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E.I.E.

Caminhos da Tradição * Tradição da Serpente Negra * Lave - Teté

Tradição da Serpente Negra

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E.I.E. Caminhos da Tradição * Tradição da Serpente Negra * Lave - Teté

Monografia 01

INTRODUÇÃO

As lições e as práticas que são descritas neste manual de Vodu Esotérico são
o produto de um sincretismo feito dos elementos esotéricos diversos que estudei
datando fim do século XIX que teve sua origem na Europa e no Haiti, acrescidos de
minha gnose pessoal com a Umbhanda Gnóstica do Babalaô Odilon Carneiro - Mestre
Vodun e com o meu mestre e instrutor de Magia e Feitiçaria o libanês de nascença,
criado no Egito e depois radicado no Brasil, George Zab.

Um pouco de história...

Nos círculos franceses de ocultismo dessa época, aparece a figura do doutor


Gerald Encausse (Papus) que reune ao redor de si uma série de tradições esotéricas
escondidas de épocas precedentes: Iluminatis, Martinismo, Rosacrucianismo,
Gnosticismo e outras tendências que Encausse recebeu dos novos europeus vindos de
diferentes regiões. Dentro do Círculo de Papus se encontrava um Ocultista Haitiano,
Lucien-François Jean Maine, que havia sido consagrado Bispo Gnóstico no ano de
1899 por Tau Synésio. Lucien-François nasceu em 1869 em Leogane - Haití e recebeu
na frança primeiro e em seguida na Espanha importantes sucessões iniciáticas e
gnósticas, ainda que anteriormente no Haiti, havia recebido iniciações dos quatro
Graus do Vodú no Templo de seu próprio pai em Leogane. Este rito esotérico do Vodu

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funcionava já no Haiti desde os anos da independência da França e foi criado por


Toussaiít Louverture e derivava das tradições iluministas e cabalísticas francesas
mescladas com as correntes esotéricas africanas trazidas pelos escravos negros ao
Haiti.

Papus autorizou a Lucien François Jean Maine que dessa forma fundasse a
sua própria Ordem esotérica no Haiti e nas Antilhas Francesas. Não obstante, Jean
Maine não pode viajar ao Haiti até o ano 1921. Neste ano tanto a Ordo Templi Orientis
Antiqua (O.T.O.A.) já tinha uma filial Haitiana da O.T.O., demonstrando nas Lojas o
trabalho do mago ocultista famoso Mr. Aleister Crowley. Ao contrário do O.T.O.
européia, que teve dez graus, a O.T.O.A. de Jean Maine foi estruturado em 16 graus.
Ainda sendo a O.T.O.A. uma ordem templária, que teve acrescida elementos internos de
Magia e do Vodu. Um ano após seu início de trabalho na O.T.O., Jean Maine criou a
ordem mágicka COULEUVRE NOIRE (A Serpente Negra) com elementos puramente
voduistas e incluía quatro graus com um grau precedente de membro na aprovaçã0 e
em um outro de natureza administrativa. A Tradição da Serpente Negra era
desenvolvida progressivamente no Haiti e começava a absorver a O.T.O.A. de Michael
Bertiaux, americano de descendência francesa e residente em Chicago, que viajou ao
Haiti em 1963, e após muitos anos dos estudos do Vodu recebe de Jean Maine as
iniciações do Vodu e faz uma ligação direta com o Loá ou o deus Haitiano Legbha
Maior. Após estas iniciações, Bertiaux começou a trabalhar na criação de um
sincretismo mágicko das lições e das práticas do Vodu e nas tradições esotéricas
ocidentais do Martinismo e do Gnosticismo.

