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ASSISTÊNCIA AO PARTO EM FORTALEZA-CE: UM ESTUDO DE CASO

Thais Lopes Silva [1]

INTRODUÇÃO

O principal objetivo da assistência materna de qualidade é proporcionar para a mulher


um espaço de segurança, profissionais que respeitem as dúvidas, expectativas,
inseguranças, diferentes valores culturais, sociais e religiosos durante todo o
acompanhamento da gestação e do parto, dispor de materiais e profissionais preparados
para lidar com eventuais intercorrências de forma não invasiva, sempre levando em
consideração a opinião da mulher ao realizar qualquer procedimento. A referida
assistência, portanto, emerge como uma reação à violência obstétrica, é um problema
que ocorre devido à abordagem tecnicista de assistência ao parto, que é caracterizada
pela negligência, negação ou imposição de dificuldades no atendimento, discriminações
sociais, raciais ou econômicas, uso inadequado e/ou sem consentimento da parturiente
de tecnologias e intervenções, além da não utilização de analgésicos quando necessário.
A gestação trata-se de um evento biológico, social e cultural, por isso, para Minayo, a
abordagem antropológica é importante pois nenhum fenômeno clínico ocorre sem ter
relação direta com valores, atitudes e crenças de uma população. O trabalho é fruto de
pesquisa realizada na maternidade do Hospital Distrital Gonzaga Mota, localizado em
Fortaleza/CE - Brasil, no período entre agosto e novembro de 2018, a partir de uma
abordagem qualitativa com 11 gestantes e 8 parturientes. Para as gestantes, o
acompanhamento durante o pré-natal se dá de forma tranquila, se sentem confortáveis
para tirar dúvidas, mas na hora do parto muitos problemas são relatados, como a falta de
privacidade no momento do parto, o impedimento de ter acompanhante, intervenções
médicas não comunicadas e autorizadas, além de frequentes ofensas verbais. Foi
percebido que apesar das tentativas por parte da administração da maternidade de
execução do decreto, mas a prática dos profissionais responsáveis pelo atendimento
diverge da lei, tendo em vista que foram realizados muitos relatos de abuso de poder e
negligência médica.

[1] Mestranda do programa de Antropologia Social, Museu Nacional UFRJ. Thaislopes193@gmail.com


No começo do século XX, o parto era um evento de ordem familiar, com a presença de
uma parteira e de outras mulheres da família, quando havia complicações no processo as
possibilidades de resoluções eram limitadas e por isso o número da mortalidade infantil
e materna eram altos. A partir dos anos quarenta, inicia-se um movimento de
hospitalização dos partos por se tratar de um espaço onde as complicações poderiam ser
resolvidas e as vidas salvas. E no final do século o espaço mais comum para nascimento
no meio urbano eram os hospitais, com o avanço tecnológico e a evolução de técnicas
de cuidado foi conquistado a redução da mortalidade materna e neonatal. Segundo
Carranza (1994) não haveria nenhuma dúvida de que o parto antes de se tornar um
monopólio da medicina, se constitua como um “assunto das mulheres”.

Entretanto, junto de todo o avanço tecnológico que permitiu a redução da


mortalidade materna e neonatal veio também os casos de abusos e violência obstétrica,
Lo Cicero (1993) categoriza esse processo a partir de vias psicológicas de interação
entre gestantes, parturientes e médicos, que é modulado pelas relações de gênero, uma
vez que o atendimento segue uma lógica tecnicista e de reprodução de métodos de
forma mecânica. D’Oliveira (2002) durante um estudo identificou quatro principais
formas que a violência se manifesta no cenário do parto: “a violência verbal e/ou
psicológica, a violência física e a violência sexual, contribuindo em muito para
constituir, no imaginário da sociedade, uma visão do parto e nascimento como
experiências traumáticas e dolorosas”.

Esta mudança de paradigmas deu-se de um modo tão radical


que os costumes da maioria das culturas foram incrivelmente
alterados, o que podemos ver em estudos antropológicos onde
95% das mulheres que antes ganhavam seus filhos em
posições verticalizadas, passaram a fazê-lo em posições
horizontais. (STEFANELLO, J.; ROMAN, A. R. PARTO:
Buscando uma Vivência Humanizada. Revista Contexto
& Saúde, [S. l.], v. 5, n. 08/09, p. 75–84, 2013).

