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FERRONATO, V.F.O.

A Importância da Família na Formação Social do Adolescente

The Importance of Family on the Teenager´s Social Formation

Vivian Freitas Oliviéri Ferronatoa*

a
Faculdade Anhanguera de Pirassununga, Curso de Pós-Graduação em Serviço Social e Gestão de Projetos Sociais, SP, Brasil
*E-mail: vivianolivieri@ig.com.br

Resumo
Este artigo aborda a família, suas transformações ao longo dos tempos, e a sua importância, na formação social de seus adolescentes, como
primeira identidade social responsável pela proteção e socialização destes, abordando também o significado da adolescência como uma fase
peculiar de desenvolvimento. Utilizou-se para tanto a pesquisa bibliográfica para investigar o papel que família exerce na formação social dos
adolescentes. Conclui-se que é possível afirmar que é no seio da família e da comunidade que crianças e adolescentes constroem suas relações
primárias que são definidas como primordiais para seu desenvolvimento.
Palavras-chave: Adolescente. Família. Adolescência.
Abstract
This paper comprises the Family, its transformations along the time, and its importance, on the social formation of its teenagers, as the first
social identity responsible for their protection and socialization, approaching also the meaning of adolescence as a peculiar development stage.
For that, it was used bibliographic research in order to investigate the role the Family plays at the teenagers´social formation. It is concluded
that it is possible to state that it is in the Family and in the Community that children and teenagers build up their primary relationships which
are seen as essential for their development.
Keywords: Adolescent. Family. Adolescence.

1 Introdução olescere forma incoativa de olece, crescer. Portanto, a


adolescência significa o crescimento ou o processo de
O presente artigo aborda a importância da família na
crescimento.
formação social do adolescente, pois como assistente social
Para Organização Mundial da Saúde - OMS, a
do Centro de Referência Especializado de Assistência
Social - CREAS, trabalho diariamente com famílias e adolescência corresponde à segunda década de vida que vai
seus adolescentes de classe social menos favorecida, e na dos 10 aos 19 anos.
dificuldade destas famílias frente à fase de desenvolvimento No âmbito exclusivamente nacional, o Estatuto da
que estes adolescentes estão passando, quanto ao papel Criança e do Adolescente - ECA em seu artigo 2º estabelece
que exercem de orientar e educar, a entrada precoce destes o critério etário que situa a adolescência entre 12 e 18 anos
adolescentes no mercado de trabalho e as políticas públicas incompletos: “considera-se criança, para os efeitos desta Lei,
de apoio a estas famílias suas transformações ao longo dos a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente
tempos e seu papel na formação de seus adolescentes. aquela entre doze e dezoito anos de idade”.
Este trabalho tem como objetivos; investigar o papel que No mundo ocidental o conceito de adolescência é
família exerce na formação social dos adolescentes, pesquisar considerado como um espaço entre a infância e a idade adulta,
as transformações da família ao longo dos tempos e analisar deixando as crianças de serem consideradas um adulto em
as transformações que a adolescência provoca no individuo miniatura, surge no início do século XX, ganhando expressão
como uma fase peculiar de desenvolvimento. após a Segunda Guerra Mundial.
A respeito desse processo, os historiadores das
2 Desenvolvimento mentalidades, segundo Reis e Zioni (2007), até o Século
A metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica por XVIII, a escola organizava-se de maneira bastante diferente da
meio de leituras específicas da área. atual era mais abrigo de estudantes pobres do que instituições
de ensino. Contudo, as exigências do Século XVIII inspiraram
2.1 Adolescência: um conceito moderno
um movimento disciplinador, cuja extensão transformou a
O termo adolescência tem sua origem no Latim, sendo escola da época em um colégio encarregado do ensino, da
composto pelo sufixo a, que indica a para mais e o prefixo vigilância e enquadramento da juventude. O primeiro passo

