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Virna do Carmo Camarão

Isabel Magda Said Pierre Carneiro


Maria Marina Dias Cavalcante
Tânia Maria Rodrigues Lopes

Política,
Planejamento e
Gestão Educacional

2010
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados desta edição à SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
(SEAD/UECE). Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer
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EXPEDIENTE

Design instrucional
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Igor Lima Rodrigues
Pedro Luiz Furquim Jeangros

Projeto gráfico
Rafael Straus Timbó Vasconcelos
Marcos Paulo Rodrigues Nobre
Coordenador Editorial
Rafael Straus Timbó Vasconcelos

Organização do conteúdo
Virna do Carmo Camarão

Revisão do conteúdo
Kelsen Bravos

Diagramação
Marcus Lafaiete da Silva Melo

Ilustração
Marcos Paulo Rodrigues Nobre

Capa
Emilson Pamplona Rodrigues de Castro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Carlos Eduardo Bielschowsky
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA –
DPEAD Hélio Chaves Filho
SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
Celso Costa
GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ
Cid Ferreira Gomes
REITOR DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
Francisco de Assis Moura Araripe
VICE-REITOR
Antônio de Oliveira Gomes Neto
PRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO
Josefa Lineuda da Costa Murta
COORDENADOR DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Antonio Germano Magalhães Junior
COORDENADOR GERAL UAB/UECE
Francisco Fábio Castelo Branco
COORDENADORA ADJUNTA UAB/UECE
Josete de Oliveira Castelo Branco Sales
COORDENADORA DA LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
Edite Colares Oliveira
COORDENADORA DE TUTORIA E DOCÊNCIA DA LICENCIATURA EM
PEDAGOGIA Dilia Maria Raulino de Sousa Caetano

Sumário
Apresentação ....................................................................................................................... 7

Unidade 1
Fundamentos Conceituais da Política Educacional ............................................................... 9
Capítulo 1 - Fundamentos Conceituais das Políticas Educacionais.................................... 11 1.1.
O que política quer dizer? .............................................................................................11 1.2. O que é
Política Educacional ..........................................................................................13 Capítulo 2 - Como
Surgem as Políticas Educacionais ......................................................... 16 2.1. A educação como
um direito ........................................................................................16 2.2. Política educacional: trajetos
sócio-históricos no Brasil................................................17 Capítulo 3 - As Políticas Educacionais no
Final do Século XX ............................................. 24

Unidade 2
Gestão e Planejamento Educacional no Brasil.......................................................................
37 Capítulo 1 - Fundamentos Conceituais da Gestão Educacional
......................................... 39 Capítulo 2 - A Gestão Educacional e as Teorias
Administrativas........................................ 42 Capítulo 3 - Gestão Democrática da
Educação................................................................... 44
3.1. Educação, gestão e democracia .....................................................................................44
Capítulo 4 - Planejamento Educacional..............................................................................
48

Unidade 3
Currículo: Sentidos, Teorias, Políticas e a Escola ...................................................................
55 Capítulo 1 - Currículo: Um Início de Conversa ................................................................... 57
1.1. Currículo e seus significados..........................................................................................57 Capítulo 2 -
Teorias do Currículo: das Tradicionais às Pós-Críticas..................................... 60 2.1. Teorias
tradicionais ........................................................................................................61 2.2. As teorias críticas
de currículo .......................................................................................62 2.3. As teorias
pós-críticas....................................................................................................65 2.4. O campo do currículo
no Brasil......................................................................................67 Capítulo 3 - Políticas Curriculares
no Brasil........................................................................ 71 3.1. Parâmetros Curriculares Nacionais -
PCNs.....................................................................71 3.2. As Diretrizes Curriculares Nacionais -
DCNs...................................................................73 3.3. O currículo para a Educação Básica: o que diz a
LDB nº 9.394 de 1996.........................74 3.4. Currículo: questões epistemológicas e
metodológicas..................................................76 Capítulo 4 - As Políticas Curriculares: O Impacto na
Realidade Escolar ............................. 78
Unidade 4
Política, Programa de Formação e Valorização dos Trabalhadores em Educação....................
83 Capítulo 1 - Políticas Educacionais e o Processo Formativo de Professores nos anos
1990....................................................................................................... 85
Introdução.............................................................................................................................8
5 1.1. Situando as posições
teóricas........................................................................................91 1.2. Afinal, de qual
formação falamos?.................................................................................93
Capítulo 2 - A Valorização dos Trabalhadores em Educação no Cenário das Políticas no
Campo Educacional............................................................................................................ 98
2.1. Políticas públicas e valorização: breves considerações..................................................98 2.2.
Políticas em educação – valorização dos trabalhadores em educação..........................99 2.3. A
formação docente no centro da valorização...............................................................101 2.4.
Considerações finais.......................................................................................................102

Unidade 5
A Política Educacional no Governo........................................................................................
111 Capítulo 1 - Políticas Educacionais de Estado .................................................................... 113
Introdução.............................................................................................................................113 Capítulo 2 -
Políticas Educacionais do Governo Federal..................................................... 120

Dados dos Autores ............................................................................................................... 125

A viagem que iniciamos pela disciplina de política educacional reivindica um


roteiro já traçado, onde cada unidade corresponde a uma etapa de aprendizagem. No
caminho, uma sequência de paragens para a apropriação desse saber, pois, à medida
que com ele dialogamos, nos qualificamos, ou melhor, nos elaboramos enquanto ser
pedagógico.
Esse módulo está estruturado em cinco unidades temáticas: a primeira, de cará
ter mais abrangente, trata dos fundamentos conceituais do termo política
educacional, suas configurações em contextos sócio-históricos diferentes no Brasil e
as orientações políticas a partir da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), nos anos finais do século XX. A Unidade II
versa sobre o tema da gestão e do planejamento educacional, aborda questões de
cunho teórico-conceituais, sua importância como atividade-meio na organização e
funcionamento dos sistemas educacionais e no desenvolvimento das políticas
públicas educacionais.
A Unidade III toma como objeto de análise as Políticas, Programas de Formação
e Valorização dos Trabalhadores em Educação. Nesta incursão, elegemos como
elemento de análise a categoria tendências formativas ocorridas na década de 90 do
século XX, bem como a valorização dos profissionais da educação em torno da qual
se realizou todo o percurso na perspectiva de desvendar as interfaces e os nexos que
se tecem no campo pedagógico.
A Unidade IV aborda as políticas curriculares no Brasil como parte de uma am
pla reforma educacional realizada em todos os níveis de ensino e suas implicações no
ambiente escolar. Incluímos, nesse debate, aspectos conceituais, teóricos e metodoló
gicos que visam subsidiar o planejamento e a organização das atividades pedagógicas
nas instituições escolares.
Por último, a Unidade V na qual objetivamos, sumariamente, debater acerca da
política educacional do governo Lula, com destaque para as principais mudanças na
legislação educacional deste governo e suas implicações nas novas configurações po
líticas, focadas na educação básica e qualidade do ensino. Contemplamos, também, o
debate sobre o regime de colaboração entre os entes federativos (união, estados, muni
cípios e distrito federal) e suas implicações nas macro e micropolíticas educacionais.
Neste sentido, a discussão proposta acerca da política educacional nos remete a
um campo de saber interdisciplinar de amplas dimensões, estabelecendo interfases,
principalmente com conhecimentos acerca da legislação educacional, ciência políti ca
e pedagogia. Ora, todo campo de saber é qualificado como tal por já receber um
tratamento epistêmico no sentido da delimitação de territórios conceituais, teóricos e
metodológicos sobre seu objeto analítico. Ou seja, um saber disciplinado é um saber
“arrumado” em sua forma e conteúdo, dotado de cientificidade e com o compromisso
com a formação.
Este módulo foi pensado e elaborado para você aluno do curso de pedagogia,
com o propósito de servi-lo como fio de Ariadne neste labirinto de rotas, que nos
coloca esse campo de saber inesgotável denominado política educacional.
As Autoras

Unidade

1
Fundamentos Conceituais da
Política Educacional
Objetivos:
• Fundamentar conceitualmente o termo política educacional a partir da
compreensão histórica do vocábulo política, ao longo de suas múltiplas
apropriações no contexto sócio-histórico, e o termo educação como um agir
sistemático e assistemático.
• Discorrer sobre a política educacional como um direito social.
• Abordar a política educacional e seus trajetos sócio-históricos no Brasil.
• Debater a política educacional e suas novas configurações no século XX.

Capítulo 1
Fundamentos Conceituais das Políticas
Educacionais

Fazer sonhar intensamente aqueles


que, em geral, não sonham, e
submergir na atualidade aqueles
em cujo espírito prevalece os
jogos perdidos dos sonhos
René Char

1.1. O que política quer dizer?


Esse questionamento reivindica a demarcação de conceitos para os
fins didáticos, aqui propostos. Portanto, nada mais pertinente do que ini
ciarmos nossa incursão por esse capitulo, inquirindo sobre o próprio signifi
cado de “política” e “educação”. Comecemos pelo primeiro: em seu significa
do “clássico e moderno” deriva do vocábulo grego pólis (politikós) e significa
“tudo o que se refere a cidade e, consequentemente, ao que é urbano, civil,
público e, até mesmo sociável e social.” (DICIONÁRIO DE POLÍTICA, 1993,
p. 954). Temos, aqui, um sentido lato do vernáculo, que ao longo dos tem
pos sofrerá variações de significado sem, contudo, perder de vista dois ele
mentos que se preservam como eixos fundantes de sua significação, uma
espécie de gérmen ou o magma do sentido, são eles: o “público” e a
“cidade”. A palavra política, assim como filosofia e democracia, é uma
invenção dos gregos e deve sua expansão:
graças à influência da grande obra de Aristóteles, intitulada Política, que
deve ser considerada como o primeiro tratado sobre a natureza, funções
e divisões do Estado, e sobre as várias formas de Governo, com a signi
ficação mais comum de arte ou ciência de Governo. (DICIONÁRIO DE
POLÍTICA, 1993, p. 954)
Em Aristóteles não podemos compreender o significado de política dis
sociada de sua compreensão de Estado e cidadão: “O Estado é a soma total
de cidadãos” e o cidadão, segundo ele, constitui-se: “tão logo um homem
se torne capacitado para participar da autoridade, deliberativa ou judicial,
consideramo-lo cidadão do Estado.” (ARISTÓTELES, 2000,p.213). Arendt
(2000), reportando-se a Platão e Aristóteles, dirá que em ambos a sociabi
lidade, ou seja, a capacidade dos seres de se relacionarem uns com os ou
tros, não é um atributo prioritário da condição humana, haja vista ser esta
também uma característica presente entre os animais. Para Aristóteles é o
bios políticus o elemento constitutivo do humano, ou seja, o homem nasce
um “animal político” (Zoon politikon (Em grego original)), com capacidade
originária de desenvolver a ação (práxis) e o discurso (lexis). Contrarian-

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


11
com a questão do poder:
o poder político pertence à categoria do poder do homem
sobre outro homem, não à do poder do homem sobre a
natureza. Esta relação de poder é expressa de mil
maneiras, onde se reconhecem formas típicas da
linguagem política: como relação entre governantes e
A palavra “público” tem dois governados, entre soberano e súditos, entre Estado e
sentidos principais nas línguas e pensamen tos modernos. Por cidadãos, entre autoridade e obediência,etc.
um lado, ‘público’ se opõe a ‘privado’, e se faz sinôni mo do bem
comum, do (DICIONÁRIO DE POLÍTICA, 1993, p. 955)
patrimônio coletivo, da quilo que não pode ser alvo de apreciação
egoís ta e particular. Notemos que isso não quer dizer ‘estatal’:
pode haver uma esfera pública que não pertença ao Estado, O poder representará o elemento constitutivo do
por exemplo, uma associa ção ou entidade que não tenham por Estado, Bonavides (2006, p.115) expressa bem a
finalidade apenas o bem de seus donos. Outro sentido de configuração do poder no Estado moderno no
‘público’ é o que se opõe ao ‘palco’. Aqui, seu sinô nimo é ‘plateia’ qual ocorre:
– a soma dos que assistem a uma representação, tendendo à
passividade, podendo manifestar-se apenas pelo aplauso ou
vaia, pela compra ou boicote do in gresso, mas sem meios de o processo de despersonificação do poder, a saber, a
reverter a radical e cons titutiva desigualdade a separá-la dos passagem de um poder de pessoa a um poder de
atores. (RI BEIRO, 2004, p. 31-32) instituições, de poder imposto pela força a um poder
do a concepção aristotélica de zoon politikon
(Animal político, em grego no original), Arendt fundado na aprovação do grupo, de um poder de fato a um
poder de direito.
dirá que o homem não nasce político, “a política
surge no entre-os-homens; portanto, totalmente Surge, então, o Estado de Direito que afigura-se
fora dos homens.[...] A política surge no primeiramente com a conquista dos direitos civis
intraespaço e se estabelece como relação.” (liberdade de expressão, locomoção, propriedade
(ARENDT, 2004, p. 22). etc.) no século XVIII, dos direitos políticos no
Entre os gregos da antiguidade já se delineavam século XIX com o advento dos estados
as dicotomias entre público (política) e privado republicanos. E os direitos sociais no final do
(particular) que irão persistir até os dias de hoje. século XIX e século XX. É importante que se
E este é um primeiro aspecto que não podemos saiba que mesmo que as doutrinas republicanas
perder de vista: o fato de todo agir político tenham povoado todo o pensamento tradicional
processar-se na instância do que é “público” , iluminista do século XVII ao XIX, até meados
compreen deste último ainda se presenciará o predomínio,
dendo este último como antinomia de privado (seu no mundo, das monarquias absolutistas - salvo a
contrário). Na idade mo derna (séc. XVI e XVIII) o República Federativa Ameri cana e a República
termo política designará, dentre outras acepções, Suíça - estando as poucas monarquias
a de “obras dedicadas ao estudo daquela esfera de constitucionais sujeitas à outorga de sua Carta
atividades humanas que se refere de algum modo Constitucional. Somente após as revoluções
às coisas do Estado” (DICIONÁRIO DE POLÍTICA, liberais de 1848, inicia-se um conflituoso processo
1993, p. 954), estabelecendo um estreito vinculo de instauração dos esta
dos liberais com a instituição das Res-públicas e administrativo e jurídico (FREY, 217, p. 1997)
com elas a instauração dos partidos políticos e a passando também a expressar programas e ação
escolha dos representantes políticos por voto. políticas, mobilizando novos conte údos e agentes.
(DURO SELLE,1976; HOBSBAWM, 2007). É o que denominamos de “políticas públicas”
No século XX, somente com o advento dos direitos (sociais, eco nômicas, ambientais etc.), tipologia
sociais (saúde, edu cação, previdência etc.) o na qual se enquadrará a política edu cacional
termo “política” ganha novos contornos e passa a como um tipo de “política pública”. Esta última
significar algo mais que polity ou instância das assumindo uma
instituições políticas, dos sistemas: político,

12 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


conotação sociológica difusa e controversa em razão dos múltiplos
enfoques teórico-conceituais. Entretanto, são aqui entendidas como ações
de
Responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção a
partir de um processo de tomada de decisões que envolve órgãos
públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à
política implementada. Neste sentido, políticas públicas não podem ser
reduzi
das a políticas estatais. (HÖFLING, 2001, p. 31)
A referência ao “público” na referida citação assume um sentido an
tinômico de “privado”, por transcender o âmbito do particular e ascender à
instância do interesse público. É nesse sentido que o termo “política públi
ca” sobrepõe-se à ação restrita do organismo estatal enfatizado pelo autor.
Veremos mais adiante que a ideia do “público”, como adjetivo de política,
vem amplamente associada às problemáticas sociais agravadas com as ins
tituições dos estados republicanos e toda uma engenharia da instituição
política liberal. Assim sendo, o sentido do referido termo se contraporá à
perspectiva de um estado protetor e garantidor dos direitos individuais
(particulares) universais.
Essa panorâmica visão acerca do significado do termo política nos
ajudará a compreender como mais clareza, a seguir, o significado do termo
“política educacional”

