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DEFINIÇÃO
Análise da política moderna, da esfera pública, da democracia e da poliarquia considerando as
novas mídias.
PROPÓSITO
Compreender o conceito e as origens do regime político democrático e analisar o papel das
novas mídias nas formas de vida pública e política contemporâneas.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
MÓDULO 3
INTRODUÇÃO
O conceito contemporâneo de política, e a própria política moderna, tal como é praticada pela
maior parte dos países atualmente, envolve quatro inovações ou quatro origens:
A instituição da representatividade.
Esse conjunto de práticas, ideias e valores resultante de cada uma dessas origens produziu as
inovações institucionais que formam as nossas modernas democracias. Todas essas
diferentes origens, mescladas entre si no mundo moderno, dão forma à realidade política que
vivemos.
MÓDULO 1
DEMOKRATIA
Portanto, o que foi vivido nas póleis da sociedade grega clássica é importante não pelo que
aconteceu, mas por ter sido considerado um evento muito emblemático e repetido por muitas
sociedades ao longo da história. Podemos afirmar que a ideia de Ocidente passa pela
admiração e reinvenção daquilo que aconteceu na Grécia. Leve essa informação com você para
fazer todo o trajeto histórico sobre política.
Figura 3. Heitor adverte Páris por sua suavidade e exorta-o a ir à guerra, por Johann Heinrich
Wilhelm Tischbein
O que ocorreu nesse período foi a invenção de uma forma de governo que até então era
incomum. Predominavam governos compostos por reis ou famílias, que muitas vezes se
comparavam a deuses (como no caso do Egito Antigo) ou acreditavam ter origens divinas, ou
por tiranos (indivíduos que governavam segundo sua vontade, sem nenhuma restrição) e
aristocratas (conselheiros de chefes guerreiros).
No século V a.C., os gregos inventaram uma nova forma de organizar o poder: a maioria dos
homens livres e adultos podia decidir os assuntos mais relevantes de sua comunidade e
escolher aqueles que exerceriam cargos importantes na direção da cidade-estado. A essa
forma de organização política deu-se o nome de “democracia”, que em grego significa “governo
do povo” ou “governo popular”.
A democracia era baseada em duas importantes ideias que possuem forte influência até os
dias atuais: a isegoria (o direito igual de fala para todos os cidadãos nos debates sobre os
assuntos políticos) e a isonomia (igualdade de todos os cidadãos perante a lei – ideal que
ainda encontra eco nos Estados democráticos de direito modernos). É elemento importante o
fato de que esse modo de governo não legitimava seu poder de forma mágico-religiosa (ou
seja, a religião não exercia autoridade nem tornava o poder legítimo). Também não era comum
a todos aqueles povos antigos que conhecemos por gregos, mas tornou-se o modo particular
de governo de uma cidade independente chamada Atenas. Sobre a democracia ateniense, é
importante sabermos que:
O número de participantes era muito restrito: tratava-se de uma cidade muito menor do
que as cidades modernas. Além disso, seus cidadãos (os homens adultos e livres) eram
poucos com relação à população geral.
A participação dos cidadãos nos assuntos públicos e nos cargos políticos existentes era
toda decidida e exercida em reuniões públicas (assembleias). Isso reduzia o espaço
dessa forma de organização a apenas uma pequena cidade, como era o caso de Atenas
nos tempos da antiguidade clássica.
Era restritiva quanto ao direito de cidadania, que era concedido apenas a homens e
excluía mulheres, estrangeiros e escravos.
Era restrita ao pequeno território de uma cidade (ao contrário das democracias
contemporâneas que cobrem populações de países inteiros).
Podemos dizer que a democracia ateniense era uma democracia restritiva se comparada às
democracias modernas. Essa característica foi responsável por sua breve existência: essa
experiência durou menos de duzentos anos, e os atenienses foram dominados e absorvidos
por povos que possuíam formas de organização política que agregavam populações maiores e
governavam territórios mais amplos.
A TRADIÇÃO REPUBLICANA
De todas as fontes de origem dos ideais, valores, princípios e instituições que inspiram nossas
democracias modernas, a mais longa, diversificada e rica é, sem dúvida, a tradição do
pensamento republicano. Rica em experiências, formas institucionais e elaboração jurídico-
filosófica, é uma tradição que surge no auge da antiguidade clássica e reaparece com força na
Europa da Idade Moderna.