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A Importância da Família na Formação Social do Adolescente

desse movimento foi separar as crianças menores das mais escassa, alimentação desequilibrada, maternidade precoce e
velhas, permitindo a identificação da fase cronologicamente desassistida, impostas pelo sistema social escravocrata.
posterior à infância (a adolescência) de preparação à vida Para Reis e Zioni (2007), tanto no conceito brasileiro
adulta. Utilizando-se de processo semelhante ocorrido quanto europeu,
entre oficiais no exército do Século XVIII. Daí em diante, a [...] o conceito de adolescência pode ser entendido como
adolescência se expandiria, empurrando a infância para trás e ‘masculino’ porque se constituiu a partir de experiências históricas
concretas das quais as mulheres encontravam-se excluídas.
a maturidade para frente. Portanto, a adolescência, do século
No Brasil, a inclusão feminina no âmbito de experiências
XIX e início XX, teve na escola e no exército seus elementos socialmente valorizadas e, consequentemente, dotadas de
concretos de formação. De maneira mais precisa, foi através visibilidade, foi inaugurada pelo movimento higieniza que
da observação das experiências dessas duas instituições criou condições-pelo menos parciais- para que, posteriormente,
o conceito de adolescência fosse estendido ao mundo das
que a sociedade moderna pôde compor uma nova realidade mulheres. A contribuição dos higienistas para essa extensão- que
psicológica, a adolescência. não significou desmasculinização do conceito- deve-se ao fato de
Esse conceito, no entanto, veio acompanhado de diversos que foram eles que tematizaram a situação social da mulher, ao se
encarregarem de promover a transformação do modelo familiar
estereótipos, fazendo com que acreditássemos que existe uma brasileiro, principalmente em sua versão urbana.
adolescência única.
Observa Frota (2007, p.148) que nessa perspectiva, Através do Movimento Higienista1, é que a adolescência
foi estendida ao mundo das mulheres no Brasil, pois este
a adolescência se configura como um momento em que,
naturalmente, o indivíduo torna-se alguém muito chato, difícil de movimento veio disseminando novos valores na busca da
se lidar e que está sempre criando confusão e vivendo crises. Deste conservação da saúde. Pretendia-se com este movimento uma
modo, existe uma leitura de senso comum que costuma colocar a maior higienização das residências. As escravas que até esse
criança vivendo o melhor momento da vida e o adolescente, uma
período eram as responsáveis pela limpeza e higienização
fase difícil para ele e para quem convive com ele.
das casas, foram avaliadas como incapazes para o exercício
Na realidade a adolescência surge, nas sociedades deste trabalho nas residências dos aristocratas. Sendo assim
ocidentais, diz Silva (1999, p.16), esse processo passou a ser exercido por suas esposas, as quais
[...] enquanto uma categoria especifica, como consequência passaram a ser mais valorizadas e reconhecidas, passando a
do desenvolvimento do capitalismo, mais particularmente no responsabilizarem-se pelo universo familiar, pela disciplina
momento em que crianças e jovens começam a deixar o trabalho
doméstica e pelos cuidados dos filhos e dos maridos.
nas industrias. Esse momento decorre do excesso de mão de obra,
ocasionando pelo intenso processo de urbanização das cidades, o Avançando no tempo, constatamos que enquanto
qual acompanha a industrialização. Ainda com a necessidade de construção da modernidade, a adolescência contemporânea
especificação da força de trabalho, impetrada pela modernização foi engendrada a partir de um contexto de crises e
cada vez maior das relações de produção capitalista, a
escolarização um status crucial, sendo o ensino obrigatório contestação social. Esse fenômeno facilitou que se plasmasse
prolongado cada vez mais. Consequentemente, a entrada do tal caracterização como a característica própria dos jovens. É
jovem no mundo do trabalho vai sendo adiada, configurando-se possível vermos que a virada para o século XX traz consigo
um espaço entre a infância e a vida adulta, ou seja, entre a fase
a invenção de uma adolescência representada como uma
economicamente não produtiva e a produtiva do ser humano.
fase de tempestades e tormentas e germe de transformações.
O processo de constituição da adolescência no Brasil foi O movimento hippie, da década de 60, e o juvenil, de 1968,
lento, por estar atrelado a sua formação social escravocrata, contribuíram para formar um discurso sobre o que é ser
onde crianças e adolescentes deviam obediência ao trabalho adolescente, instituindo o modelo masculino, da classe média,
escravo e tinham escasso tempo de vida. como o estalão privilegiado. Por toda a década de 70, o
Os filhos dos senhores de engenho até os 10 anos movimento de ampliação da contracultura juvenil continuou
exercitavam-se através de jogos brutais, enquanto os filhos se expandindo. Mas a história não para e, na década de 80,
dos escravos trabalhavam nas cozinhas das casas grandes e a acontece uma fragmentação nos movimentos juvenis. Grandes
partir dos 10 e 12 anos entravam para a vida adulta. mudanças surgem no plano político, o mesmo acontece no
As mulheres brancas casavam-se por volta dos 12 e 13 espectro público da juventude brasileira (FROTA, 2007).
anos, a educação era dispensada a elas fazendo com que Observamos que em função dos índices de fertilidade
desconhecessem a instituição escolar, e eram criadas em um registrados nos anos de 1980, vivemos no Brasil uma onda
ambiente patriarcal vivendo na dura tirania dos pais depois adolescente entre 1995 e 2005. Isto significa que em 1995,
substituída pela tirania dos maridos. tínhamos 15,8 milhões de adolescentes entre 15 e 19 anos
A menina escrava iniciava a sua vida sexual precocemente, (10,4% da população brasileira). O censo demográfico de
pois eram vistas pelos aristocratas com o um ventre criador, 2000 mostra que existem 84,3 milhões de pessoas na faixa
sendo assim envelheciam rapidamente devido à higiene etária de 0 a 24 anos-crianças adolescentes e jovens, sendo

