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NA GEOGRAFIA?
Ricardo Baitz*
*
Geógrafo e mestre em Geografia Humana pelo DG/FFLCH/USP. Advogado
pela PUC/SP e OAB/SP. Pós-graduando em Direito Público pela Escola Superior
de Advocacia - ESA/SP.
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NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo, São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 64.
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RICARDO BAITZ
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O apontamento de um progresso no modo de pensar e compreender o mundo
não significa que haja uma hierarquia entre os pensamentos. A história
demonstra o contrário, pois o movimento de progresso admitiu também o
retrocesso, especialmente quando da adoção de formas dogmáticas de
entendimento, fantasma que assombra até hoje o pensamento de esquerda.
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Piaget dedicou grande parte da sua vida a estabelecer as fases do
desenvolvimento cognitivo. Assim, ele pôde estabelecer e hierarquizar o
que uma criança de 5 anos consegue apreender e aquilo que lhe escapa por
questões de maturação cognitiva. Sua proposta, entretanto, não é a de
simplesmente estabelecer quais conhecimentos devem se dirigir a cada faixa
etária, mas a de desvendar os processos que adiantem essas etapas, permitindo
acelerar o ensino de conhecimentos complexos às crianças de menor faixa
etária. Ele vislumbra possibilidades, ainda que dentro da grade biológica,
daquilo que seria pré-programado no ser humano. Ele, de um modo ou outro,
superou sua teoria inicial, sendo esse o mérito de sua pesquisa.
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RICARDO BAITZ
científica, bem como seus estatutos mais internos, e por isso tais
pesquisas não são consideradas como verdadeiramente “científicas”
pelos juízes, legisladores e políticos das ciências. Esses
“representantes” vêem mais que atos bárbaros nessas ações: tratar-
se-iam de crimes à ciência, especialmente porque essa hipótese, se
levada ao seu limite, significaria a admissão que o homem comum,
despreparado das refinadas técnicas de investigação científica, pode
também pensar, o que acabaria com a prerrogativa dos cientistas.
Sendo nossas ciências espelhos de nossa sociedade (ou melhor, mais
um momento de reprodução desta), não poderia ser diferente.
Problematizemos, numa visão crítica.
O que fazer, então, quando o objeto bate à nossa porta? E se
esse objeto for nossa própria casa, rua ou bairro? Podemos investigar
nosso próprio “habitat” (caso corriqueiro numa cidade invadida de
operações urbanas, desapropriações, revitalizações...) ou nos auto
analisar? A ética nos obriga a tomar distância e a nos afastar desse
“contato”, pois estaríamos “contaminados” por emoções e outros
sentimentos que ofuscariam a objetividade científica. A cientificidade
clássica tem respostas prontas: por seus estatutos, o ideal a ser
feito seria confiar o estudo a algum parceiro, que por manter a
distância necessária, analisaria melhor a situação, realizando um
parecer legítimo da cientificidade. Dizem que o engenheiro que age
desse modo na obra da sua casa demonstra que, além de ética,
possui amigos de profissão! O que se dirá, então, do médico, do
arquiteto, do advogado? O verbo do exercício da profissão sempre
se desdobra a um terceiro; nunca é [auto]reflexivo ao profissional
que o pratica; enfim, medica-se alguém que não o próprio médico,
advoga-se em prol de alguém que não o advogado (proibição da
advocacia em causa própria), etc.
A ética, contudo, é uma opção. Ela é instituída por nós, seres
humanos “razoáveis”, e nada nos compele a segui-la se aceitarmos
os “custos” de sua transgressão. O mesmo vale para a cientificidade.
