora a importância desta parte do corpo na atividade sexual:
Mas a dificuldade maior é para se fazer amor sem a colaboração total e
imprescindível do joelho. É uma relação difícil. Pode parecer bobagem, mas
para o ato sexual, o joelho é muito mais importante do que, por exemplo, o
pênis. [...] Mas eu dizia da importância do joelho no ato sexual. De joelhos,
por exemplo, nem pensar. Mesmo deitado, virado para cima, sem o joelho
você não faz nada. O joelho é quem comanda, quem faz as inflexões todas, é
ele quem dá a pressão, faz os movimentos, é ele quem dirige a ação. [...] O
joelho é responsável pelo ritmo. É o joelho que dá o tempo certo. E é nele
que você se apoia na hora do orgasmo final e grita. De dor. (PRATA, 2012,
p. 32-33).

Outro texto da coletânea Minhas Tudo é ―Minhas zona‖, onde Prata reflete
sobre a traição e sobre como sua geração convivia com o sexo:
71

A minha geração consegue (ainda, com certa culpa) diferenciar amor e sexo.
E as culpadas disso são as próprias meninas da minha adolescência, que não
deixavam nada. Pegar num peitinho (por cima da blusa de banlon) levava
meses, às vezes, anos. Todas eram virgens. Eu disse todas. Estamos no
começo dos anos 60. Ficava-se no portão da casa da namoradinha até as 10
da noite (quando o pai começava a tossir lá dentro) e depois um grupinho se
juntava numa esquina e ia para a zona, tirar aquele calor do corpo. (PRATA,
2012, p. 47).

Na mesma obra a crônica ―Minhas peito‖ mostra o olhar do brasileiro para os


seios, e aborda novamente a repressão sofrida na juventude, desta vez referindo-se ao
padres do colégio Salesiano, onde cursou o colegial:

Melhor que um peito, só dois. Mas ensinaram para a gente que é feio olhar
para o seio. Eu nunca entendia os padres. Eu olhava e achava aquilo bonito,
menino ainda. Mas os padres diziam que não podia olhar. Era pecado.
(PRATA, 2012, p. 130).

A crônica ―Minhas binóculo‖ (2012), da mesma coletânea, também selecionada


para a coletânea “Boa Companhia Crônicas”, organizada por Humberto Wernneck,
mostra o voyeurismo de Mario Prata, que ganha um binóculo de presente e começa a
observar a vida dos vizinhos: a empregada do oitavo andar com ―peitinhos razoáveis‖
(p. 190), a vizinha do décimo primeiro andar que só fica na piscina ―a mais gostosa é
mesmo a loiraça do décimo primeiro que só faz malhar. Casada – vejo daqui a aliança -,
está sempre com o desempregado do quinto, também de aliança.‖ (p. 190).
Estes trechos são apenas uma amostra do universo literário de Mario Prata, que
também se repete na televisão e no teatro. A peça teatral Papai e Mamãe conversando
sobre sexo (1984), escrita em parceira com Marta Suplicy, sexóloga, é um bom
exemplo disso.
A literatura não tem pretensão de fixar juízos ou valores, o certo ou o errado na
postura das pessoas, ela representa e explora as manifestações do humano, do escritor,
autor, que mostra em sua obra suas vivências, seus conceitos, suas angústias,
expectativas. Com relação a sexualidade, a literatura em inúmeras possibilidades nos
abre horizontes que desnudam, mostram o interior do homem, mesmo nos aspectos em
que o ser humano se esforça para esconder ou as vezes reluta para aceitar os estados de
sua natureza humana.
Prata teve uma vivência cultural e social que lhe deu uma visão da sexualidade
aberta (ou pelo menos que ele deseja que seja assim), e é no âmbito da cultura e da
72

história que se definem as identidades sociais (ai incluídas as identidades sexuais e de


gênero), as vivências repressivas da década de 60, a liberdade que a década de 70 trouxe
(mini-saia, anticoncepcional) abrindo as portas da sexualidade, constituindo uma visão
que é dividida, compartilhada com os leitores em sua literatura, em suas obras.

2.4 Premiações

O autor também é bastante reconhecido em sua carreira, tendo recebido


diversos prêmios: 2 prêmios em televisão, 7 prêmios em cinema, 8 prêmios em teatro, 5
prêmios em vídeo, conforme pode-se observar no Apêndice 3.
Nesta relação (retirada do site pessoal do autor www.marioprata.net) não consta
o primeiro prêmio recebido pelo autor no ano de 1967, na categoria Literatura, com o
texto O morto que morreu de rir13.
Todas as obras elencadas, bem como os prêmios, são o reconhecimento da
sociedade letrada pela carreira que Mario Prata conquistou e que gerou o corpus desta
pesquisa, na procura e coleta dos textos do pseudônimo Franco Abbiatti, nunca
pesquisados.
Estes textos contribuem para a pesquisa do início da carreira do autor e ressalta a
importância da historiografia literária, que resgata fontes dispersas para construir novo
sentidos ou para entender uma realidade do presente a partir de um olhar para o passado
que complementa e provoca nova geração de sentidos.
Em seu discurso, na ocasião em que recebeu o título de cidadão linense (Anexo
3), em 24 de setembro de 1993, Prata fala:

E, na frente da minha casa, um casarão. Lá dentro, A Gazeta de Lins. Eu, com


oito, nove anos, ficava lá na porta, vendo as rotativas rodando o grande
jornal. Acho que foi o destino quem colocou aquelas máquinas e aquela
redação na minha frente. Obrigado, Cecílio, por estar tão perto. (PRATA,
1993, p. 3).

Lins dos jornalistas. Cecilio Abrão e Alcyr Fernandes que me deram espaço
na Gazeta de Lins quando eu ainda tinha 14 anos e ainda escrevia quinse com
z. Que boa irresponsabilidade. (PRATA, 1993, p. 8).

13
Primeiro lugar no 1º Concurso Universitário de Contos da PUC. (PRATA, 1995, p. 215)
73

O próximo capítulo elenca o trabalho realizado nessas máquinas, naquela


pequena redação da cidade do interior.
74

CAPÍTULO III

O ACERVO
75

3.1 AUTORIAS EM DISCUSSÃO

Este capítulo visa fazer o levantamento das publicações do início da carreira do


escritor Mario Prata, em especial sua atuação junto à imprensa, particularmente no
Jornal A Gazeta de Lins. Neste veículo o escritor iniciou sua carreira, publicando seus
textos, em colunas sociais, sob o pseudônimo de Franco Abbiazzi.
As pesquisas aos arquivos do jornal A Gazeta de Lins na década de 1960 mostra
que os cronistas eram bastante comuns, bem como as colunas sociais. Há um grande rol
de nomes bastante grande de pessoas que contribuíram para o jornal durante a referida
década: Ubirajara Martins, Densdedith Alves Penha, Professor Joãozinho, Al Neto,
Orlando de Moraes, Baltazar Barreira, Carlos Xavier de Azevedo, Gastão Bittencourt, A
Pedro Leão, Laércio Barros, Professor Mario, Venâncio de Souza, F.A. Gomes Neto,
Humberto Perez, Dorian Jorge Freire, Leonesy Pontes, Dério Rodrigues Martins,
Francisco Valdomiro Lorez, Afonso Celso, Professor Wilson Toledo, Minako Goto,
Silvia Jatobá, Dr. Ary Alves de Souza, entre outros (referencia apenas a nomes da
década de 1960)
76

A coluna social do jornal A Gazeta de Lins era denominada de Crônica Social e


restringia-se a falar dos aniversários, casamentos e batizados, além de fazer a
divulgação dos filmes exibidos no cine São Salvador, como podemos ver na coluna
social de 11 de fevereiro de 1960, aniversário de Mario Prata:

Figura 22: Exemplo de Crônica social da década de 1960


Fonte: Jornal A Gazeta de Lins, 11 de fevereiro de 1960

Durante pesquisa realizada nos arquivos da Câmara Municipal da cidade de


Lins, instituição responsável pela guarda dos originais do Jornal A Gazeta de Lins, e
também entrevistas realizadas com o senhor ―Didu‖14, foram localizados diversos
textos, com o uso de pseudônimos distintos, porém todos no mesmo período (1963-
1964) em que Mario Prata colaborou no Jornal A Gazeta de Lins.