Em 1970 Bertiaux já foi nomeado por Hector François Sovereign, Mestre da


O.T.O.A. E em 1975 teve ligação com a L.C.N. e começou a escrever todo o material que
compõem sua instrução esotérica, mágicka e gnóstica do Vodu Esotérico. As lições do
Vodu Esotérico ensinam a falar aos espíritos e receber deles o conhecimento e as lições
como um avançando Nível de Iniciação. É uma instrução gnóstica (a Gnose é uma
palavra grega que significa conhecimento espiritual) porque ensina a fazer contato com
os espíritos. Michael Bertiaux contatou também mais tarde no Japão com os espíritos
que recebem o nome de “Kami lá”. Todos estes espíritos são universais e lá no Japão,
Bertiaux, sob a tutela do Mestre Kammamori, conheceu as leis do Kami ou dos espíritos

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da religião Shinto. Esta experiência junto com precedente no Vodu, produziu nele um
conhecimento completo da energia espiritual, que é o objetivo final da instrução do
gnóstica.

Estas lições que passaremos a seguir ensinam a incorporar uma


comunicação com Deuses e desenvolver o poder de vidência. Através dela nós
poderemos vivenciar uma conversação ou diálogo constante com a divindade, através
do contato diário com os deuses ou com as emanações espirituais de Deus,
reiniciaremos uma conversa com a gnose dos espíritos.

Estas lições esotéricas que passaremos a seguir são poderosas e as


experiências autênticas, pois alimentam a alma. Fornecem uma série de operações
mágickas que faz possível o poder espiritual ser dirigido pelo operador, não somente do
modo que podemos resolver um determinado problema de natureza espiritual ou
material, mas para conceder ao operador o poder da luz espiritual, uma iluminação
perscrutada por todos os movimentos esotéricos e espirituais modernas, com Loá ou o
deus Haitiano Legbha Maior. Após estas iniciações, Bertiaux começou a trabalhar na
criação de um sincretismo mágicko das lições e das práticas do Vodu e nas tradições
esotéricas ocidentais do Martinismo e do Gnosticismo. As lições e as práticas que ele
executou são descritas neste manual de Vodu Esotérico e são o produto de um
sincretismo feito dos elementos esotéricos diversos que estudei datando fim do século
XIX que teve sua origem na Europa e no Haiti, acrescidos de minha gnose pessoal com
a Umbhanda Gnóstica do Babalaô Odilon Carneiro - Mestre Vodun e com o meu
mestre e instrutor de Magia e Feitiçaria o libanês radicado no Egito e depois no Brasil,
George Zab.

Francisco Marengo

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COMPREENDENDO UM POUCO O VODU RELIGIOSO


A palavra vodu tem tantos significados quantos os seus formuladores, tamanha
a confusão reinante entre os estudiosos da matéria.

Vodu, vudu, voodoo, vodun, vaudou ou, ainda, woodoo e hoodoo são apenas
algumas das inúmeras grafias, que sugere este sincretismo, sendo que na língua “fon”
se diz vodun, vudu na língua “ewe”.

Enquanto uns afirmam que o vocábulo provém da expressão vaudoisie,


bruxaria medieval francesa, outros acenam com a hipótese da palavra estar vinculada
ao deus Votan (serpente sagrada entre povos da América pré-colombiana), cujo culto
teria sido revitalizado pelos negros daomeanos transportados para o Haiti, que
identificaram tal divindade com sua Damballah, da qual falaremos adiante.

Na verdade, a razão parece estar com quem afirma ser a expressão vodu
oriunda do fongbe, dialeto de origem daomeana. Neste, a palavra - designa as
divindades boas e maléficas, abrange toda a vida moral e religiosa dos fon e é raiz de
grande número de vocábulos.

O que não se contesta, entretanto, é a atribulada evolução do vodu, iniciada


quando desventurados contingentes de negros, arrebanhados à força para serem
enviados para uma terra longínqua e estranha, entraram em contato, por mais de três
séculos, com as crenças de indígenas e ensinamentos de missionários cristãos, numa
imperfeita catequese feita de amor e de medo. Pois, que é o vodu senão uma fusão de
elementos católicos e pagãos, sincretismo de fé religiosa e práticas mágicas?