Apesar de ter seus primeiros vestígios no seio da cultura grega clássica, podendo ser vinculada
à crítica democrática, à teoria das formas de governo do filósofo grego Aristóteles (384-322
a.C.) e à ideia de governo misto do historiador grego Políbio (200-120 a.C.), a tradição
republicana não deve suas origens à democracia grega. Filosoficamente, a concepção
polibiana de governo misto ilustra bem as formas institucionais e as relações de governo da
maior parte das experiências clássicas do republicanismo: a necessidade de representar todas
as formas clássicas de governo em uma só para produzir um governo de grande estabilidade e
ordem.
Para a tradição grega clássica, a política era uma arte e, por isso, tema recorrente nos embates
públicos da ágora – espaço público do encontro dos cidadãos na Grécia. Os regimes de
governo eram tema de debates intensos, principalmente em Atenas, abordando
frequentemente a questão da superioridade do modelo aristocrático ou democrático, além da
persistente crítica à tirania. Todos esses modelos comumente implementados em cidades
gregas.
SAIBA MAIS
Para termos uma ideia clara do que significa essa tradição, precisamos atentar que nos
notórios movimentos intelectuais da modernidade – Renascimento e Iluminismo – as teorias
filosóficas sobre a República – gregas e romanas – foram relidas e influenciaram toda a
imensa corrente de filósofos políticos que enriqueceram a tradição republicana nos tempos
modernos: Nicolau Maquiavel (1469-1527), John Locke (1632-1704), Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), Montesquieu (1689-1755) e Immanuel Kant (1724-1804), por exemplo. Também
inspiraram pensadores políticos e homens de Estado que tiveram fundamental importância na
gestação dos republicanismos constitucionais inglês e americano entre os séculos XVII e XVIII,
como o inglês John Harrington (1561-1612) e federalistas estadunidenses, como Alexander
Hamilton (1755-1804), John Jay (1745-1829) e James Madison (1751-1836).
Essa breve exposição da tradição republicana e da noção de governos mistos pode lembrar
bastante as democracias modernas – sobretudo aquelas que são repúblicas federativas
presidencialistas – como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos da América. Mas é
importante notar três grandes diferenças entre a história e as ideias da tradição republicana e a
vida política das democracias contemporâneas:
As repúblicas de governos mistos tinham que lidar com dois grupos de interesse
opostos, mas homogêneos: o povo e a aristocracia. O mundo contemporâneo possui
uma multiplicidade de grupos de interesses muito mais complexa.
SENADO
Nas repúblicas ocidentais influenciadas pelos modelos europeus iluministas, ainda é recorrente
encontrarmos Senados – como no Brasil e nos Estados Unidos – ainda que com funções e
características diversas.
Podemos dizer que as democracias contemporâneas são mais democráticas que as repúblicas
antigas e modernas. Além disso, elas possuem uma institucionalidade capaz de representar
muito mais que apenas dois interesses opostos (povo versus aristocracia). Mas o que
queremos dizer aqui com representação de interesses? Trataremos disso a seguir ao
abordarmos a terceira fonte de origem das democracias contemporâneas.
O GOVERNO REPRESENTATIVO
Essa sentença – traduzida para o português como: “Não pagaremos impostos se não tivermos
representação!” – foi o slogan de uma das mais importantes revoluções dos tempos modernos:
a Revolução Americana (1776-1783).
O que nos interessa aqui não são propriamente os acontecimentos, cenários e personagens
dessa história, mas a invenção do governo representativo. Ao falarmos da democracia grega e
da tradição republicana, observamos como suas origens e práticas históricas tiveram a
limitação de serem localizadas em territórios muito pequenos: centralizados em apenas uma
cidade (Atenas, a cidade de Roma, Florença, Veneza etc.).
Figura 7. Washington atravessando o Delaware, por Emanuel Leutze
Figura 8. William Pitt discursando na Câmara dos Comuns sobre a eclosão da guerra com a
Áustria, por Karl Anton Hicke
Antes da invenção da Câmara dos Comuns, era corriqueiro que a realeza e os nobres
aumentassem os impostos sobre esses grupos mercantis e de negociadores para seus
próprios fins. Ao tomarem parte nas decisões públicas, essa nova classe de comerciantes e
negociantes prósperos passou a ter a capacidade de proteger seus próprios interesses. Mas
isso se resumia apenas aos prósperos comerciantes e homens de negócio da grande cidade de
Londres, não a todos aqueles que viviam sob o governo da recém-criada monarquia
parlamentar inglesa.