Fazer uma ciência para além do bem e do mal exige, muitas vezes,
a transgressão de uma ética que não corresponde mais ao momento
em que a própria ciência se encontra! Quando os etnólogos saíram
do gabinete e passaram a realizar pesquisas de campo (Malinowski,
por exemplo), eles romperam com a ética instituída até então, que
se havia transformado na moral científica instituída. Alguns
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Narro agora uma experiência pessoal, conveniente ao caso. Na minha primeira
atuação como banca de um trabalho científico, me surpreendi com o trabalho
em exame: o texto parecia ser redigido por duas pessoas. Nos
agradecimentos, a candidata abria seu quarto, com detalhes sobre o horário
que trabalhara o texto (sempre feito à noite), a música ambiente (Chico
Buarque e Chico Science, dentre outros), as valiosas companhias que
tornaram o trabalho possível (do animal de estimação aos pais,
irrestritamente), bem como o vivido cotidiano, especialmente o do trajeto
do seu ônibus. Passadas essas páginas o texto recrudescia: o outro “eu” da
candidata redigia e nele somente a ciência e a autoridade de Milton Santos
(o que lhe entristeceria) existiam. Embora trabalhasse bem o corpo teórico
daquele autor, faltava-lhe o vigor físico típico da juventude, que
curiosamente, fora apresentado nos agradecimentos! Eu não contava com a
teoria institucional naquele momento, mas o método de Lefebvre me fora
suficiente para identificar o fosso cavado e apontar a necessidade de cessar
essa tola separação (ato falho, não percebido). Sugeri que ela fizesse da
ciência uma aventura, com o método e a vontade dos agradecimentos.
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5
Cf. CAMY, Olivier. Les deux corps du Président. Texto disponível na internet,
www.droitconstitutionnel.net/lesdeuxcorps.htm. A cisão apresentada como
ilustração pode ser aprofundada, e os geógrafos possuem um objeto
privilegiado para esta análise. A história mostra que com o passar dos tempos
a casa se destacou da comunidade, tornando a vida do seu interior privada
da vida social através, por exemplo, de janelas e cortinas bem arquitetadas
que filtram a luz plasticamente, impedindo, de um lado, que o estrangeiro
veja o lar, e permitindo, por outro, que de dentro da casa se possa ver a
rua. Essa mesma casa aos poucos tem a vida íntima separada da social: a
sala de estar, quarto, cozinha e banheiros se separam. E com os múltiplos
quartos a vida íntima se autonomiza, tendendo ao individual. Hábitos se
modificam, bem como os móveis e sua função. Comer na mesa de trabalho?
Que horror! Até os menores espaços tendem a ganhar uma função. Violência
às vezes interrompida com a insurreição do uso (SEABRA, Odette Carvalho
de Lima. A insurreição do uso in MARTINS, José de Souza. Henri Lefebvre e
o retorno à dialética. São Paulo: HUCITEC, 1996), que liga à força aquilo
que foi separado: forma, função, uso, vida íntima, vida social, etc.
6
“Desconfio de todos os sistemáticos e me afasto de seus caminhos. A vontade de
sistema é uma falta de retidão” NIETZSCHE, Friedrich. O crepúsculo dos ídolos (ou
como filosofar com um martelo). Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 13.
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Mais uma experiência pessoal pertinente ao caso: como morador do bairro
de Pinheiros há mais de 20 anos, me negava pesquisá-lo dada essa condição.
Por andar muito na região, conhecia bem o lugar, o que tornaria
(aparentemente) mais simples assumir sua pesquisa. Dois motivos, contudo,
me afastavam: o primeiro, subjetivo, de se apresentar como pesquisador
de “fundo de quintal”, quando haveria coisas mais importantes a desvendar
(!). O segundo, de ordem mais objetiva, era a percepção de que
compulsoriamente, para ser fiel ao que acredito, teria que primeiramente
desvendar a todos quem eu era, já que durante a pesquisa meu olhar estaria
“comprometido”, vez que, como morador, meu olhar era implicado. Hoje
vejo com certa vergonha – e graça – esses tolos motivos; mas eles fazem
agora parte do passado, estão interiorizados e bem resolvidos vez que de
uma forma ou outra tive que lidar com eles durante a pesquisa do mestrado
e sua redação. “Para uma egogeografia” registra esse momento.