14
Carlos Eduardo Motta Carvalho, jornalista e proprietário do Jornal Correio de Lins. Didu nasceu em
São Paulo, em 14 de Dezembro de 1940 e viveu toda sua infância na Capital Paulista, até que em 1963
veio para o interior, mais exatamente para Lins com intuito de cursar faculdade de Odontologia, onde fez
grandes amizades. Em 1966 se forma Dentista e três anos após a formatura se casa com Irene Rodrigues
da Costa, sua colega de sala na Faculdade. O casal volta para a Capital onde exercem a profissão de
Dentista por mais de dez anos no bairro paulistano Brooklin. No ano 1979, com quatro filhos o casal
decide para Lins. Em 1983 Didu e Irene reativam o Jornal Correio de Lins, que havia sido o jornal de seu
sogro alguns anos atrás, se tornando assim o único jornal impresso da época, com o fim da A Gazeta de
Lins. Neste período de faculdade, Didu conviveu com o autor Mario Prata, e suas entrevistas,
depoimentos e memórias foram muito importantes na realização desta pesquisa.
77

Devo destacar o auxílio generoso que recebi de Didu, no trato com o acervo do
Jornal A Gazeta de Lins, na coleta de materiais e textos, sendo sua participação de suma
importância nesta pesquisa.
Didu é citado na obra James Lins, O Playboy Que Não Deu Certo, quando a
personagem principal (James), tem sua vida deflagrada, quando todos ficam sabendo do
crime que cometera (do qual é acusado), e também no final do livro, quando James Lins
se corresponde com Mario Prata (que se personifica na obra como colunista do jornal O
Estado de S. Paulo):

Em Lins, não se fala noutra coisa, fiquei pensando. O Correio de Lins, do


Didu, deve ter dado tudo na primeira página. O nome da família foi para o
brejo. (PRATA, 2003, p. 21).

Às oito da manhã a edição do Estadão já está esgotada nas bancas. O Didu,


do Correio de Lins, quer saber se você não pode mandar umas crônicas pro
jornal dele. (PRATA, 2003, p. 178).

Foram localizados textos assinados com cinco pseudônimos distintos, porém, de


acordo com depoimentos do senhor Didu, que conviveu com Mario Prata na época em
que ele escrevia no Jornal A Gazeta de Lins, ele trocou de pseudônimo algumas vezes,
pois, como as colunas faziam referência às moças da sociedade linense da época, em
algumas situações a família não gostava das colocações ou comentários feitos, e ele
acabava por trocar de pseudônimo.
Os textos localizados são um total de 109:
Tabela 1: Pseudônimos de colunistas sociais em A Gazeta de Lins em 1963 e 1964

Acervo Pseudônimo Período


19 textos ―Di Franco‖ Entre 01/01/1963 e 06/03/1963.
08 textos ―Franco Abbiati‖ Entre 03/06/1063 e 25/06/1963.
01 texto ―Ricardo Amaral‖ Dia 30/06/1963.
62 textos ―Newton‖ Entre 09/07/1063 e 01/05/1064.
19 textos ―Vicente Amêndola Neto‖ Entre 03/05/1964 e 12/07/1964.

O único pseudônimo que Mario Prata assume em sua biografia e em entrevistas


é Franco Abbiazzi. Assim, as pesquisas se iniciaram em busca deste pseudônimo, porém
foram localizados apenas oito textos, com a assinatura escrita de forma diferente: nos
78

dias três (03) e vinte (20) de junho de 1963 aparece assinado Franco Abiatti (usando
duas letras T), nas demais colunas nos dias nove (09), doze (12), treze (13), dezesseis
(16), vinte e três (23) e vinte e cinco (25) do mês de junho do ano de 1963 aparecem
assinados Franco Abbiati (usando duas letras B), e ambas diferentes da forma como o
autor se refere ao pseudônimo que usava na adolescência.
Tanto Mario Prata como o poeta Sérgio Antunes usam Franco Abbiazzi (usando
duas letras B e duas letras Z), diferente das formas escritas nos textos originais, como
podemos ver nos anexos (40 a 47). Na produção deste trabalho optamos pela grafia
Abbiati, que é recorrente em 6 das 8 colunas localizadas.
Foram localizados apenas 08 (oito) textos com autoria do pseudônimo Franco
Abbiati, o primeiro datado de 03 (três) de junho de 1963 e o último deles, datado de 25
(vinte e cinco) de junho de 1963.
Mario Prata se apresenta ao público na coluna ―Fragmentos Sociais‖ do dia 09
de junho de 1963 (Anexo 41):

Franco Abbiati se apresenta:


Bom domingo à todos.
Que Lins esteja sempre alerta no conhecimento dos principais fatos
de sua sociedade. (ABBIATI, 1963).

A coluna dura apenas o mês de junho de 1963, ele encerra a coluna social
―Fragmentos Sociais‖ do dia 25 de junho de 1963 (Anexo 47) anunciando uma eleição
dos ―mais mais‖ do momento na cidade de Lins:
No próximo domingo não deixem de ver o que escreverei, estou elegendo as
dez mais e os dez mais do semestre, e também, a mais simpática e outros
títulos, que são em número de 8 (oito). Esperem. (ABBIATI, 1963, p. 01).

Porém, após esta coluna o pseudônimo não aparece mais no jornal, sendo
aparentemente substituído por outro pseudônimo no mês seguinte.

Mello Nóbrega, em ocultação e disfarce de autoria, investiga o uso de


15
recursos para esconder a real origem de obras, nas artes em geral . Entre os

15
[Segundo Nóbrega, pseudônimo, na verdade, é uma denominação genérica utilizada para dizer de um
escritor que mascara seu nome, já que são várias as artimanhas que podem ser empregadas: Anonímia
(obra anônima), Apocrifia (nome ―suposto‖, ―duvidoso‖, ―falso‖), Estigmonímia (substituição do nome
por três pontos), Asteronímia (substituição por asterisco), Inicialismo (autoria com apenas as primeiras
letras), Criptonímia (disfarce com as iniciais ou permutações anagramáticas), Alonímia (uso de nome
diverso do verdadeiro), Heteronímia (uso de nome alheio para obra literária), Pseudonímia (nome
―falso‖ou ―suposto‖), Metonomásia (latinização e helenização do nome do autor), Aristonímia (nome
nobiliárquico no lugar do nome civil), Nome religioso (nomes inspirados na preferência devocional),
Nome arcádico (evocação pastoril), Axioxímia (uso do pronome de tratamento por demonstração de
79

escritores, lembra muitos casos; entre eles, Carlos Drummond de Andrade


que foi Antônio Crispim e Artur L. Gomes; Coelho Neto dissimulado em
Blanco Canabarro; o Visconde de Taunay como Heitor Malheiros; Prudente
de Morais, Neto como Pedro Dantas e Mário de Andrade como Mário Sobral.
Considera que eles fizeram uso da alonímia, denominação específica para a
situação em que o inventa um nome diverso do seu e com ele assina as obras.
Nóbrega aceita, todavia que o termo genérico ―pseudônimo‖ vigore no
cotidiano e julga que a ocultação e a máscara estão intimamente ligadas a
criação, por externarem intenções que, em determinados momentos não pode
vir a luz. (BATINI, 2011, p. 30).