1.2. O que é Política Educacional


Uma sociedade para elaborar seu projeto de educação precisa pri
meiramente se perguntar por: qual educação? Que indivíduos e sociedade
se quer constituir? Para fins didáticos, podemos compreender o fenômeno
educativo sob dois prismas: primeiro, como ação intrínseca ao modo de
vida dos indivíduos em sua formação societária e, o segundo, como
atividade sistemática orientada para um determinado fim. No primeiro, a
educação é o que dá sentido à vida social, a capacidade de o indivíduo de
constituir e organizar com o outro valores, costumes, instituições,
linguagem de forma participativa e inteligente. Inteligente, porque uma
sociedade não resulta de um sopro de criação, não nasce da
espontaneidade e aleatoriedade das relações, todo o conhecimento é uma
construção social em contínuo pro cesso de reorganização. O indivíduo, no
processo educativo, não é simples mente um ser que habita um mundo que
lhe é externo e sobre o qual tende a se ajustar ou conformar-se as suas
regras de sociabilidade. O indivíduo é aquele que é parte do mundo e por
ser parte o constrói e para construí-lo tem de compreender-se como parte
instituinte desse mundo, pois as socie dades se elaboram a si mesmas. De
acordo com Brandão:
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola,
de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços de vida com
ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber,
para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida
com a educação. Com uma ou varias: educação? Educações. (BRANDÃO,
1995, p. 7)
Ao referir-se às “educações”, o autor atenta para suas múltiplas con
figurações sociais, sujeitas aos elementos temporal e espacial, pois as di
ferenciações dão-se tanto no e pelo tempo quanto nas diversas formas de
organização social (indígena, rural, religiosa, capitalista etc.) preservando
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
13
Não podemos falar que naquela época os gregos já
formulassem suas políticas educacionais nos
moldes como hoje as concebemos, mas podemos
afirmar que já tinham o seu sistema de ideias
pedagógicas (o quê, como e para quê ensinar).
Portanto, vimos que o primeiro passo na
formulação de políticas edu cacionais é uma
sociedade se perguntar qual projeto de educação
ela quer para si. Assim o faz colocando a
Fora criado todo um or denamento educação como um problema para só então
político capaz de possibilitar a partici pação direta do cidadão definir suas finalidades. É refletindo sobre os
nas decisões da cidade: O povo tomara seu desti
no nas próprias mãos. A eclesia, ou assembleia do povo, princípios e fins da educação que se tem para a
dispunha de todos os poderes; a bulé, conse educação que se quer , que podemos encetar um
lho limitado a quinhentos membros pertencentes a todas as
classes de cida dãos, era conhecida pela sabedoria de seus pare conjun to de ações (sociais, legais, políticas,
ceres; os estrategos [...] constituiam o poder exe cutivo; a helieia, econômicas) capazes de viabilizá-la.
por fim, era um tribunal compos to de seis mil cidadão. ( Gadotti(2000), ao discorrer acerca das
GOYARD, 2003, p.10) “perspectivas atuais da educação” lança o desafio
intacta em qualquer tempo e lugar o que de se pensar novos horizontes educacionais num
denominamos de aprendizagem. O segundo, contexto de globalização, transformações
compreende a educação como agir sistemático. tecnológicas e “crises de concepções e pa
Segundo Saviani, o que constitui essa segunda radigmas”. “Qual o papel da educação neste novo
forma: contexto político? Qual o papel da educação na
é o fato de a educação aparecer ao homem como problema; era da informação? Que perspectivas podemos
ou seja: quan do educar se apresenta ao homem como algo apon tar para a educação nesse início de Terceiro
que ele precisa fazer e ele não sabe como fazê-lo. É isto o 1). Neste Para
Milênio? onde vamos? (GADOTTI, 2000, p.
caso: “A política aparece em educação
que faz com que a educação ocupe o primeiro plano na quando há instituição, isto é, coletividade
sua consciência, que ele se preocupe com ela e reflita organizada e textos explicitamente defi nidos
sobre ela. (SAVIANI, p.8) regulamentando as condições de funcionamento
O surgimento da educação como problemática é de uma escola ou de um conjunto de escolas .”
algo que remonta à antiguidade e um exemplo (CHAMPY/ÉTEVÉ, 2001,p.799 apud CARVALHO,
bem ilustrativo podemos encontrar na Grécia 2008, p. 210) Logo, todos os esforços envolvendo a
clássica a partir do século V a.C., período que formalização ou institu cionalização de um
inaugura o surgimento da democracia grega e determinado sistema de ideias pedagógicas que
demarca a passagem da formação do homem dará forma e conteúdo ao que denominamos de
individual (kaloskagathos), até então “educação formal” podemos cha mar de política
predominante, para a formação do cidadão (pai educacional. Esse processo não ocorre sem o jogo
deia). Esse processo não teria ocorrido se para os das cor relações de forças empreendidas entre
gregos a educação não tivesse se portado como agentes sociais e poder público nos mais diversos
uma problemática na qual os princípios fundamen contextos, mobilizando e confrontando o que
tais, até então vigentes, não sucumbissem ao Saviani(2007) chamará de diferentes
florescimento de novos fun damentos em “mentalidades pedagógicas”. Nestes termos, tudo o
conformidade com os princípios democráticos que diz respeito à educação formal entra como
presentes na organização da polis (cidade-estado). assunto da política de edu cação. Vieira é feliz ao
colocar que: e espaços (órgãos centrais e intermediários do sistema e
unidades escolares). Sua abrangência é ampla, já que ‘vêm
Assim são objeto de interesse e de análise da política se construindo hoje em um terreno pródigo de iniciativas
educacional as iniciativas de Poder Público, em diferentes quer no campo
instâncias ( União, Estados, Distrito Federal, Municípios)

14 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


dos suportes materiais, quer no campo de propostas institucionais, quer
no setor propriamente pedagógico. Elas abrangem, pois, desde a sala de
aula até os planos de educação de largo espectro. (VIEIRA, 2008,p.22)
Como bem expressa a citação, sua amplitude é tamanha que nos dias
hodiernos ela engloba dos recursos pedagógicos a questões relativas à in
fraestrutura. É importante que se saiba que nem sempre foi assim, prin
cipalmente se nos referenciarmos à sociedade brasileira nos primórdios do
século XIX, na qual sequer poderíamos falar de recursos pedagógicos ele
mentares como lápis, cadernos, livros didáticos etc.
Não podemos incorrer na ingenuidade de que o termo política edu
cacional goza de certa convergência de significados, muito pelo contrário,
suas múltiplas apropriações diferenciarão segundo distintas vertentes ana
líticas. No capítulo subsequente, abordaremos, com mais estreiteza, os des
dobramentos contextuais que demarcam o surgimento das políticas edu
cacionais no Brasil.

1. O que você compreendeu por política educacional?


2. Escolha um tema atual sobre educação (educação a distância, informá
tica educativa etc.) e discorra sobre suas novas perspectivas.
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
15

Capítulo 2
Como Surgem as Políticas Educacionais

2.1. A educação como um direito


Vimos, no capítulo anterior, como o termo política, numa acepção
mais próxima de ciência do Estado, é reapropriado no final do séc. XIX e
inicio do XX migrando do campo das instituições para o das ações
(políticas públicas). Essa variação ocorre, principalmente, em razão do
debate envolto na garantia de direitos sociais, fenômeno este
intimamente associado às questões sociais e suas problemáticas,
engendradas, principalmente, pelo surgimento das sociedades burguesas,
juntamente com a expansão do sis
tema capitalista no mundo. Processo esse que Santos (2010), sabiamente,
qualificará como algo para além de um “modo de produção”, sobretudo um
“modo de civilização”, reportando-se à encarnação da cultura capitalista,
impregnada em todas as instâncias da vida (trabalho, família, política etc.).
Assim sendo, as lutas envolvendo as questões sociais dão-se:
em torno do final do século XIX como período de criação e multiplicação
das primeiras legislações e medidas de proteção social, com destaque
para a Alemanha e a Inglaterra, após um intenso e polêmico debate entre
liberais e reformadores sociais humanistas. A generalização de medi
das de seguridade social no capitalismo, no entanto, dar-se-á no período
pós Segunda Guerra Mundial, no qual assiste-se à singular experiência
de construção do Welfare State em alguns países da Europa ocidental
(BEHRING, p.2)
É importante que se saiba que o direito à educação no século XIX, an tes
mesmo de se inscrever como um direito social insere-se como um direito
civil do cidadão, como pré-requisito indispensável à liberdade civil, sendo,
portanto, “dever do Estado, a fim de que, após o impulso interventor
inicial, o indivíduo pudesse se autogovernar como ente dotado de
liberdade e capaz de participar de uma sociedade de pessoas
livres.”(CURY, 2002, p.248). Ora, o que isso significa? Que por razões
outras das dos movimentos emanci patórios insuflados neste período, os
estados liberais emergentes também reconheciam a importância da
instrução primária pública como forma de combate à ignorância, a fim de
que a sociedade fosse capaz de “produzir pessoas com mentes maduras,
minimamente ‘iluminadas’, capazes de cons tituir um eleitorado
esclarecido e trabalhadores qualificados” (t, p.250). Essas palavras
traduzem bem a necessidade de se criar “mentes esclareci das” em um
momento de instauração das repúblicas e com elas a escolha por voto dos
representantes políticos e a qualificação de trabalhadores para a atuação
na indústria (capitalismo industrial). Por outro lado, não se pode afirmar
que o direito à educação foi uma bandeira pertencente a uma elite de
intelectuais liberais, foi preocupação basilar presente nas doutrinas de
emancipação social (Karl Marx, Lênin, Gramsci), bem como da classe tra-

16 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


balhadora. Lênin, por exemplo, compreendia a educação como cabendo
não só à classe operária, mas a toda classe trabalhadora com o objetivo de
dou trinar para o desenvolvimento da consciência política socialista,
rompendo firmemente com o “socialismo espontaneísta”, como se esse
fosse capaz de florescer na mente dos trabalhadores prescindindo de um
projeto educativo. Pois bem, seja:
por razões políticas, seja por razões ligadas ao indivíduo, a educação era
vista como um canal de acesso aos bens sociais e à luta política e, como
tal, um caminho também de emancipação do indivíduo diante da
ignorância. Dado este leque de campos atingidos pela educação, ela foi
considerada, segundo o ponto de vista de diferentes grupos sociais – ora
como uma síntese dos três direitos assinalados – os civis, os políticos e
os sociais ora fazendo parte de cada qual dos três. (CURY, 2002, p. 254)
Neste sentido, complementa Cury, em sua feliz compreensão deste
fenômeno:
A magnitude da educação é assim reconhecida por envolver todas as
dimensões do ser humano: o singulus, o civis e o socius. O singulus,
por pertencer ao indivíduo como tal, o civis, por envolver a participação
nos destinos de sua comunidade, e o socius, por significar a igualdade
básica entre todos os homens. Essa conjunção dos três direitos na edu
cação escolar será uma das características do século XX. (grifo nosso)
(Idem, p. 254)
É de importância capital nos situarmos no tempo e no espaço quan to
à conquista da educação como um direito. Pois é a garantia do “direito à
educação” o primeiro passo para a formalização da “escola pública”.
Entretanto, vale atentarmos para o fato de que o direito não é o ponto de
partida, sua existência é a concretização na forma da lei de como um dado
fenômeno (no caso o educativo) é apropriado ( princípios, valores, cultura
etc.) em um determinado contexto social, político e econômico. O direito
tanto pode vir para romper com uma dada realidade, como para fortalecê
la. Tanto pode voltar-se para o indivíduo como para a sociedade, para o
interesse de uns ou de todos.

2.2. Política educacional: trajetos sócio-históricos


no Brasil
Nos dias atuais pode-se dizer que não há no mundo país que não garanta
o direito à educação. No Brasil, em razão de toda a sua trajetória
sócio-histórica de país colonizado - o qual obteve sua independência políti
ca praticamente três séculos após seu descobrimento, em 1822 - o direito à
educação consta em sua primeira Constituição (1824) garantindo por meio
dela a gratuidade da instrução primária. Essa conquista, que já nasceu
com poucas possibilidades de vingar, devido às precárias condições econô
micas, políticas e sociais vigentes na época, foi, posteriormente, agravada
em razão da controversa instituição do Ato adicional de 1834 (Emenda
Constitucional de 12 de agosto de 1834). Este instituiu amplos poderes às
“Assembleias Legislativas Provinciais” (como eram chamados os estados no
referido período) para legislar sobre a Instrução Pública, inclusive provê-la.
Em outras palavras, a manutenção e o provimento da educação elementar

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


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entre 1840 e 1888, a média anual dos recursos financeiros
investidos em educação foi de 1,80% do orçamento do
governo imperial, destinando se para a instrução primária
e secundária, a média de 0,47%. (CHAIA, 1965, p.
129-131 apud SAVIANI, p.17)
Durante todo o império e, praticamente, toda a 1ª
República a educa ção no Brasil manteve-se
estagnada e fragmentada. Em ambos não se podia
falar da existência de um sistema nacional de
educação e muito menos de políticas
educacionais. Porém, a educação nunca deixou de
ser matéria em todos os textos constitucionais,
mesmo que em contínuos movimentos pen dulares
de altos (períodos democráticos) e baixos (períodos
ditatoriais). Os marcos constitucionais são
importantes instrumentos referenciais para a
A educação nova – fun ção social análise das diferentes tendências presentes nas
tem por objeto organizar e desenvolver os meios de ação durá vel, políticas educacionais, por isso essa breve
com o fim de ‘dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser introdução acerca do direito à educação, a fim de
humano que possa mos dar início ao estudo das políticas
em cada uma das eta pas do seu crescimento’, de acordo com
uma cer ta concepção de mundo. (AZEVEDO, 1959, p.64) educacionais no Brasil.
ficou a cargo das províncias e de seus obsoletos e Podemos começar nos reportando ao primeiro
deficientes sistemas de arrecadação de impostos e movimento voltado para a reconstrução de uma
a consequente incapacidade de investimento na educação nacional: o “Manifesto dos Pioneiros da
educação. com bem ilustra Saviani: Escola Nova”, de 1932. Os ideais inscritos nesse
manifesto, que delineia as diretrizes educacionais não sabíamos usá-los, os trajes de outra civilização. E
da “Escola Nova” , representam a ruptura paradig desde então começamos a nossa odisseia: o esforço para
mática entre dois mundos: o “mundo reacionário” termos uma civilização, senão própria, adap tada. Se muito
e o “mundo renovador” (AZEVEDO, 1959, p.56) temos feito, talvez, em diversos setores, no de educação
no que tange às ideias pedagógicas. O que move pouco temos caminhado. Parece aí, sobretudo, não tem
esse sentimento de renovação, presente nos prevalecido o consenso de que para nossas condições
expoentes da intelectualidade como: Lourenço precisamos de soluções nossas. E para conhecer aquelas,
Filho, Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Cecília necessitamos de estudá-las e, para estudá-las, de
Meireles, dentre muitos outros é todo um recursos técnicos, métodos eficazes e homens aptos para
“sentimento de brasili dade” - bem característico aplicá-los. (TEIXEIRA, 2007,p.43)
da época como, por exemplo, o foi o “Movimen to
de Arte Moderna” (encetado na década de 20, do A transcrição acima revela claramente o
século passado) - de construção de uma sentimento de civilidade pre sente no conteúdo
identidade nacional. Anísio Teixeira, em umas das pedagógico expresso no manifesto. Combater o
inúmeras obras que dedicou ao problema da “euro centrismo” e sua “antropofagia cultural”,
educação, dirá significar um “fenômeno de como sabiamente se “queixava” Oswald de
civilização”. Andrade.
Pois, para ele, toda civilização nasce de condições Era preciso investir em um projeto pedagógico
sociais que lhe sejam próprias, como bem para o Brasil a partir de suas próprias raízes, de
expressa: sua genética cultural, esse era um dos impor
tantes objetivos deste movimento. Mas tão
Fomos civilizados por outrem e vestimos, ainda quando importante quanto a busca pelo

18 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


desenvolvimento de uma identidade nacional, era romper com um modelo
agrário, conservador. Fernando Azevedo (1959), redator do manifesto, em
sua clássica obra Entre dois mundos, apresenta um “esboço”, como o
mesmo o denomina, de um programa educacional a partir das diretrizes
pedagógi
cas do “Manifesto dos Pioneiros”, subdivididas em nove itens que compõem
uma proposta de política educacional nacional, são eles:
1. Finalidades da educação;
2. Valores mutáveis e valores permanentes;
3. O estado em face da educação;
4. A função educacional;
5. O processo educativo
6. Plano de reconstrução nacional;
7. A unidade de formação de professores e a unidade de espírito;
8. O papel da Escola na vida e a função social;
9. A democracia – um programa de longos deveres.
A necessidade de se criar uma “Nova Política Educacional”, capaz de
acompanhar a modernização do País e romper com o caráter fragmentário
da educação, era premente. Para Azevedo (1959, p. 60), o que havia no Bra
sil era um estado de “inorganização” e não de “desorganização” do
“aparelho escolar” devido à falta de fins da educação (aspectos filosófico e
social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos
problemas de educação. O que ele denominava de espírito filosófico e
científico. Se gundo ele, a falta de uma “cultura universitária”, de uma
“cultura própria”, provocava essa fragilidade educacional. O programa de
educação da Escola Nova impactará diretamente na promulgação da
Constituição de 1934 que incluirá, em seus artigos, as seguintes
conquistas no campo da educação, segundo Santos (1999, p.29):
• Designou a família e o estado como responsáveis pela educação; •
Incumbiu a união de legislar privativamente sobre as diretrizes e
bases da educação;
• Definiu a educação como direito de todos;
• Determinou o percentual de recursos financeiros para a educa ção,
cabendo à união e aos municípios a contribuição de 10% dos
recursos de impostos arrecadados e aos estados e distrito federal,
20% dos mesmo para manutenção e desenvolvimento do ensino;
• Instituiu o concurso público de provas e títulos para o cargo de
magistério;
• Instituiu a vitaliciedade e inamovibilidade dos professores con
cursados;
• Criou programa de auxilio a alunos carentes.
Paralelamente a esses acontecimentos, no âmbito da educação, a dé
cada de 30 do século XX, período Vargas, já apresentava os primeiros con
tornos de uma política de proteção social que só na Constituição de 1988
contemplará um capítulo próprio garantindo ao cidadão os direitos so
ciais. Portanto, o direito à educação se configura até a Constituição de
1988 como direito do cidadão, direito de todos, mas não direito social.

