COMISSÃO CIENTÍFICA
DIRETOR
M. Januário da costa Gomes
COMISSÃO DE REDAÇÃO
Pedro infante Mota
catarina Monteiro Pires
Rui tavares lanceiro
Francisco Rodrigues Rocha
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
Guilherme Grillo
PROPRIEDADE E SECRETARIADO
Faculdade de direito da universidade de lisboa
alameda da universidade – 1649-014 lisboa – Portugal
ÍNDICE 2021
TOMO 1
ESTUDOS DE ABERTURA
ESTUDOS DOUTRINAIS
A. Dywyná Djabulá
79-112 a dinâmica do direito internacional do Mar em Resposta à crescente vulnerabilidade
da biodiversidade Marinha
The Dynamics of International Sea Law in Response to the Increasing Vulnerability of Marine
Biodiversity
Alfredo Calderale
113-143 vulnerabilità e immigrazione nei sistemi giuridici italiano e brasiliano
Vulnerability and immigration in the Italian and Brazilian legal systems
3
RevistaFDUL_LXII_1_2021_1_paginacao 14/08/2021 11:34 Page 4
4
RevistaFDUL_LXII_1_2021_1_paginacao 14/08/2021 11:34 Page 5
TOMO 2
Mafalda Carmona
603-635 “Para o nosso próprio bem” – o caso do tabaco
“For our own good” – the tobacco matter
Margarida Paz
655-679 a proteção das pessoas vulneráveis, em especial as pessoas idosas, nas relações de consumo
The protection of vulnerable people, especially the elderly, in consumer relations
Margarida Seixas
681-703 intervenção do estado em meados do século XiX: uma tutela para os trabalhadores
por conta de outrem
State intervention in the mid-19th century: a protection for salaried workers
5
RevistaFDUL_LXII_1_2021_1_paginacao 14/08/2021 11:34 Page 6
Sandra Passinhas
871-898 a proteção do consumidor no mercado em linha
Consumers’ protection in digital markets
JURISPRUDÊNCIA CRÍTICA
6
RevistaFDUL_LXII_1_2021_1_paginacao 14/08/2021 11:34 Page 7
7
RevistaFDUL_LXII_1_2021_1_paginacao 14/08/2021 11:34 Page 8
RevistaFDUL_LXII_1_2021_1_paginacao 14/08/2021 11:34 Page 71
Resumo: Reflecte-se no presente texto sobre Abstract: in the presente writing we reflect
o avanço e as hesitações em torno da palavra on the advances and hesitations about the
“vulnerabilidade” no discurso contemporâ- word “vulnerability” in the modern discourse,
neo, em particular nas encíclicas «laudatio in particular the encyclicals «laudatio si’»
si’» (2015) e «Fratelli tutti» (2020) do Papa (2015) and «Fratelli tutti» (2020) of the
Francisco. Pope Francis.
Palavras-chave: vulnerabilidade; pandemia; Keywords: vulnerability; pandemics; Pope
Papa Francisco; encíclica «laudatio si’»; en- Francis; encyclical «laudatio si’» (2015);
cíclica «Fratelli tutti». encyclical «Fratelli tutti» (2020).
1. Introdução
em «les mots et les choses», Foucault (1966) chamava a atenção para a im-
portância do subsolo epistémico da linguagem. de facto, como ajudou a ver, os
conceitos que moldam o espírito de uma época funcionam, no fundo, como «uma
grande rede», isto é, uma complexa engrenagem de representações, identidades,
ordenamentos, necessidades, desejos ou interesses1. nessa linha, ele sugeria uma
deslocação do foco de pesquisa, promovendo uma espécie de arqueologia desse
sistema de relações. quando uma palavra emerge ou desaparece do léxico de uma
época, quando ganha ou perde centralidade estamos perante um sintoma. nas
palavras podemos escavar, e Hamlet sabia-o, mais do que «words, words, words».
*
Poeta e escritor. cardeal da igreja católica. arquivista e bibliotecário da santa sé.
1
MicHel Foucault, Les mots et les choses. Une archéologie des sciences humaines (Paris: Gallimard,
1966), 314.
talvez seja de utilidade recordar que o termo vulnerabilidade tem uma origem
relativamente recente. Pertencentes àquilo que designaríamos como o campo
semântico de vulnerabilidade, a língua latina conhece o substantivo vulnus, o
adjetivo vulnerabilis e o verbo vulnerare. a palavra vulnerabilidade é-lhe desconhecida.