Desnecessário lembrar que não estamos tratando, aqui, de simples


prestidigitação e sim da magia propriamente dita. Esta nada tem a ver com aquelas
pessoas que, perante uma platéia extasiada, tiram coelhos de cartolas. A magia deve
ser tida como o conhecimento que o homem, desde a pré-história, tem de certas
propriedades de determinadas substâncias, conhecimento viciado por uma fé
extremada em tais propriedades.

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Curiosamente, o atual estágio das abordagens, levadas a efeito em tal assunto,


começa a admitir que a própria magia tem certa participação na religião. Criar uma
oposição radical entre ambas, considerando a magia mera corrupção da religião, é
tese que começa a ser posta em dúvida. Se as religiões mais evoluídas possuem um
sistema ético e moral mais desenvolvido, com um sentido do dever ser (normas
éticas) e um sentimento mais profundo de solidariedade social e de piedade, é
verdade paralela que inúmeros procedimentos, anteriormente considerados
puramente religiosos, conformam práticas mágickas no mais puro sentido do termo.

Nesta linha de pensamento, Jean Bouret adverte:

"É impossível falar da religião, lato sensu, excluindo a magia, complexo de


crenças e práticas, segundo as quais há indivíduos privilegiados que podem agir sobre
as coisas de uma maneira diferente da ação habitual dos outros homens. Pelo próprio
fato de escapar ao profano, para entreabrir as portas do sagrado, é que a magia
aparece lado a lado com a religião".

Outros autores afirmam que o vodu não passa de um caleidoscópio de práticas


mágickas, que intenta ligar homens e espíritos mediante um laço, palpável, e não
apenas mediante orações, em que se respeita vontade superior da divindade e se
reconhece sua autoridade. A própria voz latina religio (daí, religião) significaria
liame, ligação.

Assim podemos dizer que “0 Vodu” é uma religião porque como Iniciados
acreditamos na existência de seres espirituais que vivem em parte no Universo, em
parte no estreito contato com seres humanos, cujas atividades influenciam para o
bem ou para o mal. Estes seres invisíveis constituem um Olimpo, dos quais os
maiores levam o título de Papá ou Grande Senhor e gozam de particular veneração. O
Vodu é uma religião porque o culto desenvolvido para honrar as suas divindades
exige um corpo sacerdotal hierárquico, uma comunidade de crentes, templos, altares,
cerimônias e, finalmente, uma tradição oral que desde logo não chegou inalterada até
nós, mas que, por felicidade, conservou a parte essencial do culto. O Vodu é uma
religião, porque do emaranhado de lendas e fábulas deformadas, é possível separar

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uma teologia, um sistema de idéias com ajuda do qual nossos antepassados africanos
explicavam de maneira primitiva os fenômenos naturais, com que se criou o
fundamento para a fé anarquista em que repousa o catolicismo corrompido de nossas
massas populares. O Vodu é uma religião bastante primitiva que se fundamenta em
parte na crença em seres espirituais onipotentes - deuses, demônios, almas
desmaterializadas - e em parte na fé na feitiçaria e na magia. Em vista deste caráter
dúplice devemos ter em conta que tais concepções religiosas haviam sido mais ou
menos puras em seu país de origem e que em nosso país foram modificadas, através
de um século de contato com a religião católica.

Com o declínio da dominação dos brancos, o Vodu evoluiu de tal forma, que se
tornou a própria religião nacional do Haiti, em que pese à ascendência oficial do
catolicismo. O Vodu, antes de ser uma vontade de volta à África, ele é a expressão
que a população rural do Haiti tem de original e de específico.

O sistema agrícola, sucessor do regime colonial, constituiu um retorno às


origens, vale dizer, ao sistema feudal africano, no sentido de que o território foi
dividido entre os militares, ficando os camponeses ligados ao solo. Disto resultou a
falta de um centro dirigente para a religião, que se fracionou em inúmeras
comunidades, cada qual evoluindo de forma específica. Assim, a imagem que se
costuma ter do Vodu é sempre a mesma; entretanto, todas as descrições referem-se
apenas ao Vodu, praticado na região vizinha a Port au Prince, pelo que, na verdade,
existem tantas ramificações no vodu quantas são as regiões do país e, mesmo para
cada uma destas, constatam-se sensíveis variações.