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


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A partir dessa data, houve a aceleração das mudanças sociais e políti
cas, a história começou a andar mais rápido. No campo que aqui nos in
teressa, a mudança mais espetacular verificou-se no avanço dos direitos
sociais. Um das primeiras medidas do governo revolucionário foi criar
um Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. A seguir, veio vasta
legislação trabalhista previdenciária, completada em 1943 com a Conso
lidação das Leis do Trabalho. A partir desse forte impulso, a legislação
social não parou de ampliar seu alcance, apesar dos grandes problemas
financeiros e gerenciais que até hoje afligem sua implementação. (CAR
VALHO, 2008,p.87)
Mal o Brasil goza das conquistas educacionais auferidas na Constitui
ção de 1934 até quando é decretado o “Estado Novo” em 1937 . Com a dita
dura vem a supressão de leis essenciais como: a orientação para a elabora
ção das Leis de Diretrizes e Bases pela união, a “educação direito de todos”
e a definição de percentuais e recursos financeiros, para exemplificar. Es
ses movimentos pendulares, de conquistas e retrocessos, vão transcorrer
nas demais constituições de 1946 e 1967. É importante registrar que nesse
intervalo que vai de 1934 a 1937 duas reformas assumem notável relevo,
estendendo-se pela década de 40, são elas: Reforma Francisco Campos e
as Leis Orgânicas do Ensino (Reforma Capanema), estas últimas
estabelecen do orientações acerca do:
ensino industrial, o ensino secundário, o ensino comercial, o ensino pri
mário, o ensino normal e o ensino agrícola, como se pode ver na rela ção
dos documentos promulgados sob a forma de decretos-lei. ( VIEIRA,
2008, p.95)
Destaque para as políticas educacionais responsáveis pela regulari
zação das diretrizes do ensino profissionalizante, voltadas para área da
indústria (Lei Orgânica do Ensino Industrial) e comércio (Lei Orgânica do
Ensino Comercial). É nesse período que é criado por decreto lei - o SENAI
(1942) (Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários) e o SENAC
(1946) (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) (VIEIRA, 2008). As
políticas, até o presente momento, não partem de diretrizes nacionais de
educação. Cada nível e modalidade de ensino é contemplada com diretrizes
próprias, modeladas em função da necessidade de atender o projeto econô
mico “modernizante” para o País.
Em síntese, podemos concluir que o projeto de democratização do
País nunca conseguiu concluir um ciclo de consolidação da democracia
sem a interpelação de regimes autoritários, seguido de políticas de
crescimento econômico. Estas últimas focadas no desenvolvimento
urbano-industrial, como o modelo nacional-desenvolvimentista,
predominante nos anos 1950-
1960, que se contrapõe ao obsoleto modelo econômico agroexportador. A
ideologia desenvolvimentista ganhou impulso não só de adeptos do libe
ralismo econômico, como de grupos de esquerda. (MANTEGA, 1984). En
quanto o crescimento econômico atinge percentuais elevados, o quadro de
miséria e desigualdade social só se agrava.
Na década de 60 dois importantes acontecimentos são registrados: a
promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação- LDB
(Lei de nº 4.024/61) em 20 de dezembro de 1961, proposta desde a
Constituição de 1934, e o Plano Nacional de Educação- PNE, em 1962,
igualmente proposto pela referida Constituição. Ambos passam por um
árduo e longo processo de discussão e elaboração até a data final de suas
homologações. Sobre a LDB:

20 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


ensino, com observância da presente lei”, esse
A constituição de 1946 atribuía à união a competência de
artigo retira da instância da união o poder
definir as di retrizes e bases da educação nacional. Para
atender a tal liberação, o Ministério da Educação centralizador de organizar suas instituições de
ensino, atribuindo aos estados uma margem de
constituiu uma comissão de educadores incum bidos da
elaboração do projeto da LDB. O projeto chega ao autonomia, como podemos ler na citação abaixo:
Congresso Nacional em 1948, onde tramita durante treze
anos, sendo promulgada em 1961, no governo do Art. 16. É da competência dos Estados e do
presidente João Goulart. (VIEIRA, 2008, p. 113) Distrito Federal autorizar o funcio namento dos
estabelecimentos de ensino primário e médio não
Já o PNE ,na época (1934), ficou a cargo do pertencentes à União, bem como reconhecê-los e
Conselho Nacional de Edu cação, que elaborou inspecioná-los. (LEI nº 4.024 de 1961)
um anteprojeto enviado à Presidência da
República em 1937, lá ficando engavetado por umPorém, essa margem de autonomia não se aplica
largo período. Seu propósito era contem plar as quanto ao desenvol vimento de políticas
diretrizes expressas no “Manifesto da Escola educacionais, de planejamento educacional, do
Nova”, que de manifesto pouco tinha, esta belecimento de diretrizes e bases, ficando a
assemelhando-se mais ao formato de plano. O que cargo da união tal empreitada. Nesse sentido, os
ocorreu foi justamente o contrário, com a princípios, ações, programas e metas continuam
instauração da ditadura militar – “Era Var gas” - sendo matéria de competência da união, sequer
seus princípios e teses sucumbiram e em vez da dos estados-federados . Signifi ca dizer que ao
“Escola Nova”, tive mos o “Estado Novo”. Pois mesmo tempo em que se regionaliza a criação de
bem, “após o anteprojeto de plano de 1937, a ideia sistemas de ensino para que estes organizem,
de um Plano Nacional de Educação permaneceu gerenciem, regularizem e financiem suas
sem efeito até 1962, quando foi elaborado e respectivas instituições de ensino. A estes, não
efetivamente instituído” (AZANHA, 1998, p. 110). cabe a participação na elaboração de um projeto
Não cabe nos nossos propósitos esgotar as político nacional e, quiçá, local. Outro aspecto
contribuições da LDB e do PNE em seus amplos referente
educação
a LDB de 1961 reside no fato de nessa a
não ser referida como “direito público e
aspectos, mas interessa pontuar alguns ângulos gratuito”. Somente a LDB de 1996 o reconhece
ino vadores e suas implicações no reordenamento como tal. Basta vermos
das políticas educacionais. A LDB de 1961, por trata do ensino médio: o presente artigo que
exemplo, com a criação dos sistemas de ensino no
âmbito da união, estado e distrito federal, segundoArt. 21. O ensino, em todos os graus, pode ser
consta em seu Art.11: “A União, os Estados e o ministrado em escolas públi cas, mantidas por
Distrito Federal organizarão os seus sistemas de fundações cujo patrimônio e dotações sejam
provenientes do Poder Público, ficando o pessoal
que nelas servir sujeito, exclusivamente, às leis
trabalhistas. § 1º Estas escolas, quando de ensino
médio ou superior, podem cobrar anuidades,
ficando sempre sujeitas a prestação de contas, pe
rante o Tribunal de Contas, e a aplicação, em
melhoramentos escolares, de qualquer saldo
verificado em seu balanço anual. (LEI nº 4.024 de É importante que se saiba que a
1961) criação do sistema municipal de ensino deu se somente na LDB
de 1996.
Esse artigo abre a prerrogativa para o
fortalecimento das instituições particulares de
ensino, pois mesmo sendo a educação um dever
“assegu

Com referência ao esta do federal,


disse Jellinek tratar-se de ‘estado so berano, formado por uma
Naquela época já havia debates não pluralidade
estados-mem
de estados, no qual o poder do estado emana dos
bros, ligados numa unida de estatal.’ ( BONAVIDES,
consensua dos em torno da ideia de torná-lo lei, coisa que de 2006, p.1 )
fato só veio a acontecer com a promulgação do PNE de 2001.

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


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rado” pelo estado, esse termo sugere ampla margem de significados. Pois,
“assegurar” a educação é uma coisa, entretanto, como direito público e gra
tuito, é outra. Cunha (1988, p. 238), por exemplo, entende que “essa legisla
ção não corresponde a uma política de estado previamente formulada, mas
foi sendo elaborada na medida da pressão da clientela interessada.” Nessa
mesma linha de raciocínio, podemos entender a “Reforma Universitária” de
1968 (Lei nº 5.540/68) e a “Reforma do Ensino de 1º e 2º graus” de
1971(Lei nº 5.692/71) que não poderiam deixar de ser citadas. Esta
última estabelece normas estritamente direcionadas à necessidade de um
mercado de traba lho ascendente, basta analisarmos somente um de seus
artigos acerca da proposta curricular do Ensino de 1º e 2º graus:
Art. 5º. As disciplinas, áreas de estudo e atividades que resultem das
matérias fixadas na forma do artigo anterior, com as disposições necessá
rias ao seu relacionamento, ordenação e seqüência, constituirão para cada
grau o currículo pleno do estabelecimento.
1º Observadas as normas de cada sistema de ensino, o currículo
pleno terá uma parte de educação geral e outra de formação especial,
sendo organizado de modo que:
a) no ensino de primeiro grau, a parte de educação geral seja
exclusiva nas séries iniciais e predominantes nas finais; b) no ensino de
segundo grau, predomine a parte de formação especial.
2º A parte de formação especial de currículo:
a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o
trabalho, no ensino de 1º grau, e de habilitação profissio- nal, no
ensino de 2º grau;
b) será fixada, quando se destina a iniciação e habilita- ção
profissional, em consonância com as necessidades do mercado de
trabalho local ou regional, à vista de levantamentos
periòdicamente renovados.
Um instrumento normativo qualquer que seja (LDB, PNE, Lei Orgâ
nica) não se isenta de orientações políticas e tendências econômicas de
uma dada realidade social. A lei é um produto do homem e como tal não só
é fruto de um contexto social, político e econômico como também agente
interventor ou modificador desse contexto. Um único artigo, como o acima
citado, pode engendrar um conjunto de políticas educacionais capaz de
interferir substantivamente no fenômeno educativo reconfigurando-o.
Como por exemplo:
• Formação de professores com o objetivo de habilitá-los a atuar na
formação profissional;
• desenvolvimento de diretrizes curriculares para a educação profis
sional;
• produção de recursos e materiais didáticos para a educação profis
sional;
• criação de instituições específicas, cuja função é a coordenação e
organização dessa modalidade de ensino;
• criação de mais unidades de ensino.
Como podemos perceber não é somente a existência de uma lei, dire
triz ou norma que caracteriza uma ação política educativa, mas um conjun
to de esforços que advém de sua instituição. E aí outras questões surgem:

22 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


de onde partem essas políticas? Quem as pensa e elabora? Como assumem
uma materialidade? Quem as implementa ? Quem as avalia? Todos esses
questionamentos assumem um grau de complexidade em razão da
histórica obscuridade e falta de transparência que assolam a busca dessas
respos
tas. Dois aspectos para reflexão podemos retirar desses questionamentos:
1) Vimos, no capítulo referente à concepção de política educacional, que o
primeiro passo para concebê-la parte de um marco referencial fundamen
tal: a sociedade que queremos, a educação que queremos. Mas onde estão
os sujeitos desse processo? Nesse sentido, podemos problematizar o
próprio papel da lei. Uma lei substantiva – que é uma lei que trata dos fins
e funda mentos de algo - deve advir como um instrumento coativo? Em que
sentido? O de forçar a criação de uma realidade educacional, cujo projeto
não partiu da vontade social, expressa na figura de seus organismos
representativos? 2) Até o presente momento, as políticas educacionais
expressam a vontade política de governo. Este último ao mudar, alterna-se
em diferentes tendên cias (democracia/ditadura,
centralização/descentralização, público/priva do) configurando um quadro
de “descontinuidades” sucessivas, marcado por ações reformistas , uma
colcha de retalhos.. Esses aspectos sintetizam a difícil arte de fazer
educação no Brasil e nos instigam a refletir sobre o
problema da educação, seus nódulos e estrangulamentos. Veremos, no
capítulo seguinte, que somente a partir da Constituição de 1988 são
garantidos espaços de participação da sociedade civil na defi nição e
controle das políticas públicas, conquistas estas fruto de forte con fronto
de forças sociais.
1. Elenque dois fatores que você considera problemáticos para o desenvol
vimento de políticas educacionais no Brasil e elabore um texto ( mínimo
de 30 linhas) discorrendo sobre eles.
2. Pesquise acerca do projeto “Escola Nova” (Manifesto dos Pioneiros) e ela
bore um texto discorrendo sobre suas principais contribuições para a
educação brasileira.

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


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fortes acontecimentos nas três instâncias: a)
política: presencia-se o reordenamento político
das instituições democráticas, que se faz visível
com a criação das centrais sin dicais: CUT, CGT
etc., pluralização dos partidos políticos, eleições
para go vernadores, movimento de “Diretas-Já”
(reivindicação de eleições diretas para presidência
da República em 1984), Assembleia Constituinte e
promul gação da Constituição Federal em 1988; b)
econômica: índices inflacioná rios alarmantes,
crise fiscal, dívida externa, transnacionalização do
capi tal; c) social: agravamento das problemáticas
sociais, refletido nos índices alarmantes de
pobreza, miséria e exclusão social. Esse cenário
insufla a reação da sociedade, mediante
estratégias de mobilização e movimentos so ciais
tais como: movimentos contra a carestia, o
desemprego, por moradia, por escola e creche,
movimento dos sem-terra, dos assentamentos
rurais etc. (GOHN, 2001). A questão social atinge
uma “dimensão institucional evidente: enquanto
‘dívida social’ a ser resgatada por esse País”
(TELLES, 2006, p. 80). As implicações deste
cenário de luta e sofrimento de um povo por
justiça e igualdade social se traduzem na garantia
dos direitos sociais na Constituição de 1988:
Art. 6º. São direitos sociais: a educação, a saúde,
o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à
infân cia, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.
A partir dessa conquista, podemos entender a
Por direitos sociais pode mos educação como um di reito social . O que isso
entender do ponto de vista jurídico que: são prestações positivas significa? Que a educação deixa de ser somente
pro porcionadas pelo estado direta ou indiretamente, enunciadas um direito do indivíduo e passa a ser também um
em normas constitucionais, que pos dever do estado. Vimos, no capitulo anterior, que
sibilitam melhores condi ções de vida aos mais fra cos, direitos que esta compreensão passa a se delinear em constitui
tendem a realizar a igualização de situações sociais desi guais.
São, portanto, direi tos que se ligam ao direito de igualdade. Valem ções anteriores, sobretudo na de 1934, com
como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em conquistas de direitos de pro teção social.
que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da Entretanto, o que se modifica na forma da lei é
igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais
compatível com o exercício efetivo da liberdade. (SILVA, 2005, p. que o estado não mais se porta como organismo
286-287) garantidor juridicamente dos direitos individuais,
como predominou no estado liberal. Neste último,
Capítulo 3 a doutrina liberal de modo geral, entende que
quanto mais estado para garantir e pro teger as
liberdades do indivíduo e quanto menos para
As Políticas Educacionais no interferir no agir do homem (nas instâncias
política, religiosa e econômica) melhor. A
Final do Século XX liberdade, nesse sentido, porta-se
fundamentalmente como a faculdade de poder agir
ou não, sem ser impedido ou sofrer coações
(governo). Como, por exemplo, a liberdade de
imprensa, de associação, de culto ou religião,
dentre outras. Por essa perspectiva, o indivíduo
tem sua cidadania garantida à medida que
universalmente seus direitos o são. Com a
Chegamos aos anos 80, década marcada por instituição dos direitos so ciais, institui-se
também o “Estado de Direito Democrático”, anteriores? A educação deixa de ser somente um
mantenedor de uma ordem social vigente DIREITO do indivíduo e passa a ser um DEVER do
denominada: sociedade. estado não para com o indivíduo, mas, sobretudo,
Então, o que esse marco trouxe de modificações para com a sociedade. Ou seja:
formais em relação às políticas educacionais
24 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
O direito social criou as condições de intervenção
crescente do Estado na prevenção de perigos que a participação é então concebida fundamentalmente como
ameaçam a sociedade, consolidando o princípio de uma compartilha mento do poder decisório do Estado em
responsabilidade pública institucionalizada. (IVO, 2004, p. relação às questões relativas ao interesse público,
58) distinguindo-se, portanto, de uma concepção de par
ticipação que se limita à consulta à população.( DAGNINO,
No campo da educação se faz presente na 2006, p. 49)
Constituição em um de seus artigos o qual
discorre sobre o dever do estado: Ou seja, a atuação do indivíduo-cidadão nos
processos decisórios e de prestação de contas no
Art. 208. O dever do Estado com a educação âmbito dos direitos sociais. Para a mesma autora,
será efetivado me- diante a garantia de: a participação de fato,
I. - ensino fundamental obrigatório e gratuito,
assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para se concretizou institucionalmente na Constituição de 1988
todos os que a ele não tiveram acesso na idade que, ao con sagrar o princípio da participação no exercício
própria; (Alterado pela EC-000.014-1996) do poder no seu artigo 1º, abriu caminho para a
II.- educação básica obrigatória e gratuita dos 4 implementação
tipos, tais como
de instâncias participativas de vários
os Conselhos Gestores e os Orçamentos
(quatro) aos 17 (dezesse- te) anos de idade, Partici pativos. (DAGNINO, 2006, p.49)
assegurada inclusive sua oferta gratuita para
todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria; (Alterado pela EC- 000.059-2009)
III. obs.dji.grau.2:
IV. - progressiva universalização do ensino médio
gratuito; (Alterado pela EC-000.014-1996)
V. - atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na
rede regular de ensino;
VI. - educação infantil, em creche e pré-escola, às
crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Alterado
pela EC-000.053-2006)
VII. - acesso aos níveis mais elevados do ensino,
da pesquisa e da cria- ção artística, segundo a
capacidade de cada um; VIII. - oferta de ensino
noturno regular, adequado às condições do edu-
cando;
IX. - atendimento ao educando, no ensino
fundamental, através de pro- gramas
suplementares de material didático-escolar,
transporte, ali- mentação e assistência à saúde.
X. - atendimento ao educando, em todas as etapas
da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didático escolar,
transporte, alimentação e assistência à saúde.
(Alterado pela EC- 000.059-2009)
O estado democrático de direito no Brasil
assegura também algo que já vinha se delineando
em instâncias locais desde o final dos anos 70 e
no decorrer de toda a década de 80 , a criação de
espaços institucionais de participação popular:
de experiências localizadas e diferencia das de participação po
pular nas instâncias ins titucionais. Mesmo que de forma
fragmentada, mas fortes o suficiente para assinalar novas
territoria
lidades sociopolíticas na relação sociedade civil e estado, essas
formas não emergem em substituição às organizações movimen
talistas.