Assim, eram poucos os que, sob o domínio do governo londrino, tinham meios de defender
seus interesses: sendo que aqueles que viviam nas longínquas colônias do nordeste da
América do Norte sequer tinham suas vozes ouvidas no recém-criado Parlamento de Londres.
O Parlamento inglês aberto aos “comuns” foi produto de um intenso conflito ocorrido na
Inglaterra do século XVII, marcado por uma guerra civil – a Revolução Inglesa (1640-1651) –,
uma ditadura – o período do Protetorado (1653-1659) – e uma ampla conciliação entre os
grupos em conflito durante a Revolução Gloriosa (1688-1689). Esta última é chamada assim
por ter transformado as instituições políticas sem guerra ou conflito sangrento: esse acordo
entre as partes, que fez cessar o conflito, deu origem ao Parlamento e à Constituição moderna
da Inglaterra.
Não era um mundo perfeito, mas havia mais prosperidade – e menos luxo – do que na Europa
da época, apesar das grandes desigualdades existentes. Durante essas décadas de abandono
relativo dos assuntos coloniais por parte dos interesses britânicos, os colonos do norte da
América puderam se autogovernar com um nível de autonomia muito grande para a época.
Com o fim dos conflitos ingleses, o governo britânico começou a reorganizar seus interesses
nas suas colônias do outro lado do Atlântico mediante taxações e outras intervenções nos
assuntos das colônias. Entretanto, seriam as taxações diretas sobre mercadorias como o chá
(Lei do Chá, de 1773), o açúcar (Lei do Açúcar, de 1764) e sobre documentos impressos (Lei do
Selo, de 1775), que taxava em moeda britânica revistas, jornais, documentos oficiais e outros
materiais impressos pelos colonos americanos, que inflamariam o ânimo dos colonos.
Tais taxações – entre outras – eram consideradas abusivas para os colonos da América do
Norte, que viam isso como uma situação injusta por não terem seus interesses representados
no Parlamento britânico. Daí o slogan da Revolução Americana ter sido “No taxation without
representation” – ou seja, tratava-se inicialmente de uma exigência por representação no
Parlamento britânico em função das taxações serem vistas como ilegítimas na ausência de
uma representação colonial.
Figura 10. Assinatura da Constituição dos Estados Unidos, por Howard Chandler Christy
Outro elemento importante oriundo da experiência política estadunidense desse período foi a
subordinação do poder militar à autoridade presidencial eleita e de natureza civil, aspecto que
ganharia bastante importância em todas as democracias constitucionais modernas. Porém,
devemos lembrar que a representação por voto nos Estados Unidos era bastante limitada em
suas origens.
Tratava-se de uma lógica de representação restritiva, pois apenas homens brancos livres,
proprietários de terras e alfabetizados podiam eleger seus representantes. Essas
características designam o que chamamos de voto censitário: por estipular critérios que
restringem o nível de participação política das populações.
Os votos eram por distritos e não por pessoa. A lógica de que cada pessoa corresponde
a um voto não era aplicada.
A lógica do voto censitário não permitia que negros e mulheres votassem. Eles eram,
portanto, excluídos do “governo representativo” dos Estados Unidos.
Ao longo dos séculos, a representação e o direito ao voto nos EUA foram ampliados em um
longo processo de conflitos e pressões por grupos diferentes da sociedade civil. Mas foi
apenas em 1965 que o direito ao voto universal (aberto a todos e sem nenhuma restrição) foi
adotado nos Estados Unidos.
Podemos dizer, como frisamos anteriormente, que as desigualdades existentes nos Estados
Unidos na época da fundação de seu sistema de governo representativo restringiam bastante
as suas inovadoras práticas de representação. A relação entre interesse e representação era
demasiado restritiva. Essas restrições relativas à igualdade de todos os cidadãos no exercício
da cidadania, do direito de voto e de, portanto, ter seus interesses representados na esfera dos
assuntos políticos e no governo nos levam à quarta origem das democracias contemporâneas:
a lógica da igualdade.