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Outro dado curioso atinente ao Vodu é aquele, assinalado por Roger Bastide,
qual seja, os efeitos das migrações humanas sobre as religiões afro-americanas. A
população negra é tremendamente móvel, assinala este autor, e grande parte dos
trabalhadores do canal do Panamá vêm das Antilhas anglo-saxônias, ao que os negros
do sul dos Estados Unidos sobem para as plantações ou para as metrópoles do sul.

A ida de trabalhadores do Maranhão para a Amazônia não conduziu,


porventura, a uma mescla do culto de loas, de orixás e de crenças nativas, resultando
na conhecida pajelança? Sabe-se que à época da independência do Haiti, agricultores
franceses fugiram para Cuba, levando consigo seus escravos, que fizeram com que o
vodu fosse implantado em terras cubanas.

No sul dos Estados Unidos o Vodu desfruta de grande prestígio, sendo


praticado, também, no Oriente Médio, em novos Estados africanos e em vários países
da Europa.

Vejamos, agora, alguns curiosos casos concretos, sugeridos pelo sincretismo


religioso que se verifica no Vodu.

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Certa vez, divindades católicas foram invocadas para favorecer a vinda dos Loas, que
teimavam em não baixar. Subitamente, uma jovem se lançou ao solo, gritando e se
contorcendo. Uma sacerdotisa (Mamaloi ou Mamaloa) tentou ajudá-la a se erguer,
mas, a fiel caiu novamente. No instante seguinte, porém, como que impulsionada por
uma mola, pôs-se em pé, de olhos esbugalhados, fez um enorme sinal da cruz e
gritou, trêmula: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Virgem Maria, ajude-
nos! Entrou novamente em transe e foi incorporada por um bom tempo ...

DIVINDADES DO VODU

Desde sua chegada ao Caribe, os negros perceberam que suas crenças não
eram bem vistas pelos senhores brancos. Para evitar sua irritação e represálias,
adotaram curioso expediente para preservar o culto de seus deuses tradicionais:
identificaram-nos com as divindades cristãs propriamente ditas! Assim, Obatalá
passou a ser a Virgem das Mercês, Aleguá identificou-se com as almas do purgatório.

Entre os negros que vieram para o Brasil ocorreria fenômeno semelhante:


Xangô foi assimilado a São Jerônimo, Ogum passou a ser São Jorge. Nanamburucu
confundiu-se com Santa Ana, enquanto Oxossi se fez São Sebastião. Iemanjá
transformou-se em Nossa Senhora da Piedade ou Nossa Senhora da Aparecida, lansã,
mulher de Xangô, passou a ser Santa Bárbara, e Obá, companheira de Ogum, foi
sincretizada com Santa Joana D'Arc.

Há, porém, uma entidade superior no vodu haitiano: é Bon Dieu, criador dos
deuses e dos homens, dos quais se desinteressou por completo, a ponto de rir da
miséria humana. Esta entidade maior encontraria correspondente no Olorum afro-
cubano.

Os jimaguas ou gêmeos, representados por dois bonequinhos de cor preta e


vestidos de vermelho não encontraram entidade similar; corresponderiam,
entretanto, aos Ibeiji da Bahia, assimilados estes a São Cosme e São Damião. Os
gêmeos da Bahia conformam à divinização do parto duplo, bastante comum entre os
nagôs.

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Exu, Esú, ou como se diz em Cuba, Echu ou Elegguá, foi identificado ao diabo
dos cristãos, O termo é de origem ioruba, significando divindade buliçosa. No Brasil,
Exu tem fetiches laborados em barro, ferro ou madeira, sempre com acentuadas
características fálicas. A assimilação de Exu ao diabo fez com que esta figurinha do
sincretismo negro fosse apresentada como o próprio mal, interpretado este como a
eterna luta entre o bem e o seu oposto, vale dizer, dentro de nossos tradicionais
padrões de moral. Entretanto, o pensamento Ioruba não apresenta o mundo como
fruto exclusivo desta dualidade, mas, sim, reconhece a existência de poderes
construtivos e destrutivos, forças que, à deriva tanto podem ser invocadas para o bem
como vara os malefícios. O segredo da vida e o verdadeiro sentido da adoração e do
respeito aos orixás consiste em estabelecer uma relação construtiva entre estes
poderes latentes.