A pesquisa iniciada resultou em apenas 8 (oito) textos com o pseudônimo


Franco Abbiati, o que deixava dúvidas com relação ao corpus da pesquisa e mesmo com
relação ao período de contribuição do autor para o Jornal A Gazeta de Lins.
As entrevistas realizadas com o senhor Didu, começaram a delinear novos
caminhos para a pesquisa e mostravam que Mario Prata colaborou durante um período
longo de sua adolescência/juventude para o jornal da cidade de Lins, onde residia,
utilizando-se de vários pseudônimos para produzir as colunas sociais:
Pratinha trocava de pseudônimo sempre. Conforme ele fazia uma matéria
sobre um baile, um evento, e aparecia uma fofoca sobre alguma moça da
sociedade da Linense que a família da moça não gostasse, ele logo trocava de
pseudônimo. Ele também não queria ser identificado como o autor das
colunas, então, quando começavam a surgir comentários e suspeitas sobre
ele, rapidamente surgia outro pseudônimo. (DIDU, 2013).

A dúvida em relação aos pseudônimos se esclarece com a leitura aprofundada da


obra do autor, que forneceu duas pistas importantes, assim, pode-se constatar que ele
assume dois dos pseudônimos acima descritos.
Na obra James Lins, O Playboy Que Não Deu Certo, Mario Prata cita a coluna
social de Mario Alberto, e faz referência aos ―Brotos do Ano‖:

Nicinha era Rodrigues da Cunha antes de se casar nos anos 60 com James e
virar Nicinha Soares. Os Rodrigues da Cunha eram uma das famílias mais
ricas de Lins. Grandes fazendeiros de café, quando o chão de Lins se cansou
mudaram-se para Londrina, no norte do Paraná, onde o chão virgem pedia a
rubiácea. Mas mantinham a casa e as fazendas em Lins. Era, a Nicinha,
digamos, da melhor sociedade linense. Sua mãe, dona Danuza, estava sempre
na lista das mais elegantes da região. E o pia, seu Gabriel, era conhecido
como o Rei da Zona. Nicinha era, e ainda é, uma bela mulher. Era um dos
‗Brotos do Ano‘, na coluna do Mário Alberto. Até hoje se comenta em Lins
que o primeiro golpe que James deu na vida foi este: o do baú. (PRATA,
2003, p. 48).

reverência ou cortesia), Prosonímia (nome de guerra, alcunha, apelido e hipocorístico ou nome afetivo) e
Nome literário (apesar de diverso do real, não tem poder de ocultar). MELLO NOBREGA, Humberto.
Ocultação e disfarce de autoria: do anonimato ao nome literário. Fortaleza, Edições Universidade Federal
do Ceará, 1981. In: BATINI, Rafael Antonio.]
80

Porém, na leitura dos jornais dos textos com o pseudônimo de Franco Abbiati
(esta será a grafia usada para escrever o pseudônimo, uma vez que é a forma assinada na
maioria das crônicas localizadas), não é encontrada nenhuma referência a esta ―eleição‖
das beldades linenses na década de 1960. Os ―Brotos do Ano‖ aparecem em duas
colunas, de outros dois pseudônimos:
Primeiro a coluna ―Gente & Notícias‖, com o pseudônimo de Di Franco,
podemos observar a coluna no anexo 21, edição 01 de janeiro de 1963.
Depois, a famosa eleição dos ―Brotos do Ano‖, também aparece na coluna
―Observatório‖, de outro pseudônimo de Mario Prata, Newton (que posteriormente ele
assume ser Mario Alberto) a eleição aparece na edição de 28 de novembro de 1963
(anexo 88).
No primeiro texto publicado com o pseudônimo de Newton, no Jornal A Gazeta
de Lins, no dia 09 de julho de 1963 (Anexo 49), na coluna intitulada ―Observatório de
Newton‖ localizamos o seguinte texto:

Com o desaparecimento de Ricardo Amaral e a viagem de Franco Abbiati,


procuraremos substituí-los no que estiver de nosso alcance, com esta coluna.
(NEWTON, 1963).

Porém, no dia 04 de agosto de 1963 (Anexo 55), Mario Alberto assume a autoria
da coluna ―Observatório‖, incluindo este pseudônimo, agora como uma certeza de
comparação e análise para com os demais.
Não há mais motivo para esconder-me sob o pseudônimo de NEWTON.
Afinal todos já sabem e é mesmo desnecessário. A partir de hoje o
OBSERVATÓRIO será assinado por MARIO ALBERTO. (MARIO
ALBERTO, 1963, p. 2).

Na única coluna localizada com o pseudônimo Ricardo Amaral no Jornal A


Gazeta de Lins datada de 30 de junho de 1963 (Anexo 48), o escritor justifica a escolha
do pseudônimo e faz referência a Di Franco, enviando inclusive um recado a ele na
coluna:

APRESENTAÇÃO:
Nesta apresentação devo explicar-lhes o motivo pelo qual escolhi
este pseudônimo ―Ricardo Amaral‖. Como vocês devem saber, um colunista
social é quase como um ―detetive‖ na sociedade. Diante disso, procurei os
diversos nomes dos detetives mais conhecidos, como Sherlock Holmes, O
81

Sombra, Nick Holmes, Shell Scott, Irving Le Roy e outros. Achei melhor
este que é Ricardo Amaral. Espero poder agradá-los.
Ao Di Franco
Corre por ai que você voltaria a escrever nas férias. Como êste meu
inicio coincidiu justamente com o das férias, peço-lhe que se comunique
comigo, trazendo bilhetes à esta redação, até as 12 horas e eu responderei
através de minha coluna. Muito apreciarei sua colaboração. (RICARDO
AMARAL, 1963, p. 2).

Outro pseudônimo que é dado como certo de autoria de Mario Prata é Di Franco,
como já foi apresentado, o pseudônimo Ricardo Amaral, em seu único texto, do dia 30
de junho de 1963 (Anexo 48) presta homenagem a Mario Alberto Prata, a quem se
refere intimamente como ―Pratinha‖, pelos serviços prestados a comunidade linense na
coluna social com o pseudônimo Di Franco. Aparentemente, Prata utilizou-se deste
pseudônimo uma única vez, entre Di Franco e Abbiati e Newton, talvez como forma de
despistar o público leitor da época. Ou estaria ele despistando novamente os leitores?
Repetindo a citação já exposta:

QUEM é Ricardo Amaral


Sim, vocês descobriram o Di Franco, descobriram o Franco Abbiatti, mas
descobrirão quem é Ricardo Amaral??? (AMARAL, 1963, p. 2).

O pseudônimo Newton ele assume publicamente na crônica ―O Lavoura


Fechou‖, publicada no Jornal O Estado de São Paulo, em 03 de dezembro de 2003
(Anexo 4):

Meu avô assinava o Lavoura, que chega depois do almoço, portanto já com
as notícias da manhã de Uberaba, Brasil, e do mundo. O vizinho do meu avô
era o Netinho, ou Ataliba Guaritá Neto, que fazia uma página inteira de
coluna social. A página se chamava Observatório de Galileu. E eu adorava,
ainda garoto, quando ele colocava meu nome lá. Pois o Netinho, falecido
recentemente, já velhinho, me influenciou tanto que eu comecei a escrever
uma coluna social n‘A Gazeta de Lins, aos 14 anos com o título Observatório
de Newton. É, foi assim que tudo começou. (PRATA, 2003).

Com esta citação incluímos Ricardo Amaral como um dos pseudônimos de


Mario Prata, sendo assim delimitado o corpus da pesquisa com oitenta e nove (89)
textos: dezenove (19) textos assinados por ―Di Franco‖ (sendo que 1 é de autoria de
Dionisius), oito (08) textos assinados por ―Franco Abbiati‖, um (01) texto assinado por
Ricardo Amaral e sessenta (62) textos assinados por ―Newton‖ e posteriormente ―Mario
Alberto‖
82

A coluna social do jornal mineiro Lavoura e Comércio (Uberaba), de 04 de abril


de 1978, dá a notícia da chegada de Mario Prata na cidade. É o Mario Prata, já famoso e
concedendo entrevista ao jornal na mesma página da coluna, aparecendo como
colunável.