A LÓGICA DA IGUALDADE
Tal como as três origens distintas das democracias modernas que abordamos anteriormente, a
lógica da igualdade tem sua própria história e não se vincula àquela da tradição democrática
grega, nem da tradição republicana e nem da invenção da representação. Suas origens são
modernas e podem ser reconduzidas ao humanismo e aos movimentos puritanos do século
XVI que ressignificaram todo um conjunto de ideias religiosas.
O humanismo clássico teve o papel de trazer para a cultura europeia do século XVI o homem
para o centro dos debates da época, relegando as discussões teológicas para um segundo
plano, como afirma Skinner (1996). Foi do seio do humanismo clássico que surgiram as
discussões filosóficas sobre tolerância religiosa e da dignidade humana como valor
civilizacional de importância.
Figura 11. Retrato de Erasmus de Roterdã, o “príncipe dos humanistas”, por Quentin Matsys
Mas uma outra corrente filosófica teve uma influência mais radical nesse processo de defesa
da igualdade entre os homens: o Iluminismo. Movimento intelectual de grande abrangência na
Europa (Inglaterra, Países Baixos, Itália, Alemanha e, principalmente, França), o Iluminismo
trazia em sua bagagem uma forte crítica ao Antigo Regime, ao clero e ao obscurantismo,
forças que submetiam a maioria dos homens ao poder de poucos: os aristocratas e o clero.
A crença iluminista e religiosa da igualdade entre os homens foi uma ideia bastante radical na
época, mas teve, num primeiro momento, sua realidade limitada aos homens proprietários
frente aos aristocratas que perdiam seus direitos de nascença.
Apesar dos direitos políticos e da cidadania terem se expandido com as revoluções dos fins do
século XVIII e início do século XIX, eles ainda excluíam os pobres, as mulheres e, nas Américas,
outras etnias, como negros e indígenas.
A História não é feita de pilares sólidos sobre o que foi construído no tempo, mas sim no
discurso, na construção idealizada. A política contemporânea bebe nessa relação que foi
apresentada, não como pilares duros, basilares, e sim na invenção e reinvenção, na construção
do valor de cada um desses discursos que constroem uma legitimidade do discurso político.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
Esfera pública não é o mesmo que espaço público. Usaremos uma definição de esfera pública
que nos ajudará a perceber essa diferença:
A definição nos chama a atenção para um ponto: a esfera pública surgiu com a emergência da
sociedade moderna – ou seja, não existia antes do século XVI. Isso não quer dizer que ela
surge exatamente aí; pelo contrário, ela se desenvolveu nesses últimos quatro séculos até
adquirir as características que atualmente podemos destacar. Para compreendermos melhor,
analisaremos o principal fator relacionado aos seus primeiros desenvolvimentos: o surgimento
de um público leitor.
GUTENBERG
Johannes Gutenberg (1400-1468) foi o criador da prensa mecânica europeia, invenção que
transformou o mundo e ajudou a fundar a Idade Moderna. Sua máquina de tipos multiplicou a
produção de impressos, tornando o conhecimento muito mais acessível, sobretudo em relação
ao que era quando dependia do trabalho dos copistas.
Um público leitor é uma grande população de leitores – seja de que gênero de texto for.
Vivemos em um mundo onde nunca houve um público leitor tão amplo: ideias, informações,
sentimentos, percepções, notícias e acontecimentos circulam de forma escrita, podendo ser
lidos por massas cada vez maiores de pessoas de um modo inimaginável nos últimos séculos.
Esse público discute, comenta e escreve também, expressando-se de modo a conferir ainda
mais dinamismo a esse movimento de circulação.
Fonte: bbernard/Shutterstock.
Mas não foi exclusivamente o protestantismo que criou o público leitor moderno, precondição
para a formação da esfera pública moderna. Esse fenômeno esteve ligado também a outros
fatores, como a criação de novas formas, gêneros e modos de leitura. E as discussões ao redor
desses escritos, promovidas em diferentes espaços (formais e informais), desempenharam um
papel de grande importância na formação da esfera pública. Abordaremos a seguir diferentes
aspectos desse fenômeno, que juntos deram origem à esfera pública.