1 O Movimento Higienista surgiu no fim do século XIX e inicio do século XX, e propunha-se educar a população, ensinando novos hábitos de vida, com
o desejo de melhorar as condições de saúde coletiva da população.

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25.001.851 adolescentes, entre 12 e 18 anos (IBGE, 2001). interesses do adolescente são diversos e mutáveis, sendo que a
Nos dias atuais o período da adolescência é visto como uma estabilidade chega com a proximidade da idade adulta.
época especial do desenvolvimento humano, caracterizado Uma marca comum na maioria dos adolescentes é a
através de processos de socialização diversos em relação às necessidade de fazer parte de um grupo. Essa necessidade
fases da vida adulta e da infância. está relacionada à importância atribuída as amizades, as quais
Na visão de Frota (2007, p.157), a adolescência possibilitam a integração a um grupo de interesses comuns.
[...]deve ser pensada para além da idade cronológica, da O grupo exerce influências sobre suas escolhas, gostos,
puberdade e transformações físicas que ela acarreta, dos ritos de comportamentos e atitudes.
passagem, ou de elementos determinados aprioristicamente ou
Outro aspecto de suma importância é a construção da
de modo natural. A adolescência deve ser pensada como uma
categoria que se constrói, se exercita e se re-constrói dentro de identidade, que acontece durante toda, ou grande parte da vida
uma história e tempo específicos. do individuo, pois desde o nascimento o homem inicia uma
Assim, para a compreensão da adolescência, é necessário longa interação com o meio em que está inserido, a partir da
levar em conta as transformações ocorridas na sociedade qual constituirá não só a sua identidade, como sua inteligência,
contemporânea. suas emoções, seus medos e sua personalidade.
De acordo com Erickson (1972, p.21),
2.2 A adolescência como fase peculiar de desenvolvimento a formação da identidade emprega um processo de reflexão e
A adolescência é caracterizada como um momento de observação simultâneas, um processo que ocorre em todos os
níveis do funcionamento mental, pelo qual o individuo se julga a
transição na história do homem, e é vista como uma fase de si próprio à luz daquilo que percebe ser a maneira como os outros
maturação dos corpos, aquisição de novos valores. o julgam, em comparação com eles próprios e com uma tipologia
Observa Frota (2007, p.155) que, que é significativa para eles; enquanto que ele julga a maneira
como eles o julgam, a luz do modo como se percebe a si próprio
para a maior parte dos estudiosos do desenvolvimento humano, em comparação com os demais e com os tipos que se tornam
ser adolescente é viver um período de mudanças físicas, importantes para ele.
cognitivas e sociais que, juntas, ajudam a traçar o perfil desta
população. Atualmente, fala-se da adolescência como uma fase Romamelli e Watarai (2005) acrescentam que nessa
do desenvolvimento humano que faz uma ponte entre a infância fase, paralelamente ao surgimento de novas formas de
e a idade adulta. Nessa perspectiva de ligação, a adolescência
é compreendida como um período atravessado por crises, que sociabilidade e com a emergência de mudanças corporais e