Neste período, o Brasil será palco

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


25
depois da II Guer ra Mundial, na Europa e América do Norte
onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política
veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu
texto de origem é ‘O Caminho da Servidão’, de Friedrich Hayek,
escrito em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qual
quer limitação dos meca nismos de mercado por parte do Estado,
denun ciadas como uma amea ça letal à liberdade, não somente
econômica, mas também política.(ANDER SON, 1995, p. 9)
Acrescentam-se os planos diretores participativos,
conselhos de pres tação de contas (accontability)
etc. As áreas mais contempladas constitucio
nalmente com a participação institucional são:
seguridade social, saúde e assistência social.
Na educação, ela contempla em seu “Art. 206 § VI
O neoliberalismo nasceu logo ges tão democrática do ensino público, na forma
da lei” e o “regime de colabora ção” em seus desenvolvido.[...] (TEIXEIRA,1996, p. 225)
sistemas de ensino (federal, estadual e municipal)
em seu “Art. 211 - A União, os Estados, o Distrito Apesar de o neoliberalismo ser um fenômeno de
Federal e os Municípios organizarão em regime amplitude global, em épocas diferentes, sua
de colaboração seus sistemas de ensino.” Estas consolidação nas mais variadas nações, principal
conquistas político legais expressam o mente as da América Latina, assume
fortalecimento do projeto especificidade própria em cada uma delas, devido
democrático-participativo cuja ideia nuclear não às diferentes correlações de força, valores,
mais reside somente no “cidadão de direitos”, mas culturas, tipo de economia, enfim. Isso de forma
no for talecimento do cidadão, “sujeito de alguma abranda o primado do mercado como
responsabilidades”. Ou seja. Essa pers pectiva eixo colonizador das demais instâncias da vida
não podemos perdê-la de vista, pois as políticas pública como: educa ção, saúde, trabalho etc.
educacionais não se alheiam das configurações Pois bem, se há pouco falávamos do projeto
assumidas pela relação estado e sociedade. democrático-participativo e de imediato
Os anos 90, revelam um novo cenário fruto da passamos para o modelo neoliberal, fenômenos
herança volumosa dos problemas sociais, não tão opostos em intervalos de tempo tão curtos,
obscurecidos pelas conquistas políticas da década como isso é possível? Essa controversa
de 80. A vitória do presidente da República, “confluência”, entre dois projetos, segundo
Fernando Collor, estreia um conjunto de medidas Dagnino:
políticas, econômicas e monetárias denominado [...] não é, portanto, uma adoção ou incorporação de
de projeto neoliberal . Apesar de nascer na
década de 90, sua gestação ocorre bem antes, elementos do projeto participativo pelo projeto neoliberal,
ônus de um estado que historicamente voltou-se mesmas palavrasvista
como à primeira
e
poderia pare cer. Utilizam-se as
referências, mas o seu significado já é
para a criação de um modelo de acumulação outro, ainda que estas diferenças não se explicitem com
industrial com o discurso modernizante. De clareza, o que precisamente torna perversa a confluência.
acordo com Teixeira, referindo-se à gestão de (DAGNINO, 2006, p.55)
Collor:
é com ele que tem início o processo de abertura da Significa dizer que as experiências de lutas
economia ao mercado internacional, via redução das sociais, os ideais demo crático-participativos, as
barreiras alfandegárias. O programa de privatização e de conquistas constitucionais não podem ser con
desmonte do Estado faz parte da agenda Collor, como fundidos com a reapropriação do discurso da
pré-condição para o combate à inflação. Além disso, é no participação e da democra cia, que mobiliza
seu governo que é lançado o programa de reestruturação outros conteúdos ideológicos, pelo neoliberalismo.
produtiva, segundo o qual as empresas deveriam Como
procurar um processo de gestão pela qualidade e já dito, o reinado deste último durante toda a
produtividade, único caminho capaz de torná-la mais década de 90 adentrando o
competitivas para entrarem no chamado mundo

26 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


século XXI não se dá ausente de confrontos e correlações de forças. E aí
nos perguntamos: como se situam as políticas educacionais no contexto
dessas últimas décadas?
Da Constituição de 1988 à promulgação LDB de 1996, jejuamos oito
anos ainda sob a vigência das diretrizes de 1971, nesse interregno todos
os esforços se voltaram para a polêmica aprovação desta nova lei. Esse
hiato, segundo Vieira, se explica porque:
Assim como ocorreu com a primeira LDB, também a segunda teve seu
percurso assinalado por polêmicas políticas, ideológicas, marchas e
contra-marchas entre a Câmara e o Senado. Sua aprovação somente
iria ocorrer durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso
(01/01/1995-01/01/1999), sob a gestão do Ministro Paulo Renato. (VIEI
RA, 2008, p. 137)
A nova lei de Diretrizes e Bases, denominada de lei Darcy Ribeiro, as
sume uma estrutura bem diferenciada da lei de 1961, reformada em 1971
pela lei 5.692/71, como ilustramos no quadro abaixo:
QUADRO 1 – Comparativo da estrutura das leis 5.692/71 e da lei 9.394/96
Capítulo – I Do Ensino de 1º e 2º graus Título I – Da Educação

Capítulo – II Do Ensino de 1º grau Título II – Dos Princípios e Fins


da Educação Nacional

Capítulo – III Do Ensino de 2º grau Título III – Do Direito à Educação e


do Dever de Educar.

Capítulo – IV Do Ensino Supletivo Título IV – Da Organização da


Educação Nacional

Capítulo – V Dos Professores e Título V – Dos Níveis e das


Especialistas Modalidades de Educação e
Ensino: Capítulo I – Da
composição dos
níveis escolares;
Capítulo II – Da Educação Básica
• Sessão I – Das Disposições gerais
• Sessão II – Do Ensino
Fundamental • Sessão IV – Do
Ensino Médio
• Sessão V – Da Educação de
Jovens e Adultos
Capítulo III – Da Educação
Profissional Capítulo IV – Da Educação
Superior Capítulo V – Da Educação
Especial

Capítulo – VI Do Financiamento Título VI –Dos Profissionais da Educação

Capítulo – VII Das Disposições Gerais Título VII – Dos Recursos Financeiros

Capítulo – VIII Das Disposições Transitórias Título VIII – Das Disposições Gerais

Título IX – Das Disposições Transitórias

Fonte: Quadro elaborado pela autora

No decorrer das últimas décadas marcadas pela gestão de qua tro


presidentes da República: José Sarney (1985-1990); Fernando Collor (
1990-1992); Itamar Franco ( 1992- 1994); Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), muitas foram as orientações políticas e seus respectivos eixos
programáticos, com destaque para três deles que se fazem presentes em
todas as gestões:

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


27
• Erradicação do analfabetismo
• Universalização do ensino
• Qualidade do ensino
Esses três eixos norteadores das políticas educacionais voltaram-se
consideravelmente para a priorização do ensino fundamental em detrimen
to do ensino infantil e do ensino médio. Basta vermos as estatísticas de
matrículas no quadro abaixo:
Quadro 2 - Matrículas, por nível de ensino, no período de 1994 a 1997
Ano Fundamental Médio Superior
1994* 32.046.420* 5.073.307* 1.661.034

1995 32.668.738 5.374.831 1.759.703

1996 33.131.270 5.739.077 1.868.529

1997 34.229.388 6.405.057 1.965.498*

Crescimento 94/97 6,8% 26,2% 18,3%

*Dados Estimadost
Fonte: SEEC/INEP/MEC
É consideravelmente maior o número de alunos matriculados no en sino
fundamental em relação ao ensino médio, apesar de o acréscimo de
matrícula deste último revelar percentual maior na variação de um ano a
outro. Dados do IBGE(ver Censo demográfico de 2000) mostram uma con
centração de 63,4% de matrículas no ensino fundamental, em detrimento
de apenas 15,5% do ensino médio, 11,3% do pré-escolar e 5,4% na
graduação. Esses dados só reafirmam o monopólio de políticas
educacionais focalizadas no ensino fundamental. Entretanto, mesmo com
a elevação de matrículas concentrada neste último, o IBGE também
constatou que menos de ¼ da po pulação brasileira frequenta a escola, o
equivalente a 31,4%, um percentual consideravelmente insatisfatório para
um País em pleno século XXI, tendo em sua circunvizinhança países
latinos que já resolveram essa problemática.
Quadro 3 - Os números da Educação Básica no Brasil - 1997
Níveis de Matrículas Funções Nº de Média
Ensino Docentes Escolas Alunos
p/
Turma

Educação 4.292.208 223.962 80.961 53


Infantil

Classes de 1.426.694 75.902 55.034 25,9


Alfabetização

Ensino 34.229.388 1.413.607 196.479 29,2


Fundamental

Ensino Médio 6.405.057 352.894 16.633 38

Educação 334.507 36.171 7.995 9,8


Especial

Supletivo 2.881.770 103.300 16.100 -x

Fonte: SEEC/INEP/MEC
O quadro acima refere-se a números relativos a : matrículas, docentes,
escolas e nível de ensino no ano de 1997, novamente o ensino fundamental
é majoritário. Essa corrida pela universalização do ensino é bastante coe
rente com o cumprimento de uma agenda internacional na qual o governo
federal se ver compelido a alcançar metas de melhorias em seus
indicadores

28 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


de qualidade, correndo o risco de ver Municípios;
comprometido suas fontes de finan ciamento IV - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar
internacionais como, por exemplo, o Banco e avaliar, respec- tivamente, os cursos das
Mundial-BIRD. Mas, seguramente o maior instituições de educação superior e os
símbolo representativo desse monopólio é a estabelecimentos do seu sistema de ensino;
aprova ção do Fundo de Desenvolvimento e V - baixar normas complementares para o seu
Manutenção do Ensino Fundamental e
Valorização do Magistério – FUNDEF , Lei de nº sistema de ensino; VI - assegurar o ensino
9.424, de 24 de dezembro de 1996, promulgado fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino
logo após a nova LDB. O FUNDEF se qualifica médio.
como uma VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer,
política de financiamento da educação cujo maior com prioridade, o ensino médio a todos que o
objetivo será a canaliza ção do maior volume de demandarem, respeitado o disposto no art. 38
recursos financeiros para o ensino fundamental. desta Lei; (Redação dada pela Lei nº 12.061, de
Ou seja, se os municípios e estados, 2009)
obrigatoriamente, devem dispor de 25% de sua VII - assumir o transporte escolar dos alunos da
arrecadação de impostos à educação, 15% desse rede estadual. (Inclu- ído pela Lei nº 10.709, de
recurso deverá ir para o fundamental, ficando o 31.7.2003)
restante 10% para o atendimento as demais Parágrafo único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão
modalidades (infantil, médio e superior) e
incluindo o próprio fundamental. Essa lei veio de as competências referentes aos Estados e aos
Municípios.
encontro às diretrizes relativas à definição das
respectivas competências de cada sistema de Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
ensino. Por quê? À medida que ao Estado foi I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e
incumbido prioritariamente o ensino superior e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino,
médio, ficando o funda mental e a educação integrando-os às políticas e planos educacionais
infantil como responsabilidade primária do da União e dos Estados;
município. Como bem expressa os referidos II - exercer ação redistributiva em relação às suas
artigos abaixo: escolas; III - baixar normas complementares para o
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de: seu sistema de ensino; IV - autorizar, credenciar e
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema
instituições oficiais dos seus sistemas de ensino; de ensino;
II - definir, com os Municípios, formas de
colaboração na oferta do ensino fundamental, as
quais devem assegurar a distribuição pro-
porcional das responsabilidades, de acordo com a
população a ser atendida e os recursos
financeiros disponíveis em cada uma des- sas
esferas do Poder Público;
III - elaborar e executar políticas e planos
educacionais, em conso- nância com as diretrizes e Maiores detalhes acerca do
planos nacionais de educação, inte grando e FUNDEF ver livro da disciplina de Estrutura e Funcionamento
coordenando as suas ações e as dos seus do Ensi no, Unidade III.
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
29
transporte escolar dentre outros – o contemplava.
A situação se agrava, sobretudo, porque à medida
que mais jovens ingressam maior será a procura
por matrícula no ensino médio. Quando o Plano
Nacional de Educação é aprovado em 2001, ainda
sob a vigência do presidente Fernando Henrique
Cardoso, objetivos e metas são determinados por
este sem que previamente já houvesse uma
política educacional que o beneficiasse. Vejamos
algumas das metas abaixo:
1. Formular e implementar, progressivamente, uma
política de gestão da infra estrutura física na
educação básica pública, que assegure: a) o
reordenamento, a partir do primeiro ano deste
Plano, da rede de escolas públicas que contemple
a ocupação racional dos estabele- cimentos de
ensino estaduais e municipais, com o objetivo,
entre ou- tros, de facilitar a delimitação de
instalações físicas próprias para o ensino médio
Ver livro de Estrutura e separadas, pelo menos, das quatro primeiras
Funcionamento do Ensi no , Unidade I, Cap. 2. séries do ensino fundamental e da educação
V - oferecer a educação infantil em creches e infantil;
pré-escolas, e, com priori- dade, o ensino b) a expansão gradual do número de escolas
fundamental, permitida a atuação em outros níveis públicas de ensino mé- dio de acordo com as
de ensino somente quando estiverem atendidas necessidades de infra-estrutura identificada ao
plenamente as necessidades de sua área de longo do processo de reordenamento da rede física
competência e com recursos acima dos atual;
percentuais mínimos vinculados pela Constituição c) no prazo de dois anos, a contar da vigência
Federal à manutenção e desenvolvimento do deste Plano, o atendi mento da totalidade dos
ensino. egressos do ensino fundamental e a inclusão dos
VI - assumir o transporte escolar dos alunos da alunos com defasagem de idade e dos que
rede municipal. (Incluí do pela Lei nº 10.709, de possuem necessida- des especiais de
31.7.2003) aprendizagem;
Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, d) o oferecimento de vagas que, no prazo de cinco
ainda, por se integrar ao sistema estadual de anos, correspondam a 50% e, em dez anos, a
ensino ou compor com ele um sistema único de 100% da demanda de ensino médio, em decor-
educação básica. rência da universalização e regularização do fluxo
Os respectivos sistemas passam a reordenar de alunos no ensino fundamental.
progressivamente suas unidades escolares. Logo,
quanto mais o estado se desobriga, paulatina Uma política de financiamento capaz de
mente, de cada série do fundamental, mais seus contemplar a manutenção e desenvolvimento da
recursos vão escasseando, em razão da política educação básica só ocorrerá na segunda gestão
de financiamento do FUNDEF. A falta de recursos do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Bem
para as escolas de ensino médio provoca toda a como a ampliação de programas federais para o
sorte de problemas que compro metem desde a ensino médio (merenda escolar, livro didático e
gestão escolar à qualidade do ensino. Isso transporte escolar ). Segue abaixo um quadro
considerando o perverso histórico da educação sintético dos principais eixos programá
pública. Sequer programas federais - como, por ticos que atravessam três décadas (1985 à 2002.)
exemplo, do livro didático, merenda escolar,

30 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


QUADRO -1 Síntese das principais políticas de Governos implementadas
no período de 1985 A 2002.
Gov. Sarney Gov. Collor Gov. Itamar Gov. FHC

Ano Pol. Educ Ano Pol. Educ Ano Pol. Educ Ano Pol. Educ
1985 Educação no meio 1990 Programa 1993 Plano Dece 1995 Mãos à
rural e nas perife Nacional de nal de Educ. Obra e
rias urbanas. Alfabetização para Todos Acorda
e Cidadania- Brasil.
PNA Está na hora
da Escola

1986 Educação para To 1991/1995 Programa Se 1993 Diretrizes de 1996 Lei de Diretri
dos – Caminho torial de Ação Ação Gover zes e Bases
para a mudança, do governo namental da
Educa ção e Collor na área Educação
Trabalho de Educação

1987 Educação para To 1991 Brasil: Um 1993 Prog. Na 1996 Fundo Nacio
dos – Caminho projeto de cional de nal de Manu
para a mudança, reconstrução Atenção tenção e De
Educa ção e nacional. Integral à senvolvimen
melhoria do Criança e ao to do
ensino técnico Adolescente ensino
PRONAICA Fundamental
e Valorização
do Magistério

1988 Educação na 2001 Programa


consti tuição; Bolsa Escola
Erradicação do
Analfabetismo;
Desenvolvimento
da Educação pré
escolar;
Expansão e me
lhoria do ensino
fundamental.