Figura 23: Coluna Social Observatório de Galileu


Fonte: Lavoura e Comércio, 04 de abril de 1978. Disponível em: Biblioteca Nacional

Os únicos textos que serão descartados são os assinados por Vicente Amêndola
Neto, num total de dezenove (19) textos, por não ter sido encontrado na obra,
entrevistas e publicações do autor Mario Prata nenhuma referência ou indício sobre este
pseudônimo, e por que durante a pesquisa pudemos concluir que, Vicente Amêndola
Neto, foi uma figura pública real, que conviveu com Prata na época da adolescência e
juventude, não sendo portanto um dos pseudônimos utilizados.
Vicente Amêndola Neto nasceu na cidade de Guarda-Mór/Palestina no interior
de São Paulo e viveu em São José Rio Preto até sua morte. Foi advogado formado pela
INIRP no ano de 1970, poeta e escritor, e foi um dos nomes mais conhecidos da
advocacia em todo interior. Também foi vereador na cidade de São José do Rio Preto.
Colaborou em diversos jornais como o Diário da Região e Folha do Norte. Tem vários
83

livros publicados: Sentimentos Negros, de 1966; Poemas Escolhidos, de 1968; Poemas


Desgarrados, de 1970; Noites de Ronda, de 1985; Liras e Leros, de 1986; A Cor do
Silêncio, de 1996; Hábeas Corpus – Tráfico de Entorpecentes – Inconstitucionalidade
da Lei 8072, de 1996 e Princípio da Legalidade, de 2001. Escreveu também inúmeras
letras de músicas, com diversos parceiros, que foram gravadas e premiadas em vários
Festivais de Música pelo interior. Produziu também o primeiro filme da cidade de São
José do Rio Preto: A Trama de Sangue em 1969.
Aparentemente existia certa rivalidade entre Mario Alberto e Vicente Amêndola,
como podemos observar na coluna ―Observatório‖ do dia 10 de outubro de 1963, 13 de
outubro de 1963 e 05 de novembro de 1963 (Anexos 77, 78 e 85):
Fraquíssima a domingueira no Clube Linense. O conjunto inexplicavelmente
evaporou-se da cidade, ocorrendo então uma brincadeira com discos.
Somente alguns pares de namorados permaneceram no recinto ‗animados‘
por discos velhíssimos. Entre esses casais, que eram 18, contados um por um,
duas surpresas: A primeira, de Vicente Amêndola e Maria Lúcia dos Santos,
que depois de vários desentendimentos, resolveram apelar para o cúpido. E
em outra mesa, quase vizinha, Maristela Amaral, com Djalmas, seu
namorado, que para nó foi surpresa.
E por falar em Vicente, disse-me êle, que é o novo correspondente da ‗Última
Hora‘ em Lins. Esperamos que dure... (MARIO ALBERTO, 1963, p. 2).

Nota transcrita da coluna social de Bauru, no jornal ‗UH‘ - <Para Lins temos
a novidade do novo colunista do UH, por aquela cidade, trata-se do ex-
riopretense Vicente Amêndola, mais conhecido com Ki-Suco. Esse é o novo
fofoqueiro>.
Que é de Rio Preto, colunista da UH, fofoqueiro, nós já sabíamos. Mas o que
mais nos surpreendeu foi o ‗Ki-Suco‘... (MARIO ALBERTO, 1963, p. 5).

Em minha última coluna anunciei uma surpresa para o fim deste ano. Hoje
vou contar de que se trata. Observatório em dobradinha com Última Hora
elegerá os 10 brotos do ano. Isso deverá ocorrem em fins de novembro.
Adianto-lhes que 3 já tem sua posição garantida. Quem são elas?
Aguardem...
Nessa coligação estará representando o jornal UH o seu colunista Vicente
Amêndola que aliás deixará esta cargo nas férias, por motivo de viagem.
(MARIO ALBERTO, 1963, p.3).

Esta rivalidade é superada na idade adulta, quando Mario Prata lhe presta uma
homenagem escrevendo na contracapa de seu livro Liras & Leros de 1986:

Hoje, amadurecido, sua obra se torna mais notável, faz jús ao seu talento. Seu
trabalho é consciente. Não restringe e nem transgride. Poesia ágil, flexível,
abundante e rica. O jeito é todo seu. Estilo próprio, convincente, marcante e
forte. (PRATA, p.102, In: Amêndola Neto, 1986).
84

Sendo assim é oportuno analisar e aprofundar os estudos sobre a autoria de três


pseudônimos especificamente: Di Franco (18 textos), Franco Abbiati (8 textos), Ricardo
Amaral (1 texto) e Newton/Mario Alberto (62 textos).
Na coluna Observatório do dia 01 de dezembro de 1963 (Anexo 89) do jornal A
Gazeta de Lins, o pseudônimo Mario Alberto (assumidamente Mario Prata) afirma:

No dia 14 de dezembro, êste colunista completa um ano de jornalismo.


Durante este tempo, dois jornais na jogada: ‗A Gazeta de Lins‘ e ‗Última
Hora‘, de São Paulo. Neste Dia farei um retrospecto sobre o assunto.
(MARIO ALBERTO, 1963, p. 5).

Em entrevista realizada com o autor Mario Prata, na Feira Literária de


Votuporanga (FLIV), em maio de 2012, onde o autor participou da roda de conversa
―Literatura policial, Riso e Mistério‖, ele concedeu entrevista a esta pesquisadora no
encerramento da roda de conversa, no Espaço Prosa. A entrevista foi realizada nas
dependências do Ville Hotel, na cidade de Votuporanga.
A introdução da entrevista não foi gravada, pois caminhávamos pelos corredores
do Ville Hotel, a caminho dos apartamentos, onde Mario iria acomodar seus pertences,
uma vez que estávamos chegando do evento (roda de conversa realizada na Fliv) e após
a mesma fomos a um jantar com a equipe organizadora do evento.
No início da conversa, falamos de Lins (SP), dos textos que o autor produzia na
adolescência para o Jornal A Gazeta de Lins usando o pseudônimo de Franco Abbiati
(década de 60) e de como ele enveredou para os caminhos da literatura. Mario Prata
relata que os textos que ele escrevia ―não tiveram importância literária‖, sendo apenas
uma coluna social, onde o autor usava o espaço prá ―xavecar‖ as menininhas, ―os brotos
da época‖. De acordo com Mario Prata, estes textos tiveram importância em sua carreira
no momento em que favoreceram sua entrada para o Jornal Última Hora.
Prata relata que em 1962 ocorreu um assassinato em Lins e vários representantes
dos jornais da região se locomoveram até a cidade para cobrir esta notícia. Na ocasião,
Mario Prata era colunista do Jornal A Gazeta de Lins e se apresentou como jornalista
local, oferecendo o telefone de sua residência (seu pai era médico e tinha linha
telefônica, o que era uma raridade na época) para o jornalista do jornal Última Hora. A
partir disso, ele foi convidado para participar como colaborador no jornal da cidade
grande.
85

MARIO PRATA: E ai, os caras queriam/tinham passar a matéria por telefone


prá sucursal de Bauru, e telefone naquela época era difícil, ai eu falei: ó, meu,
se você quiser tem telefone lá em casa, eu sou do jornal daqui.
KARINA: rsrsr
MARIO PRATA: O cara foi lá prá minha casa, ligou prá Bauru e passou a
matéria, e... ai ele falou prá mim, você não quer ser correspondente aqui de
Lins e região?
KARINA: No Jornal A Última Hora?
MARIO PRATA: Prá Última Hora. Ai eu comecei a fazer minha coluna no
Última Hora, só que na Última Hora eu comecei...além de fazer colunas, eu
mandava noticias... (PRATA, GOMES, 2012, entrevista anexa DVD).