8
HESS, Remi. Centre et Peripherie, ed. Edouard Privat, 1978, p. 199.
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9
Convém aqui recuperar o significado do pensamento complexo de Morin. Com
a palavra, o autor: “O conhecimento, sob o império do cérebro, separa ou
reduz. (...) O problema-chave não é reduzir nem separar, mas diferenciar e
juntar. O problema-chave é o de um pensamento que una, por isso a palavra
complexidade, a meu ver, é tão importante, já que complexus significa ‘o
que é tecido junto’, o que dá uma feição à tapeçaria. O pensamento complexo
é o pensamento que se esforça para unir, não na confusão, mas operando
diferenciações.” MORIN, Edgar. Por uma reforma do pensamento in PENA-
VEGA, Alfredo e NASCIMENTO, Edgar Pinheiro do. O Pensar complexo: Edgar
Morin e a crise da modernidade. Garamond, Rio de Janeiro, 1999, p. 33.
10
LOURAU, René. Objeto e método da Análise Institucional in ALTOÉ, Sonia (org.). René
Lourau: Analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec: 2004, p. 83.
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Quando decidi que minha dissertação seria sobre Pinheiros, tinha a pretensão
primeira de demonstrar que esse bairro mudara com o tempo, e que a “aura”
burguesa da região seria de um período muito recente. Queria pôr em discussão
o violento processo que varreu aquele lugar, higienizando-o e carregando em sua
vassoura os amigos com quem durante mais de dez anos convivi. Os colegas do
tempo de colégio haviam partido; por motivos diversos não conseguiam mais se
reproduzir no bairro que se tornou rapidamente “nobre”, e eu pretendia contar
essa história, para dizer que a condição da metrópole é da completa vulnerabilidade
da vida, com cada geração se criando em outro lugar, normalmente mais longínquo
que o que fora permitido aos seus pais. Com o passar dos dias a pesquisa se
demonstrou mais complexa, mas esse foco sempre esteve latente.
12
Em outra banca, agora de graduação, tive o prazer de conversar sobre o trabalho
de um grande amigo. Sua pesquisa, sobre futebol, bastante original, explorava a
implicação “in natura”. A escrita, com poucas interdições, fluía como um rio que
corre para o mar. Do encontro das águas jorrava energia. Ele praticara, em
muitos momentos, o que Lefebvre denominava transdução. O mais explêndido
era o fato do texto não ter essa preocupação: a espontaneidade do candidato e a
gentileza da orientadora em não interditar sua escrita permitiram à banca o
contato com um trabalho extremamente rico e aberto, e, portanto, frágil aos
olhares clássicos. Minha intervenção se fez especialmente sobre esse aspecto,
apresentando a implicação de modo que ele tomasse conhecimento da beleza do
que produzira e tivesse elementos para continuar firme no caminho conquistado.
O candidato preenchia todos os requisitos, mas faltava-lhe consciência não do
método, mas do quanto sua escrita era provocativa e seu provável rechaço,
fosse outra a banca. Cabia-me aprová-lo e apresentar as armas necessárias
(implicação, transdução, momentos, deriva) para que ele prosseguisse com êxito
a vida acadêmica, coisa que deve fazer, formalmente, em breve, no mestrado.
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13
HESS, Remi. 1978 apud RODRIGUES, H.B.C. Do Arrependimento dos
Intelectuais ao Triunfo da Rosa. Análise Institucional francesa, Estado e
Direitos Humanos. Psicologia em Revista. Belo Horizonte, PUC/MG, vol. 9,
nº 13, jun/2003, p. 100.
14
A implicação tem como projeto permitir a todos os prazeres da pesquisa.
Ela dissolve a condição de especialista do pesquisador comum. Daí de se
dizer que a palavra pesquisador precisa ser reinventada com a implicação.