1989 Educação como 2001 Plano


prática educacional; Nacional de
Erradicação do Educação
analfabetismo;
Universalização
do ensino;
Melhoria da
qualida de do
ensino;
Formação para o
trabalho
promoção huma
nística, científica e
tecnológica

Vimos, na disciplina de Estrutura e funcionamento do ensino, uma


abordagem introdutória do Plano Nacional de Educação - PNE que será
aprovado como lei (Lei nº 10.172) nos momentos finais da gestão do pre
sidente Fernando Henrique Cardoso em 2001, ou seja, treze anos após a
recomendação de sua elaboração pela Constituição de 1988:
Art. 214. A Lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plu
rianual, visando a articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus di
versos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à:
I - Erradicação analfabetismo;
II - Universalização do atendimento escolar;
III - Melhoria da qualidade de ensino
IV - Formação para o trabalho;
V - Promoção humanística, científica e tecnológica do País.
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
31
Essa delongada estiagem provocada pela ausência de um novo PNE
se explica pelo controverso e polêmico processo que vai de sua elaboração
à aprovação. O que deveria ser a expressão de um estado federativo e
demo crático de direito, tornou-se um campo de esgrimas políticas e
sociais. No qual não prevaleceu a vontade advinda da unidade, de um
coletivo. Isso por que, em 1998, dois projetos de lei foram para votação no
Congresso Nacio nal. Um subscrito por representantes da sociedade
organizada e parlamen tares e, o outro, elaborado pela instância de
governo.
Essa não foi uma lei originada de um projeto que tivesse trâmite corri
queiro no parlamento federal. Ao contrário, ela surgiu da pressão social
produzida pelo “Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública”. As inú
meras entidades ali presentes forçaram o governo a se mover ao darem
entrada, na Câmara dos Deputados, em 10 de fevereiro de1998, no
Plano Nacional de Educação, elaborado coletivamente por educadores,
profis sionais da educação, estudantes, pais de alunos etc., nos I e II
Congres sos Nacionais de Educação (CONEDS). O plano, conhecido como
PNE da Sociedade Brasileira, consubstanciou-se no Projeto de Lei nº
4.155/98, encabeçado pelo deputado Ivan Valente e subscrito por mais
de 70 par lamentares e todos os líderes dos partidos de oposição da
Câmara dos Deputados. (VALENTE, ROMANO, 2002, p. 97)
O primeiro (Projeto de lei nº 4.155/98) dará entrada em 10/02/1998
e o segundo, o projeto do governo (Projeto de lei nº 4.173/98), um dia após,
em 11/02/1998. Ao tramitar dois projetos discorrendo sobre a mesma ma
téria dar-se-à início, no ringue do congresso, ao campo de disputas. Vence,
previsivelmente, as diretrizes do projeto do governo federal.” Pesar aos or
ganismos sociais representantes e defensores do pensamento educacional
e da escola pública que se empenharam na organização de congressos,
con ferências e fóruns com o objetivo de discuti-lo.
Esse acontecimento, que até os dias hodiernos, ressoa com negati
vidade no âmbito das instituições que pensam a educação, levanta um
conjunto de problemáticas como, por exemplo, a questão da centralização
e descentralização nas políticas educacionais. É preciso visualizá-las em
três instâncias: estado, sociedade e governo, o que nem sempre ocorre de
modo convergente. Pois, a garantia de um estado democrático de direito,
não necessariamente, evita ações centralizadoras por parte de um governo.
A aprovação do PNE é a prova cabal dessa questão. Houve, sim, o exercício
democrático do debate, da discussão entre as mais diversas entidades e
parlamentares, houve sim o exercício do diálogo, da expressão de um inte
resse público. E aqui podemos nos remeter ao aspecto descentralizador da
sociedade que abriu-se para o diálogo com as múltiplas e diversas institui
ções. O que não houve foi a transformação dessa vontade em lei, ela não se
cumpriu como instância deliberativa, em razão da prevalência da ação cen
tralizadora da vontade de governo. Recordemos o projeto da “Escola Nova”
que, também, deveria ser contemplado no PNE de 1962, ocorreu o mesmo,
prevalecendo o anteprojeto do governo central. (Só que este não fora apro
vado como lei na época).
Assim sendo, o governo federal adotou uma postura centralizadora. Essa
questão revela as contraditórias formas de convivência entre as leis
democráticas, o ideal de democracia que elas representam e uma engenha
ria institucional não delineada aos seus moldes. Entra em conflito o prin
cípio da soberania popular, como ideal substantivo da democracia, com o
32 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
princípio da representatividade. O representante político não age em nome
de (sociedade/povo) para agir no lugar de (sociedade/ povo). No primeiro
caso ele é um porta-voz que expressa o interesse público; no segundo ele
se atribui a competência de decidir o que é melhor para a sociedade. Entre
tanto, o uso da prerrogativa da competência política que o cargo lhe atribui
não necessariamente é favorável ao interesse público.
Pois bem, uma vez aprovado, o PNE entrará em vigor a partir da pu
blicação da lei, como plano de caráter nacional e decenal. Subdividindo-se:

Principais vetos do PNE:


• Aumento de gastos públicos com educação de 5% (equivalente a, apro
ximadamente, 52 bilhões de reais) para 7% (equivalente a 73 bilhões
de reais) do PIB (Produto Interno Bruto) no prazo de dez anos;
• Criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento para a educa
ção superior;
• Crescimento da oferta de ensino público para assegurar uma propor
ção que não seja inferior a 40% do total das vagas;
• Ampliação do programa de crédito educativo.
• Implantação, no prazo de um ano, de planos gerais de carreira para
os profissionais das áreas técnicas e administrativas das escolas; •
Ampliação do Programa de Renda Mínima para atender 50% das
crianças de até 6 anos nos três primeiros anos de implantação e
100%, até o sexto ano.

1. Elabore um texto avaliando a contribuição dessa primeira unidade para


a formação do pedagogo.
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
33

Nessa primeira unidade, buscamos introduzir o aluno na disciplina


de política educacional, primeiramente com o compromisso de ampliar seu
conhecimento acerca desse campo de saber tão interdisciplinar. Fazendo o
compreender, primeiramente, o próprio significado de política (atividade
esta inventada pelos gregos na antiguidade), para só então apropriá-la no
âmbito educacional. No próprio termo já reside o caráter educativo de po
lítica como ação entre os homens que se trava na instância do interesse
público.
E, segundo, o de fazê-lo compreender que a educação formal é uma
construção contínua e diária de lutas que envolvem ideias, fins, objetivos,
valores, ações que ganham forma e conteúdo nas políticas de educação. A
função social dessa disciplina é mostrar que o trabalho do pedagogo trans
cende a sala de aula e a escola, pois o agir político permeia todos os
âmbitos da vida social. Para tanto, é preciso que esse profissional se situe
dentro de um contexto e de uma realidade, essa compreensão é capital
para que con tinuemos nossa jornada pelas próximas unidades cujo
objetivo é fazer com que visualizemos, de forma crítica e reflexiva, as
políticas educacionais em seus principais eixos: gestão e planejamento,
formação, currículo e valori zação do trabalhador da educação.

ARENDT, Hannah. O que é política? Fragmentos das obras póstumas


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34 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


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POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
35

Unidade

2
Gestão e Planejamento
Educacional no Brasil

Objetivos:
• Fundamentar conceitualmente o termo gestão educacional.
• Diferenciar a política da gestão educacional e a gestão da política educacional. •
Destacar as teorias administrativas que influenciaram a literatura acerca da gestão
educacional no Brasil.
• Discorrer sobre as correntes do pensamento democrático de maior relevo para o
tema da gestão democrática educacional.
• Destacar a importância do planejamento educacional para o desenvolvimento de
políticas educacionais.

Capítulo 1 Fundamentos Conceituais da


Gestão Educacional
que se o lócus da ges tão escolar é a escola, o da
gestão educacional são os sistemas educacio nais.
Portanto, gerir um sistema educacional é atuar
sistematicamente: planejando-o, organizando-o,
coordenando-o e avaliando-o:
Quando falamos sobre gestão e planejamento
educacional estamos nos referindo a quê? Que
elementos os compõem? Quais suas finalidades?
Essas perguntas nos remetem aos alicerces
conceituais dos termos presen tes. Vamos iniciar
com o termo gestão e seu significado etimológico
que provém do:
Verbo latino gero, gessi, gestum, gerere e significa: levar
sobre si, carre gar, chamar a si, executar, exercer, gerar.
Trata-se de algo que implica o sujeito. Isto pode ser visto
em um dos substantivos derivado deste verbo. Trata-se de
gestatio, ou seja, gestação, isto é, o ato pelo qual se traz
em si e dentro de si algo novo, diferente: um novo ente.
Ora, o termo gestão tem sua raiz etimológica em ger que
significa fazer brotar, germinar, fa zer nascer. Da mesma
raiz provêm os termos genitora, genitor, gérmen. (CURY,
2005, p. 14)
Esse sentido contém uma dimensão bem diferente
do vocábulo admi nistrar - que em qualquer
dicionário significará: ato de dirigir, comandar,
gerenciar - nos remetendo à ideia de gestar algo
novo, ato de criar ou recriar. Entretanto, a
apropriação do termo pela teoria da administração
fez com que seu significado original se
assemelhasse ao de administrar. E quando a
gestão se refere à educação? Sobre essa
compreensão, Hora (2007, p. 3) dirá se tratar de
um “processo histórico, político-administrativo
contextualizado e coletivo, que organiza, orienta e
viabiliza a ação social da educação.” É válido
esclarecer que a autora assim a define em
detrimento das influências tecnicistas deixadas
pela literatura acerca da administração
educacional até os anos 1970. Essa definição é
relevante, mas não suficiente, por quê? Ao mesmo O verbo to manage (admi nistrar,
tempo em que enfatiza os aspectos históricos, gerenciar), vem de manus, do latim, que sig nifica mão.
políticos e sociais em sua concepção, deixa um Antigamente significava adestrar um cavalo nas suas andadu
ras, para fazê-lo praticar o manège. Como um ca valeiro que
vácuo quanto à instância concreta de sua efe utiliza rédeas, bridão, esporas, cenoura, chicote e adestramen to
tivação. Restando a pergunta: quem e o quê desde o nascimento para impor sua vontade ao animal, o
capitalista empenha-se, através da gerência (management),
gerencia a gestão educacional? Esse controlar. E o controle é, de fato, o conceito funda mental de
questionamento indaga pelo sujeito e objeto dessa todos os siste mas gerenciais, como foi reconhecido, implícita ou
ação, sobre os quais se estabelece uma relação de explicitamente, por todos os teóricos da gerência. (BRAVERMAN,
poder (de decisão). 1987, p. 68)
Para os fins didáticos, aqui propostos, diremos
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
39
Esse processo ocorre em conformidade com os fins e objetivos da
edu cação, sem comprometer sua especificidade pois:
a gestão educacional tem natureza e características próprias, ou seja,
tem escopo mais amplo do que a mera aplicação dos métodos, técnicas e
princípios da administração empresarial, devido à sua especificidade e
aos fins a serem alcançados. Ou seja, a escola, entendida como insti
tuição social, tem sua lógica organizativa e suas finalidades demarcadas
pelos fins político-pedagógicos que extrapolam o horizonte custo-benefí
cio stricto sensu. Isto tem impacto direto no que se entende por planeja
mento e desenvolvimento da educação e da escola e, nessa perspectiva,
implica aprofundamento sobre a natureza das instituições educativas e
suas finalidades, bem como as prioridades institucionais, os processos
de participação e decisão, em âmbito nacional, nos sistemas de ensino e
nas escolas. (DOURADO, 2007, p.924)
A citação acima atenta para um elemento nuclear que é a natureza
da instituição (público-privada; educação/ empresa), seus fins e objetivos.
Sem essas diferenciações, o ato de gerir uma empresa não diferiria do ato
de gerir uma escola. Pois bem, se a gestão educacional envolve os siste
mas educacionais o que estes significam? Esse esclarecimento é de grande
relevo, pois comumente podemos incorrer na falsa compreensão de tomar
por gestão dos sistemas educacionais, por exemplo, a forma como uma se
cretaria de educação se gerencia internamente ou como esta gerencia suas
unidades escolares; como o Ministério da Educação gesta seus programas
educacionais etc. Certamente não se trata de nenhum dos exemplos
postos. Não há de fato um consenso entre os múltiplos significados que o
termo as sume, há, inclusive, variações quanto ao próprio uso deste, uns
denominam sistema escolar, outros de sistema educacional, sistema de
ensino. Enfim, para os objetivos em tela tomaremos de empréstimo a
definição dada por Santos para quem sistema educacional:
[...] refere-se a um determinado conjunto de escolas que apresenta tra
ços comuns, um conjunto de órgãos administrativos e pedagógicos, um
conjunto de recursos humanos, financeiros e materiais e um conjunto de
normas que estrutura e põe em funcionamento o ensino de forma har
mônica para buscar objetivos comuns. (SANTOS, 1999, p. 42)
Como podemos perceber é um conjunto de elementos (instituições,
normas, recursos, agentes) que age de forma sistemática, segundo Saviani
(2007, p. 3), com “intencionalidade, unidade, variedade e coerência
(interna e externa)”. Não se trata, portanto, da ação deliberativa de um
determinado órgão sobre outro, mas do conjunto de todas as instituições
com a função social de garantir a educação pública de qualidade a todos
os cidadãos. Nesse sentido, podemos entender que da mesma forma que
não existe es
cola sem a gestão escolar - pode faltar a figura do diretor, mas não o saber
gerencial escolar e os processos de gerenciamento de seus recursos (huma
nos, pedagógicos, financeiros etc.). – não existe sistema de educação sem a
gestão educacional, pois esta integra a lógica de sua racionalidade. O que
varia são as formas e conteúdos que se afiguram em diferentes modelos de
gestão e diferentes estruturas de sistemas em razão dos contextos sociais,
políticos e econômicos.
A partir do exposto é interessante diferenciarmos duas dimensões
que facilmente podem ser confundidas no campo educativo: a política da

40 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


gestão educacional e a gestão da política educacional. Contrariando a
aritmética a inversão dos termos altera o “produto”, ou seja, seus significa
dos. Entretanto, ambas encontram-se indissoluvelmente unidas. A
primeira quer dizer que nenhuma gestão que opera na instância pública
(seja ela educacional, habitacional, saúde etc.) é destituída de conteúdos
político ideológicos, estes só são passíveis de compreensão quando
apropriados no contexto de uma realidade concreta que os determina. As
políticas são dota das de uma intencionalidade, expressam os rumos
educativos, seus meios e fins. A segunda refere-se ao fato de que toda
política educacional (ex: forma ção docente, valorização do magistério,
currículo, gestão escolar etc.) é ge renciada (planejada, implementada,
executada, coordenada, acompanhada, avaliada) e cada etapa desse
processo não pode prescindir das ferramen tas operacionais que lhes são
próprias, como, por exemplo, as ferramentas operacionais para a
elaboração de um planejamento que resultará em um plano estadual de
educação. Quando indagamos de onde partem essas po líticas, quem são
seus sujeitos, suas instâncias de poder deliberativo, como são elaboradas,
quais as suas finalidades é que percebemos que a gestão educacional é
intrínseca a uma determinada política da gestão.
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
41
é bastante recente, datada por volta dos anos 1980. Antes o
termo usual era adminis tração da educação.

Capítulo 2
A Gestão Educacional e as
Teorias
Administrativas

Não nos cabe neste tópico uma abordagem


genealógica das teorias ad ministrativas e suas
influências no pensamento acerca da gestão
educacional, mas faz-se necessário registrarmos,
A terminologia gestão educacional
mesmo que panoramicamente, as prin cipais
correntes que contribuíram com a constituição de empresa. Mas como essa área de conhecimento é
um corpus teórico acerca do campo de saber da apropriada pela educação? Sander (2007), em
gestão educacional, especificamente, no Brasil. seus estudos acerca do pen samento
Tomando-a em seu sentido mais lato, podemos administrativo e sua influência na educação
compreender por administração: brasileira a partir do período republicano, divide
essa temática em quatro fases: organizacio nal,
a condução racional das atividades de uma organização, comportamental, desenvolvimentista e
seja ela lucra tiva ou não-lucrativa. [...] A administração sociocultural. O quadro abaixo apresenta, de
trata do planejamento, da or ganização (estruturação), da forma sintética, seus eixos teóricos e as principais
direção e do controle de todas as atividades diferenciadas caracterís ticas que cada uma dessas fases
pela divisão de trabalho que ocorrem dentro de uma orga apresenta.
nização (CHIAVENATO, 2000, p. 1- 2)
Quadro 1 - Síntese das principais correntes da administração
Essa concepção permite-nos visualizá-la em que fundamentam o conceito de Gestão Educacional
qualquer organização desde uma igreja a uma
Características Organizacional Comportamental Desenvolvimentista Sociocult
u ral

Período Década de 1900 Década de 1950 Décadas de 1950/60 Décadas de


1960/1970

Eixos teóricos Adm. Científica Teoria das Teoria Teoria da


de Taylor; Relações Comportamental; De
Adm. Industrial humanas; Sociologia pendência
de Fayol; Psicologia Estruturalista (Ci ências
Adm. Burocrática Organizacional sociais na
de Weber. Sociologia América
funcionalista. Latina);
Pedagogia
de Paulo
Freire

Enfoque Tecno Psicossociológico Desenvolvimento Sociocultural


burocrático (Behaviorista) Organizacional

Características Modelo Ênfase nas Ênfase não mais no Ênfase nas


preocupado com relações indi víduo, mas no variáveis
a produtividade e humanas ( ambiente polí tica,
eficiência; conflitos e organizacional; sociológi ca
Separação entre interações), no Fusão de estudos sobre e antropo
política e comportamento estrutura social, lógica;
adminis tração; dos indivíduos no comporta mento humano Preocupaç
Ênfase nos aspec interior da e ambiente ão com
tos organização; organizacional; proble
organizacionais Ruptura com o Preocupação com mas estru
em detrimento modelo valores baseados em turais nos
dos tecnocrático, ideais países
fatores políticos, normati vo e humanísticos; subde
cul turais e descritivo; Ênfase nas mudanças senvolvido
econômico; Preocupações no mundo; s
Educação com com aspectos Administração para o
orien tações de ordem desen volvimento
técnicas e motivacionais; nacional;
pragmáticas. Organizações são Educação como
sis temas sociais ferramen ta para o
coope rativos e de desenvolvimento
AMENTO E GESTÃO tomadas de nacional; Pedagogia
decisão Produtivista.