encaminham o jovem na construção de sua subjetividade. Porém, o início de manifestações de sexualidade, os adolescentes
a adolescência não pode ser compreendida somente como uma vivem sentimentos conflitantes enquanto buscam conquistar
fase de transição. Na verdade, ela é bem mais do que isso.
independência financeira e autonomia em relação aos pais e
É um período peculiar de desenvolvimento, não apenas aos adultos em geral. Trata-se de um processo marcado por
o momento da puberdade do individuo, mas um momento de novas descobertas, que são vividas de modo intenso na busca
desenvolvimento sócio histórico ligados diretamente a fatores de construção da identidade.
biológicos, psicológicos, sociais e jurídicos. Erickson (1972, p.21) enfatiza “[...]que a identidade não
Do ponto de vista biológico é a fase em que o individuo deve ser vista como algo estático e imutável, como se fosse
passa por transformações hormonais, físicas, já possui os uma armadura para a personalidade, mas como algo em
caracteres sexuais secundários e atinge a fase de maturação constante desenvolvimento”.
sexual. Portanto, entre os aspectos importantes no desenvolvimento
Durante a adolescência ocorrem significativas mudanças da identidade, estão as fases ou períodos da vida que o
hormonais, que acabam influenciando diretamente no individuo atravessa até chegar a idade adulta, desta forma, o
comportamento dos adolescentes. Em geral há alterações grande conflito da adolescência é a crise da identidade e esta
no estado do humor, no comportamento, na agressividade, fase só terminará quando a identidade do individuo estiver
na alternância de períodos de tristeza, felicidade e agitação, encontrado uma forma que determinará, a vida ulterior.
sendo características comuns a essa fase de desenvolvimento. Cabe ressaltar que o termo crise adotado por Erickson não
Nesse período os processos psicológicos e as formas é sinônimo de catástrofe ou desajustamento, mas de mudança;
de identificação passam da fase infantil para a fase adulta, de um momento crucial no desenvolvimento no qual há a
fazendo com que o adolescente passe por uma transição de necessidade de se optar por uma ou outra direção mobilizando
dependência econômica total para um estado de relativa recursos que levam ao crescimento.
independência. A construção da identidade é pessoal e social, pois acontece
Segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999, p.106) de forma interativa por meio de trocas entre o individuo e o
No aspecto afetivo, o adolescente vive conflitos, deseja libertar-se meio e está intimamente relacionada, com a cultura, com os
do adulto, mas ainda depende dele. Deseja ser aceito pelos amigos valores e a sociedade e o contexto social em que está inserido.
e pelos adultos, o grupo de amigos é um importante referencial Para Violante (1984) ao ser introduzido no mundo
para o jovem, determinando o vocabulário, as vestimentas e
outros aspectos do seu comportamento. Começa a estabelecer objetivo da sociedade, o individuo aprende a realidade ao
sua moral individual, que é referenciada à moral do grupo, os mesmo tempo em que adquire identidade, sendo a identidade