Esse é também o motivo das duras críticas dos agrimensores do saber. Bem
ou mal eles sabem o que perdem com a implicação, de modo que a palavra
“confundido” do texto merece ser relativizada.
15
Por sua vez, outro membro da banca contribuiu ao perguntar-me sobre uma
obra que desconhecia, a Egogeografia de Jacques Levy (LEVY, Jacques.
Egogeographie. Paris: Harmattan, 2003). Não tive acesso, até o momento,
a essa obra; porém as resenhas que li revelam tratar-se, curiosamente,
nem de uma egogeografia, nem de uma egohistória: o livro faz um balanço
sobre o que o autor anarquista produziu até o momento, em homenagem aos
seus 50 anos de vida, mas a vida em si não está posta em questão (ou análise).
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A escrita canhota, feita de modo quente, é um estilo, e em Centro e Periferia,
Hess comenta que “Lefebvre fala de estilo! Para Henri Lefebvre, o que
conta, no nível pessoal, não é tanto a moral ou o imoralismo, mas sim o
estilo. O estilo é a afirmação de sua particularidade, da sua singularidade,
de sua aparência periférica! (...) O estilo é o direito à diferença contra a
padronização vinculada ao processo de atomização social generalizada...
(...) O estilo é o direito de se dizer, não com as palavras do Centro, mas
com as palavras da periferia, isto é, de se afirmar para permitir assim a
outrem existir dentro de sua diferença. (...) Esse estilo, o discurso do Estado
tentará reduzir ao folclore, à marginalidade, à marginalização”. HESS, Remi.
Centre et Peripherie, ed. Edouard Privat, 1978, p. 171 e 172.
17
Vide a obra de Henri Lefebvre, em especial “La somme et le reste” e
“Tiempos equívocos”. Há, na internet, uma entrevista de Lefebvre
comentando o momento face a situação situacionista. “Henri Lefebvre na
Internacional Situacionista” está no site http://orbita.starmedia.com/
~novosdebates/Lefebvre/Lefebvre2.htm.
18
A Deriva é uma prática espacial desenvolvida, dentre outros, pela
Internacional Situacionista. Ela aparece em diversos escritos situacionistas,
em especial na revista de vanguarda Potlach. Esses textos, de domínio
público, estão na internet, alguns já traduzidos para o português. É o caso
de “Teoria da Deriva”, de Debord. http://www.midiaindependente.org/pt/
blue/2006/03/348635.shtml.
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PESQUISADOR IMPLICADO
“No sentido de ‘estar implicado’, a palavra implicação
remete aos múltiplos pertencimentos institucionais de
uma pessoa. Tais pertencimentos implicam a pessoa,
isto é, determinam lá e acolá, ainda que
inconscientemente.”19
19
HESS, Remi. Centre et Peripherie, ed. Edouard Privat, 1978, p. 199.
20
Os escritos de Marx foram realizados, em sua maior parte, fora da
universidade. A própria linguagem era anti-acadêmica, e objetivava a
transformação do mundo, e não apenas seu entendimento. As academias
demoraram – e muito – a incorporar o marxismo, e quando disso, fizeram
ao seu modo, utilizando-o das mais diversas formas.
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O exemplo, evidentemente, deve ser tomado de forma jocosa. Nós, pesquisadores
burgueses, somos prepotentes. Damos ao nosso pensamento uma potência que
ele não tem: a de conduzir o mundo. O processo não é guiado por homens com
plena ciência do que fazem, como muitos acreditam. Tampouco nossas ciências,
construídas sobre esse pilar, realizam-se por completo, “atingindo o alvo”
vislumbrado à frente. O processo tem seus meandros, e é o pensar admitindo
esses meandros que divide os cientistas entre materialistas e idealistas. Digo
com isto que o pensamento não se realiza, como querem os amigos idealistas,
objetivamente. Não se molda a realidade tão facilmente quanto uma pedra de
sabão. O inverso (determinismo) é igualmente difícil de sustentar. O pensamento
e o concreto devem ser trabalhados em relação; sob essa condição, ambos são
tomados em transformação e se tornam simultaneamente produtos e produtores,
o que relativiza idealismo e materialismo vulgar sem cair no ecletismo. Enfim, a
superação dessas formas precedentes do pensar se dá através da abolição das
unilateralidades e inserção da relação em termos dialéticos, um terceiro termo.