42
A respeito do quadro anterior, duas considerações realidades concretas empiricamente observáveis;
merecem destaque: 1º) não devemos confundir a 2º) a divisão tem poral das correntes teóricas não
história do pensamento da administração edu significa que estas ocorreram de forma estanque
cacional com a história das instituições e compartimentada em um determinado intervalo
administrativas educacionais en quanto de tempo. Essa forma de classificação é um
recurso didático usado para facilitar nossa Não podemos desconsiderar a interferência de
compreensão quanto ao predomínio de uma dada outros fatores no estudo historiográfico do
tendência em determina do contexto histórico pensamento da gestão educacional, dentre eles o
propício ao seu surgimento. As correntes sofrem de que a educação no Brasil durante duzentos
for tes influências entre si, seja estabelecendo anos do período colonial manteve-se sob o
duelos com determinados pres supostos domínio de padres jesuítas, cujos princípios
conceituais (rompendo determinados paradigmas),pedagógicos regiam-se pela ra
seja a eles se filiando. As teorias sempre bebem tio studiorum. Durante o Império e a República,
de fontes variadas de conhecimento. As outras ordens e congregações religiosas aqui
implicações das correntes administrativas na aportaram fundando instituições escolares tais
estruturação dos sistemas educacionais faz-se como: lassa listas, maristas, salesianos,
sentir de diversas formas, Sander (2007), ao se dominicanos, protestantes etc. (SAVIANI, 2007,
referir ao modelo organizacional por exemplo dirá HAIDAR e TANURI, 2000). Além da forte presença
que com ele surgiram: religiosa, encontramos na administração pública
as primeiras tentativas de sistematização de a influência do enfoque jurídico, normativo e
prescri tivo. Portanto, todos estes aspectos
conhecimentos em matéria de organização do ensino e os mesclam-se de forma contrastante com a
primeiros ensaios teóricos de administra ção no Brasil. [...] racionalidade do saber administrativo presente
Os estudiosos da administração educacional passa ram a nas teorias da administração. Essa miscelânea de
adotar a orientação técnica e pragmática própria da fase elementos culturais, religiosos, tecnicistas
organi zacional. (SANDER, 2007, p. 32) encontra-se nos estudos referentes às
A própria noção de sistema (educacional) adveio instituições administrativas.
das influências da teoria dos sistemas “que
constitui um capítulo importante na história do
pensamento científico moderno, teve destacada
presença na educação e na administração”
(SANDER, 2007, p. 40). Mesmo considerando o
peso das teo
rias administrativas é falacioso admitirmos que
estas foram transplantadas para o campo
educativo. Não encontraremos, em época alguma,
por exemplo, um modelo de escola ou de sistema Taylorismo é uma expres são criada
para designar os princípios
educacional aos moldes do taylorismo industrial, Científica. O termo provém de Fre da Escola de Administração
onde o tempo que um funcionário gastava para ir americano que desenvol veu estudosderick Taylor, engenheiro
sobre técni cas de
ao banheiro era rigorosamente cronometrado, racionalização do
mas podemos afirmar que a administração trabalho do operário, por meio do Estudo de Tem pos e
científica de Taylor trouxe contribuições a esse Movimentos. (CHIA VENATO, 2000, p.54)
campo de estudo.
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
43

Capítulo 3
Gestão Democrática da Educação

Vimos, no tópico acima, o significado do termo gestão educacional,


seus elementos constitutivos, seu lócus de atuação e as principais influên
cias das correntes da teoria administrativa na história de seu pensamento.
Interessa-nos, no presente tópico, estudar a gestão educacional a partir de
um contexto mais contemporâneo em que a palavra democracia agrega-se
ao termo, criando novas configurações em seus processos de gerenciamen
to. Para esse propósito, nos apropriaremos dessa temática sob dois
prismas: a) o das contribuições teóricas presentes na ideia de gestão
democrática; e b) a gestão educacional como realidade concreta
(organização de seus siste mas, marcos legais, diretrizes etc.).

3.1. Educação, gestão e democracia


O termo gestão democrática da educação aparece pela primeira vez
na forma da lei na Constituição Federal de 1988, no artigo que trata dos
prin cípios e fins da educação:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
Após a promulgação da Carta Magna o termo contemplará a Lei de
Diretrizes e Bases de 1996 em seus: Art. 3º (Princípios e Fins da Educação
Nacional) e Art 14º (Organização da Educação Nacional):
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: VIII -
gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino;
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrá-
tica do ensino público na educação básica, de acordo com as suas
peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos
escolares ou equivalentes.
A democracia, nos dois marcos legais, surge como princípio nortea
dor da gestão do ensino público. Mas o que qualifica uma gestão educa
cional como democrática? Que conteúdos político-ideológicos ela mobiliza?
Para responder a essas questões precisamos, primeiramente, nos balizar
em duas vertentes do pensamento democrático que se dualizam, mas são
fortemente incorporadas ao campo de estudo acerca da gestão educacional,
são elas: a democrático-participativa e a democracia gerencial.

44 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


A partir de meados do século XX, após um períodoPateman. Em ambos se detecta a influência do
marcado por duas sucessivas guerras mundiais e ideal autonomista focado no fortalecimento dos
experiências de estados totalitários, o mun do indivíduos-cidadãos, mediante processos
ocidental volta-se para o projeto de constituir participativos deliberativos, juntamente com a
sociedades democráticas. Esse cenário ideia de auto-organização, fortalecimento de
sócio-histórico aponta novos rumos acerca da instâncias cooperativas. Para Santos (2003), o
teorização da democracia, que parece nem se ideal de democracia par ticipativa surgirá com a
ajustar aos moldes de uma visão essencial mente proposta de elaboração de uma nova “gramática
liberal, nem emancipacionista. Talvez seja mais social”, na contramão das grandes tendências
acertado dizer que os modelos de democracia que hegemônicas:
surgem neste período, destacam-se pelo hi
bridismo tanto da primeira quanto da segunda Paralelamente a esse modelo hegemônico de democracia,
vertentes. sempre existi ram outros modelos, como a democracia
A partir dos anos de 1960, do século XX, surge participativa
modelos a
ou a democracia popular [...] um desses
democracia participativa, tem assumi do novas
uma perspectiva de es tudos sobre a democracia, dinâmicas protagonizadas
focada nos processos participativos, chamado de sociais subalternos em lutaporcontra
comunidades e grupos
democracia participativa. Segundo Macpherson trivialização da cidada nia. (SANTOS,a exclusão
2003,
social e a
p.32)
(1978), esse modelo surge como “lema dos
movimentos estudantis da nova esquerda, Não podemos falar de um modelo de democracia
ocorridos na década de 60”. Dentre seus
precursores, destacam-se Macpherson e Carole participativa, mas de uma perspectiva
teórico-ideológica que assume diferentes formatos
nas mais diversas sociedades. No Brasil, no
âmbito da educação, a corrente
democrático-participativa fomenta o discurso
autonomista em duas ins
tâncias: a) na escola, através da participação da
comunidade escolar na tomada de decisão e
controle social através de seu projeto político peda
gógico e formação de organismos colegiados. O
objetivo é a pontencializa ção dos agentes sociais
(alunos, pais, professores, demais profissionais)
na condução dos processos deliberativos em sua
dimensão pedagógica, administrativa e
financeira; b) nos sistemas educacionais como
espaços de autonomia para pensar e desenvolver
sua próprias políticas educacio nais. Estão
inclusos nos sistemas os organismos colegiados
com funções deliberativas, consultivas,
avaliadoras. (órgãos da administração direta,
escolas, conselhos gestores, conselhos de controle
social, conferências, fó runs institucionais etc.).
A segunda vertente, denominada de democracia
gerencial, não só se diferencia da primeira como
a ela se contrapõe. Encontra forte resistência nos
meios acadêmicos, dentre as inúmeras razões está
o esvaziamento do termo democracia de seu
componente político. Pateman (1992) desfere críti
ca a essa perspectiva regida pelos pressupostos
da teoria da administração, em especial o enfoque
da psicologia organizacional. Por essa óptica, a
par ticipação não passa de uma técnica, um
método de abordagem, cujo escopo está em se
investir no “sentimento interpessoal em uma vida
comunitária tolerante e generosa” (PATEMAN,
1992, p. 99). Podemos qualificar como
pertencente a esse mesmo viés o modelo de gestão
da “qualidade total” , que nos anos 90 exerceu
grande influência nos estudos e políticas
educacionais de cunho neoliberal. Quanto a esse
aspecto, Silva acrescenta que:
A qualidade total estende o conceito
de qualidade para toda a organização, abrangendo todos os ní
veis organizacionais, des de o pessoal de escritório e do chão da
fábrica até
a cúpula em um envolvi mento total. Tanto a me lhoria contínua
quanto a qualidade total são abor dagens incrementais para se
obter excelência em qualidade dos produtos e processos.
(CHIAVENA TO, 2000, p.663)

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


45
regular e sig nificante de envolvimento dos funcionários de
uma organização no seu processo decisório (LUCK et al,
1971, p.15)
Enquanto a democracia participativa concentra-se
nos sujeitos, na ampliação das relações de poder
e autonomia, a democracia gerencial de lega à
gestão a capacidade de solucionar os problemas
educacionais. Ela deixa de ser uma
atividade-meio, para tornar-se uma atividade-fim.
Passemos agora para o segundo prisma que trata
de visualizar a ges tão educacional a partir da
realidade concreta. Vimos, no início do capítulo,
que o objeto da gestão educacional é os sistemas
educacionais. Logo, o que significa uma gestão
democrática dos sistemas educacionais? Acima
Uma federação é a união de
expu semos o princípio da democracia na gestão
membros federados, que formam uma só enti dade soberana: o educacional amparado em três marcos legais:
Estado. Ou seja, no caso do Bra sil, é o que denominamos de Constituição Federal (1988), LDB (1996) e Plano
União. No regime fe deral, só há um Estado soberano, com
unidades federadas subnacionais (Estados). Estas gozam de
Nacional de Educação (2001). Para
autonomia, cuja relativida de se dá dentro dos limites compreendermos o fundamento da democracia na
jurisdicionais atribuídos e especificados. Daí que tais subunidades gestão dos sistemas educacionais, primeiramente
não são nem nações independen tes nem unidades somente devemos visualizá-los no âmbito do estado
administrativas. (CURY, 2006, p. 114-115) federativo . Como a educação e suas políticas se
compor tam dentro desta forma de organização
política? De acordo com Cury:
[...] a Constituição Federal de 1988 reconhece o Brasil
como uma Repú blica Federativa formada pela União
indissolúvel dos Estados e Municí pios e do distrito Federal
(art. 1º da Constituição). E, ao se estruturar, assim o faz
sob o princípio da cooperação recíproca, de acordo com os
artigos 1º, 18, 23 e 60, § 4º, I. Percebe-se, pois, que ao
invés de um sis tema hierárquico ou dualista, comumente
centralizado, a Constituição Federal montou um sistema
Um exemplo bem ilustra tivo são as de repartição de competências e de atri buições legislativas
conferências de educação, com forma tos representativos de ca
ráter delegativo, elas ocor rem nas instâncias do: município, entre os integrantes do sistema federativo, dentro dos
estado, distrito federal e união, têm por objetivo participar da ela limites expressos, reconhecendo a dignidade e a autonomia
boração e deliberação do Plano Nacional de Edu cação próprias deles. (CURY, 2006, p. 12)
Qualidade Total na Educação e Construtivismo Pedagógico
se combina riam, assim, ainda que de forma não O pacto federativo amplia as instâncias de
calculada, para produzir identida des individuais e sociais colaboração e participa ção mútua entre:
ajustadas ao clima ideológico e econômico do triunfante municípios, estados e distrito federal, alargando a
neoliberalismo (SILVA, 1999, p. 19) mar gem de poder decisório acerca das políticas
educacionais, tornando-as mais descentralizadas.
Enquanto na democracia participativa, o foco Ao mesmo tempo, reconhece certa margem de
reside na ampliação do poder de decisão a fim de autono mia aos respectivos sistemas (municipais e
possibilitar a potencialização da autonomia coleti estaduais) na organização de suas estruturas:
va e individual no campo educacional, a administrativa, financeira e pedagógica e na
democracia gerencial volta-se para a qualidade e elaboração de suas políticas e planos decenais
eficiência dos processos gestionários e, para isso, etc. Nesse sentido, “a gestão democráti ca somente
recorre a teorias motivacionais, comportamentais, o é mediante uma prática que articule a
empenhadas no esforço colabora tivo e solidário, participação de todos, o desempenho
mediante processos intersubjetivos. Não há administrativo-pedagógico e o compromisso
definição acerca da gestão participativa que sociopolítico.” (CURY, 2006, p. 122).
expresse melhor essa perspectiva do que a dada
por Likert para quem:
A gestão participativa – entenda-se como: [...] Uma forma
46 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
Alguns obstáculos de ordem jurídica, política e econômica se impõem
a esse formato institucional. Um primeiro complicador refere-se aos esta
dos-membros, à medida que se unem para deliberar “colaborativamente”
acerca das diretrizes e planos nacionais da educação, deparam-se com
toda a sorte de dificuldades - próprias de cada ente federativo - em gestar
tais políticas. Um forte agravante são as históricas desigualdades regio
nais, econômicas, culturais e sociais. Nestes termos, nem todos os municí
pios, por exemplo, dispõem igualmente dos mesmos recursos (infraestrutu
ra, financeiro, pedagógico, administrativo, humano) para viabilizar metas
definidas igualmente para todos os entes federativos. Um segundo obstá
culo, reside na quantidade de sistemas educacionais no Brasil em condi
ções precárias de recursos, fazendo com que a materialidade de programas
e ações acabem saindo de um único vetor: o governo federal. Temos um
estado descentralizado no que tange à deliberação das macropolíticas edu
cacionais e centralizado quanto à materialidade das diretrizes em progra
mas e ações educacionais. Isso engendra um conjunto de fatores de cunho
negativo: 1) faz com que as instituições de educação (escolas, secretarias,
conselhos etc.), que integram o sistema educacional, acabem ajustando ou
moldando o tempo e o ritmo de suas ações educativas locais de acordo com
o cronograma do governo federal; 2) Por já haver uma instância pensante e
elaborativa central, as instituições locais tendem a fortalecer in loco a ação
de execução em detrimento da ação de deliberação. Esse aspecto fere
gravemente o princípio da democracia substantiva, que não se resume à
ampliação de espaços participativos, mas, fundamentalmente, à potencia
lização do indivíduo-cidadão como sujeito deliberante, com capacidade e
poder de decisão, de autonomia (individual e coletiva).
Em síntese, gestar democraticamente a educação não é estabelecer
um modelo gerencial democrático, senão incorreremos em uma perspecti
va procedimentalista de democracia. Um primeiro passo para uma gestão
ter qualidade é ela reconhecer que não dará conta de solucionar os pro
blemas educacionais, assim ela admitirá suas limitações e sua não onipo
tência e, ao reconhecer, saberá mais facilmente se conectar ao mundo, à
sociedade e à educação.
Finalizamos, sem, no entanto, esgotarmos a temática acerca da ges
tão educacional, para darmos início ao tópico subsequente que trata do
tema do planejamento educacional.