Quanto ao panteão do vodu haitiano, propriamente dito, é vasto como a


imaginação humana. Suas divindades são denominadas loá (de Lwa, Loi) ou
mistérios, na parte sul do país, e santos na parte norte. Podem ter origem africana ou
antilhana, sendo mais significativas no primeiro caso.

Quando alguém que revele qualidades notáveis vem a falecer. Sua alma pode
se tornar um Loa. Assim, o panteão do Vodu cresce indefinidamente, nacionalizando-
se cada vez mais. Por ele desfilam heróis nacionais, sacerdotes e até piratas famosos...

Ogum, divindade de origem ioruba, representando o ferro e o fogo, converteu-


se, no Haiti, numa família inteira de deuses guerreiros. Assim, o Vodu reconhece
Ogun Badagris (que tem o posto de general), Ogum Ferraille (patrono dos soldados),
Ogun Ashade (médico atendente dos militares em campanha) e Ogun Balindjo
(curandeiro e também general). Ogun Badagris, à guisa de exemplo, transformou-se
em São Tiago, e podemos lembrar que Ogum, na liturgia umbandista, equivale a São
Jorge. No Haiti, o fiel montado por Ogun Badagris comporta-se como um guerreiro,
agita a espada, fuma enormes charutos e pede rum.

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Erzulie-Freda-Dahomey ou Ezili-Freda ou, ainda, Maltresse Ezili, comparada


freqüentemente com Afrodite, pertence, como esta deusa grega, às divindades do mar
e personifica a graça e a beleza femininas. Lindíssima, é sensual, volúvel, vaidosa e
pródiga. Em cada houmfort há um compartimento especial para esta divindade, onde
nunca faltam sabonetes, toalhas, perfumes e mais artigos de toucador. Adereços
femininos são seus atributos, mas, seu símbolo é um coração. É representada como
uma mulher branca vestida de azul, tendo muito em comum com nossa lemanjá ou
Janaína.

No Ritual Rada, Erzulie é denominada Erzulie-Freda-Dahomey; tema e


sensual, nascida da espuma das ondas do mar, seu pai é Agoué-taroyo (Agoué é
corruptela do daomeano agbé, o mar), patrono dos navegantes. Já no service petro
ela se chama Erzulie Dantor,e o coração que é seu Vevé (brasão) passa a ser
transpassado por punhais. Ela é, então, o amor paixão, que sublima o amor selvagem.
E no Rito Zandor Erzulie se transforma em Erzulie Zila ou Erzulie-zieux-rouges,
monstro que devora os próprios filhos.

Damballah é a serpente, loa da fertilidade. 0 fiel, montado por esta divindade,


arrasta-se pelo chão ou dependura-se de cabeça para baixo no teto do
houmfort(Templo, no caso). Damballah está identificada com São Pedro ou São
Patrício.

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Já na cidade daomeana de Whydah (Ouiddah), a serpente era um animal


sagrado a tal ponto que se aplicava a pena de morte a quem, mesmo
inadvertidamente, matasse um ofídio.

No ritual Rada, Damballah se reproduz por cissiparidade; macho, sob o nome de


Damballah Ouedo, e fêmea, sob o cognome Aida Ouedo. No service petro, Damballah
passa a ser Damballah Flambeau, ser andrógino, cujo principal atributo é a
onisciência.

