Instituto de Direito Público e Ciência Política e da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Sem dúvida alguma vem ocorrendo profunda distor-
ção na análise conjuntural dos fatos sociológicos que dizem respeito ao esfôrço dos povos subdesenvolvidos para se integrarem na sociedade humana integralmente valori- zados e dignificados. Se podemos afirmar ser a valorização do homem, quer isoladamente, quer como componente de uma indi- vidualidade social, produto da sua condição econômica pessoal e da condição econômica do grupo a que pertence; se podemos afirmar que o progresso tecnológico, fator con- dicional do progresso científico, rompeu o dique da igno- rância em que o homem e as coletividades humanas vi- viam, revelando-se uns aos outros estarrecidos e perple- xos entre si estruturas sociais e modus vivendi antagô- nicos e descompassados, entre os quais medeiam cente- nas e milhares de anos (desde a atual sociedade cientí- fica até as mais rudimentares e primitivas formas de co- munidade organizada coexistem ao mesmo tempo) e co- locou em destaque a presente necessidade de recuperação das sociedades primitivas através da modificação das téc- nicas de produção de riquezas necessárias, utilitárias e vo- luntárias, bem como de uma melhor distribuição das mes- mas; se podemos afirmar que as meditações e as pesquisas DEZEMBRO/1967 - 54-
concluíram estar no cerne de todo o descontentamento
de tôda a inquietação da sociedade massificada o proble- ma dos equilíbrios das estruturas econômicas; se podemos afirmar que a tônica do mundo atual é o "hommo econo- micus", como foi na época do liberalismo "o hommo po- liticus" e que a preocupação do administrador, do esta- dista contemporâneo é eminentemente de ordem econô- mica e mais, que o êxito político se reduz a um problema de "caixa" podemos afirmar, também, que o fato jurídico e o fato político ainda preponderam sôbre o fato econô- mico, condicionando-o e não sendo condicionado como raciocínios distorcidos, interêsses conjunturais ou um pro- cesso de informação e de formação de valôres superados pretendem. Na realidade, está ocorrendo presentemente uma visão deformada da verdade científica, e confunde-se o problema de comunicação, de informação aonde o tema econômico prepondera como tônica monocórdica. Se o objetivo atual e imediato do homem é superar suas con- dições chamadas de subdesenvolvimento, procurando uma integração total nos benefícios da sociedade moderna, se a utopia dos pensadores antigos está sendo descortinada e a sociedade humana, apesar dos pesares, caminha para ela sôbre o empuxe do progresso científico, havemos de convir que a preponderância do fato econômico é super- ficial, episódica e imediatista como já foi no passado a preponderância do fato ético e mais tarde a preponderân- cia do fato político. Libertado o homem de outros grilhões que lhe en- travavam o pleno exercício de sua condição biológica de ser racional dedicou-se êle inconscientemente a usufruir em sua plenitude o produto de seu trabalho orientado por sua inteligência. Em resumo, usufruir o produto da sua criação que ocorre através do domínio das fôrças da na- tureza e sua conseqüente transformação. Êste status psicológico somado ao processo de condi- cionamento ético determinado pelas já assinaladas con- RE\'ISTA DE CIÊ:\CIA PllLíTICA - 55-
quistas da técnica, vão determinando aparentemente a
prevalência do técnico e do econômico sôbre o jurídico e sôbre o político. Daí surge a idéia errônea de que tecno- cracia se confunde com o absolutismo da economia polí- tica. Tal raciocínio rudimentar e primitivo a ser verda- deiro, nos levaria a um caos institucional, pois um Estado governado apenas por leis de fatos econômicos ou elabo- radas simplesmente por economistas sem a sensibilidade e principalmente sem a técnica e sem a visão científica es- pecializada do politicólogo e do jurista, seria um Estado inviável. Passando o fato econômico a preponderar tal como moderna mente ocorre e sendo o objetivo das normas re- gulamentadoras e indispensáveis ao funcionamento da so- ciedade politicamente organizada, passará êle a ser neces- sàriamente institucionalizado e regulamentado. Última ratio passará o fato econômico e a se adaptar a uma nor- ma jurídica escrita que lhe dará forma eficácia e obriga- toriedade e passará também a