ATENÇÃO
Não existem leitores somente físicos. O espaço das praças de comércio era o local da reunião
de muitos leitores de “ouvido”, leitores que multiplicavam a troca dos conhecimentos e, ainda
que multiplicassem as informações a partir da força de um senso comum recorrente, faziam a
cultura letrada circular. O termo em inglês – clássico entre os estudiosos de comunicação –
fundamenta-se na tradição das cartas medievais. Cartas que uma vez recebidas eram lidas de
forma pública. Então, quando a prensa, os jornais, os livretos começam a circular, não é
possível imaginar a multiplicação automática de letrados, mas sim uma multiplicação efetiva
de leitores – em todas as suas formas.
A ESFERA LITERÁRIA
O surgimento de gêneros literários novos como o romance de sentimentos (como A Nova
Heloísa, de Jean-Jacques Rousseau) e o romance de formação (como Os anos de aprendizado
do Jovem Wilhelm Meister, de Johann Wolfgang Goethe), de ampla circulação no século XVIII
entre a população letrada, estimulou novas formas de identificação entre os leitores.
Por se identificarem com os personagens, os leitores sentiam empatia por eles para além da
língua, classe social, sexo e país. Também foram importantes no sentido de formarem uma
ideia geral e compartilhada de que as pessoas eram semelhantes em função de seus
sentimentos íntimos, estimulando bastante uma noção sentimental de um senso de igualdade
no público leitor de romances.
Entre os séculos XVII e XVIII, foi extremamente comum a formação de círculos literários nos
salões das casas de senhoras abastadas, que reuniam pessoas em discussões sobre esses
livros e promoviam debates e reflexões que abarcavam a vida cotidiana, a realidade
sentimental e a noção de igualdade produzida pela leitura desses escritos.
Mais uma vez, devemos notar a maturação de longos processos históricos que se reproduzem
na construção dessa esfera literária. Era comum, nas cortes e depois nas ruas, a reunião para
ouvir os contadores de história. São famosos na literatura das tabernas e guardavam de
cabeça as histórias rimadas e as multiplicavam. O mundo dos séculos XVIII e XIX era cada vez
mais urbano, mais cheio de gente e informação, porém, as heranças ficaram. Agora eram os
leitores públicos, os leitores de jornais, os jovens e tropeçadores leitores. No Brasil, livros
famosos saíam em capítulos em séries de jornal; na França, alguns livretos muito picantes –
como o de Marquês de Sade (1740-1814) – multiplicavam-se e faziam crescer o interesse pela
leitura.
TROPEÇADORES LEITORES
O termo utilizado na alfabetização foi fortemente ampliado para estudantes que não
conseguem reconhecer a ideia principal de um texto ou relacioná-lo com conhecimentos
próprios. Então acabam lendo manchetes, fazendo leituras gerais, parciais ou que não geram
plena compreensão.
Figura 16. No salão de Madame Geoffrin, por Anicet Charles Gabriel Lemonnier
Na Inglaterra, alguns dos primeiros jornais ingleses, como o Spectator, que começou a ser
publicado em 1711, tinha como objetivo explícito trazer a Filosofia para fora das instituições
acadêmicas a fim de ser tratada em clubes, assembleias, mesas de chá e cafés. O caso da
França também é emblemático quanto a esse fenômeno – sendo o iluminismo francês
extremamente importante para sua compreensão.
A Luz da Razão, – palavra-chave da época, utilizada para se opor à tradição, à fé, à superstição
e ao preconceito – associada à noção de crítica (utilizada como forma de problematizar os
excessos e abusos dos governos monárquicos e da Igreja católica francesa), teve um papel
fundamental na criação da linguagem que formaria a ideia de público na França da época.
Eles se consideravam homens de letras e são vistos por muitos como os primórdios do
intelectual público moderno, no sentido de serem os primeiros intelectuais independentes de
patronos e por terem sido agentes engajados em promover um debate amplo sobre os
assuntos públicos referente aos regimes sob os quais viviam. Difundiram suas ideias na França
e fora dela para homens e mulheres, apesar de terem pouca intenção de atingir o povo.
Figura 17. François-Marie Arouet de Voltaire, por Nicolas de Largillière
HOMENS DE LETRAS
O papel central desse movimento foi desempenhado por um conjunto de pensadores franceses
chamados philosophes (filósofos, em francês), e entre esses personagens destacam-se Voltaire
(1694-1778), Rousseau (1712-1798), Diderot (1713-1784) e D’Alambert (1717-1783).