Ao longo do tempo o corpo feminino e o evento do parto passaram por um


processo de medicalização conforme os processos de modernidade ocorriam nas
diferentes sociedades e nos diferentes grupos sociais, “esse processo em grande parte
significou a mudança do local onde ocorre o ritual do parto para o ambulatório médico,
a patologização do evento, o fim das redes de solidariedade e saberes femininos sobre o
parto e a descentralização do mesmo como um evento familiar”. (TORNQUIST, 2006).
O processo histórico em que se deu a formação desse modelo
no Brasil começou principalmente a partir do século XX.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a legitimação do
médico como ator predominante na assistência ao parto veio
acompanhada de uma prática que tem o propósito de
interferir, acelerar, regular ou monitorar o processo
fisiológico do parto. A hospitalização da parturiente foi
essencial para a apropriação e o desenvolvimento do saber
médico, o que gerou a medicalização do seu corpo. (Ayres,
Lilian Fernandes Arial, Henriques, Bruno David e Amorim,
Wellington Mendonça deA representação cultural de um
“parto natural”: o ordenamento do corpo grávido em meados
do século XX. 2018).

O conceito de humanização da assistência ao pré-natal e parto possui vários aspectos,


alguns estão relacionados a mudança da cultura tecnicista, com a organização de um
atendimento voltado integralmente para as necessidades das mulheres, modificações das
estruturas físicas dos espaços hospitalares para que se tornem acolhedores e favoráveis a
implementação de práticas humanizadas de assistência. “Assistência baseada nos
direitos de forma que promova um parto seguro com um atendimento não-violento
relacionado as ideias de “humanismo” e de “direitos humanos”, assim é possibilitado as
usuárias escolher e decidir sobre procedimentos no parto sem complicação” (DINIZ,
2005). Ainda segundo (DINIZ, 2005) o conceito de humanização engloba a ideia de que
o diálogo sobre violência obstétrica e de gênero precisa acontecer também entre os
profissionais da saúde, outros direitos previstos pelo conceito são “o direito à
integridade corporal (não sofrer danos evitáveis); o direito à condição de pessoa (direito
à escolha informada sobre os procedimentos); o direito de estar livre de tratamento
cruel, desumano ou degradante (prevenção de procedimentos física, emocional ou
moralmente penosos); o direito à equidade, tal como definida pelo SUS.”

A ênfase na atenção primária de um lado e a modificação da perspectiva


epidemiológica do outro favorecem o reconhecimento da importância da aproximação
com as abordagens qualitativas, e a não aplicação dessa abordagem na obtenção de
informações e de análises de estudos sobre saúde pública muitas vezes não acontece
devido à falta de importância dos próprios, mas, sobretudo estão relacionadas à
concepção metodológica hegemônica do modelo médico.
Esse trabalho discutirá a importância dos estudos antropológicos sobre o
nascimento e parto, a partir da pesquisa realizada na maternidade do Hospital Distrital
Gonzaga Mota, localizado em Fortaleza/CE - Brasil, no período entre agosto e
novembro de 2018, a partir de uma abordagem qualitativa com 11 gestantes e 8
parturientes articulando com a discussão da relação da antropologia e os fenômenos da
saúde. Ao se falar de métodos qualitativos, trata-se na verdade de um universo de
métodos de pesquisa voltados para à coleta de dados sobre o “universo social” (POPE,
2000). Por este motivo, eles demandam por parte do pesquisador, um percurso de
exploração e interpretação de dados provenientes de diversas fontes.

O ESTUDO ANTROPOLÓGICO DE EVENTOS DA SAÚDE

Os fenômenos biológicos sendo estudados pela medicina são tidos como eventos
recorrentes que têm uma constância sistêmica, já que podem ser vistos, isolados e
reproduzido seguindo padrões de controles dentro de um laboratório, esses fatores
propiciam de certa forma a condição de objetividade, no entanto, para a ciências sociais
os mesmos fenômenos serão vistos como eventos com determinações complexas e
havendo sempre a possibilidade de adquirir diferentes significados a depender do
ambiente em que irá ocorrer e quais agentes estarão envolvidos. Segundo Damatta
(2010) antropologia social trabalha com as organizações onde o todo predomina sobre
as partes, com formas de vida fundadas em fatores lhes acompanham de seu nascimento
até sua morte.

