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Educagdo Matomdtica em Revista, ndmero 6, ano S Obstaculos Epistemoldgicos e a Pesquisa em Didatica da Matematica Jane Bittencourt! RESUMO Esse artigo tem coma objetivo principal anal pesquiss em didtica da matemitica. Pi at a titizagdo da nogdo de obst 14880, apresenta-se inicialmente um hreve historico do uso dessa nogio. Em seguida procura-se ressaltar alguns aspectos relacionados com a nogdo de obst ureza dos obstaculos, o papel do erro e a questio do tratamento didstico, considera- dos relevantes tanto do ponto de vista da diditica quanto da analise epist slo epistemolégico nas ticulo episte- se também nolégica. Pretend ceonsiderat'as modificagdes quee esta noe foi sofrendo 20 longo do tempo de sua utilizagao, assim come, analisar algumas perspectivas atuais para a pesquisa em diditica da matematica segundo esta concepei0 epistemolégiea, 1 INTRODUCAO, Fruto de uma reflexdo sobre a psicologia do espitito cientfica, a nota de abstculo epistemologieo, proposta por Bachelard em 1938 pe em evidéncia as dificuldades encon- tradas durante 0 processo de elaboragao do conhecimento cien- tifico. Considerando 0 fazer ciéneia como sendo uma atividade Intrinsecamente humana, portanto sujeita a todas as motivagdes ¢ limitagdes do homem, influenciado pela psicandlise e pelas profundas modificagdes decorrentes dos resultados da fisica lecrica do inicio do século, Bachelard entende que a constru- iio do conhecimento cientifico nd se di de maneira cumula- tiva, pelo contratio: “o espitita cientfico deve formar-se con- ta a Natureza, contra 0 que €, em n6s.e fora de nds, o impulso a instrugio da natureza, contra a corrente natural, contra 0 fato colorido e diverso, O espirito cientfico deve formar-se teformando-se” (Bachelard, 1993, p.23). Assim, no momento de apreender a reatidade objeti~ va, haveria uma série de obsticulos geradores de eros. Bachelard identifica os seguintes obstaculos: conhecimento ‘ou experiéneia primeira; conhecimento geral; obsticulo verbal; conhecimenio pragmético; obsticulo substancia- lista; obsticulo animista © obstéculos do conhecimento quantitative, Geralmente de natureza inconseiente, estes ‘obstaculos teriam que ser psicanalisados ou seja, trazidos & ‘conscigneia para que o conhecimento anterior seja negado, © fazer cigncia se daria entio num processo de rupturas ‘com o conhecimento dito primeiro, onde o erro passa. ter papel fundamental Recusando a continuidade no processo histérico de construgao do conhecimento cientifico, Bachelard utiliza a historia da cigncia para exemplificar intimeros obsticulos enfrentados pelo homem no progress da cigncia, compreendido como sendo resultado de retii cagdes sucessivas, num movimento dialético de afirmacao, negagio e sintese provissria. Do ponto de vista pedazdgico, a visio epistemol6gica de Bachelard implica a undlise critica do processo de apren dizagem, considerando as dificuldades, etros e falhas como parte deste processo, Alerta t também para © modo habitual de se ensinar cigncias desconsiderando © processo histérico de consitugio desse conhecimento, 1 experiGncia inicial do alumna e as dificuldades que este enfrentaria na aprendizagem, abrindo caminhos para a utilizagao da nogao de obsticulo epistemolbgico em didética da ciéncia Embora tenha analisado alguns processos eminente- ‘mente majemiéticos, como 0 conhecimento quantitativo, onde ‘a busca do que chama um falso ou excessive rigor pode tormar-se um obstaculo (Bachelard, 1993), comenta que suas ceonsideragties tratam do confront com 0 mundo objetivo, texeluindo portanto © conbecimento matemitico. Consjdera a historia da matemiétiea “uma maravilha de regularidacte. Ela conhece periodos de parada, Ela nfio conheve perfodo de Programs de Pos-Gnndhngio em Bducagae - Uaveesle Federal de Santa