nas línguas modernas, as primeiras atestações datam apenas do século XiX e XX2
e, em vários casos, por contaminação com o discurso literário. Podemos assim
supor que, antes de existir como vocábulo, vulnerabilidade começou por descrever
uma experiência, sinalizando desse modo apenas casos concretos (os ditos vulneráveis
e as feridas correlativas), e só mais recentemente, por um processo de conceptualização,
se tem vindo gradualmente a fixar. com esta conceptualização ganhou uma
plasticidade e transversalidade maiores, que justificam, por exemplo, a evidente
fortuna do vocábulo em diversos âmbitos das ciências humanas. Mas o problema
da instabilidade terminológica não está resolvido. como recorda Marogna (2018),
«a noção, sujeita a várias tentativas de aferição por parte do debate filosófico, apre-
senta-se ainda fortemente indeterminada»3. as resistências à implementação do
termo são, podemos resumir, de duas orientações: uma que denuncia os efeitos
estigmatizantes que a designação pode fazer recair sobre os sujeitos, circunscre-
vendo-os a uma categoria centrada no problema e não na pessoa (daí a insistência
em que se distinga, por exemplo, a pessoa das situações de vulnerabilidade em que
se possa inscrever); e outra que vê na excessiva amplitude do termo uma declaração
2
veja-se a resenha histórica apresentada em GioRGia MaRoGna, “Alle origine (terminologiche) della
vulnerabilità: vulnerabilis, vulnus, vulnerare” in orsetta Giolo – baldassare Pastore, Vulnerabilità.
Analisi multidisciplinare de in concetto (Roma: carocci, 2018), 13-14.
3
MaRoGna, “Alle origine (terminologiche) della vulnerabilità: vulnerabilis, vulnus, vulnerare”, 14.
72
RevistaFDUL_LXII_1_2021_1_paginacao 14/08/2021 11:34 Page 73
4
cf. elena PaRiotti, “Vulnerabilità e qualificazione del soggetto: implicazioni per il paradigma dei
diritti umani” in orsetta Giolo – baldassare Pastore, Vulnerabilità. Analisi multidisciplinare de in
concetto (Roma: carocci, 2018), 155.
5
daMian HoWaRd, sJ, “Laudato Si’: A Seismic Event in Dialogue between the Catholic Church and
Ecology” in thinking Faith (June 18, 2015).
6
cf. u.M. yañeZ (ed.), Laudato si’. Linee di lettura interdisciplinari per la cura della casa comune
(Roma: Gregorian & biblical Press, 2017); PeteR tuRKson, “La ricezione dell’Enciclica Laudato
si’ da parte delle differenti Conferenze episcopali” in antonianum 91 (2016), 1091-1096.
7
FRancesco, Discorso a un gruppo di esperti che collaborano con la conferenza dei vescovi di Francia
sul tema della Laudato Si’ (3 settembre 2020).
8
FRancesco, Lettera Enciclica Laudato Si’ sulla cura della casa comune (2015), n.91.
9
FRancesco, Lettera Enciclica Laudato Si’, n.52.
74
RevistaFDUL_LXII_1_2021_1_paginacao 14/08/2021 11:34 Page 75
privada, sobre o qual não é possível construir um consenso social. Mas, como diz
o Papa Francisco, sem a fraternidade e a amizade social, a visão da liberdade e da
igualdade correm o risco de se tornar inconclusivas e abstratas. o reconhecimento
da fraternidade é, por isso, uma das tarefas atuais mais prementes: «sonhemos
como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como
filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua
fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos»10. este
sonho pede um realista exercício de consciencialização dos obstáculos hodiernos
ao desenvolvimento da fraternidade universal. não admira que, também nesta
encíclica, o campo semântico da vulnerabilidade jogue um papel axial. Podemos
encontrar registos lexicográficos paralelos àqueles elencados na «laudato si’»:
débeis/debilidade (21x), «ferido(s)/ferida(s)» (35x), «frágil/frágeis» (16x), «pobre(s)/po-
breza» (57x). a novidade é que nesta encíclica, encontramos de forma mais explícita,
mesmo se não dominante, os vocábulos «vulneráveis» (3x) e «vulnerabilidade»
(1x).
10
FRancesco, Lettera Enciclica sulla Fraternità e l’amicizia sociale (2020), n.8.
11
FRancesco, Lettera Enciclica sulla Fraternità, n.32.
12
Paulo RuFini, “Cosa è successo il 27 marzo a Piazza San Pietro” in FRancesco, Perché avete paura?
Non avete ancora fede? (città del vaticano: libreria editrice vaticana, 2021), 19.21.
13
cf. eMManuel lévinas, Humanisme de l’autre homme (Montpellier: Fata Morgana, 1972).
14
cf. lauRa caPantini – MauRiZio GRoncHi, La vulnerabilità. I semi teologici di Francesco
(Milano: san Paolo, 2018), 8.
76