As situações que envolvem o parto e o nascimento, evento


ritualístico tão celebrado em nossa sociedade envolvem
tensões bastante similares àquelas que estão presente no
campo da discussão sobre o aborto e, também, das novas
tecnologias da reprodução. Nestes processos - o revés do
parto e adoção de técnicas altamente sofisticadas de cultivo e
de controle da fecundidade tendo em vista uma concepção
"natural" - encontramos as mesmas personagens: mulheres,
fetos/embriões, crianças, pais e médicos, sejam através de
presenças e ausências corpóreas e simbólicas. (TORNQUIST,
Carmen Susana. Análise de uma Experiência em
humanização do Parto em Florianópolis. In: Conferência
Internacional Sobre Humanização do Parto e Nascimento,
2000, Fortaleza.)

Considerar saúde como objeto de interesse da sociedade como um todo é retirá-


la conceitualmente da tutela médica e expandir suas fronteiras, incluindo nessa
perspectiva tanto a saúde coletiva ou qualquer outro tema de relevância que abrange o
universo de uma sociedade saldável. Todas as condições de vida e ações que interferem
nas condições de saúde podendo ser as políticas públicas e sociais intersetoriais, todos
os sistemas de cuidado e auxílio em todos os níveis junto de todos os valores e crenças
que dão suporte aos limites de tolerância da sociedade frente ao que afeta sua saúde
individual e coletivamente se torna objeto trabalhável na antropologia sem que ela tome
um lugar de tutelado pelas ciências médicas (MINAYO 1998).

A necessidade da melhoria da assistência à saúde materna se justifica frente às


altas taxas de mortalidade e morbilidade materna no Brasil (VICTORA, 2011; MORSE,
FONSECA, BARBOSA, CALIL & EYER, 2011). Tendo como base dados do
Ministério da Saúde, a razão de mortalidade materna (RMM) estimada, em 2008, de
68,7/100.000 nascidos vivos (MS, 2010). Já de acordo com a Organização Mundial da
Saúde o valor ideal é até 10/100.000 por nascidos vivos e o considerável aceitável de
uma RMM é de até 20/100.000 nascidos vivos (OPAS, 2012). A gestação trata-se de um
evento biológico, social e cultural, por isso, segundo (MINAYO 2003), a abordagem
antropológica é importante pois nenhum fenômeno clínico ocorre sem ter relação direta
com valores, atitudes e crenças de uma população. O principal objetivo da assistência
materna de qualidade é proporcionar para a mulher um espaço de segurança,
profissionais que respeitem as dúvidas, expectativas, inseguranças, diferentes valores
culturais, sociais e religiosos durante todo o acompanhamento da gestação e do parto,
dispor de materiais e profissionais preparados para lidar com eventuais intercorrências
de forma não invasiva, sempre levando em consideração a opinião da mulher ao realizar
qualquer procedimento.

Segundo Eduardo L. Menéndez (1990) um aspecto da perspectiva antropológica


tem adquirido importância nos últimos tempo no campo da investigação de intervenções
e processos na área da saúde, o uso de abordagens qualitativas para obtenção de
informações, análise e montagem de planos de ação, sobretudo a ênfase nas políticas de
atenção primária e na modificação do perfil epidemiológico. A ênfase na atenção
primária de um lado e a modificação da perspectiva epidemiológica do outro favorecem
o reconhecimento da importância da aproximação com as abordagens qualitativas, e a
não aplicação dessa abordagem na obtenção de informações e de análises de estudos
sobre saúde pública muitas vezes não acontece devido à falta de importância dos
próprios, mas, sobretudo estão relacionadas à concepção metodológica hegemônica do
modelo médico.

HUMANIZAÇÃO DO ATENDIMENTO AO PARTO

O conceito de humanização da assistência ao pré-natal e parto possui vários


aspectos, alguns estão relacionados a mudança da cultura tecnicista, com a organização
de um atendimento voltado integralmente para as necessidades das mulheres,
modificações das estruturas físicas dos espaços hospitalares para que se tornem
acolhedores e favoráveis a implementação de práticas humanizadas de assistência.
“Assistência baseada nos direitos de forma que promova um parto seguro com um
atendimento não-violento relacionado as ideias de “humanismo” e de “direitos
humanos”, assim é possibilitado as usuárias escolher e decidir sobre procedimentos no
parto sem complicação” (DINIZ, 2005).

Ainda segundo (DINIZ, 2005) o conceito de humanização engloba a ideia de que


o diálogo sobre violência obstétrica e de gênero precisa acontecer também entre os
profissionais da saúde, outros direitos previstos pelo conceito são “o direito à
integridade corporal (não sofrer danos evitáveis); o direito à condição de pessoa (direito
à escolha informada sobre os procedimentos); o direito de estar livre de tratamento
cruel, desumano ou degradante (prevenção de procedimentos física, emocional ou
moralmente penosos); o direito à equidade, tal como definida pelo SUS.”