Cataina - casa Postal $161 - CEP 8040-970 - Floriandpalis SC email anetced. use br. 13 “4 Obstaculos Epistemoldgicas @ a Pesquisa em Didatica da Matematica eros.” (Bachelard, 1993, p.22). Em O Novo Espirito Gienuifico (1986), analisa mais euidadosamente as geomettias nio-cuclidianas como exemplo do processo dialético de cons- rugio do conhceimento e da abertura racional caracteristica do que denomina 0 “novo espirite cientitica”. No entanto, suas idgias tiveram repercussio nas pesquisas em didlética em geral e em particular em didkitica da miatemitica, Na seco 2, apresenta-se um breve histérico da utifizago da nogdo de obsticulo epistemolsgico em diditica dda matematica, para em seguida analisar alguns. aspectos dessa abordagem epistemol6gica considerados relevanies para ® pesquisa em ensino cle mtemiitica, Na seezio 3 eonclui- se apontando algumas perspectivas, 2. OBSTACULOS EPISTEMOLOGICOS. DA MATEMATICA, A DIDATICA Nos unos 70, partir de Brousseau e de sua concepea0 de “Salto informacional” salto enive dois estigios de cone- cimento, necessirio para a superagio de dificuldades, -nogde dle obsticulo epistemol6gico comesa a ser uiiizada mas pesquisas em didstica da matemstien numa teatativa de me Thor compreender as dificuldades dos alunos e construir instrumentos didaticos que permitam facikiae as rupturas necessiias durante a aprendizagem Ingeressido inicialmente em questionar a existéncia ou no de obsticutos em matematica @ em ientificar tipos de ‘obstieulos segundo suas origens, Brousseau (1976) lista us tipos: ontogencticos, decorrentes do desenvolvimento cou tivo; diditicos, decorrentes de situagies didaticas, e episte- molégicos, decorrentes a resistencia ao prprio conhecimen- to, no sentido considerado por Bachelard, Em sua pesqu relativa ao ensino dos niimeros decimais, analisa divessos obsideutos tanto diditicos quanto epistemologicas, con siderando-os fonte de crres futuros do alano. Imbuidas dessa visio epistemoldgiea seguem-se div sas pesquisa. Em 1981. Glaeser, num estudo sobre os adime- 10s intetos, identifica diversos obsticulos no desenvolvime to histdrieo desse conecito. A seguir, Duroux (1983) propse condigdes. neeessirias para ser obstéculo, ou sejar Um obstéculo & um conecimento que produz solugdes alps a umm determinado eontexto mas induz a falsas solugies fora contradigdes apresentadas ¢ fieglentemente volta a se manifesta. ‘Seguem-se pesquisas sobre a nogio de Limite Feltas por Comu (1983) e posteriormente por Sirpinska (1985), identifica diversostipas de obsticulos. Considers os obsticu- Jos epistemol6gicos um programa de pesquisi com ox obje tivos de ilentificar obsticulos epistemotdgicos na matemti- a escolar e auxiliar os alunos a super-los Durante 0 ColGquio Internacional: Constrasia do Saber - Obstéeulos pistemoligicos e Conflitos, realizado em Montreal, em 1988, foram discutidas diversas questoes fun- damentais como: a existéncia de absticulos epistemolégicos no processo histori de claboragio do coneeimentes e em situagdes didticas; as limitae6es do confront Jo obsticulo histbrico com situagées escolares possibilidades fturas na pesquisa e sua suporayo, em parti cular o papel do confito cogutivo no tratament ctieo dos bsticulos, questbes que serio comentadas seguir. im como dificuldades e Ed. Mat, em ev. numero 6, ano 5 21, Sobre a existe epistemolégicos natureza dos obsiderlas Diversas.pesquisas tem identificade obsticutes em smatemitia, tanto no provesso hist6rico quanto em situagoes dle aprendizagem, evidenciando em ambos os 380s um processo deseontinuo de construgio do conhecimento Vergnaud (1988), por exemplo, identifica na algebra. uma ruplura em relagio aritmética, no que se relere nio a9 0- nhecimento em si mas a forma de controle do resultado durante a resolugio de um problema, ruptura a ser vivenciada também