Os textos assinados por Newton, Franco Abbiati, Ricardo Amaral e Di Franco


demonstram a importância e relevância que estes primeiros textos tiveram na formação
do escritor Mario Prata que, partindo destes escritos se destaca hoje como um dos
grandes cronistas da atualidade. Prata teve acesso a grandes nomes da época, acesso a
informações e condições de se expressar em jornais de grande circulação, a partir de sua
atuação no Jornal A Gazeta de Lins e posteriormente no Última Hora,
Através de leituras e estudos da obra de Mario Prata, entrevistas com pessoas
que conviveram com ele e com o próprio autor é possível atribuir a autoria dos textos ao
autor, como foi apresentado neste capítulo, dos pseudônimos Di Franco, Franco
Abbiati, Ricardo Amaral e Newton.
Franco Abbiati é o único pseudônimo que Mario Prata assume publicamente
desde o inicio de sua carreira como escritor, em livros, entrevistas e em seu site pessoal,
como vimos no primeiro capítulo, ou como afirma Sergio Antunes na contracapa do
livro Filho é Bom Mas dura Muito, de Mario Prata:
Mario Prata será um grande escritor. É o que dizia dona Clara, clarividente
professora do Grupo Escolar. Inventou de fazer um jornal da classe e ele
virou redator. Depois o padre Pedro, professor de Português do Salesiano,
que achava a mesma coisa. Ou o Cecílio Abrão, da Gazeta de Lins, que
deixava ele escrever a coluna social com o ridículo nome de Franco
Abbiazzi. Tinha o quê? Uns 14 anos, voz de taquara rachada e aparelho nos
dentes. (ANTUNES, in PRATA, 1995, p.222).

Primeiro é preciso observar a relevância que estas colunas tiveram em sua


formação como colunista, desde o convívio no meio jornalístico, nas máquinas, no dia a
dia da redação do jornal, até sua formação pessoal como leitor e observador, que se
torna característica de suas crônicas da idade adulta, sendo assim, é possível contestar o
86

escritor quando ele afirma ―que as crônicas não tiveram importância literária‖, pois foi
através destes textos que ele se tornou o escritor atual.
Em entrevista concedida a Kathlen Nobrega no ano de 2012 quando
questionado sobre o porquê do uso do pseudônimo, Prata afirma:
Porque se eu fosse escrever com meu nome meu pai e minha mãe iam encher
o saco (rs). Eles não sabiam, ninguém sabia que era eu, ai com 16 anos não,
ai eu comecei a assinar Mario Alberto e tinha uma coluna na Última Hora‖
(PRATA, 2012, entrevista anexa DVD).

Com definição dos pseudônimos, é possível fixar as autorias das colunas sociais
localizadas, organizando a primeira parte da fortuna crítica do autor: as publicações no
periódico A Gazeta de Lins.

3.2 – AUTORIAS FIXADAS

O principal legado de um escritor é a sua obra.


Para realizar uma criação estética, todo criador
serve-se de uma gama de referências que o
constituem enquanto artista e ser no mundo, sua
experiência de vida, seu olhar sobre a
humanidade, suas leituras, seu lugar num
determinado momento histórico.
ORNELLAS, 2012

Tendo em vista os estudos realizados foi organizado um quadro cronológico,


com a autoria de cada coluna localizada por data, visando facilitar a visualização e
localização da mesma, bem como definir claramente a autoria.
No total, até o momento, temos a catalogação de 90 textos. O corpus da pesquisa
fica definido assim em 89 textos, uma vez que o texto do dia 03 de fevereiro de 1963,
quando Di Franco se afasta da coluna ―Gente & Notícias‖ por um dia e o pseudônimo
Dionisius assume a autoria da coluna, porém, não é Mario Prata quem a escreve, seria
algum colaborador momentâneo do jornal, que apenas ―cobriu‖ o colega na ausência,
sem prejudicar, ou mesmo requerer a autoria.
Tabela 2:Colunas de Mario Prata com os pseudônimos utilizados
ANEXO PSEUDÔNIMO DATA COLUNA
21 Di Franco 01/01/1963 Gente & Notícias
22 Di Franco 06/01/1963 Gente & Notícias
23 Di Franco 13/01/1963 Gente & Notícias
87

24 Di Franco 20/01/1963 Gente & Notícias


25 Di Franco 22/01/1963 Gente & Notícias
26 Di Franco 27/01/1963 Gente & Notícias
27 Dionisius 03/02/1963 Gente & Notícias
28 Di Franco 08/02/1963 Gente & Notícias
29 Di Franco 10/02/1963 Gente & Notícias
30 Di Franco 12/02/1963 Gente & Notícias
31 Di Franco 15/02/1963 Gente & Notícias
32 Di Franco 19/02/1963 Gente & Notícias
33 Di Franco 20/02/1963 Gente & Notícias
34 Di Franco 21/02/1963 Gente & Notícias
35 Di Franco 24/02/1963 Gente & Notícias
36 Di Franco 01/03/1963 Gente & Notícias
37 Di Franco 03/03/1963 Gente & Notícias
38 Di Franco 05/03/1963 Gente & Notícias
39 Di Franco 06/03/1963 Gente & Notícias
40 Franco Abiatti 03/06/1963 Fragmentos Sociais
41 Franco Abbiati 09/06/1963 Fragmentos Sociais
42 Franco Abbiati 12/06/1963 Fragmentos Sociais
43 Franco Abbiati 13/06/1963 Fragmentos Sociais
44 Franco Abbiati 16/06/1063 Fragmentos Sociais
45 Franco Abiatti 20/06/1963 Fragmentos Sociais
46 Franco Abbiati 23/06/1963 Fragmentos Sociais
47 Franco Abbiati 25/06/1963 Fragmentos Sociais
48 Ricardo Amaral 30/06/1963 Coluna Social
49 Newton 09/07/1963 Observatório
50 Newton 14/07/1963 Observatório
51 Newton 18/07/1963 Observatório
52 Newton 23/07/1963 Observatório
53 Newton 25/07/1963 Observatório
54 Newton 28/07/1963 Observatório
55 Mario Alberto 04/08/1963 Observatório
56 Mario Alberto 08/08/1963 Observatório
57 Mario Alberto 11/08/1963 Observatório
58 Mario Alberto 15/08/1963 Observatório
59 Mario Alberto 18/08/1963 Observatório
60 Mario Alberto 20/08/1963 Observatório
61 Mario Alberto 22/08/1963 Observatório
62 Mario Alberto 25/08/1963 Observatório
63 Mario Alberto 28/08/1963 Observatório
64 Mario Alberto 31/08/1963 Observatório
65 Mario Alberto 01/09/1963 Observatório
66 Mario Alberto 05/09/1963 Observatório
67 Mario Alberto 07/09/1963 Observatório
68 Mario Alberto 11/09/1963 Observatório
69 Mario Alberto 12/09/1963 Observatório
88

70 Mario Alberto 15/09/1963 Observatório


71 Mario Alberto 17/09/1963 Observatório (Página 1)
72 Mario Alberto 17/09/1963 Observatório (Página 3)
73 Mario Alberto 21/09/1963 Observatório
74 Mario Alberto 24/09/1963 Observatório
75 Mario Alberto 29/09/1963 Observatório
76 Mario Alberto 01/10/1963 Observatório
77 Mario Alberto 10/10/1963 Observatório
78 Mario Alberto 13/10/1963 Observatório
79 Mario Alberto 17/10/1963 Observatório
80 Mario Alberto 20/10/1963 Observatório
81 Mario Alberto 22/10/1963 Observatório
82 Mario Alberto 25/10/1963 Observatório
83 Mario Alberto 27/10/1963 Observatório
84 Mario Alberto 31/10/1963 Observatório
85 Mario Alberto 05/11/1963 Observatório
86 Mario Alberto 08/11/1963 Observatório
87 Mario Alberto 12/11/1963 Observatório
88 Mario Alberto 28/11/1963 Observatório
89 Mario Alberto 01/12/1963 Observatório
90 Mario Alberto 05/12/1963 Observatório
91 Mario Alberto 08/12/1963 Observatório
92 Mario Alberto 11/12/1963 Observatório
93 Mario Alberto 14/12/1963 Observatório
94 Mario Alberto 15/12/1963 Observatório
95 Mario Alberto 05/03/1964 Observatório
96 Mario Alberto 08/03/1964 Observatório
97 Mario Alberto 12/03/1964 Observatório
98 Mario Alberto 15/03/1964 Observatório
99 Mario Alberto 19/03/1964 Observatório
100 Mario Alberto 26/03/1964 Observatório
101 Mario Alberto 31/03/1964 Observatório
102 Mario Alberto 02/04/1964 Observatório
103 Mario Alberto 05/04/1964 Observatório
104 Mario Alberto 09/04/1964 Observatório
105 Mario Alberto 12/04/1964 Observatório
106 Mario Alberto 16/04/1964 Observatório
107 Mario Alberto 24/04/1964 Observatório
108 Mario Alberto 26/04/1964 Observatório
109 Mario Alberto 29/04/1964 Observatório
110 Mario Alberto 01/05/1964 Observatório