Nas chamadas seitas vermelhas haitianas, das quais falaremos adiante,


Damballah gozaria de prestígio ímpar. Presume-se que uma cerimônia de adoração
ao deus-serpente apresenta, em linhas gerais, o seguinte encaminhamento: na calada
da noite, os fiéis começam a chegar, trazendo lenços vermelhos ao pescoço e
sandálias nas mãos. Um sacerdote e uma sacerdotisa postam-se ao lado do altar
principal, onde, num engradado encontra-se uma serpente viva. Depois de todos
estarem seguros de que o ritual se acha ao abrigo de olhos profanos, os crentes
formulam um juramento de que guardarão o mais absoluto segredo de suas práticas,
lançando, contra si próprios, uma terrível maldição, caso faltem ao prometido. Em
seguida, todos se põem em fila, em ordem de Antigüidade de filiação à seita.

Começam a expor seus desejos e ambições, em lamúrias e invocações à


divindade. O sacerdote coloca a jaula do ofídio no centro do terreiro e ordena que a
sacerdotisa se aproxime. Esta, ao se acercar do animal, começa a tremer e a
manifestar convulsões, à semelhança de um réptil, enunciando profecias e respostas
às questões propostas pelos fiéis. E, logo formula ordens que serão cegamente
cumpridas pelos respectivos destinatários. Terminada a sessão de consultas, os
crentes passam a depositar suas oferendas ao pé do altar e, para consolidar o
juramento anteriormente feito, bebem o sangue de um carneiro imolado na ocasião.
Quanto à cerimônia de iniciação numa seita vermelha, supõe-se seja a seguinte: o
sacerdote ou bruxo traça um círculo no chão e manda que os candidatos se
aproximem. Cada um dos bruxos em potencial recebe uma pancadinha na cabeça,
dada pelo bruxo maior com sua varinha mágica, e começa a bailar dentro do círculo.
Caso perca o equilíbrio e saia da roda, eis um mau presságio; poderá, no entanto, ter

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nova oportunidade, como poderá, também, ser tido como um espião e entrar em
maus lençóis...

Após a recepção dos novos membros da seita, o mestre de cerimônias põe um


pé e uma das mãos sobre a serpente, ao que todos os presentes começam a entrar em
transe, movendo o tronco, os braços e a cabeça, como se fossem cobras.

Agoué-taroyo é o Loá responsável pelo mar, sua fauna e flora, e pelas


embarcações. Tem por emblema navios em miniatura, remos pintados de azul ou de
verde, conchinhas ou madrepérolas e, às vezes, pequenos peixes de metal. É
representado sob a forma de um mulato de pele mais clara que o normal e de olhos
verdes.

Heviossos (deuses do raio e do trovão, e que têm muito em comum com o


Xangô dos Iorubá) são também responsáveis pela aplicação da justiça, como Ogum o
faz na Umbanda.

Abaixo dos Loás propriamente ditos, e do Vodu stricto sensu, existem duas
outras categorias de espíritos menos cotados: os Zaka e os Guedé. Aqueles concedem
à fertilidade do solo, divindades agrícolas que são, e costumam dizer pesados gracejos
pela boca de seus cavalos. Um de seus mais significativos representantes é Zaka,
também chamado Azaka-Méde ou Azaka-Tonnerre (Azaka-Trovão). Como um
camponês, Azaka é avaro, desconfiado e hostil ao pessoal da cidade. E desencadeia o
raio e o trovão, a exemplo de Heviossos. Os Guedé são divindades Daomeanas;
criadas pelo Guedé-vi, povo conquistado pelos fon e que era aferrado, ao que parece,
por mórbida inclinação, para coisas fúnebres, pois no Haiti estes espíritos são
patronos dos cemitérios e da morte. Surgem vestidos como agentes funerários,
portando velhas sobrecasacas e cartola, como o faz, por exemplo, Baron Cemitière ou
Barão de Samedi. Também gostam de dizer obscenidades, pelo que a cerimônia se
divide, sempre, em duas partes: uma dramática (possessão dos fiéis pelos espíritos
refinados), outra, cômica (possessão dos fiéis pelos Zaka e pelos Guedé). Baron
Samedi (samedi, sábado, vale dizer, o último dia da Criação), colocado sob o signo de
Saturno e simbolizado pela cor negra, tem parceiro certo no Exu Caveira, da

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Quimbanda. Este espírito haitiano é também conhecido por Baron Cemitière ou


Baron-la-Croix, e tem como símbolo, a exemplo de Legba, uma cruz negra,
marchetada em prata, que traduz a unidade da vida e da morte.