pelo alano. AA procura de obsticulos histricos tem sido um dos tats utiizaxlos pelos pesguisidores, como nos mostram as pesquiss sobre doeimais,fragéies, nimeros intetos ow in ites. Em todos esses estudas, 0 mergulho histérico tem se rostrado fundamental na andlise epistemoligica dos. con hecimentos envolvidos, compreendendo um absticulo como tum conhecimento com determinade dominio de validade ¢ significado social ‘A.esse respeito, Brousseau (1988a) define um método dle pesquisa em obsticulo epistemolégico, que consiste em lugs momentos: (i) encontrar errs sistemiticos e eoncepgdes em torno das quats esses errs se agrupant; (i) enconitar obsticulos na historia da matemstiea, (ii) confeontar os obstictlos histérieos com os obsticules na aprendizagem, Assim, analisando 0 desenvelvimentos desses trés momentos tas virias pesquisas anteriormente mencionadas, conclu que esses trabalhos deixam poucas divas: 0s obsticuls exis tem, embora distingu-los, reconheos-los, repertovi-los © examinar suas relagdes © causas exige ainda muitas dise cusses e pesquisss.” (Brousseau, 1988a, p44), A relagio entre 0 historico © 0 didatica suseitou imimeras discusses devide & sua complexidade, pois nem toda dificuldade histrica torna-se necessariamente obstéculo nia aprendizazen e, por outro lo, ha diversos outros Fatores envolvidas na situagio didstiea que podem ser fontes de obstéculos, interferindo, portanto, no proeesso individual de construgao do conhecimento, Brousseau (1988b) enumera agi dos obstaeulos histiricos, também obsticulos psicol6e «0s, de natureza ontogenstica © mesmo obsticulos cult alm dos obsticulos didaticos, dcorren dos contetidos a nivel escola fesse sentido, Sierpinska, embora ressallando importancia da anslise historica alerta para seus limites, afir- mando que “no se trata de percoster a evolugio histériea dos conceitos” (Sierpinska, 1988, pH), deseartando assim a hipstese do paraleismo ents filogénese e ontogénese dos conceitos matemitigos, considera importante no infsio das pesquisas Quanto a idemtiticagio de obsticulos a pany de sit agdes diditicas, Vergnaud (1988) sublinha a importancia da distingio ene dffculdade e obsticulo, Considerandlo que os tos ocorrem e so necessirios, hs casos em que o novo co: nhecimenio novo contradiz 0 anterior, no consistindo por tanto em verdadeiros absticulas epistemoldgicos e da diver sos exemplos to aso da muliplicagao. Considera também situagdes onde-o novo conlecimento eontradiz o posterior, o que ocorre por exemplo na aritmétice, em problemas envol- vendo adigao e subtragio © envolvendo dias trans formagoes, es do apresenta Jane Bittencourt 16 que considera 6 mais dificil obstéculo epistemolbgico a s superado pelos alunos, Salienta que diante de cada caso ~ obsticulo ou simples dificuldade - teriamos uma atitude dife~ rente, sendo que a dificuldade se mostra menos resistente ede mais Feil superagao. Procurando co obstéculos em matemat releitura de Bach (crengas, opinido, hibitos, reifieaco de conceitos abstratos) poderiam ser compreendidos no easo espeetticn da mater ‘ea Prope entiio considerar a matematica como um sistema ‘cultural consistindo de trés niveis o formal, consistindo de regras ¢ valores: o informal, com regras de comportamento & fio geralmente inconscientes eo téenico, que seria mento explicito Prope ent que a fonte dos obsticulos estaria em elementos dos niveis formal ou infor- ‘mal, basicamente na atiude filossfica e nos esquemas de pen samento Dessa forma, a pesquist consistiria nao em listar obsticulos, mas sim em comipreende-tos no contexto de um sistema cultural, situando a origem de um obsticulo tanto nos signifieados possiveis que 0 nivel Formal atribui a esse co- nnhecimento quanto-no seu funcionamento no nivel informal Indicando, portanto, outras diregées de pesquisa, conclu reafirmando, juntamente