22
LOURAU, René e LAPASSADE, Georges. Chaves da Sociologia. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1972, p.147.
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“Veneza venceu Ralph Rumney” in JACQUES, Paola Berenstein. Apologia da
Deriva. Casa da Palavra: Rio de Janeiro, 2003, p. 78.
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“Falar muito de si mesmo pode ser também um modo de se esconder”.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio de uma filosofia do
futuro. São Paulo: Hemus, 1976, p. 102. “Se o sistema fala de implicações,
é para impedir que sejam desveladas. ‘Implique-se, reimplique-se, porém
não analise suas implicações’, faz dizer Guigou ao sistema”. LOURAU, René.
Implicação e sobreimplicação in ALTOÉ, Sônia (org). René Lourau: Analista
institucional em tempo integral. Hucitec: São Paulo, 2004, p. 189.
25
“A sobreimplicação é o plus, o ponto suplementar que o docente atribui ao
trabalho do aluno se encontra esmero em seus cadernos (foi assim que
minha filha trouxe para casa, triunfalmente, um 21 sobre 20 em matemática,
matéria que ela já brilhava). A sobreimplicação é composta igualmente de
virtudes exigidas dos empregados, hierarquizadas em grades de avaliação.
(...) Trata-se de exigir um suplemento de espírito, garantia de um
sobretrabalho diretamente produtor de identificação com a instituição e
indiretamente produtor de mais-valia em favor do empregador – e não em
favor do trabalhador coletivo, cuja cooperação repousaria minimamente, ainda
e sobretudo, na resistência. É a autogestão ou a co-gestão da alienação”.
LOURAU, René. Implicação e sobreimplicação in ALTOÉ, Sônia (org). René Lourau:
Analista institucional em tempo integral. Hucitec: São Paulo, 2004, p. 192.
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LOURAU, René. Implicação e sobreimplicação in ALTOÉ, Sônia (org). René Lourau:
Analista institucional em tempo integral. Hucitec: São Paulo, 2004, p. 195.
27
HESS, Remi. O movimento da obra de René Lourau in ALTOÉ, Sônia (org). René
Lourau: Analista institucional em tempo integral. Hucitec: São Paulo, 2004, p. 28.
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IMPLICAÇÃO E PEDAGOGIA
No início deste artigo mencionei Paulo Freire e seus suplícios
por uma educação que colocasse conteúdos, educando e educador
em relação, suprimindo as hierarquizações no ensino. A Análise
Institucional há muito se debruçou sobre esse tema, e o acervo
institucionalista é hoje bastante amplo nesse campo. Respostas
definitivas? Não, elas não existem. Mas há apontamentos. A implicação
é uma delas. Esse método não-diretivo traz em seu bojo a
possibilidade de todos serem pesquisadores, pois à medida que ela
dita que aspectos mínimos e íntimos do pesquisador podem – e
devem – vir à tona, todas as pessoas são convidadas a fazer ciência,
a serem cientistas, e o importante: a refletir sobre essa atividade.
É um duro golpe à ciência burguesa e aos pesquisadores de sangue
28
“A definição tradicional da socianálise está a seguir: ‘Análise
institucional em situação de intervenção’. Esta fórmula poderia ser
substituída pela seguinte: ‘A socianálise é, em situação, a análise da
instituição intervenção’.” HESS, Remi. Centre et Peripherie, ed. Edouard
Privat, 1978, p. 213.