As monarquias e os governos da época impunham uma forte censura aos escritos filosóficos
(esta era menor na Inglaterra porque, após o período revolucionário de 1640 a 1688, criou-se
um ambiente de maior tolerância e ampliação dos debates acerca dos assuntos de governo em
função da criação do Parlamento), uma vez que estes eram considerados subversivos, ou seja,
afetavam a ordem estabelecida por promoverem a agitação e o descontentamento.
Esse fator fez com que a discussão sobre esses escritos e ideias permanecesse fora dos
ambientes formais, tornando extremamente importante a cultura oral dos cafés, clubes,
associações e salões (encontros organizados por senhoras aristocráticas para promover
debates com intelectuais). Além disso, a censura estimulava uma circulação extremamente
importante de correspondência privada entre intelectuais de diferentes nações da Europa, o
que foi um poderoso fator de circulação das ideias políticas da época.
OS PRIMEIROS JORNAIS
Muitos dos primeiros jornais, mais parecidos com o que chamamos por esse nome atualmente,
surgiram no século XVIII e eram derivados dessa efervescente cultura dos cafés, salões e
clubes surgida em meados do século XVII. A princípio, não eram grandes veículos de
discussões políticas diretas, tratavam de manifestações artísticas (peças de teatro, literatura),
publicavam contos, retratavam acontecimentos da vida cotidiana europeia, curiosidades etc.
O conteúdo dessas manifestações pode parecer um tanto trivial, contudo, seus editores
demandavam de seus leitores uma ampla participação: pedindo que cartas com opiniões sobre
todos esses assuntos fossem enviadas, sendo a maioria publicada. Isso estimulava uma
cultura de troca de opiniões, um ambiente cultural de debate diversificado e fazia com que os
jornais tivessem uma função de fóruns de discussão.
Todos esses fatores foram fundamentais para emergência do que chamamos de esfera
pública. Apesar de seu desenvolvimento ter sido iniciado em ambientes informais (cafés,
salões, clubes e associações) em função da censura dos governos monárquicos da época, o
período de revoluções (Revolução Inglesa, Revolução Americana, Revolução Francesa e as
Revoluções de 1830 e 1848) foi transformando a realidade política mais centralizada, fechada e
aristocrática em formas políticas, republicanas e democráticas mais abertas. Assim, houve a
ampliação da esfera de debates, opinião e discussão sobre os assuntos políticos, sociais e
culturais, formando, portanto, as bases da esfera pública moderna.
No século XIX, a esfera pública se opõe à esfera íntima, espaço da intimidade e da privacidade,
ou seja, a dimensão das relações íntimas, da família, dos sentimentos pessoais. Por muitas
décadas tratava-se de duas esferas distintas e rigidamente separadas. Atualmente, poderíamos
dizer que as fronteiras entre elas se tornaram muito mais difusas. Além disso, com a
multiplicação de novas mídias para além do texto impresso em função da multiplicação de
novas tecnologias comunicacionais no século XX (primeiro o rádio, depois a televisão, e no
final do século XX a internet), pode-se dizer que emergiram novas arenas constituintes da
esfera pública.
Fonte: blackzheep/Shutterstock.
Do mesmo modo, pode-se dizer que dos séculos XVIII e XIX aos séculos XX e XXI, ocorreu uma
transformação na esfera pública muito grande com o surgimento da mídia de massa, que
profissionalizaria todas as etapas de produção técnica da comunicação, formando grupos
comerciais de comunicação, entre outros. Para muitos estudiosos da esfera pública, da mídia e
da teoria da comunicação, tal mudança causou grandes transformações na esfera pública do
século XX aos dias atuais.
No que se refere aos debates contemporâneos sobre a esfera pública, um trabalho de grande
influência no tema foi a análise do filósofo alemão Jürgen Habermas no texto Mudança
estrutural da esfera pública (1962). Nessa obra, Habermas preocupa-se em reconstituir a
gênese histórico-sociológica da esfera pública e percebe que, em suas origens, ela envolvia a
reunião de indivíduos igualitariamente como em um fórum para o debate público. Esse período
inicial de desenvolvimento da esfera pública é chamado por Habermas de esfera pública
burguesa.
Pela mídia comercial ser prisioneira da renda das propagandas e dos índices de audiência,
haveria uma deformação de toda a possibilidade de formação de um debate público racional e
aberto, sendo que a manipulação e o controle da audiência com fins de audiência por meio do
entretenimento também começam a surgir.