Os pseudônimos e toda forma de disfarce sempre acompanharam a história da


literatura, marcando o trabalho de escritores dos mais variados gêneros. As razões que
levam um escritor a se esconder por detrás da máscara de um outro nome são as mais
89

diversas possíveis: vão desde o anonimato debochado até a clandestinidade da escrita


política e de contestação.
Na literatura brasileira, a utilização de pseudônimos foi bastante comum, sendo
famoso o caso das cartas de Critilo para Doroteu (Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio
Manuel da Costa), tão bem trabalhadas na obra ―As Cartas Chilenas‖, de M. Rodrigues
Lapa. Vários escritores brasileiros se utilizaram de pseudônimos: José de Alencar,
Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Nélson Rodrigues, Rachel de
Queiroz, Clarice Lispector.
É importante não confundir pseudônimo com heterônimo. Pseudônimo (do
grego "pseudónymos") é um nome falso, sob o qual alguém se oculta por uma
circunstância qualquer; é um autor fictício (ou pseudoautor). O heterônimo vai além: é
um outro nome, uma outra personalidade, uma outra individualidade, diferente,
portanto, do criador, ou seja, o autor assume outras personalidades como se fossem
pessoas reais. O criador do heterônimo é chamado de "ortônimo".

Diz-se de autor que assina suas obras com um nome que não é o seu, com a
intenção de ocultar o nome verdadeiro. (AULETE, 2011, p. 1125).

Mario Prata, em sua adolescência, faz uso dos pseudônimos para despistar os
próprios colegas, amigos e pessoas de sua convivência, uma vez que precisava
continuar ―oculto‖ para ter acesso as informações, aos flertes, as paqueras, as fofocas
mais importantes, e se sua identidade fosse ―desvendada‖ as coisas não aconteceriam
mais ―debaixo de seus olhos‖ dificultando assim o trabalho de colunista social, crítico,
moralista, já ficcionista, critico dos costumes da década de 60 que vivenciou com tanta
intensidade.
Mario Prata afirma em conversa através da ferramenta Skype que contribui
antes para o jornal A Gazeta de Lins, possivelmente dentro da coluna de Alcyr
Fernandes, porém estes textos não foram localizados.

3.3 A COLUNA SOCIAL

O colunismo, ou crônica social, pode ser definido como um gênero que faz parte
do jornalismo, pois trazem fatos, eventos de forma noticiosa, sendo assim, uma notícia.
90

A relevância da notícia será dada tanto pela pessoa que é noticiada, quanto pela pessoa
que lê e que dá importância ao fato lido. Atualmente, a coluna social não ocupa o
espaço só do jornal, mas também em revistas, televisão e internet.
Do ponto de vista da definição, parte-se do conceito comunicacional mais
simplificado oferecido pelo Dicionário de Comunicação (2001) onde têm-se
que coluna é a seção especializada de jornal ou revista, publicada com
regularidade, redigida em estilo mais livre e pessoal e geralmente assinada.
Já no livro de Luiz Amaral (2001), coluna seria, então, um espaço
institucional no qual a empresa utilizaria como serviço de relações públicas
para relacionar-se com seu público alvo e seus anunciantes. Unindo estas
duas acepções, pode-se dizer que coluna é um espaço diferenciado na
estrutura formativa dos periódicos que define um estilo e uma opinião, seja
ela de quem a assina ou do veículo (embora, na maioria das vezes, elas sejam
concomitantes). Tanto é verdade, que a definição mais usual de colunista
remete à questão do comentário fixo: por colunista, comentarista, cronista
ou crítico de jornal, revista, etc. entende-se aquele que mantém seção acerca
de política, arte, literatura, vida social e etc .Deste modo, a coluna tanto
pode ser entendida como um espaço de organização do que não é notícia,
pois se mantém por comentários e opiniões acerca de temas e assuntos
diversos como também por uma estrutura formativa de espaço definido no
periódico e no interior da página do mesmo periódico. Compreendida desta
forma, pode-se entender como coluna social, o espaço definido no periódico
nos quais tratam-se os assuntos que não são notícia, mas que se referem a
ações e repercussões de determinados acontecimentos na sociedade.Diante do
exposto, define-se por coluna social um gênero jornalístico, que se pauta por
notas curtas baseadas nos acontecimentos reais que podem apresentar
notícias, comentários e/ou relatos sobre fatos e pessoas de um mundo real.
(COSTA, 2011, p. 6-7).

De acordo com Isabel Travancas (2001), a coluna social de Ibrahim Sued pode
ser analisada como um gênero de texto jornalístico, pois tem todas as características de
texto que uma crônica deve ter, de acordo com a definição do Dicionário Aurélio (2008,
p. 277): ―Conjunto de notícias que circulam sobre pessoas: a crônica mundana. / Seção
de um jornal em que são comentados os fatos, as notícias do dia: crônica política,
teatral. / Gênero literário que consiste na apreciação pessoal dos fatos da vida
cotidiana.‖
―No Brasil, João do Rio é considerado o introdutor da crônica social, uma
simbiose entre o jornalismo e a literatura...registrava as pessoas que eram respeitadas e
admiradas por sua classe social, por suas realizações e influência.‖(2010, p. 34). É o que
afirma Paula Francineti da Silva em sua tese A Coluna Social Como Gênero de
Fofoca.

A notícia em pequenas notas caracterizou por muito tempo as colunas


chamadas de sociais. Seu auge foi durante a década de 1950, durante o
governo de Juscelino Kubitscheck. O período de euforia desenvolvimentista,
estimulado por slogans como 50 anos em 5!, o estímulo às importações e a
91

chegada das multinacionais fizeram muita gente acreditar que O Brasil se


tornaria um país desenvolvido como as grandes potências da época. Durante
este período, surgem as primeiras tentativas relevantes de modernização no
jornalismo brasileiro. Dos Estados Unidos, os jornais adaptam as técnicas do
lide e da pirâmide invertida. Segundo Ana Paula Goulart, o colunismo
durante estes anos representou um verdadeiro movimento contrário frente às
novas técnicas de padronização e impessoalização do texto noticioso,
calcadas na objetividade, que buscava a construção do anonimato do redator.
Nas colunas, o espaço enunciativo produzia efeito inverso, favorecendo a
subjetividade e fortalecendo o nome de seus titulares. Enquanto velhos
homens de imprensa eram substituídos por jovens acostumados à nova ordem
do lide e sublide, os colunistas consolidavam seu prestígio. Havia agora todo
um mundo festivo, de recepções, coquetéis, bailes e afins para noticiar. Foi o
apogeu das colunas sociais, representado por nomes como Ibrahim Sued e
Jacinto de Thormes, ditando as tendências no comportamento e na
linguagem. Pessoas ricas e da chamada high-society eram elevados à
categoria de estrelas. Festas suntuosas eram descritas em mínimos detalhes,
do canapé à decoração; e as colunas ainda arbitravam a elegância de seus
personagens, tornando famosas as listas anuais dos dez mais elegantes, os dez
mais chiques etc. As colunas sociais influenciavam até outros colunistas que
a princípio, não cobriam aquele mundo festivo, como o jornalista Sérgio
Porto, pegando carona no sucesso das ―dez mais bem vestidas‖ de Ibrahim
Sued para criar sua lista das ―dez mais bem despidas‖, que depois se
tornariam as ―certinhas do Lalau‖, uma referência ao seu pseudônimo,
Stanislaw Ponte Preta. (SOUZA, 2005, p. 2-3).