A humanização do atendimento realizado pelos profissionais da área saúde se faz


necessário por se tratar de uma solução para minimizar e quem saber vir a acabar com a
violência hospitalar. E o parto humanizado carrega uma séria de conceitos que
pressupõe uma relação da mulher com seu corpo baseada em autonomia.

Tal defesa traduz-se necessariamente na garantia de recursos


e procedimentos que viabilizem a reaproximação
“consciente” das mulheres com seus corpos, o que envolve a
retirada do poder de decisão sobre seus corpos da equipe
médica bem como o uso de artifícios que a aliene de seu
corpo, como, por exemplo, o processo cirúrgico
desnecessário. As noções de individualidade e autonomia,
neste caso, aparecem através da ideia de que ninguém melhor
do que a própria mulher para administrar seu corpo,
evidenciadas, por exemplo, nas formas de se administrar a
dor do parto. (TAVOLARO, 2011, p. 42)

A ênfase na atenção primária de um lado e a modificação da perspectiva


epidemiológica do outro favorecem o reconhecimento da importância da aproximação
com as abordagens qualitativas, e a não aplicação dessa abordagem na obtenção de
informações e de análises de estudos sobre saúde pública muitas vezes não acontece
devido à falta de importância dos próprios, mas, sobretudo estão relacionadas à
concepção metodológica hegemônica do modelo médico.

HUMANIZAÇÃO DO ATENDIMENTO NO BRASIL

No Brasil a discussão acerca do cuidado a saúde da mulher é recente, apenas em


1983 foi desenvolvido e publicado pelo Ministério da Saúde o PAISM, Programa de
Assistência Integral à Saúde da Mulher que tratou de assuntos como planejamento
familiar, saúde alimentar, reprodutiva e materna, desde então pouco foi acrescentado no
que se refere a direitos de saúde da mulher. Segundo o Ministério da saúde todos os
municípios devem implantar o PAISM como forma de oferecer gratuitamente o
atendimento de qualidade a mulheres adolescentes, adultas, idosas, trabalhadoras com
problemas de saúde relacionados aos trabalhos, gestantes durante a gestação, parto e
puerpério, que apresentem complicações resultantes de aborto, ou caso necessitem da
realização de um aborto previsto por lei, além de mulheres em situação de violência
doméstica ou sexual.

De acordo com Ayres (2009) o modelo de atenção à saúde e suas tecnologias


deve operar de forma a atender a todos os aspectos da saúde da população como um
todo

Modelo não é padrão, não é exemplo, não é burocracia.


Modelo é uma ‘razão de ser’ – uma racionalidade. É uma
espécie de ‘lógica’ que orienta a ação. ‘Modelo de atenção à
saúde’ ou modelo assistencial não é uma forma de organizar
serviços de saúde. Também não é um modo de administrar
(gestão ou gerenciamento) o sistema e os serviços de saúde.
Modelo de atenção é uma dada forma de combinar ‘técnicas e
tecnologias’ para resolver problemas de saúde e atender
necessidades de saúde individuais e coletivas. É uma maneira
de organizar os ‘meios de trabalho’ (saberes e instrumentos)
utilizados nas práticas ou processos de trabalho em saúde.
Aponta como melhor combinar os ‘meios técnico-científicos
existentes para resolver problemas de saúde’ individuais e/ou
coletivo. Corresponde à ‘dimensão técnica’ das práticas de
saúde. Incorpora uma ‘lógica’ que orienta as intervenções
técnicas sobre os problemas e necessidades de saúde
(modelos de intervenção em saúde). (AYRES, José Ricardo
de C.M. Organização das Ações de Atenção à Saúde:
modelos e práticas. Saúde e Sociedade , v.18, supl.2, p.11-
23.)

Em primeiro de junho de 2000 foi publicado pelo Ministério da Saúde través da


portaria Nº 569 o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) que
preconiza estratégias de melhorias na qualidade da atenção à saúde da gestante e
parturiente, visando reduzir as taxas de mortalidade materna e perinatal.