com todos os outros pesquisadores, 4 importincia da analise epistemolégica dos. conceitos Imatemiticos como recurso na compreensio da existéncia e da natureza dos obsticulos precnder_melhor a natureza dos ierpinska (1988) propoe uma urd, interpretando comme alguns eritétios 2.2, Sobre 0 erro Uma das caractertsticas da coneepyiio epistemoldgi proposta por Buchelard com maior reperes ardier do erro. Considerado em geral de forma negativa, fruto de descuido ou de falta de conhecimento, a nogio de ‘obsticulo epistemoldgieo concede ao erro um papel impor~ tante enguanto revelador de dificuldlades a serem seriamente consideradas por aquele que pretende eompreencder melhor © processo counitivo. Bachelard ii havia comentado que 0 erro nunca esti ‘solado, mas vinculado a uma estrutura, Vergnaud, no seu tra- balho sobre campos conceituals (Vergnaud, 1990), onde procura analisar as relagies entte conceitos matertilicos & invariantes operatdrios, define 0 esquema como sendy & ‘organizagio invariamte da conduta para uma classe de situ aagtes dads” © posteriormente, no Coléquio Internacional Construgio do Saber - Obsticulos Epistemol Contflitos, anteriormente meneionado, ressalta a relagio entre obsticulo e esquema (Vergnaud, 1988): quando colocamos tum esquiema em aio, na tentativa de solucionar um proble~ rma é que aparacem os obsticulos. Propde portanto que os ‘obsticulos possam ser deteetados «partir niio s6 das con copgses do sujeito, mnas a partir de sua agio, Do ponto de vista do protessor, o erro do aluno revela a maneira como este organiza seus conhecimentos, pera mente werupados em torno de concepedes e valores formando uma rede de signifieados que muitas vezes torm-se um. obsticula & aquisigao de novos conceitos. O erro, manifesta do tanto na argumentagio quanto nos mecanismos de ago do aluno, & compreendide como um passo necessirio no ato de ‘conhecer. Mas niio 6-0 erro revela obsiiculos. O fato de se ignorar um problema, ineapacidade de resolvé-lo, 0 ato de rejeité-lo ou mesmo de no se considerar seu cariter pro- blemitico também sie atitudes reveladores de obsticules. Resta-nos entio analisar como agir diante de um obsticulo, 0 que faremos a segut: 2.3. Sobreo irataamento diddético de um obstacuio Considerando que a questao da diditica dos obsticulos epistemoldgicos esta posta, como alirms Brousseau (1988b), torna-se meta principal do ensino 0 tratamento didtico dos obsticulos, ou seja, a andlise das possiveis formas de inter- vengdo de modo a auxiliar 0 aluno a superi-los. A esse respeito Vergnaud (1988) comenta que um obsticulo nao pode ser saltado, mas sim superado através da andilise, exigindo da parte do professor uma vigilaneia cons tante dada sua tendéncia a voltar a se manifestar. Também para Sierpinska (1988), superar um obsticulo significa fadquiie conscigneia historica sobre esse conhecimento através da reflexo. implicando geralmente uma mudanga de atitude, de lilosofia frente ao saber: ail, um ensino que considera os obsticulos ilo a ser enfrentasto, evitando outros, soja da situagio diddtica adequada nesse enfrentamen- to. Alm das situaghes didkticas espeetticas, que vi der do tipo e da resisténcia clo obstieulo Brousseau (1988a) ressalta a importineia da consideragio tambxim de sitwagdes a-diddticas e do estudo das relagdes internas ao Co to envolvido, como no caso das pesquisas sobre mudangas de quado ¢ representagoes (Douady, 1986). © contigo cognitive permancee uma das estratégias para lidar com © obsticulo, Brousseau (1988b) analisa deta- Thadamente o papel do conflito enumerando diversas estrat ‘gas de conilito que podem ser uflizadas, dependendo do tipo {do obsticulo: confrontar repetidamente os modelos implicitos Ulilizados pelos alunos; exploragio explicita da dificuldade ‘num confront de posigSes; dehate permitinde a toca