Os jornais na época (1950-1960) dependiam do governo. Com as mudanças


trazidas pela industrialização, as propagandas também começaram a influenciar a
sociedade e refletiram nas colunas que indiretamente, anunciavam produtos, fazendo
com que a tiragem dos jornais aumentassem.
Durante a ditadura militar, o colunismo social começa a se politizar: o
jornalista Ibrahim Sued, que possuía ligações com setores ligados ao regime,
publicava pequenas notas em sua coluna sobre o que acontecia nos bastidores
do governo. Assim, enquanto a imprensa era submetida à censura prévia, o
leitor ficava sabendo, ainda que a contagotas, do que se passava. (SOUZA,
2005, p. 4).

Assim, a leitura das colunas sociais passa a ser um hábito, não só daqueles que
se interessam pela ―vida alheia‖, ou pelas ―festas e eventos‖, uma vez que essas colunas
passam a ter um conteúdo bastante diverso, que interessa a todo tipo de público.

Colunistas, não só aqueles que se ocupavam das colunas sociais, mais


também de outros assuntos, eram presença certa em todos os grandes jornais
brasileiros nas décadas de 50 e 60. O desenvolvimento do colunismo no
Brasil deve-se, em parte, ao jornalista Samuel Wainer, e suas inovações com
o jornal Última Hora. Segundo a pesquisadora Dislane Zerbinatti Moraes,
Wainer teve dificuldades de recrutar jornalistas à época da criação do jornal,
em 1951, logo após a volta de Getúlio Vargas ao poder. Muitos jornalistas
que haviam sofrido perseguições durante o Estado Novo se recusaram a
integrar a redação, com receio de serem identificados ideologicamente com o
ex-ditador. A solução, encontrada por Wainer, foi oferecer a esses jornalistas
92

colunas opinadas, como já fazia o Diário Carioca, nas quais teriam liberdade
de opinar. (SOUZA, 2007, p. 3).

No ano de 1945, Manuel Antonio Bernardez Müller, popularmente conhecido


como Maneco Müller, usando o pseudônimo de Jacinto de Thormes, começa a escrever
a primeira coluna moderna no Brasil, na imprensa carioca, influenciado pelo colunismo
social dos jornais norte-americanos.
Nos anos 50, a função histórica desse gênero jornalístico era de assinalar a
chegada à coalisão dominante no Brasil de setores ponderáveis da burguesia
industrial e mercantil, que depois da Segunda Grande Guerra foi aos poucos
tomando o lugar da classe agrário-exportadora. A temperatura ideológica da
coluna, ou seja, aquilo que constituía o ‗tom‘ jornalístico da visibilidade
social da nova fração de classe no poder, consistia na celebração de sinais
exteriores de consumo de luxo. (PAIVA, 2011, p. 25).

Até então, as colunas sociais relatavam apenas eventos como festas de


aniversário, casamento, batizados, jantares, festas sociais diversas. Maneco Müller
incorporou às notas sociais detalhes que enriqueciam a coluna: decoração das festas e
eventos, roupas e fofocas dos presentes e seus acompanhantes, curiosidades gerais sobre
o local, sempre com um toque pessoal e a opinião do colunista.

Nos anos 1960, um colunista que já havia se inspirado em Jacinto iria utilizar
sua coluna para satirizar o regime militar: Sérgio Porto, através de seu
pseudônimo Stanislaw Ponte Preta. Stanislaw usaria a coluna ‗Fofocalizando‘
para, ainda na Última Hora, ridicularizar, ao estilo das notas curtas da coluna
social, as frases de louvor à ―revolução‖ de 1964 e os discursos das
autoridades militares (rebatizadas de ‗otoridades‘ em seu discurso) do novo
regime. Seu estilo, irônico, mordaz, sem tomar partido do discurso ideológico
da esquerda ou direita, ressaltava o humor para ridicularizar os novos tempos,
e que culminaria nos livros intitulados Febeapá – festival de besteiras que
assolam o país. (SOUZA, 2007, p.4).

As colunas de Ibraim Sued e de Maneco Muller, inspiradas nas gossip columns


norte americanas, típicas colunas sociais brasileiras eram modelos nas revistas
Manchete e O Cruzeiro, que eram as leituras de referência de Mario Prata na juventude
linense.

As listas das ―Dez Mais do Ano‖, publicadas nos jornais e, principalmente,


em revistas como a Manchete, do ―Grupo Bloch‖ – revolucionários na
apresentação gráfica das revistas brasileiras –, era um grande exemplo das
adaptações empreendidas por ―Maneco‖ das listas norte-americanas.
(MARIA, 2008, p. 7).
93

Jacinto de Thormes, ―As Dez Mais‖ – Os Melhores do Ano Revista


Manchete, lista publicada na mais famosa revista da década de 1960, mostra
o poder conquistado por esse colunista. Essas listas eram apresentadas em
diversos meios de comunicação.
(MARIA, 2008, p. 7).

Opinativo e claramente subjetivo, entendemos o colunismo social como gênero


jornalístico que melhor se adaptou às condições brasileiras, sendo prática comum ainda
hoje em grande número de jornais brasileiros.
Os textos coletados no jornal A Gazeta de Lins nas colunas ―Gente & Notícias‖,
de autoria do pseudônimo Di Franco, ―Fragmentos Sociais‖, de autoria do pseudônimo
Franco Abbiati, ―Coluna Social‖, de autoria do pseudônimo Ricardo Amaral e na coluna
―Observatório‖, de autoria do pseudônimo Newton e posteriormente Mario Alberto,
todas, como observamos nos capítulos anteriores, de autoria de Mario Prata, já são
textos com características de crônicas, com as típicas características de colunas sociais
da década de 60, e sua relevada importância se mostra no momento em que Mario Prata
tem acesso ao mundo da escrita, dos jornais e da sociedade letrada de forma geral. Esse
material evidência a grande influência que os cronistas da época, presentes nas revistas
Manchete e O Cruzeiro, tiveram na formação do escritor e do cronista Mario Prata pois
nomes como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Henrique Pongetti, Rubem
Braga, Millôr Fernandes e Stanislaw Ponte Preta já circulavam pelas páginas das citadas
revistas que fazia parte do cotidiano leitor de Prata adolescente.
As colunas sociais do Jornal A Gazeta de Lins são bastante interessantes quando
se observa a quantidade de personagens importantes que surgem no dia-a-dia de cada
coluna. Não apenas a elite linense, composta por fazendeiros, lojistas, políticos, ―gente
importante‖. As pessoas que não são da classe dirigente, não são endinheiradas nem
dotadas de amplo poder político, decisório, fama, costumam estar presentes nas colunas,
mesmo não sendo amigas muito íntimas do titular da coluna. É interessante observar
que vários colunáveis são totalmente de ocasião, visitantes, estudantes, pessoas em
períodos de férias (muito frequentes nas colunas talvez pela idade de Prata na época).

Pratinha também tinha acesso privilegiado as informações, por isso sua


coluna era sempre cheia de novidades, que agradavam a todas as idades, seu
pai uma pessoa muito conhecida na cidade, com muitos amigos, e Prata tinha
cesso a todas as festas e eventos da localidade, assim, ele sabia de antemão os
94

conjuntos responsáveis pelos bailes e brincadeiras dançantes, os eventos e os


respectivos convidados, os noivados que aconteceriam nas dependências do
clube, e tinha também as irmãs Rita e Ruth, que também jovens, tinham
muitas amigas, que frequentavam sua casa e indiretamente ele acabava tendo
acesso as informações que precisava para compor sua coluna. (DIDU, 2012).

Também é bastante amistosa a relação do colunista com os leitores e moradores


da cidade de maneira geral. É visível que existe uma convivência entre eles: os leitores
convivem no dia-a-dia com os colunáveis, isso justifica certamente a troca constante de
pseudônimos, pois o conservadorismo da época e os valores dominantes às moças
solteiras da década de 60 não permitiam certos comentários. Dessa forma os
pseudônimos garantiriam ao verdadeiro autor sondar os leitores, perguntar e ouvir sem
constrangimento, no momento do acontecimento, sem que seu ―eu‖ verdadeiro, pessoal,
se arriscasse, se envolvesse. Por consequência, o autor podia lançar ao público cenas,
envolvimentos, frase, namoros, flertes que via ―no escurinho do cinema‖ para a grande
imprensa.