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elemento chave da realidade subjetiva, elo entre o individuo e das diferenças nas condições concretas de vida em
a estrutura social. sociedade, a adolescência, mais do que uma fase peculiar de
Para os adolescentes oriundos de classes sociais mais desenvolvimento, tem seus contornos definidos e é delimitada
favorecidas, criam-se expectativas para que quando o pela realidade sócio histórica em que está inserida.
jovem adentrar para o mundo adulto, termine os estudos,
2.3 Família e adolescente
saia da família de origem, constitua outra família e tenha
um emprego estável, já para as famílias empobrecidas A família, ao longo do tempo, tem sofrido várias
preocupa-se com a luta diária pela garantia e manutenção da transformações, contudo figura como maior agente de
sobrevivência. socialização e desenvolvimento de seus membros.
Nestas circunstâncias diz Losacco (2007, p.72), Na concepção de Losacco (2007, p.64) a família é
[...] dos jovens de classes menos favorecidas e dos segmentos a célula do organismo social que fundamenta uma sociedade. Lócus
mais pobres da sociedade, exige-se a entrada precoce no mundo nascendi das histórias pessoais, é a instância predominantemente
do trabalho. Sem a possibilidade da preparação necessária responsável pela sobrevivência de seus componentes; lugar de
(escolaridade formal, cultural e técnica) para o desempenho pertencimento, de questionamentos; instituição responsável
de um papel profissional especializado, vemos cada vez mais pela socialização, pela introjeção de valores e pela formação
dificultada a conquista de emprego e ampliada a exploração de de identidade; espaço privado que se relaciona com o espaço
sua mão de obra, exploração, esta concretizada pelos baixos público.
salários e o acúmulo de jornadas de trabalho para garantia de sua
manutenção. Para Sarti (2003, p.42),
A família no capitalismo, deixou de ser uma ‘unidade de
Sendo assim, os jovens oriundos de classes menos
produção’ na medida em que esse sistema separou a produção,
favorecidas, chegam ao mundo adulto com diversas como esfera pública, da família, que se tornou a esfera privada
dificuldades, com poucas condições para refletir sobre as da vida social. Em termos de sua funcionalidade econômica, a
condições a que se encontra, seus conflitos familiares e família passou, então, a constituir uma ‘unidade de consumo’.
Para a razão instrumental, a organização da vida material, a
com a sociedade como um todo, tendo que por muitas vezes sobrevivência para os pobres é concebida como a razão da
preocupar-se primordialmente em conseguir o básico: roupa, constituição da família.
comida e quem sabe algumas vezes conseguir a diversão.
Fazendo um retrocesso histórico, percebemos que nas
Nesta perspectiva Coimbra (2005, p.22) afirma que
sociedades primitivas não existia uma organização familiar.
[...]para o jovem ser pobre e residir na periferia é condição Sakamoto (2007), relata que nesse estágio ainda não se
intransponível e determinante de uma categoria, pois as
oportunidades de ascensão social ou de acesso aos direitos podia falar em organização familiar, uma vez que homens e
básicos são escassos ou quase inexistentes. Isso pode gerar mulheres viviam em estado total liberdade social e sexual,
atitude de revolta, frustração e desesperança, pois ele não acredita com uniões múltiplas no interior do grupo e sem demarcação
na possibilidade de mudar o curso de sua história.
de parentesco.
Já os adolescentes de classes sociais mais favorecidas têm Segundo Piana (2007) foi somente em meados do século
acesso a boas escolas, se alimentam bem, usam roupas boas, XVII que a família começou a delimitar uma área maior
residem em bairros com boa infraestrutura, em sua grande de vida particular e os costumes contemporâneos foram
maioria possuem planos de saúde e atividades de lazer. fortemente influenciados pelo sentimento de família que se
Aos adolescentes de classes menos favorecidas a desenvolveu na Europa a partir do século XVI, especialmente
realidade apresenta-se de uma forma bastante perversa, nas classes mais abastadas.
sendo que um grande número é forçado a iniciar no mundo Para Sakamoto (2007) a família transformou-se com o
do trabalho precocemente, o que acarreta nestes jovens sérias passar dos anos, na mesma proporção ao que ocorreu ao próprio
consequências em seu desenvolvimento físico, emocional e individuo. O conceito de família veio sendo constituído desde
social. os primórdios da civilização e, em nenhuma época a família se
Independentemente da classe social a que pertença, mostrou igual a uma outra.
o adolescente provoca uma verdadeira revolução em seu meio Na contemporaneidade, com as novas formações
familiar e social, e isto cria um problema de gerações nem societárias também ocorreu transformações no modo de se
sempre bem resolvido. Enquanto ele passa por uma adaptação organizar das famílias, com novos arranjos familiares.
para a fase adulta, seus pais vivem a ruptura do equilíbrio do
desempenho do papel de pais de criança, para adquirirem, Segundo Minuchim (1990) a família, ao sofrer influências
também, com mais ou menos esforço e sofrimento, um novo da sociedade muda, se adapta e se reestrutura às circunstancias
papel, o de pais de adolescente, situação que lhes exigirá novas históricas, de maneira a manter a continuidade e a intensificar
respostas (LOSACCO, 2007, p.69).
o crescimento psicossocial de cada membro.
Portanto, as diferenças e semelhanças existentes entre Esclarece Romanelli (2003), que pesquisas sobre família
os adolescentes de diferentes classes sociais, explicam as no Brasil demonstram a diversidade na sua organização,
diversas formas de ver, de reagir e de inteirar-se com o mundo, tanto na composição quanto nas formas de sociabilidade que
com padrões de comportamentos singulares. vigoram em seu interior.
Na realidade é necessário reconhecer que em razão Cabe ressaltar que hoje vemos a família constituída de

