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Atos 9:43 “Pedro ficou em Jope durante algum tempo, com um curtidor de couro

chamado Simão”.
Ao ser apresentado à pergunta acima, fiquei intrigado sobre esta de tantas profissões
apresentadas na Bíblia. Pude perceber inúmeras delas ao longo do Antigo e Novo
Testamentos. Percebi que existiram alfaiates com habilidade vinda do alto para a confecção
das veste sacerdotais (Êx 28:3). Há também registros bíblicos de amassadeiras que eram
responsáveis pelo preparo da massa a ser utilizada nos pães sem fermento que seriam
ofertados ao Senhor (Lv 2:4). Chamou-me a atenção também os cortadores de pedra que
trabalharam na construção do templo do Senhor juntamente com Salomão (I Cr 22:15). O que
falar de Hurão-Abi, homem habilidoso também no trato do ouro, que trabalhou nos artefatos
do templo junto com outros servos de Salomão?(II Cr 2:13-14).
Ao perceber estas e tantas outras profissões apresentadas na Bíblia, continua a
pergunta acerca dos curtidores: quem eram esses trabalhadores? Será que este ofício se
podia comparar com os citados anteriormente? Seriam estes homens exaltados pela sua
habilidade em tratar o couro? A resposta parece ser um sonoro não!
Este ofício consistia em tratar a pele dos animais mortos com um tipo de pasta de visgo.
Em seguida eram enroladas e ficavam assim até que os pêlos se soltassem. Após esta etapa,
retirava-se qualquer carne e gordura ainda existente para então se mergulhar a pele em uma
solução de visgo e sumagre. Após a secagem, o couro era enegrecido em uma das
superfícies, aplicando-se vinagre fervido com cobre e esfregando-a contra ela mesma. Logo
após o couro era amaciado com azeite de oliva.
Naturalmente, hoje, com o auxílio da química, o couro não necessita passar por todo
este tratamento para que esteja pronto para ser trabalhado, transformando-se em cintos,
sapatos, bolsas e tantos outros produtos derivados desta matéria-prima.
Fico imaginando como seria a casa de Simão, o curtidor. Provavelmente cenas pouco
agradáveis aconteciam naquele lugar, como a de animais mortos sendo cortados para a
retirada da pele, ou o cheiro por demais desagradável gerado por toda esta carniça… talvez
por isso, a casa de Simão ficava à beira mar, pois assim, o terrível odor produzido  poderia
ser mais facilmente espalhado pela brisa marinha.
O resultado do trabalho do curtidor é mencionado várias vezes no AT, nunca porém
sendo mencionado o nome deste profissional. Isso se deve ao fato de estar se tratando de
uma profissão considerada imunda aos olhos judeus. Imagine o que nos apresenta Lv 11
acerca dos animais impuros e as conseqüências do contato com o cadáver. Ora, se todo
aquele que tocasse no animal morto ficaria impuro até a tarde, o que se passava na cabeça
de Simão quanto ao seu “estado de impureza”?
Há registros de que, se um curtidor se casasse sem mencionar à mulher sua ocupação,
esta tinha permissão para obter o divórcio. Até mesmo a lei do casamento levirato¹ (costume
que obrigava um homem a casar-se com a viúva de seu irmão quando este não deixava
descendência masculina, sendo que o filho deste casamento era considerado descendente do
morto) poderia ser anulada se o irmão do morto sem filhos fosse curtidor! O pátio do curtidor
deveria ficar a pelo menos 50 metros de qualquer aldeia, fato este que talvez explique a
localização da casa de Simão, fora das muralhas da cidade.
Há uma citação do Talmude que diz: “ai daquele cuja ocupação é o curtume”. Porém,
ao ler o texto de Atos 9, posso afirmar “bem aventurado o curtidor de Jope!”. Simão recebera
a visita de Pedro, parcialmente despido de seu legalismo judaico, e o hospedou antes que
partisse ao encontro de Cornélio.
Percebo Deus tratando tanto a vida de Pedro quanto de Simão, o curtidor. Pedro teve a
visão do lençol contendo toda espécie de animal impuro de dentro da casa daquele que era
considerado impuro pela sociedade da época! Mesmo assim ele prefere negar obediência a
Deus em reverência aos costumes legalistas dos judeus. Tudo isso fazia parte do tratamento
de choque que Pedro sofreria na casa de Cornélio.
Por outro lado, pensemos em Simão, o curtidor. Rejeitado pela sociedade, este homem
recebeu a visita de um enviado do Senhor, o principal apóstolo de Jesus. Diz o texto que
Pedro ficou algum tempo na casa de Simão, o que nos leva a inferir que tiveram bastante
tempo para conversar, orar, cantar louvores ao Senhor, contar tudo o que vivenciara ao lado
de Cristo… que momento inesquecível para Simão! Afinal, apesar do esquecimento de todos
à sua volta, Deus “se lembrara dele”.
A pergunta inicial permanece apenas com um ajuste temporal: afinal, quem são os
curtidores de hoje? Quem são aqueles a quem nós rejeitamos? De quem queremos manter
uma distância preventiva? A quem rotulamos como impuros ou indignos, não só de Deus mas
também da nossa presença, tempo e investimento?
Qual deve ser a atitude da igreja para com aqueles a quem a sociedade rejeita?
Pensemos nas classes que estão à margem da sociedade e busquemos em nós uma
resposta coerente com nossa identidade cristã! Estendamos nossas mãos para que os
impuros nos toquem… passemos mais tempo na casa dos rejeitados do que nas dos amigos
e demais pessoas de agradável convívio… quebremos os paradigmas de pureza e impureza
como Cristo o fez ao deixar ser tocado pela mulher que sofria do fluxo de sangue (Mt 9:20) ou
mesmo no caso do leproso (Mt 8:3)…

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