O colunista era alguém que, efetivamente, contava depois alguma coisa. De


seu acesso aos círculos mais fechados e, claro, de uma discrição bem dosada,
provinha seu prestígio junto às elites dirigentes e, daí, junto ao dono do jornal
e seu público. Mas era também um indício forte da possibilidade de
construção pela imprensa (a mídia, tal como hoje a entendemos, ainda não
existia) de um mundo factício, o ―grand-monde‖, a meio-caminho entre a
ficção e a realidade. (PAIVA, 2004, p. 26).

As crônicas sociais estavam cheias de pequenos comentários sobre flertes,


namoros ou romances, com os nomes dos envolvidos, ou deixando algum suspense
sobre quem se tratava, deixando no ―ar‖, em dúvida. Os jovens, chamados de ―brotos‖,
eram os alvos destes comentários em todas as colunas, e a cada semana, a cada baile,
esperava-se a continuação do ―romance‖, para ver quem ficaria com quem, se a paquera
teria continuidade ou não, se viraria namoro.
A temática das crônicas sociais é bastante diversa: datas comemorativas,
novidades na cidade, bailes, jantares, concursos de beleza, debutantes, atividades
filantrópicas, eventos sociais, inaugurações, promoções de clubes, novidades na cidade,
viagens e atividades em outras cidades, propagandas (principalmente sob o pseudônimo
Mario Alberto).
95

Prata assinava sob vários pseudônimos, escrevendo sempre sobre vários


acontecimentos e pessoas da sociedade, com a vivência de quem acompanhou os fatos
de perto, e sempre com o mesmo tom intimista, irônico e irreverente.
Como afirma Maria (2008): ―Um olhar cuidadoso sobre os jornais pode permitir
a reconstrução de cenários e de relações de poder imprescindíveis para a compreensão
de dinâmicas locais‖
Os estudos até agora mostram que os textos de colunismo social produzidos por
Mario Prata na década de 60 foram extremamente importantes em sua formação como
escritor, pois por meio dessas colunas pode tornar-se principalmente crítico sobre os
acontecimentos ao seu redor, levando a reflexão sobre como se forma um escritor, o
processo de carpintaria para que o jovem Mario Prata aperfeiçoasse o ofício e se
tornasse um autor de sucesso.
Em entrevista concedida a Juliana Rezende, em 1999, para o site
www.educacional.com.br, Prata afirma:

Eu morava em frente ao jornal de Lins (interior paulista, onde Prata nasceu) e


vivia lá. Comecei no jornalismo com 14 anos escrevendo coluna social.
Escrevia tudo errado. Fui aprender na marra. Tudo que eu fiz até hoje,
escrevendo, foi crônica – mesmo quando escrevi para teatro. Minha formação
literária foi com os cronistas da época: Rubem Braga, Paulo Mendes
Campos, Millôr, Estanislau Ponte Preta e Nelson Rodrigues. Lia todos eles -
maravilhosos - nos jornais. Depois de mais velho é que fui buscar os livros,
me interessei por eles e os descobri. Em Lins não tinha livraria. E não tem até
hoje – apesar de a cidade ter uma universidade. (PRATA, 1999).

A convivência com o meio jornalístico teve grande influência, as leituras a que


tinha acesso também contribuíram.
Mas apenas com boas leituras se cria um escritor? Então todo bom leitor seria
também bom escritor. Um escritor se forma com muita leitura e escrita, a técnica liberta
o talento. E talento Mario Prata já mostrava desde a tenra idade, aprendendo com as
reações dos leitores a ser um mídia-man.
96

CAPÍTULO IV

A FORTUNA
97

O objetivo deste capítulo é iniciar a estruturação da fortuna crítica do autor


Mario Prata, pois como já exposto nesta pesquisa, o autor é muito solícito, participa de
muitos eventos, e desta forma, a quantidade de entrevistas, notas de participação em
eventos, notas por lançamentos de livros é bastante intensa, não tendo sido realizar toda
a coleta no período destinado a este curso.
Sempre fui leitora de Mario Prata. Suas crônicas me divertiam e me envolviam,
leituras rápidas e fluídas, que ocupavam os intervalos entre uma aula e outra (quando
era aluna e aguardava os professores chegarem), e entre uma aula e outra (quando era
professora eventual e ficava longos períodos de tempo na escola esperando o horário de
lecionar novamente).
Utilizava as crônicas nas aulas, via o interesse nos alunos, e gostava disso. Meu
projeto inicial envolvia a aplicação de pesquisa de campo em uma escola de ensino
médio, com a leitura das crônicas. A educação, como é do conhecimento desta banca,
está em minha alma. A sala de aula sempre caminhou comigo.
98

Entretanto, não conhecia toda a obra de Mario Prata. Lia as crônicas, assisti a
trechos de algumas novelas, ouvi falar de peças de teatro, mas não conhecia toda a obra.
Com o intuito de fazer um trabalho de qualidade, comecei em primeiro lugar a
pesquisar um pouco sobre a vida e a obra, desde Linense não nativo (como eu), mas que
tem na cidade de Lins grande parte de sua vida.
Atualmente, além do acervo com os pseudônimos descobertos, levantados e
catalogados no jornal A Gazeta de Lins nos anos de 1963 e 1964, li praticamente toda a
obra de Mario Prata publicada em livros.
Não tive acesso a um livro publicado de todo o acervo listado Apêndice 2, na
categoria Literatura infantil, O Homem que Soltava Pum, publicado em 1983 pela
Editora Escrita, e em 1998 pela Editora Siciliano, esgotado. Não tive acesso também na
categoria Coletânea ao livro Preto no Branco (1978). Quanto aos demais, li todos, bem
como as crônicas disponíveis.
Localizei a coletânea Tulípio, Humor de Botequim, em meio as pesquisas e
levantamento de dados da fortuna crítica como já apresentado anteriormente.
A pesquisa da fortuna crítica na internet, arquivos digitalizados de jornais e
revistas, youtube, plataformas de pesquisa em geral, me renderam um conhecimento
sobre o autor e sua obra bastante amplo e diverso.
O acervo de crônicas que o próprio escritor possuia se perdeu, juntamente com
seu site pessoal www.marioprataonline.com.br, que foi desativado aproximadamente
em fevereiro de 2013.
Em contato com o autor (por email), questionamos os motivos do desativamento
do site, até porque, o mesmo sempre foi para a pesquisadora uma grande fonte de
consulta e pesquisa:

Como está? Espero que esteja bem. Você pode me dizer o que houve com seu
site? Saiu do ar há algum tempo, algumas semanas na verdade, e não aparece
mais (nem na pesquisa do google)...Tantas informações e leituras não podem
se perder assim...Abraços carinhosos. Da pesquisadora fã. Karina Gomes.
(GOMES, 05 de abril de 2013).

Em resposta ao email, Prata informou que dasativou o antigo site por estar
desatualizado, em palavras do próprio autor:
99

O site tava todo fudido, desatualizado. Estamos fazendo outro. Ainda em


andamento. Dá uma olhada e diz o que acha: http://marioprata.net/. Beijos.
(PRATA, 06 de abril de 2013).

Em seu lugar estava sendo elaborado pela jornalista Ana Paula Laux, em
parceria com Mario Prata e colaboradores, um novo site: http://marioprata.net.
A partir deste email, trocamos outros, uma vez que ele solicitou que eu ―desse
uma olhada‖, assim, mergulhei no novo site, conhecendo os links, os vídeos, as
fotografias, e enviei um email, sugerindo algumas coisas, afinal, senti que ele havia me
dado esta liberdade:

Mario
Estou lisonjeada pelo privilégio de ter acesso a um materia