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diferentes maneiras, seja pelo casamento civil ou religioso, de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
pela união estável, por grupos formados pelos pais ou opressão (BRASIL, 1988).
ascendentes e seus filhos, sobrinhos ou netos, mães e pais As demais legislações produzidas ao longo da década
solteiros e uniões homossexuais, deixando a família de ser de 1990 e 2000, reafirmam os princípios constitucionais
vista só como aquela formada unicamente pelo casamento e ressaltam a importância da família no desenvolvimento
formal. Essas novas configurações são baseadas mais no psicossocial de crianças e adolescentes, uma vez que, é no
afeto do que nas relações de consanguinidade, parentesco ou seio da família e da comunidade que são construídas as
casamento. relações primárias.
No debate contemporâneo, segundo Losacco (2007) não De acordo com Guimarães (2007, p. 131):
é mais possível falar de família (no singular). A partir das O Estado deve ser o maior responsável e a sociedade no seu
diversidades e das complexidades apontadas, além de outras conjunto, co-responsável, na execução de uma política global
aqui não exploradas, o eixo do discurso deve ser famílias (em de família com especial atenção para com seus membros mais
vulneráveis e mais desprotegidos. Devendo ser proporcionados
sua pluralidade). às famílias, os meios e recursos necessários para que deles
Genofre afirma (2003, p.102) “que na constituição da possam cuidar, tendo como primazia a manutenção dos vínculos
família, o segmento mais vulnerável é o da criança e do familiares, independente da situação de vulnerabilidade social.
adolescente, pois, é neste ambiente que eles vivenciam o Segundo Guimarães (2007) a Política Nacional de
contato com a vida social”. Assistência Social vem estabelecer efetivamente a assistência
A esse respeito Szymanski (2003, p.23) complementa que social como política de Estado, determinando ao Estado a
desde de Freud, a família, em especial, a relação mãe-filho, responsabilidade na universalização da cobertura e na garantia
[...] tem aparecido como referencial explicativo para o de direitos e de acesso a serviços, programas e projetos a
desenvolvimento emocional da criança. A descoberta de que serem assegurados aos brasileiros, através do Sistema Único
os anos iniciais de vida são cruciais para o desenvolvimento da Assistência Social - SUAS.
emocional posterior focalizou a família como o lócus
potencialmente produtor de pessoas saudáveis, emocionalmente Já o SUAS constitui-se na regulação e organização em
estáveis, felizes e equilibradas, ou como o núcleo gerador todo território nacional da rede de serviços sócio assistenciais,
de inseguranças, desequilíbrios e toda sorte de desvios de vindo materializar o conteúdo da Lei Orgânica da Assistência
comportamento.
Social - LOAS, promulgada em 7 de dezembro de 1993 (Lei n°
A família figura ainda como fonte de segurança e em 8.742), que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição,
referencial para o adolescente uma vez que, estabelecendo o sistema de proteção social para os grupos
este vivencia intensamente o processo de construção de sua mais vulneráveis da população, por meio de benefícios,
identidade, sendo fundamental a experiência vivida em família serviços, programas e projetos.
e a convivência com os pais, irmãos, avós e outras pessoas Em seu art. 2°, estabelece que a assistência social tem por
significativas. Uma atitude de oposição a seu modelo familiar
objetivo dentre outros: I) a proteção à família, à infância e a
e aos pais é parte inerente do processo de diferenciação
em relação a estes e de construção de seu próprio eu. O adolescência; II) o amparo às crianças e adolescentes carentes.
desenvolvimento da autonomia se dará de modo crescente, Vale salientar que as ações de assistência social não se
mas o adolescente, em diversos momentos, precisará recorrer dirigem ao universo, a população infanto-juvenil, mas a um
tanto a fontes sociais que lhe sirvam de referência (educadores,
colegas e outras) quanto à referência e à segurança do ambiente segmento especifico que delas necessita por se encontrar em
familiar (PNCFC, 2006, p.31). estado de carência, exclusão ou risco pessoal e social.
Constatamos assim, que a legislação brasileira vigente
De acordo com Romanelli (2003) a forma de organização
reconhece e preconiza a família, enquanto estrutura vital,
da família é um elemento relevante no modo como ela conduz
lugar essencial à humanização e à socialização da criança
o processo de socialização dos imaturos, transmitindo-
e do adolescente, espaço ideal e privilegiado para o
lhes valores, normas e modelos de conduta e orientando-os
desenvolvimento integral dos indivíduos. Contudo, a história
no sentido de tornarem-se sujeitos de direitos e deveres no
social das crianças, dos adolescentes e das famílias revela que
universo doméstico e no domínio público.
estas encontraram e ainda encontram inúmeras dificuldades
No cenário brasileiro, tanto na Constituição Federal
para proteger e educar seus filhos. Tais dificuldades foram
de 1988 (BRASIL, 1988), quanto no Estatuto da Criança e
traduzidas pelo Estado em um discurso sobre uma pretensa
do Adolescente (BRASIL, 1990) a família, a criança e o
‘incapacidade’ da família de orientar os seus filhos. Ao longo
adolescente ganham centralidade - expressas basicamente em
de muitas décadas, este foi o argumento ideológico que
dois artigos da CF: art. 226 a família, base da sociedade, tem possibilitou Poder Público o desenvolvimento de políticas
especial proteção do Estado e art. 227 que estabelece: paternalistas voltadas para o controle e a contenção social,
é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança principalmente para a população mais pobre, com total
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
descaso pela preservação de seus vínculos familiares.
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência A esse respeito Guimarães (2007, p.133) acrescenta que
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma a família