Para tal, o documento descreve que toda mulher deve ser atendida de forma
digna e com qualidade durante toda a gestação, parto e puerpério, devendo o cuidado ser
prestado de forma humanizada e segura. De forma geral, a garantia do direito à
maternidade segura, se destaca pelo atendimento humanizado, que para Davis-Floyd
(2001) é caracterizado por buscar resgatar a importância de ver o parto como um evento
que mais do que apenas fisiológico, é social e afetivo e para isso acontecer é necessário
reconhecer alguns importantes aspectos que precisam ser cultivados e mantidos, como a
possibilidade de ter um acompanhante de sua escolha durante todo o processo, a
liberdade de movimentação, sobretudo na escolha da posição de parir, o respeito a
privacidade, a presença constante de um profissional qualificado para acompanhar todo
o processo, a utilização de métodos não farmacológicos que possa aliviar as dores, o
contato pele a pele após o nascimento e que seus medos, dores e inseguranças possam
ser respeitados e percebidos como legítimos e integrantes do momento sem haver
julgamentos, mas ajuda e apoio.

Entendendo as mudanças que acontecem na vida da mulher


no momento do parto e puerpério é necessário que os
profissionais de saúde compreendam a necessidade de
propiciar um cuidado amplo, direcionado para a saúde física
e mental das mulheres atendidas e, busca soluções que não
sejam somente farmacológicas. Estes cuidados envolvem a
educação em saúde, a visita domiciliar, a consulta depós
parto e espaços onde a mulher possa expor suas dúvidas,
incômodos, ou quaisquer outras questões que possam surgir,
sendo estes cuidados, indispensáveis para a inclusão dela em
todo o seu processo de cuidado, a fim de, em suma, valorizar
e respeitar a liberdade de escolha de cada mulher. (Guimarães
de Oliveira, I., de Souza, M. das D. ., de Oliveira Abraão
Santesso , A. C. ., & de Freitas Costa , N. .2020).

Mesmo com o progresso obtido mesmo com a mudança da assistência ao parto


para o âmbito hospitalar e com toda a evolução tecnológica, ainda se observa
dificuldade de acesso aos serviços de saúde de qualidade para todas as mulheres. Não
obstante, considera-se baixo o impacto das ações e políticas já implementadas, já que o
número de mortes maternas gira em torno de 280 mil em todo mundo a cada ano
(VICTORA et al., 2011; WHO, 2014). Projetos como o PNHPN foram desenvolvidos
no intuito de reduzi esses números de mortalidade, proporcionar treinamentos e espaços
adequados de trabalho para profissionais e de saúde e principalmente para proporcionar
as gestantes atendimento de qualidade visando seu bem-estar e com sua saúde e de seu
filho em primeiro lugar.

A PESQUISA

A pesquisa foi realizada na maternidade do Hospital Distrital Gonzaga Mota


localizado em Fortaleza/CE - Brasil, a partir de uma abordagem qualitativa que teve
como finalidade conhecer, descrever e analisar como o atendimento era percebido pelas
mulheres, a pesquisa foi realizada com 11 gestantes e 8 parturientes, no período entre
agosto e novembro de 2018, em dias aleatórios da semana e em horários diversos.

Constatou-se que no Brasil o movimento em busca da qualidade e melhoria do


atendimento à saúde da mulher, sobretudo na assistência e acompanhamento à mulher
grávida. Conforme acontece o contato das secretarias de saúde com as mulheres passa
há haver um contato importante para a formulação de projetos que visem a melhoria
efetiva do atendimento prestado, por isso a participação de grupos que trabalhem para
que os assuntos sobre humanização do parto e direitos da saúde da mulher seja
amplamente discutido é importante. Conforme essas mulheres são ouvidas em relação
as suas demandas e direitos a assistência ao parto espaços mudanças passam a ocorrer,
mas isso não significa que a luta tenha que parar.

Como consequência da medicalização, o nascimento dentro de instituições,


majoritariamente assistido por profissionais médicos, vêm sendo descrito como uma
experiência violenta (DINIZ et al, 2015; SHABOT, 2015), levando a iatrogenias e a um
tipo específico de violência institucional: a violência obstétrica (VO).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando acontece uma melhora no atendimento médico que não tenha como
intenção de “patologizar” as dores do momento do parto é possível haver um
acolhimento que proporciona cuidados e segurança para a mãe e o bebê sem tomar deles
o espaço que lhe diz respeito além de valorizar à vontade sem tomar medidas
intervencionistas e eletivas em um processo que faz parte do fisiológico de uma gestante
quando não há intercorrências inesperadas. A grande questão da discussão a respeito da
humanização do parto não é dizer que todas as mulheres terão que ter o filho através do
parto natural, mas sim conscientizá-las sobre os direitos que possuem sobre seus corpos
para que possa ser assegurado que caso seja isso que elas queiram, terão espaço para
acontecer sem indução a outros procedimentos para comodidade do médico.