Em Cuba, a veneração dos Guedé haitianos encontra instituição semelhante


junto à seita dos Mayombé, que denota irreversível tendência para a magia negra, e a
dos ganga, também poderosos feiticeiros e especialistas em ritos funerários, além de
saberem formular, como ninguém, temíveis bruxedos (Uganga).

Zaka e Guedé são espíritos violentos e de bom ou mau caráter, que se prestam a toda
sorte de feitiços para conseguir as oferendas de consulentes, promovendo o sucesso
dos malefícios, benefícios e das poções mágicas. Marinette-bwa-chèch, Petit-Jean-
pieds-fins, Ezilli-jé-rouge (Erzulie-zieux-rouges) são deste tipo, bem como o já citado
Baron Samedi e sua mulher, Madame Brigitte que, a exemplo do marido, é a
autoridade máxima sobre os cemitérios, principalmente naqueles em que a primeira
pessoa sepultada tenha sido uma mulher...

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Mais que um Loá, propriamente dito, Legba (Papa Legba ou Atibon Legba) é
um intermediário entre espíritos e humanos, e que encontra correspondente no Exu
dos iorubas. Seu símbolo é uma cruz que nada tem a ver com aquela que identifica o
cristianismo: o travessão vertical representa o caminho que une as profundezas e as
alturas, trajeto certo dos Loas. Uma das pontas deste eixo repousa nas águas abissais,
onde se acha a África, pátria legendária e reino dos espíritos, que de lá partem rumo
ao mundo dos vivos. O travessão horizontal representa o mundo terreno, humano. No
cruzamento dos travessões se estabelece o contato entre homens e divindades, cujo
intérprete, afinal, é Legba, incumbido de abrir a barreira (abrir o caminho) que os
separa, mediante a invocação que segue:

Atibô Legba, l'ouvri bayè Atibon Legba, abre a barreira


pou mwê pra mim
Papa Legba, l'ouvri bayè Papa Legba, abre a barreira
pou mwê pra mim
Pou mwê pasé Para que eu possa passar
Lá m'a tounê, m'a salié Logo que eu volte, saudarei
loa-yo os loas
Vodou Legba, l'ouvri bayè Vodu Legba, abre a barreira
pou mwê pra mim
Lo m'a tounê, m'a remésyéLogo que eu volte, recompensarei
loa-yo os loas
Abobo! Amém! (ou Louvadas sejam os Loás)

No ritual rada, Legba é um espírito fálico que abre as barreiras; no rito petro,
Legba é o sol, sem o qual nenhuma forma de vida poderia se desenvolver.

Diremos, agora, que a religião dos negros provenientes do Daomé apresenta


muitas analogias com a dos Iorubá do Brasil e de Cuba. Ao Vodu haitiano
corresponde, em Cuba, a chamada Santería, e os Loas haitianos dizem respeito aos
Orixás. O Terreiro (houmfort) encontra similar no ilé-ere (casa das imagens) cubano,
também denominado ileocha (contração de ilé-oricha, ou casa dos orixás).

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No Brasil, houve introdução de negros daomeanos que, estabelecendo-se no


Maranhão, na Bahia e no Rio Grande do Sul, receberam o chamamento de jejé. Em
razão de seu pequeno número, foram completamente absorvidos pelos Iorubá. Aliás,
num informe oficial de Londres, datado de 1789, se dá conta de que o Daomé
exportava, na ocasião, de dez a doze mil escravos, dos quais a Inglaterra fi com uma
média de 700, os portugueses com 3.000 e os franceses com o restante, ou seja, de
seis mil a oito mil por ano! Assim, foram os loas completamente obnubilados pelos
orixás, não havendo, a rentemente, em nosso país, maiores vestígios de crenças
relaciona com o Vodu haitiano.