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constitui uma realidade dinâmica e em permanente evolução, Face a está realidade, o assistente social tem que pensar
sendo essencial desenvolver medidas concretas e adequadas que em formas interventivas eficazes para auxiliar as famílias
correspondam às necessidades próprias das diferentes fases do
ciclo de vida familiar, que contribuam e proporcionem melhores frente aos desafios colocados nesta fase da adolescência, além
condições educativas, econômicas, laborais, sociais e culturais, de cobrar do poder público políticas públicas voltadas a este
que facilitem a formação e a realização da pessoa humana no seio segmento.
da família, a manutenção de unidade familiar e a sua estabilidade
ao longo do tempo. Referências
Contudo, as famílias em situação de pobreza e frente a não BOCK, A.M.B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M.LT. Psicologias:
oferta ou oferta irregular de políticas públicas, como elucida uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva,
Coimbra (2005, p.23), 1999.

[...] são obrigadas a criar suas estratégias de sobrevivência


BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
levando seus filhos a contribuírem com o sustento da família,
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998.
privando-os do tempo que deveriam se dedicar à escola, ao BRASIL. Presidência da República. Ministério do
esporte e ao lazer. Estas por sua vez, expostas às vivências de Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Plano Nacional da
rua, entram em contato com as drogas, com a prostituição, e com Assistência Social / Secretaria Nacional da Assistência Social.
a infração em geral. Brasília: MDS, 2006