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É Lefebvre quem indica, a respeito do método mais clássico, que “após a
análise, vem a exposição. Se esta se realiza com êxito, a vida do objeto
considerado e o movimento da matéria estudada refletem-se nas idéias
expostas. A tal ponto que os leitores imaginam, por vezes, encontrar-se
perante uma construção a priori do objeto”. LEFEBVRE, Henri. O Marxismo.
Portugal: Livraria Bertrand, 1975, p. 35.
30
HESS, Remi. Produzir sua obra: o momento da tese. Brasília: Liber Livro, 2005.
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HESS, Remi. Produzir sua obra: o momento da tese. Brasília: Liber Livro, 2005, p. 79.
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LOURAU apud MARTIN, Alfredo. René, analisadores históricos, loucas da
praça de maio... in ALTOÉ, Sonia e RODRIGUES, Heliana de Barros Conde.
SaúdeLoucura 8: Análise Institucional. São Paulo: Hucitec, 2005, p. 174.
33
O núcleo ao qual me refiro – e nego a explicitar – não nos é exclusivo. Muitos
outros pesquisadores já se debruçaram sobre seu tema. Além dos autores
citados, esse núcleo é tema quase central da obra dos situacionistas e de
Raoul Vaneigem, ainda vivo e ativo. Oswald de Andrade é outro autor
importantíssimo, especialmente por ter feito da sua vida uma luta mortal
contra todas as formas desse núcleo.
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A [IM]POSSIBILIDADE DA IMPLICAÇÃO
“Também considero a impossibilidade da implicação, assim
como considero a da deriva. O urbano e as instituições
parecem exigir de nós condutas menos claras, mais
traiçoeiras... é para pensar. É como se todos nós devêssemos
ser transgressores também, como uma exigência atual”34
34
E-mail de Flávia Elaine Silva a respeito de uma versão desse texto, datado
de 30 de maio de 2006.
35
Minha pesquisa implicada sobre Pinheiros em um dado momento naufragava.
Pessoas próximas, como meu irmão, rebatiam a idéia, expondo especialmente o
risco de aquele trabalho ser confundido. A situação agravou-se e beirou o
insuportável. Foi quando me conscientizei que o texto até então preparado (três
capítulos) corria sérios riscos de ser interpretado erroneamente, e a solução foi
iniciar outra dissertação, menos implicada, e portanto, menos comprometida. O
assunto continuava a ser Pinheiros, mas o olhar deveria ser estrangeiro, com suas
decorrências. O tempo era escasso, mas consegui concluir antes do prazo limite.
Tranqüilo por ter finalizado a dissertação, acabei por me sobreimplicar: retomei o
texto implicado até que ele fosse concluído; não como havia concebido originalmente,
mas dentro das possibilidades. Tracei uma maneira de entregá-lo como uma
dissertação de mestrado, e com a permissão da orientadora (uma recompensa por
ter feito direito o dever de casa?), o fiz. Essa foi a forma, nada polida, que encontrei
de contornar a instituição quando do meu mestrado. Defendi, por assim dizer,
duas dissertações, imaginando a possibilidade de ser, como Oswald, reprovado
pela audácia. Fui aprovado com distinção não por minha performance no dia (sempre
fui contra esse tipo de exposição), mas como reconhecimento do esforço em pensar
e pelas novidades reveladas na pesquisa. Todo esse percurso me fora extraordinário,
vivo, pulsante. As dificuldades foram superadas pelo prazer, e o que resgato dessa
experiência é uma admiração irrestrita daqueles que gentilmente me aceitaram
enquanto uma experiência, enquanto um devir, enquanto minha obra. O
agradecimento se volta especialmente ao professor Dieter e à Amélia Luisa.
45
RICARDO BAITZ
ENCERRAMENTO
Como encaminhamento, encerrarei expondo minha implicação
nesse texto. Além dos fatores externos (vide “Gênese do texto”) e
do meu envolvimento com o tema, motivei-me a escrever sobre a
implicação por suspeitar que a situação na qual as ciências se
encontram desde o final do século XX não é boa. O século XX que uso
é tomado de maneira plástica, como vários historiadores fazem: ele
acabou bem antes do ano 2001. Assim, a situação que menciono já
dura mais de uma década.