'
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
47

Capítulo 4
Planejamento Educacional

Planejar é uma característica inerente ao ser humano, um animal,


por exemplo, não planeja suas ações, como, por exemplo, mudar de
floresta, trocar a alimentação, separar-se do parceiro etc., ele não pode se
criar e recriar, ou seja, se individualizar. Somente o homem tem a
capacidade de pré-determinar suas ações, de atuar conscientemente na
natureza, modifi
cando-a, transformando-a. O homem foi contemplado com a capacidade de
sonhar e projetar, assim, a vida humana transcende o imediatismo para
ser “devir”. Estamos nos referindo ao “planejar” como componente
ontológico do ser (humano). Nestes termos, não importa quantos
exemplares de ho
mens existam no mundo, estamos falando do ôntico (essência). Mas nossa
tarefa não se detém a questões de ordem filosófica, essa breve introdução
nos ajudará a melhor compreender que o planejamento, como uma forma
de intervenção em um dado fenômeno, só é possível porque a subjetividade
humana é capaz de pré-determinar suas ações. Essa capacidade ontológica
não pode se confundida com a prática dos indivíduos de planejar. De
acordo com Gandim: “planejar é agir racionalmente [...] é dar clareza e
precisão à própria ação [...] é realizar um conjunto orgânico de ações
propostas para aproximar a realidade a um ideal” (GANDIM, 1994, p. 14
apud ALBUQUER
QUE e VIEIRA, 2001, p. 30). Em outras palavras, planejamento requer in
tencionalidade e sistematicidade em vista de uma finalidade. Quando ocor
re no âmbito da educação podemos visualizá-lo em três instâncias:
• Planejamento educacional - ocorre na esfera dos sistemas educa
cionais na elaboração de: macropolíticas educacionais (LDB, Plano
Nacional de Educação) e micropolíticas dos subsistemas nacionais
(planos decenais de educação, programas de educação etc.);
• Planejamento escolar – seu lócus é a escola, trata-se do Projeto
Político-Pedagógico da escola que requer a participação de toda a
comunidade escolar;
• Planejamento de ensino – Refere-se à programação das atividades
pedagógicas elaborada pelo professor durante todo o período letivo. Para os
propósitos em tela interessa-nos o planejamento educacio nal, afinal, o
quê? Para quê? Para quem planejamos? Essas questões são capitais, pois
são elas que orientam todas as ações educativas. Diferente de planejarmos
uma viagem ou uma mudança nos rumos de nossas vidas, o
planejamento, como ato coletivo sistêmico, no interior de um campo de
conhecimento, é dotado de cientificidade, o que isso significa? A indisso
lúvel relação entre teoria e prática. Mas não basta termos o conhecimento
e sabermos operá-lo, quando o ato de planejar se inscreve na instância do
público e seu objetivo contempla a sociedade, o interesse público, sua ação
mobiliza todo um conteúdo político-ideológico. Em linhas gerais, podemos
compreender por planejamento educacional:

48 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


[...] um forma específica de intervenção do Estado em educação, que se
relaciona, de diferentes maneiras, historicamente condicionadas, com as
outras formas de intervenção do Estado, estabelecida com a finalidade
de levar o sistema educacional a cumprir as funções que lhe são atribu
ídas enquanto instrumento deste mesmo Estado.(HORTA, 1991, p.195
apud ALBUQUERQUE E VIEIRA, 2001, p. 25)
Por esta definição, o apropriamos como instância do Estado, o que não
significa de governo. Este último, em seu sentido mais amplo, define-se como:
o complexo dos órgãos que institucionalmente têm o exercício do poder.
Neste sentido, o governo constitui um aspecto do Estado. Na verdade, en
tre as instituições estatais que organizam a política da sociedade e que,
em seu conjunto, constituem o que habitualmente é definido como regime
político as que têm a missão de exprimir a orientação política do Estado
são seus órgãos do governo. (DICIONÁRIO DE POLÍTICA, 1993, p. 553)
Já o Estado, em sua acepção mais trivial, refere-se à forma de or
denamento político, jurídico e social de uma nação. Não nos cabe apro
fundarmos as variações sociológicas, filosóficas e jurídicas dos presentes
termos. Entretanto, já é um bom começo entendermos que todo planeja
mento educacional ocorre nos dois âmbitos: a) estado: por estar sujeito ao
ordenamento social, político e jurídico de uma nação; b) governo: por ser
este o lócus responsável por sua coordenação e execução. A política nacio
nal de educação, por ser uma política de estado, não existe para favorecer
um órgão, um grupo ou instituição, mas à nação, no caso, a brasileira. O
exemplo abaixo ilustra bem a estrutura normativa sobre a qual se submete
um planejamento educacional:
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
49
Planos Estaduais e Municipais de Educação (Planos Decenais)
Tomando a questão da universalização do ensino fundamental como
exemplo veremos que este se apresenta, inicialmente, como lei na Consti
tuição e LDB, para só então existir como lei no plano nacional de
educação, resultante de um planejamento educacional macro:

PLANEJAMENTO → PLANO
Portanto, o referido plano é o instrumento normativo onde constam
não só as diretrizes, mas os objetivos e metas da educação formal em todos
os seus níveis e modalidades de ensino, sendo válido igualmente para
todos os estados e municípios. Mas quem e como se elabora um PNE?
Segundo a Constituição de 1988:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração dece


nal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de
colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implemen
tação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus
diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos po
deres públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

A elaboração do PNE requer a colaboração de todos os subsistemas


nacionais, envolvendo não só órgãos do governo mais demais organismos
(universidades, legislativo, escolas, associações, conselhos etc.) representa
tivos da educação pública. É importante que se entenda que as macropolí
ticas definem diretrizes, objetivos e metas do ensino, mas não determinam
como estas devem ser atingidas. Nestes termos, cada subsistema (estadual,
municipal, distrital) tem autonomia para organizar diferentes formas de
atingí-lo, desenvolvendo seu próprio planejamento educacional regional a
partir das condições econômicas, sociais e políticas locais. O planejamento
é a primeira etapa no processo de gerenciamento de um sistema educacio
nal é ele que definirá se um dado objetivo e meta é possível ou não. Esse é
um aspecto relevante, pois nem todos os estados e municípios gozam dos
mesmos recursos (pedagógicos, financeiros, humanos, de infraestrutura)
para o desenvolvimento das macropolíticas.
A elaboração de um planejamento exige método e este não pode ser
entendido como a pura utilização e aplicação de ferramentas, nem estas
devem ser utilizadas deslocadas de uma compreensão do fenômeno sobre o
qual se está intervindo. Cada etapa de elaboração de um plano exige o do
mínio de um conteúdo teórico e político. Exemplo: o que entendemos por
universalização do ensino? O que significa ensino? Que conteúdos políticos
e ideológicos regem a necessidade de universalizá-lo? Sem essa compreen
são não saberemos como realizar qualquer ação eficaz no âmbito da educa
ção. Pois não se trata de mover-se no sentido de cumprir metas, mas traba
lhar coletivamente na perspectiva de se construir uma política de
educação, só assim sairemos da educação que temos para a educação que
queremos. Quais as etapas de elaboração de um planejamento? Certos
elementos são imprescindíveis nos diferentes métodos para sua
elaboração:

50 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


PLANEJAMENTO

A figura acima tem um formato cíclico, não linear, ou seja, sempre


partimos de algo que já se encontra em movimento. Cada ação desencadeia
outra cuja avaliação, no interior da gestão, implicará em um novo planeja
mento. Vejamos o que cada etapa significa:
• Diagnóstico - É o instrumento que nos proporciona a leitura de
uma dada realidade, mediante a coleta de informações quantitati
vas e qualitativas. Segundo Gandim (1994), ele não deve ser con
fundido com a pura “descrição da realidade” ou “levantamentos de
problemas” . Não basta saber, por exemplo, a elevada quantidade
de alunos reprovados naquele município, mas o que vem
ocasionando índices elevados de reprovação. O diagnóstico não é
somente a des coberta do problema, mas de suas causas. Sua
correta aplicação dá subsídios para um determinado sistema
educacional definir seus objetivos e ações.
• Objetivos e metas - Trata da proposição de ações que esperam ser
atingidas e sobre as quais se desenvolverão programas educacionais.
• Programas - Essa etapa corresponde a definição de programas edu
cacionais, com a finalidade de combater as causas dos problemas
apontados pelo diagnóstico. Vale ressaltar que cada programa de
manda também uma ação de planejamento.
Determinados teóricos da educação classificam tipos diferentes de
planejamento em razão das variadas formas de apropriação. Gandim
(1994), por exemplo, diferencia o “planejamento estratégico” do
“planejamento par ticipativo”. O primeiro, segundo ele, volta-se para ações
mais operativas e técnicas, com ênfase nos meios para se atingir a
eficiência. O segundo refere-se a processos coletivos de tomada de decisão,
detém-se nos fins e não perde de vista o componente político-ideológico
como elemento nortea dor das ações. No primeiro, o sucesso está na
correta execução dos meios para se atingir determinadas metas. Já o
participativo não minora a impor tância dos meios, mas seu sucesso
depende da concretização de uma dada política. A título de ilustração, um
dado município, através do planejamento estratégico, pode atingir a
“universalização do ensino”. Nestes termos, ele cumpriu um objetivo
estabelecido em lei. Mas não, necessariamente, pode ter concretizado uma
política (universalização do ensino), pois não se uni versaliza a qualquer
custo e em quaisquer condições. A superlotação de alunos em sala de aula
em condições precárias, para o cumprimento de uma meta, é um exemplo.
A meta se cumpriu esvaziada do componente ético e político com a
formação do aluno, pois, se nessas condições ele nada aprende, de nada
adianta “universalizar”.

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


51
As dualidades acima estão estreitamente relacionadas com a história
do planejamento educacional no Brasil, por décadas sob a égide de econo
mistas do Ministério do Planejamento, que adotavam formas centralizado
ras e tecnocráticas, em detrimento das políticas concebidas no âmbito do
Ministério da Educação. Os pedagogos eram vistos como sujeitos incompe
tentes para ação de planejar, pelo menos nos moldes do que eles compreen
diam por planejamento:
a influência dos tecnocratas (sobretudo do Ministério do Planejamento e
da Fazenda) se manifestou em dois sentidos: assumindo a responsabili
dade do plano, ou sobrepondo a este esquemas financeiros inspirados
em critérios diferentes, ou opostos, aos que nele tinham sido adotados.
[...] A liderança dos tecnocratas [...], quando eles não dispunham de sua
própria máquina educacional, operava negativamente: bloqueando o
plano feito pelos que detinham o controle da máquina. (MENDES, 2000,
p. 39/40)
De um lado os pedagogos sensíveis à problemática histórica da edu
cação; do outro, economistas vendo-a como um setor a ser ajustável finan
ceiramente ao projeto nacional desenvolvimentista, suas finalidades eram
as de um mercado emergente. Esse cenário só veio a assumir novas confi
gurações a partir da Constituição Federal de 1988, que fortaleceu o plane
jamento como instância democrática e participativa, envolvendo todos os
organismos representantes e defensores da educação pública.
A temática acerca do planejamento educacional reivindica uma disci
plina específica, tamanho o volume de elementos históricos e teórico-con
ceituais que esta demanda. O presente texto pretendeu tratar esta
temática de forma introdutória - privilegiando uma abordagem conceitual,
dos ele mentos que lhe são constitutivos - com o escopo de apresentar o
planeja mento menos como instrumento e mais como ação política que
integra a gestão das políticas educacionais.
1. Qual a contribuição da gestão educacional para a melhoria da
qualidade da educação?
2. O que você compreendeu por planejamento educacional?

52 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL

Não nos falta, na literatura educacional, estudos que versam sobre o


tema da gestão e planejamento escolar, principalmente se nos balizarmos
pelos últimos trinta anos. Tamanha produção justifica-se em razão do pro
tagonismo assumido pela função social da escola. Parece-nos um caminho
sem volta a defesa de uma escola cidadão e democrática. Entretanto, se a
escola é uma preocupação do cidadão, a(s) escolas são uma preocupação
do Estado, cabendo a ele a garantia de uma educação formal de qualidade.
É ai que entram a gestão e o planejamento educacional como atividades
meio responsáveis pelo o que denominamos de sistema educacional. Por
tanto, nesta unidade, subdividida em quatro capítulos, priorizamos uma
abordagem de cunho mais conceitual das temáticas, afinal não há políti
cas públicas sem que estas sejam planejadas e gerenciadas. No primeiro
capítulo, tratamos de fundamentar etimológica e conceitualmente o termo
gestão e, na sequência, o termo gestão educacional; de diferenciar a
política da gestão educacional e a gestão da política educacional. No
segundo capí tulo, destacamos as principais teorias administrativas que
influenciaram a literatura acerca da gestão educacional no Brasil. No
terceiro, discorre mos sobre as correntes do pensamento democrático de
maior relevo para o tema da gestão democrática educacional e, no quarto e
último, abordamos a temática do planejamento educacional e seu papel no
desenvolvimento de políticas educacionais.
Que este material seja bem acolhido por você, aluno! Não se acomode
somente em sua leitura, faça uso das referências bibliográficas, busque ou
tras bibliografias e não pare de alçar o voo da aprendizagem.
BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO (et. al.), Dicionário
de Política, Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1993, Vol. 1 e 2.
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54 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL

Unidade

3
Currículo: Sentidos, Teorias,
Políticas e a Escola
Objetivos:
• Identificar os diferentes significados de currículo.
• Refletir sobre as teorias de currículo: tradicionais, críticas e pós-críticas.
• Entender as origens do pensamento curricular no Brasil.
• Compreender as políticas públicas de currículo no Brasil.
• Discutir os impactos das políticas curriculares na realidade escolar.

Capítulo 1 1.1. Currículo e seus significados


O termo currículo é muito familiar a todos nós
Currículo: Um Início de que trabalhamos nas escolas e nos sistemas
educacionais. Você já parou para pensar o que
Conversa “cur rículo” significa? Na verdade, devido a essa
familiaridade, talvez não dedi quemos muito tempo
a refletir sobre o sentido do termo, bastante
frequente em conversas nas escolas, palestras a
que assistimos, textos acadêmicos, notícias em
jornais, discursos de nossas autoridades e
propostas curricu lares oficiais.
Existem várias sentidos e definições para o termo
Nesta unidade destacaremos aspectos pertinentes “currículo”, que de rivam dos diversos modos de
ao campo do cur rículo, os quais apontam os como a educação é concebida historicamente,
muitos desafios a serem enfrentados na escola por bem como das influências teóricas que afetam e se
nós, educadores, tendo em vista a melhoria da fazem hegemônica em um dado momento.
qualidade do processo de ensinar a aprender. Ela Podemos afirmar que, em sentido amplo, ele
é composta de quatro capítulos: o primeiro trata abrange todas as experiências de aprendizagem
dos diferentes significados de currículo; o segundo,planejadas e implementadas pelas escolas a
apresenta um panorama das teorias do currículo serem vivenciadas pelos estudantes. Em sentido
a partir de vários estudos e autores que abordam a restrito, são os conteúdos a serem ensinados e
origem do campo do currículo, passando pelas aprendidos e os planos pedagógicos ela borados
teorias tradicionais, críticas e pós-críticas; o por professores, escolas e sistemas educacionais
terceiro capítulo focaliza as políticas curriculares que indicam os objetivos a serem alcançados por
decorrentes da reforma educacional da década de meio do processo de ensino e os processos de
1990, e o quarto, e último capítulo, re flete sobre avaliação que terminam por influir nos conteúdos
os impactos das políticas curriculares na realidade e nos procedimentos metodológicos selecionados
escolar. Vamos lá?! nos diferentes níveis de ensino.
De forma ampla ou restrita, o currículo escolar
Este capítulo tem como objetivo apresentar alguns abrange
pelas
as atividades organizadas e desenvolvidas
instituições escolares:
elementos que per mitem a reflexão de questões
que consideramos significativas para o de
senvolvimento do currículo em nossas escolas.
Nossa intenção é discutir alguns significados que
o referido termo assume no cenário educacional
na perspectiva da promoção de uma educação de
qualidade, democrática e relevante do ponto de
vista da construção do conhecimento escolar.
mologicamente do latim curriculum e do grego ttv, significando o
que gira ou está ao redor, ou o ato de correr, curva, atalho, pe
quena corrida e continui
dade.