Nessa perspectiva entendemos que, para que a proteção BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos
Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
especial a família ocorra, dada a sua reconhecida importância do Adolescente. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa
no desenvolvimento da criança e do adolescente, são do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar
necessários requisitos, ou compromissos a serem assumidos e Comunitária / Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Brasília: Conanda, 2006.
necessariamente pelo Estado e pela sociedade civil
(GUIMARÃES, 2007). Através da concepção, fomento, BRASIL. Presidência da República. Lei Orgânica da Assistência
Social, n. 8.742, de 07 de dezembro de 1993, publicada no DOU
desenvolvimento e integração de políticas adequadas, que de 08 de dezembro de 1993. Brasília, 1993.
efetivamente potencialize as suas funções específicas como BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de
agente socializador. 13 de julho de 1990. Brasília, 1990.
COIMBRA, M.I.A.M. A perspectiva do adolescente que cumpre
3 Conclusão
medida socioeducativa no município de Franca/SP. (Dissertação
Ao abordarmos a importância da família na formação de Mestrado em Serviço Social) - Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, Franca, 2005.
social do adolescente, devemos ressaltar que o conceito de
DALBERIO, O.; FILHO, M.J. (Org.). Família: conjunturas,
adolescência é recente, surgindo no mundo ocidental no início
organização e desenvolvimento. Franca: UNESP, 2007.
do século XX, ganhando visibilidade após a segunda guerra
ERICKSON, E.H. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro:
mundial. Zahar, 1972.
A fase da adolescência é vista como uma fase de
FROTA, A.M.M.C. Diferentes concepções da infância e
inquietações e contestações, sendo de extrema importância adolescência: a importância da historicidade para sua construção.
para o adolescente à influência de grupos de amigos, e de ser Estudos e Pesquisas em Psicologia. v.7, n.1. p.147-160, 2007.
aceito neste grupo. Nessa fase também se dá a construção GENOFRE, R.M. Família: uma leitura jurídica. In: CARVALHO,
da sua identidade, a qual acontece durante toda a vida do M.C.B. (Org.). Família contemporânea em debate. São Paulo:
EDUC/ Cortez, 2000, p.97-104
indivíduo, as transformações corporais e a aquisição de novos
valores. GUIMARÃES, M.I.B.N. Propondo uma política nacional de
família. In: JOSÉ FILHO, M.; DALBERIO, O. (Org.). Família:
Embora as modificações psicológicas, físicas e corporais conjuntura, organização e desenvolvimento. Franca: UNESP/
assemelham-se entre esses jovens de todas as classes sociais, FHDSS, 2007, p.125-138
as condições de sobrevivência são determinadas de diferentes LOSACCO, S. O jovem e o contexto familiar. In: ACOSTA,
maneiras, onde os jovens oriundos das classes sociais mais A.R.; VITALE, M.A.F. (Org.). Família: redes, laços e políticas
públicas. São Paulo: Cortez: PUC/SP, 2007, p.63-76.
favorecidas preocupam-se em terminar seus estudos e
conseguir um emprego estável, e os jovens oriundos de MINUCHIM, S. Famílias: funcionamento e tratamento. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1990.
famílias empobrecidas preocupam-se com a luta diária pela
NORONHA, D; FERREIRA, S. Revisões da literatura. In:
sobrevivência.
CAMPELLO, B.S; CENDÓN, B.V; KREMER, J.M. (Ed.)
Consideramos assim que a adolescência seja mais que Fontes de informação para pesquisadores e profissionais. Belo
uma fase peculiar de desenvolvimento, tendo seus contornos Horizonte: Editora da UFMG, 2000. 
definidos e sendo delimitada pela realidade sócio-histórica a PIANA, M.C. A família e o estatuto da criança e do adolescente.
qual está inserida. In: FILHO, J.M.; DALBERIO, O. (Org.). Família: conjuntura,
organização e desenvolvimento. Franca: UNESP/ FHDSS, 2007,
Podemos afirmar ainda que é no seio da família e da
p.109-124
comunidade que crianças e adolescentes constroem suas
REIS, A.O.A.; ZIONI, F. O lugar do feminino na construção do
relações primárias que são definidas como primordiais para conceito de adolescência. Rev. Saúde Pública, v.27, n.6, p.472-
seu desenvolvimento. 477, 2007.

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FERRONATO, V.F.O.

ROMANELLI, G. Autoridade e poder na família. In: desenvolvimento. Franca: UNESP, 2007, p.19-38
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