Na Bahia, existe um vestígio do culto a Damballah, a serpente, os nagôs


assumiram a direção das colônias negras, impuseram-lhes a sua língua e as suas
crenças e, como não existe culto da serpente entre os nagôs, o importado pelos gêges
acabou por desaparecer entre nós. De fato, não se deve crer que ele não tenha existido
de todo. Como vestígios temos encontrado nos terreiros em que foi mais acentuada a
influência dos gêges, ídolos ou figuras representativas da serpente. Em algumas roças
achei como um dos ídolos, uma haste, ou antes lâmina de ferro de cerca de cinqüenta
centímetros de comprimento, tendo as ondulações de uma cobra e terminando nas
duas extremidades em cauda e cabeça de serpente. Apenas a ignorância da mãe-de-
terreiro a fazia desprezar a representação ou imagem figurada, para atender somente
à qualidade da matéria-prima de que o ídolo era formado, fazendo-a tê-la por uma
figura ou ídolo nagô de Ogum, orixá da guerra e do ferro, em vez de reconhecer nele o
Vodu Gêge Danhgbi, o Deus-Serpente".

A lâmina de ferro, de cinqüenta centímetros, terminada em cabeça e rabo de


serpente, talvez não tenha ligação direta com o culto de Dá. A cobra, Dá, está presente
em todas as práticas dos candomblés jejes na Cidade do Salvador. Aliás, na concepção
nacional do Daomé, todo vôdún tem a sua Dá especial. Uma cobra tinha lugar de
honra entre os altares num Xangô de Maceió. “E, nos candomblés cariocas, vez por
outra, surge uma cobra em posição de destaque nas cerimônias, traindo, embora
esmaecida, a influência dos jejes”.

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Os africanistas brasileiros tiveram muito trabalho ao procurar descobrir em


seu país o culto da serpente, que lhes parecia definir tanto o Vodu haitiano como o
daomeano. Mas esta pesquisa repousava em uma falsa interpretação. Seguramente o
Daomé conhece o culto da serpente, mas é um culto localizado, que só se encontra em
Ouiddah, e é o culto, todo especial, do totem da família real desta cidade. Pode ter
sido transportado de lá ao Haiti, mas unicamente entre os escravos vindos de
Ouiddah; não caracteriza o vodu haitiano em geral. É certo também que no Daomé a
serpente é o símbolo de Dan, que é a energia cósmica, circulando em toda a natureza,
mas a serpente não recebe um culto particular. 0 resultado é que esses africanistas
cometeram graves confusões: quiseram ver na dança serpentiforme de Oxumaré um
resto do culto da serpente, quando Oxumaré é o arco-íris e o arco-íris é imaginado
como uma serpente mística, não tendo nada que ver com Dan, nem com o totem da
família real de Ouiddah; encontraram pulseiras que representam uma serpente que
morde a cauda, mas é a serpente-imagem de Oxumaré ou um símbolo de Ogum
(estando Ogum ligado, na mitologia ioruba, com a serpente); por fim, descobriu, em
uma seita banto, uma caixa contendo uma cobra; mas é evidente que aqui temos a
conservação de um traço cultural banto (povos entre os quais a serpente representa
um importante papel, principalmente nas crenças sobre a morte), e não um traço
cultural daomeano. Isto não quer dizer que, fora dos candomblés gêge, o Vodu não
exista no Brasil, em conserva, mas deve ser procurado noutro lugar".

E, encerrando este módulo, lembramos que no vodu praticado na República


Dominicana (chamado luasismo, de loa), destacam-se estas divindades: Papa Legba
Macuté (Santo Antônio), Ogun Balindjo (São Tiago), Papa Pier (São Pedro), Candelo
Sedifé (São Carlos e a Candelária), Belié Belcan (São Miguel), Rafaeló (São Rafael),
Filomena (Santa Filomena), La Vieja Mambo ou Mamita Mambo (Santa Ana).

Fraternalmente;
O mestre de sua classe

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