entce posiges com interfereneia do professor e ainda uma situagio especifica que prevé 0 equilibrio entre « papéis do professor fe dos alunos. Conclui finalmente que ndo ha solugao univer= sal para tratamento dos obsticulos e que o conilito é un nica de dificil yerenciamento que de apoiar-se em diversas regras que controlam ¢ alimentam desde 0 comportamento sogial alé contrato diditieo em questa. Mas 0 tratamiento diditico dos obsticulos tem impli- ceagdes mais amplas, que superam as relagées dle sala de aula, Giogdan (1988) analisa as conseqiiéneias a nivel da organiza- elo do comtexido: organizar 0 conhecimento em torno de eon fratos.estruturais, numa progressio por seqiiéncias de bobsticulos. A nivel das estratégias, propde que as obsticulos sejam enlrentados através da exploragdo do campo de vali= dade do saber a ele relacionado, permitindo o transite entre modelos adequados a determinadas. situagis. Brousseau (1988a) tamisém se preocupa com estas implicagies, situan= dois na necessidade de se estahelecer um novo contrato didkitico que implica conviver com a idéia de que o conheci- ‘mento possa ser incomplete e falso, ¢ onde a historicidade do conhecimenta eo aluno slo levadlas em consideragao Bssas rmudangas seriam de grande amplitude, exigind esforgos de todas as partes envolvidas no contexto educacional sculhas, Seja do obs 16 Obstaculos Epistemolégicas e a Pesquisa em Didatica da Matematica CONCLUSOES: Como foi discutido acima, a nogio inicial de Bachelard foi transposta para a matemitica tanto na com- preensdo do processo histérieo quanto no contexto didtico, Nesta visdo epistemoléuica, o desenvolvimento da matemati- ca revela momentos de incertezas ¢ rupturas (como no caso do desenvolvimento do conceito de niimeros iracionais), de resisiEneias (como na avatagio da conceit de limite) © indmeros obsticulos que vio contra a idéia de evolugio linear © cumulativa onde cada conhecimento se assent perfeita ‘mente sobre o anterior. De modo geral, os abstéeulos podem ser compreendli- dos através de sua dupla ago como freio ¢ motor de progres sono desenvolvimento interno de uma ciéneia, como ocorre por exemplo, com as geometrias no cuclidianas. Nesse caso, segundo a anilise feita por Bachelard, 0 realismo prematuro ‘que conferiu no postulado das paralelas seu cariter de verdade necessiia, poxle ser compreendido como um freio impedindo que se investigassem outras alternativas, © que ocorreu somente no século XIX quando cogitou-se negar 6 postulado, {que acabou culminando num enorme avango no pensamente geomeétrico, ‘No entamto, além dos obstculos relatives ao conheei- ‘mento em si, parece ser earacteristico do desenvolvimento da ‘matemtica as rupturas nos meios, ou seja, nos instrumentos, ‘mateméticos utilizados para resolver um determinaslo prable- ma, como percebemos anatisando a evolugiio geral da ‘matemética, da aritmética a algebra, da slgebra 4 topologia, da geometria experimental a dedutiva, Portanto, para a comprecnsio epistemolégica da evolugto de um conhecimento, desde sua motivagio filossti- cca e social até su instrumentalizagao, a andlise hist6rica tem sido um recurso bastante valido, nos auxiliando a compreen- der a coeréncia ¢ estrutura do conhecimento do aluno, No ceptanto, na situago escolar entram em jogo inimeros outros Tatores, a comegar pela transposicio que 0 conhecimento sofie Jo produzido ao ensinado nas escolas, até fatores de natureza psicolégica, social e cognitiva. Como conclui Artigue sobre ay relagdes entre epistemologia & did taluno no pode ser sujeito epistemoligica ou cognitive. Frequentemente é sujeito didatico” (Artigue, 1990, p.278), No contexte didtico a nogio de absticulos colocou ‘em pauta muitas questdes. inicialmente, a tentativa de listar © classitiear obsticulos tem se mostrado bastante complexa ja que todo