Assim, a esfera pública deixa de ser uma arena de debates e torna-se uma esfera onde o
consenso é fabricado pela publicidade. Essa atrofia da esfera pública, causada em parte pela
mídia de massas, faz com que o entretenimento prevaleça sobre os debates e as polêmicas,
enfraquecendo a participação dos cidadãos no debate público. Isso produziu um deslocamento
na avaliação da importância da mídia com relação à esfera pública: de uma promessa capaz de
engajar muitos indivíduos de maneira igualitária na arena dos assuntos públicos, ela teria –
com a mídia de massa – mudado de foco e passado a constituir-se como parte dos problemas
que concorrem contra o amadurecimento da esfera pública.
Isso se daria em função do fenômeno midiático da excessiva publicidade ao redor das grandes
personalidades, o que afetaria a vida pública no sentido de as características pessoais e
sentimentais dos homens públicos (sua vida privada, honestidade e sinceridade) terem
ganhado mais importância do que características fundamentais em outros períodos, como o
comprometimento público, a dedicação aos assuntos políticos etc.
RESUMINDO
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
O conceito de poliarquia foi desenvolvido pelo cientista político estadunidense Robert Dahl
como uma forma mais realista de avaliar os regimes políticos contemporâneos. Em função de
nenhum país contemporâneo conseguir encarnar em níveis absolutos a ideia de uma
democracia plena, Dahl concebeu seu conceito de poliarquia como um modo de categorizar e
nivelar o quanto os regimes políticos existentes se aproximam de um regime mais ou menos
democrático.
ROBERT DAHL
Robert Dahl (1915-2014), cientista político e um dos mais importantes nomes da ciência
política americana, foi considerado figura vital uma vez que, diante de um mundo polarizado,
conseguiu fugir das relações de conflito entre EUA e URSS, buscando conceber dinâmicas de
funcionamento político e superando a ideologização vivida.
Expressar suas preferências a seus concidadãos e ao governo por meio da ação individual e da
coletiva;
Ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo, ou seja, sem
discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte de preferência.
Para que essas preferências sejam devidamente passíveis de prática, é necessário um conjunto
de garantias institucionais, como podemos ver a seguir:
Ter preferências
Para a
Formular Exprimir igualmente
oportunidade
preferências preferências consideradas na
de:
conduta de governo:
São Liberdade de Liberdade de Liberdade de
necessárias formar ou formar ou formar ou
as seguintes aderir aderir aderir
garantias organizações; organizações; organizações;
institucionais:
Liberdade de Liberdade de Liberdade de
expressão; expressão; expressão;
Eleições Instituições
livres e para fazer com
idôneas. que as políticas
governamentais
dependam de
eleições e de
outras
manifestações
de preferência.
Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal
Quanto mais inclusivas são essas oportunidades, maiores podem ser os níveis de contestação
e, portanto, o nível de responsividade de determinado sistema político; e, desse modo, maior
poderá ser o nível de uma poliarquia. Entretanto, não são apenas esses conjuntos de
oportunidades referidos às garantias institucionais delimitadas anteriormente que atestam o
funcionamento de uma poliarquia e sua estabilidade. Existem, além das características
elencadas, um conjunto de fatores que está interrelacionado à existência de uma poliarquia,
como veremos no próximo tópico.
De acordo com Dahl (2012), pode-se perceber que, historicamente, as sociedades associadas
ao desenvolvimento de uma poliarquia plena são marcadas por uma série de fatores
interrelacionados:
Muitos desses fatores podem ser condensados em três ideias-chave: modernidade, dinamismo
e pluralismo social.
Sobre a ideia de modernidade, podem ser compreendidos fatores como níveis mais altos de
riqueza, renda, consumo e educação; maior diversidade ocupacional, ou seja, ampla gama de
empregos diversificados; aumento da população urbana em proporção à rural; diminuição
crescente da importância econômica da agricultura em função de setores econômicos que
agregam maior valor à produção.
Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock.
Essas três ideias condensam uma série de fatores econômicos, sociais e técnicos que formam
o que Dahl conhece por países ou sociedades modernas, dinâmicas e pluralistas (o que o
cientista político chama de MDP).