Foi percebido que trazer à tona as discussões sobre violência obstétrica e direitos
das mulheres, relações de gênero que de maneira geral desqualificam a figura da mulher
e caracteriza como incapaz diante de seu próprio corpo é um debate que se faz
importante para a sociedade em geral, com o intuito de contribuir positivamente para
ações que deem espaço para as mulheres terem condição de serem junto com seu filho
os protagonistas de um evento que está totalmente ligado a sua sexualidade, para que
assim possam escolher e planejar de forma segura o melhor modo de conduzirem este
evento.

Além disso entende-se que há diversas políticas públicas que tem por objetivo
garantir um atendimento de qualidade, porém ainda há muito o que precisa ser feito para
que essas políticas não apenas existam, mas se tornem efetivas, sejam respeitadas,
divulgadas e aplicadas diariamente nos hospitais para que as mulheres possam se sentir
importantes no momento do parto e não só mais um objeto de lucro para médicos.

Foi perceptível na fala das gestantes entrevistadas que durante o


acompanhamento do pré-natal acontecia de forma tranquila, as mulheres em sua grande
maioria encontravam espaço para compartilhar suas dúvidas e incertezas, a equipe
médica responsável pelo acompanhamento mantinha uma relação próxima, também era
comum nos relatos escutar que havia uma tentativa de indução a realização do
procedimento de cesárea para o momento do parto. Quando se falava sobre o momento
do parto, as falas mudavam bastante, foram comuns os relatos de falta de privacidade, o
impedimento de ter um acompanhante na enfermaria, até proibição de visita,
intervenções médicas como a episiotomia, mudança do procedimento a ser realizado
sem comunicar a gestante, ofensas verbais com o uso de palavreado chulo ao se dirigir
as mulheres, além da omissão de atendimento e amparo, duas mulheres relataram que
foram deixadas por diversas vezes sozinhas e sem a possibilidade de comunicar a um
enfermeiro o que estava sentindo, ou quando podia comunicar era deixada falando
sozinha sem receber nenhum amparo.

Notou-se também que há uma tentativa por parte da administração da


maternidade de oferecer atendimento seguro e digno para as gestantes, mas as práticas
que ocorrem já se encontram estabelecidas na unidade tendo em vista os muitos relatos
de abuso de poder e negligência por parte dos médicos atendentes.

Foi percebido que descrever e analisar as experiências das mulheres quanto à


assistência prestada ao pré-natal e parto é importante para verificar se as práticas
preconizadas pelo Ministério da saúde estão cumprindo seus objetivos, portanto,
entender como as mulheres avaliam o atendimento prestado na rede pública de saúde é
peça fundamental para o processo do cuidado ao pré-natal e parto, ela pode até não
retratar de forma completa a qualidade da assistência, mas pode ser uma forma de
avaliar os serviços, se partimos do pressuposto que a assistência deve ser centrada nas
necessidades das mulheres e assim nos é permitido ter um conhecimento mais
aprofundado e abrangente de como as práticas impactam a vida dessas mulheres.

A referida assistência, portanto, emerge como uma reação à violência obstétrica, é


um problema que ocorre devido à abordagem tecnicista de assistência ao parto, que é
caracterizada pela negligência, negação ou imposição de dificuldades no atendimento,
discriminações sociais, raciais ou econômicas, uso inadequado e/ou sem consentimento
da parturiente de tecnologias e intervenções, além da não utilização de analgésicos
quando necessário. Pode perceber que a cultura cumpre aí um papel fundamental, tanto
nas representações de saúde e doença quanto nas representações terapêuticas. Uma
antropologia da saúde apresenta-se, portanto, como pertinente para entender os modos
de prevenção e enfrentamento das doenças, bem como as escolhas de tratamento,
atentando para as diferentes formas de representações culturais. Na verdade, a
antropologia propõe uma concepção construtivista dos fenômenos de saúde e doença,
das estratégias de cuidado e atenção, mas também da vida e do espaço onde estes
processos se realizam, além de assumir uma postura reflexiva sobre os papeis da
biomedicina e da epidemiologia, a respeito de toda uma diversidade desses problemas
relacionados a assitencia médica ao parto.
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