conhecimento pode ser considerado obstéculo diante do conhecimento nove. Hi controvérsias sobre 0 que seria obstéculo ou simplesmente uma diffculdade, ou ainda sobre que critérios cleger para caracterizar um obsticulo (por exem- rau de resist plo a exigéncia ou nao do aval histérico ou o gr cia a ruptura). Alguns conhecimentos podem funeionar em determinadlas saturagtes como obsticulos e em outras nao, sendo portanto de dificil controle. Um obsticulo pode ter lanto natureza psicolégica quanto epistemoldgica ou diditica ‘c muitas vezes um obstéculo epistemolégico & reforeado pelo obstiiculo diditico. Se ¢ relativamente simples identificar um cen, ji a andlise de sua estrutura, revelando a rede de con: cepgées a0 qual cle esté relacionado, assim como reagrupar ‘essas concepgdes de modo a criar bons instrumentos didticos so tarefas extremamente complexas. Ed, Mat. em Rev. ‘numero 6, ano 5 A superigiio do obsticulo também tem sido uma questdo disculida, diante da resistencia que um absticulo oferece 3 mudanga e da dificuldade de se estabelecer um co: trole. Parece que o processo de conhecer se da nao somente pela negagio mas também por outros processos como 0 trn= sito entre dominios de validade ou a convivéneia em die rentes campos de significado, Além disso, essa tendéncia na pesquisa, de “veificar 0 obsticulo”, como ressalta Sierpinska (1988), também pode tomar-se um obsticulo, fazendlo com que se perea de vista dlinamismo do modo de funcionamento do obsticulo, geral- mente mais signifieativo para 0 pesquisacor Diunte dessus diffculdades, um caminbo parece ser a anlise dos processos geradores de obstéculos presentes no ‘contexto hist6rico e no diditieo, como 6 sugerido por Artigue (1990), na anteriormente apontada por Sierpinska. Artigue cita alguns desses processos: regularizagio formal abusiv fixagio sobre uma contextualizagio ow modelizagiio fami Tiares: anvlgama de nogdes sobre um dado suporie, Sendo cesses processos bastante caructeristicos do fazer matemitica, ‘no podem ser evitaclos, mas somente controlados, Essa con= sideracdo dos processos nos remete de volta & andlise inicial de Bachelard, que consideron como obstieulos os procedi- 'mentos préprios ao ato de fazer ciéncia, ‘No ensino de matemitica, esta abordagem epistemolds- fica bascada na consideragio da noo de obstiules ¢ os diver sos aspectos que ela aborda (0 carater positive do erro, 0 tata ‘mento didtico dos obsticulos, © mecanismo de funcionamen- tode um obstéculo, os processos geraulores de obsticulos) con- Iribuiu para uma modificacdo na visio de conhecimento que perde seu cariter de vertaule necessaria e conbecimento abso- Tuto facilmente atribukios ao conhecimento matemstico, © ato de conhecer tona-se dinimico com @ aluno participativo, implicando uma mudanga de perspectiva epistemolsgica do professor além de mudangas metodoligicas e curticulares. Finalmente, cmbora com iniimeras dividas e questbes| de pesquisa ainda em aberio, a uilizacio da nogao de absticule epistemoldgico em didtica da matematica tem produzido resul- tados e parece ser um bom exemplo de como a reflexao episte 'molsgica pode eontribuir para o desenvolvimento da didstica, REFERENCIAS 1. Artigue M Epistemologi er Didactique in; Recherches en Didactique des Mathématiques, n23, p. 241-286, 1990, 2. BACHELARD G. La formation de esprit scienefique 15 ed. Paris, Librate J. Vein, 1993, 3. BACHELARD G. 0 nove espivito cient Edigies 70, 1986. 4, BROUSSEAU G. La problematique et lénseignement des mathématiques XXVilleme Rencontre 5. dela CIEAEM, Louvain fa Neuve, 1976 6, BROUSSEAU G (1988a) Les obstacles épistemologigues et la didactique des mathématiques in: Coloque Inter- national: Construction des savoirs - Obstacles et con- tits, Montreal: id, Agence d"ARC ine., 1988a, 7. 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