ser condicionada pela di- nâmica do fato político que limitará a intensidade de sua aplicação. O que se confunde é a participação dos cientistas da economia nos esquemas de decisão governamental em todos os escalões influenciando-os e inspirando-os. Entre- tanto, a realidade é que tendo o homem contemporâneo como meta a prosperidade individual como produto da prosperidade coletiva, e que a prosperidade coletiva para ser alcançada requer a reformulação das relações entre o capital e o trabalho, da distribuição e redistribuição do lucro, do planejamento da produção, do contrôle da circulação, da contenção do poder econômico, do contrôle e orientação das economias familiares e individuais, nada mais simplório e elementar do que se aceitar de bom grado e como uma necessidade premente a participação da ciência econômica na elaboração dos planos de govêr- no e que se dê a êste govêrno um instrumental científico da macro e da microeconomia, e que sejam acolhidos os DEZE.\\BRO/I967 - 56-
economistas de braços abertos como assessôres do politi-
cólogo e do jurista numa simbióse benéfica ao bem-estar social. Por outro lado, a ação coercitiva do Estado requer uma infcrmação especializada de seus dirigentes no que concerne aos fatos econômicos, e esta ação coercitiva vai fatalmente atraindo para o Estado a ação empresarial. Isto é, o Estado aVOca a si a produção, a distribuição de certos bens e quanto mais planeja esquemas e programas de produção, mais necessita da opinião dos economistas. Entretanto, conforme já foi dito acima, esta realidade gera a premência de serem equacionados os fatos econômicos em normas jurídicas. Então quem preponderá? A política? O fato econômico? Ou o fato jurídico condicionado ao fato político através do processo de elaboração legislativa que seja qual fôr êle não se liberta nunca da realidade social e do comportamento ético do grupo que detém a compe- tência para legislar? A realidade é que o homem vive no estado de direito, o que significa a supremacia absoluta do jurídico e con- seqüentemente do fato jurídico sôbre qualquer outro fato social. Mister se faz, não confundir os fatôres que influem e influenciam no objetivo da lei, na criação da atividade política, fatôres êstes colocados sempre em escalão infe- rior se bem que de influência decisiva. O que se pode obser- var no mundo atual é que enquanto a economia celere- mente se organizou de forma científica e passou como tal a ser acreditada após a sua aceitação pelos textos legais, a Ciência Política, a mais nova das ciências ainda enfren- ta uma onda de preconceitos dos políticos empíricos e custa a se afirmar como processo de influência nos escalões de govêmo. Êstes já aceitam o abandono do empirismo dian- te do fato econômico mas ainda relutam diante das leis da ciência política, não se curvando a elas e continuando as suas práticas e formulações empíricas. Mas, o acelera- mento dos estudos racionais, quer teóricos, quer experi- mentais e a formulação de leis científicas no campo da REVISTA DE CII':NCIA POLlTICA - 57-
ciência política, o êxito que a técnica vem obtendo paula-
tinamente sôbre a improvisação, nos vislumbram para um futuro não distante a aceitação integral da Ciência Polí- tica como norma a presidir e orientar a decisão, e não como simples ciência de catalogar e interpretar a poste- riori o fato social e político criado ao sabor das impro- visações. No entanto, em se tratando de ação política, ação administrativa em qualquer dos campos das atividades' sociais, e seja qual fôr a meta a ser alcançada pelo homem, em sociedade politicamente organizada, nada se consegue sem uma norma de conduta geral e obrigatória amparada pela coerção artificial que só a lei lhe dá. E a lei é fato jurídico. A lei é a cristalização dos usos e costumes. A lei é o instrumento do político, do administrador, do econo- mista, do professor, enfim, todos os que labutam numa sociedade, seja para torná-la livre, seja para torná-la prós- pera. Ela é tão necessária como o ar o é para a sobrevi- vência biológica. Daí a necessidade de se desfazer o equí- voco cuja generalização poderá acarretar sérios prejuízos aos estados contemporâneos. O que prepondera é o fato jurídico e o fato político. O fato econômico é desejável e indispensável mas desde que respeite a modelagem de- terminada pelos dois últimos.