De acordo com Dahl (2012), uma sociedade ou um país com os fatores agregados ao MDP é
marcado pelas seguintes características:
A dispersão dos recursos políticos, tais quais o dinheiro, o conhecimento, o status e o acesso
às organizações;
A dispersão das localizações estratégicas, particularmente em assuntos econômicos,
científicos, educacionais e culturais;
A dispersão das posições de negociação, tanto manifestas quanto latentes, nos assuntos
econômicos, na ciência, nas comunicações, na educação e em outras áreas.
Quando falamos aqui em liberdade de expressão, trata-se de liberdade de crítica (no sentido
filosófico do termo, como vimos quando tratávamos da gênese da esfera pública), que
poderíamos condensar com a seguinte definição:
(DAHL, 2012)
Mas vejamos que esses itens não se sustentam autonomamente, eles estão vinculados a
quatro fatores:
Alfabetização
Educação
Informação
Pluralismo
Em países onde se generalizou o acesso às primeiras letras e onde houve uma prematura
ampliação dos meios de informação escritos, formou-se precocemente alguma forma de
poliarquia, mesmo em condições rurais, como, por exemplo, Nova Zelândia, Austrália, Canadá,
Noruega, Finlândia e Islândia.
Fonte: bgrocker/Shutterstock.
Um fator de grande importância para a formação e estabilidade de uma poliarquia é aquilo que
Dahl chama de controle civil da coerção violenta, ou seja, a submissão das forças policiais e
militares ao poder civil. Uma das características do Estado são seus instrumentos para coerção
física cuja tarefa é a ameaça ou o emprego da violência para a manutenção da ordem e da
segurança.
Nos parâmetros de uma poliarquia, duas condições são necessárias para o exercício
democrático: 1) Que o poder civil seja capaz de efetivar o controle das forças de coerção
(militares e policiais); 2) Que os próprios civis que controlam as forças de coerção estejam
sujeitos ao processo democrático.
Quando as tropas militares são formadas por pessoas com fortes convicções
democráticas compartilhadas pela sociedade civil (como no caso da Europa pós-
Segunda Guerra Mundial, onde as tropas terrestres são formadas por alistamento para
breves períodos – ou seja, todos são civis de uniforme).
O quarto fator citado pode causar certas distorções, de acordo com Dahl:
Assim, lideranças militares podem também, se não são devidamente doutrinadas pelo
profissionalismo militar na crença e no dever de proteger o governo ao qual devem se
submeter, ameaçar a estabilidade de uma poliarquia plena.
Figura 25. Militares protegendo o Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, durante o Golpe
Militar no Brasil em 1964
Em outras palavras, podem, em função de desordem, conflito civil, polarizações agudas, crises
econômicas contínuas, efetivar golpes militares – e desarticular poliarquias instáveis, como
ocorreu no Brasil em 1964, no Chile e no Uruguai em 1973 e na Argentina em 1976. A presença
ou ausência de uma poliarquia não pode ser definida apenas pelo controle civil da coerção
violenta, mas esse fator é um elemento que contribui para a estabilidade de um sistema
poliárquico.
NOVAS MÍDIAS, NOVOS ATORES: A ESFERA
PÚBLICA CONTEMPORÂNEA
Cientistas sociais sérios não costumam fazer muitas previsões quando se defrontam com
fenômenos novos ou se encontram em meio a processos em curso: é sabido que é mais fácil
compreender rigidamente processos que se estabilizaram ou ciclos de mudança que já
terminaram.
Fonte: ArtShotPhoto/Shutterstock.
A ampliação das novas tecnologias tem, portanto, gerado efeitos ambíguos e ainda pouco
compreendidos em suas implicações diretas com o âmbito da esfera pública. Segundo Castells
(2018), a hipotética “ágora virtual”, profetizada por vários utopistas tecnológicos, tem gerado
muitos problemas em tempos onde as “notícias falsas” circulam na “velocidade do sinal
eletrônico”: gerando problemas de deslegitimação para as mídias tradicionais e nos
mecanismos institucionais das democracias estabelecidas.
A própria popularização das notícias falsas nos meios digitais tem sido objeto de estudos na
área de Comunicação e Jornalismo: seja analisando suas peculiaridades atuais e sua
propagação nas redes, seja sob uma perspectiva de que se trata de um fenômeno semelhante
a outros já ocorridos anteriormente em momentos de ampliação da esfera pública e de meios
de informação alternativos.