Redijo essa parte do texto sentado num banco da Faculdade
de Direito; portanto, meu olhar parte agora daqui. As andanças
pelas bibliotecas e livrarias especializadas revelam que muita coisa
aconteceu nos últimos tempos. Quantitativamente, o número de
trabalhos cresceu e o tempo que cada aluno passa no curso diminuiu;
esse dado, desdobrado sobre o número quase constante de
professores, revela um aumento do número de alunos por orientador,
sobrecarga de trabalho etc. Qualitativamente se percebe uma
mudança nos temas (algo que certos orientadores aceitam mais
facilmente que outros) quando não de abordagem dos temas
recorrentes. Algumas pesquisas são invadidas de ecletismo. Contudo,
36
LOURAU, René. O instituinte contra o instituído in ALTOÉ, Sônia (org). René Lourau:
Analista institucional em tempo integral. Hucitec: São Paulo, 2004, p. 65.
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PROPOSIÇÕES
O passar dos dias encarregou-se de pôr um fim a esse artigo.
Ele precisa ser entregue, e embora isso tenciono-me a refletir outros
tópicos. Comentarei dois deles, na impossibilidade de sua redação.
O primeiro seria sobre a implicação e a questão da “estabilidade”
da pesquisa. O outro, sobre o preço da implicação.
Planejava, para discutir o primeiro item, recuperar um
colóquio transcrito para o português em 1971, onde Henri Lefebvre
apresenta sinteticamente o conceito de estrutura em Marx40. Ele
habilmente demonstra que o marxismo não refuta a estrutura; que
ela de fato existe, mas é móvel. Algo semelhante acontece com a
pesquisa. Em alguns momentos ela necessita de uma forma e tende a
ganhar uma estabilidade. Estabilidade parcial, pois a pesquisa se desloca
e coloca novas questões mesmo durante seu registro. A discussão desse
tópico se voltaria, assim, à estrutura, sua estabilidade e o movimento.
Quanto ao segundo item, planejava recuperar um texto já
citado, sobre o arrependimento dos intelectuais. No sistema
capitalista tudo tende a ganhar um preço, e o custo de certa
irreverência na pesquisa é bastante alto. Não ser tomado como
uma pessoa séria por certos colegas é algo comum. HESS, em seu
“Produzir sua obra”, comenta que a Análise Institucional francesa
nos círculos acadêmicos foi tida por muito tempo como uma coisa
de “maluco”. A repulsão pode levar ao ostracismo. Mas os parceiros
surgem, e dos lugares menos esperados. A aceitação da implicação
parece ser maior fora da academia, fora dos círculos de especialistas.
Fora dos bunkers institucionalistas as coisas são mais difíceis; mas
40
LEFEBVRE, Henri. O conceito de estrutura em Marx in BASTILE, Roger
(coordenador). Usos e sentidos do termo “estrutura” (nas ciências humanas
e sociais). São Paulo: Herder, Universidade de São Paulo, 1971, p. 101-107.
Agradeço a Carlos Eduardo Silvério Barbosa pela localização dessa obra.
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BIBLIOGRAFIA
ALTOÉ, Sônia (org). René Lourau: Analista institucional em tempo
integral. Hucitec: São Paulo, 2004.
BAUDRILLARD, Jean. Esquecer Foucault. Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
BAITZ, Ricardo. Para uma Egogeografia - Pinheiros: aspectos de um
bairro metropolitano vol. 2 (dissertação de mestrado). São Paulo.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento
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BAITZ, Ricardo. O Metrô chega ao Centro da Periferia: Estudo do
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Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento
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LEFEBVRE, Henri. Henri Lefebvre na Internacional Situacionista.
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LOURAU, René e LAPASSADE, Georges. Chaves da Sociologia. Rio de
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