Curriculo é originário et

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


57
determinado, isto é, estão a serviço de um projeto
educacional. Mas essa palavra também pode ser
empregada para indicar outros efeitos mais res
tritos. Essas distintas concepções refletem
diferentes compromissos e po sições teóricas
sobre educação concebidos historicamente. O que
podemos afirmar, no entanto, é que as discussões
curriculares envolvem os temas relativos aos
conhecimentos escolares, aos procedimentos
pedagógicos, às relações sociais, aos valores que
a escola inculca, às identidades dos estu dantes.
As discussões curriculares, nesse sentido, recaem,
inevitavelmente, sobre questões relativas ao
conhecimento, à verdade, ao poder e à identida de
(SILVA, 1999), com maior ou menor ênfase.
Diante da variedade de sentidos da palavra
currículo, precisamos destacar que nesta unidade
estamos entendendo currículo como as expe
riências escolares que se desdobram em torno do
conhecimento, em meio a relações sociais, e que
contribuem para a construção das identidades de
nossos estudantes. O currículo, assim, refere-se
ao conjunto de esforços pedagógicos
desenvolvidos com intenções educativas. “Por esse
motivo, a palavra tem sido usada para todos
espaços organizados para educar as pessoas, o
que explica o uso de expressos como currículo da
mídia, o currí culo da prisão etc.”. (MOREIRA e
CANDAU, 2008, p.18). Mesmo assim, nós
estamos empregando a palavra currículo para nos
referirmos às atividades organizadas pelas
instituições escolares.
Cabe destacar que a palavra currículo tem sido
utilizada para indicar efeitos que influenciam e
participam significativamente dos processos de
ensino-aprendizagem, que não estão explicitados
nos planos e nas propos tas, não sendo sempre,
por isso, claramente percebidos pela comunidade
escolar. Trata-se do chamado currículo oculto que
envolve valores, atitudes, comportamentos e
crenças transmitidos, subliminarmente, pelas
relações sociais e pelas rotinas do cotidiano
O Art. 14 da Lei de Diretri zes e escolar. Assim, “fazem parte do currícu lo oculto,
Bases da Educação Nacional Lei nº 9394/96 preconiza que os rituais e práticas, relações hierárquicas, regras e
profis sionais da educação de
vem participar na elabora ção do projeto pedagógico da escola, procedimentos, modos de organizar o espaço e o
conforme as normas da gestão demo crática do ensino público tempo na escola, modos de distribuir os alunos,
da Educação Básica de finidas pelos sistemas de ensino. agrupamentos e turmas, mensagens implícitas
[…] as atividades educativas escolares correspondem à nas falas dos pro fessores e nos livros didáticos”.
ideia de que exis tem certos aspectos do crescimento (MOREIRA e CANDAU, 2008, p.18).
pessoal, considerados importantes no âmbito da cultura Que consequências tais aspectos, sobre os quais
do grupo, que não poderão ser realizados satisfa muitas vezes não pensamos, podem estar
toriamente ou que não ocorrerão de forma alguma, a provocando nos alunos? Não seria importante
menos que seja for necida uma ajuda específica, que sejam iden tificá-los e verificar como, nas práticas de
exercidas atividades de ensino especialmente pensadas nossa escola, poderíamos estar contribuindo para
para esse fim. (CÉSAR COLL, 1998). um currículo oculto, capaz de oprimir alguns de
Desse modo, percebemos que o currículo são as nossos social,
estudantes (por razões ligadas à classe
gênero, etnia, sexualidade?).
atividades que corres pondem a uma finalidade e
são executadas de acordo com um plano de ação Julgamos importante ressaltar que, qualquer que
seja a concepção de currículo que adotemos, não adequadas e úteis para os professores, que são
parece haver dúvidas quanto à sua importân cia diretamente responsáveis por sua elaboração e
no processo educativo escolar. Como essa execução. Para isso, o currículo proporciona
importância se evidencia? O currículo orienta as informações concretas sobre: por quê ensinar?
atividades educativas escolares, define suas Para
intenções e proporciona guias de ações

58 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


quê ensinar? O quê ensinar? Quando ensinar? Como ensinar? Com o quê
ensinar? Como e quando avaliar? É por meio do currículo que se sistema
tizam nossos esforços pedagógicos. Ele é, em outras palavras, o coração da
escola, o espaço central em que todos atuamos, o que nos torna, nos
diferentes níveis do processo educacional, responsáveis por sua
elaboração. “O papel do educador no processo curricular é, assim,
fundamental. Ele é um dos grandes artífices, queira ou não, da construção
dos currículos que se materializam nas escolas nas escolas e nas salas de
aula”. (MOREIRA e CANDAU, 2008, p.18). Daí, a necessidade de
constantes discussões e refle xões, na escola, sobre currículo, tanto o
currículo formalmente planejado e desenvolvido quanto o currículo oculto.
Por isso, a nossa obrigação, como profissionais da educação, de participar
crítica e criativamente na elabora
ção de currículos mais atraentes, mais democráticos, mais
fecundos.

1. Que concepções de currículo estão mais presentes no cotidiano da


esco la? Qual a sua importância no processo educativo escolar?
2. Que desafio somos chamados a enfrentar no nosso dia-a-dia como
educa dores, para que os currículos de nossas escolas sejam mais
consistentes, relevantes e significativos para a aprendizagem dos nossos
estudantes?
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
59
ridade do significante em relação ao significado, os
pós-estruturalistas veem o significante e o signifi
cado como inseparáveis.
Fonte:
http://pt.wikipedia.org/ wiki/P%C3%B3s-estrutu ralismo

Capítulo 2
Teorias do Currículo: das
Tradicionais às Pós Críticas

Este capítulo tem o objetivo de discutir o campo


do currículo que vem se caracterizando, em
diferentes países, por uma significativa
diversidade de temas e influências teóricas. O
O pós-estruturalismo instaura interesse de pesquisadores de múltiplas áreas do
uma teoria da desconstrução na análise literária, liberando o tex conhecimento pelo currículo não é de caráter
to para uma pluralidade de sentidos. A realidade é considerada
como uma construção social e subje tiva. A abordagem é mais meramente técnico
aberta no que diz respeito à diversidade de métodos. Em pedagógico, mas fruto de embates diversos, mais
contraste com o estru turalismo, que afirma a independência e ou menos explícitos, que se vão desenhando
superio
segundo as conjunturas sociais, econômicas e tem uma existência independentemente da teoria.
políticas. Vamos começar nossa conversa Um discurso produz seu próprio ob jeto: a
levantando algumas indagações essen ciais sobre existência do objeto é inseparável da trama
o currículo, tais como: O que significa uma teoria linguística que suposta mente o descreve. Com
do currículo? Quando se pode dizer que se tem base nesse entendimento, mais do que
uma “teoria do currículo”? Quais as princi pais concepções, descrições e representações, as
teorias de currículo? Como elas se distinguem? teorias de currículo são, preferencialmente, textos
Mas, antes de respondê las, podemos começar ou discursos políticos sobre a prática curricular
nossa discussão pela própria noção de teoria. De porque tem intenções estabelecidas por um
modo geral, está implícita, na noção de teoria, a determinado grupo social. De acordo com (Silva,
suposição de que a teoria é “cons truída para 2007):
explicar ou compreender um fenômeno, um
processo ou conjunto de fenômenos e processos”. Um discurso sobre o currículo, mesmo que pretenda
(MINAYO, 1994, p.18), estabelecendo uma corres apenas descrevê-lo 'tal como ele realmente é', o que
pondência entre “teoria” e “realidade”. Nessa efetivamente faz é produzir uma noção particular de
perspectiva, a função da teoria curricular é a de currículo. [...] A noção de discurso teria uma vantagem adi
“descrever e compreender os fenômenos cional. Ela nos dispensaria de fazer o esforço e separar –
curriculares, ser vindo de programa para a como seriamos obrigados, se ficássemos limitados à noção
orientação das atividades resultantes das práticas tradicional de teoria – asser ções sobre como deveria ser a
com vistas à sua melhoria”. (PACHECO, 2005, realidade. Como sabemos, as chamadas teorias do
p.79). currículo, assim como as teorias educacionais mais
Para Silva (2007), é importante compreender o amplas,devem
estão recheadas de afirmações como as coisas
ser. (pp.12-13).
significado de teoria como discurso ou texto
político. Ao deslocar a ênfase do conceito de teoria Nesse contexto, é preciso entender também o que
para o de discurso, a perspectiva
pós-estruturalista quer destacar o envolvi mento as teorias do currícu lo produzem nas propostas
curriculares e como interferem em nossa prática.
das descrições linguísticas da “realidade”em sua Uma teoria define-se pelos conceitos que utiliza
produção. Ela enten de que uma teoria para conceber a realidade.
supostamente descobre e descreve um objeto que

60 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


Os conceitos de uma teoria dirigem nossa atenção
para certas coisas que sem elas não veríamos. Os
conceitos de uma teoria organizam e estruturam
nossa forma de ver a realidade. (SILVA, 2005).
Mas, por que o emprego do plural “teorias do Vejamos a seguir algumas características de cada
currículo”? Porque os estudos sobre o currículo
não podem deixar de considerar a influência de uma delas. 2.1. Teorias tradicionais
diferentes – ou divergentes – paradigmas teóricos,
originários de contextos sociais diversos. Nessa
perspectiva, Silva (2005) apresenta as teorias do As teorias curriculares tradicionais são
cur consideradas neutras, cientí ficas e
rículo que se caracterizam pelos conceitos que desinteressadas, tendo como principal foco
enfatizam. São elas: identificar os objetivos da educação escolarizada,
Teorias Tradicionais Teorias Críticas formar o trabalhador especializado ou
ensino ideologia
proporcionar uma educação geral, acadêmica à
aprendizagem reprodução cultural população. Assim, o papel do currículo é orientar
avaliação reprodução social a ação educativa para os elementos essenciais da
metodologia poder cultura e para a aquisição de habilidades
didática classe social intelectuais, como a memorização e a erudição.
organização capitalismo Educar, neste paradigma, é cultivar o intelecto.
planejamento relações sociais de
eficiência produção conscientização Esse enfoque de currículo nasceu nos Estados
objetivos emancipação Unidos onde se desen volveram duas tendências
currículo oculto iniciais. Uma mais conservadora, com Bobbitt, que
resistência buscava igualar o sistema educacional ao sistema
industrial, utilizando o modelo organizacional e que iria ser considerado o marco no estabelecimento do cur
rículo como um campo especializado de estudos: The curriculum.
administrativo de Frederick Taylor.
Na perspectiva de Bobbitt, a questão do currículo se
transforma numa questão de organização. O currículo é
simplesmente uma mecânica. A atividade supostamente
científica do especialista em currículo não passa de uma
atividade burocrática. Não é por acaso que o conceito
central, nessa perspectiva, é 'desenvolvimento curricular',
um conceito que iria dominar a literatura estadunidese
sobre currículo até os anos 80. Numa perspectiva que
considera que as finalidades da educação estão dadas pe
las existências profissionais da vida adulta, o currículo se
resume a uma questão de desenvolvimento, a uma
questão técnica. (SILVA, 2007, p.24).
Com base nessa afirmação, a tarefa dos
especialistas em currículo consistia em fazer um
levantamento das habilidades, em desenvolver cur
rículos que permitissem que essas habilidades
fossem desenvolvidas e, fi nalmente, em planejar e
elaborar instrumentos de medição para dizer com
precisão se elas foram aprendidas. Estas ideias
influenciaram muito a edu cação nos EUA até os
anos de 1980 e em muitos países, inclusive no
Brasil.

Bobbit escreveu, em 1918, o livro


POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
61
Bobbitt encontrou suporte nas teorias de Ralph Tyler e John Dewey.
A primeira defende a ideia de organização e desenvolvimento curricular es
sencialmente técnico. Ela propõe que
o desenvolvimento do currículo deve responder a quatro questões bási
cas: que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir; que ex
periências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade
de alcançar esses propósitos; como organizar eficientemente essas expe
riências educacionais e como podemos ter certeza de que esses objetivos
estão sendo alcançados. (SILVA, 2003, p.25).
Por sua vez, John Dewey, numa linha mais progressista, mas
também tradicional, se preocupava mais com a construção da democracia
liberal do que com o funcionamento da economia e considerava relevante
os interes ses e as experiências das crianças e jovens. Seu ponto de vista
estava mais direcionado à prática de princípios democráticos, sendo a
escola um local para estas vivências. Em sua teoria, Dewey não
demonstrava tanta preocu pação com a preparação para a vida
ocupacional adulta.
Nesse contexto, podemos afirmar que a questão principal das teorias
tradicionais são os conteúdos, objetivos e ensino destes conteúdos de
forma eficaz para ter eficiência nos resultados. As críticas às concepções
mais tra dicionais e técnicas de currículo ocorrerão na década de 1960, no
âmbito das grandes agitações e transformações sociais.

2.2. As teorias críticas de currículo


As teorias críticas argumentam que não existem teorias neutras, cientí
ficas e desinteressadas, toda e qualquer teoria está implícita nas relações
de poder. Para Silva (2007, p. 29), “as teorias críticas do currículo efetuam
uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais”, como
Tyler.
As teorias críticas desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas
desigualdades e injustiças sociais. […] As teorias críticas são teo rias de
desconfiança, questionamento e transformação radical. Para as teorias
críticas, o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o
currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o
que o currículo faz. (SILVA, 2007, p.30).
Entre os estudos pioneiros está o ensaio de Louis Althusser a ideolo
gia e os aparelhos ideológicos de Estado cuja teoria afirma que a ideologia
dominante transmite seus princípios, por meio das disciplinas e conteúdos
que reproduzem seus interesses, dos mecanismos seletivos que fazem com
que crianças de famílias menos favorecidas saiam da escola antes de chega
rem a aprender as habilidades próprias das classes dominantes, e por práti
cas discriminatórias que levam as classes dominadas a serem submissas e
obedientes à classe dominante. (SILVA, 2003). Já o livro a escola capitalista
na América, de Bowles e Gintis, aponta que a escola contribui para a re
produção de um sistema dominante não propriamente através do conteúdo
explícito do currículo, mas ao espalhar, no seu funcionamento, as relações
sociais do local de trabalho.

62 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privile
giar relações sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os es
tudantes aprendem a subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas
aos trabalhadores dos escalões superiores da escala ocupacional tendem
a favorecer relações sociais nas quais os estudantes têm a oportunidade
de praticar atitudes de comando e autonomia. (SILVA, 2003, p. 33).
Bowles e Gintis ressaltam, ainda, “a contradição entre a ênfase nos
aspectos democráticos existentes na esfera política e o caráter autoritário
e despótico da produção [...], entre as necessidades de legitimação e as ne
cessidades de acumulação do capitalismo, processos nos quais a escola
está centralmente implicada”. (SILVA, 1992, p. 67). Por fim, a reprodução
de Bourdieu e Passeron que afirmam que a “escola não atua pela
inculcação da cultura dominante às crianças e jovens das classes
dominadas, mas, ao contrário, por um mecanismo que acaba por
funcionar como um mecanis mo de exclusão” (Ibidem, 2007, p.35). Nessa
perspectiva, o currículo está baseado na cultura dominante, o que faz com
que crianças das classes su balternas não dominem os códigos exigidos
pela escola. Assim, os referidos autores destacam que, para exercer a
função de legitimação delegada pelo grupo dominante, a escola transmite
conteúdos selecionados segundo os seus interesses.
A cultura transmitida pela escola apresenta-se, então, como objetiva
e inquestionável, embora seja arbitrária e de natureza social (resultante,
portanto, de relações de força). E a cultura escolar inculca nos indivíduos
um conjunto de categorias de pensamento e de expressão que possibilita o
relacionamento entre si e difunde uma cultura de classe fundada na prima
zia de certos valores, favorecendo uma relação de cumplicidade e de comu
nicação específica.
Na década de 1970, a utilização das teorias crítica nos Estudos Cur
riculares remonta à I Conferência sobre Teoria Curricular, liderada por
William Pinar, de onde surgem duas tendências críticas no campo do cur
rículo as quais se opõem às teorias de Bobbitt e Tyler. A primeira, de viés
marxista, utilizando-se, por exemplo, de Gramsci e da Escola de Frankfurt,
enfatiza o papel das estruturas econômicas e políticas da reprodução so
cial. A segunda, de orientação fenomenológica e hermenêutica, enfoca os
significados subjetivos que as pessoas dão às suas experiências pedagógi
cas e curriculares.
Michael Apple inicia sua crítica partindo dos elementos centrais do
marxismo, coloca o currículo no centro das teorias educacionais críticas re
lacionando-o às estruturas mais amplas, contribuindo assim para politizá
lo. Apple procurou construir uma perspectiva de análise crítica do
currículo que incluísse as mediações, as contradições e ambiguidades do
processo de reprodução cultural e social. (SILVA, 2007).
Por outro lado, Henry Giroux fala numa “pedagogia da possibilidade”
que supere as teorias de reprodução, concebendo o currículo como política
cultural. Ele utiliza estudos da Escola de Frankfurt sobre a dinâmica cul
tural e a crítica da racionalidade técnica. Compreende o currículo a partir
dos conceitos de emancipação e liberdade, já que vê a pedagogia e o currí
culo como um campo cultural de lutas. De fato, suas análises se ocupam
mais com aspectos culturais do que propriamente educacionais.
Cabe destacar que Michael Apple (estabelece uma vinculação entre
ideologia e currículo e entre educação e poder) e Henry Giroux (reivindica
um uso mais dialético e heurístico do conceito de resistência) procuram
correla-

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


63
Segundo Moreira (1990), “tanto Apple como
Giroux rejeitam o discurso do planejamento e do
controle e os modelos de organização curricular a
eles associados” (p. 75), propondo um discurso
que vê a pedagogia como uma forma de política
cultural. Esses autores, assim, não elegeram os
saberes es
colares como o foco principal de suas reflexões,
sua perspectiva de análise é mais geral e reafirma
a necessidade de engajamento na luta política. A
ques tão do conhecimento aparece de forma mais
pontual nos textos publicados mais
recentemente.
Outro autor de destaque é Paulo Freire (1987)
que, embora não tenha elaborado uma teoria
sobre currículo, acaba discutindo essa questão em
seus estudos. Sua reflexão e está mais baseada
na filosofia e voltada para o desen volvimento da
educação de adultos. A crítica do referido autor ao
currículo existente está relacionada ao conceito
de educação bancária, que concebe o
conhecimento como constituído por informações e
fatos a serem simples mente transferidos do
professor ao estudante. Nesse sentido, o currículo
A Nova Sociologia da Educação está afastado da situação existencial das pessoas
diferentemen te das outras teorias que tinham como base as que fazem parte do processo de conhecer. Na
críticas sobre as teorias tradicionais de educação, tinha como década de 1980, sua teoria foi contestada pela
referência a antiga sociologia da edu cação, que seguia uma pedagogia his tórico-crítica, proposta por
tradição de pesquisa em pírica sobre os resultados desiguais
produzidos pelo sistema educacional, pre Demerval Saviani. Este autor critica a pedagogia
ocupada principalmente com o fracasso escolar de crianças das libertadora de Freire por enfatizar não a aquisição
classes operárias. Porém, essas pesquisas fundamenta do saber, mas conteúdos desse processo; para
vam-se nas variáveis de entrada, classe social, renda e situação ele, o conhecimento é poder, pois a apropriação do
familiar, e nas variáveis de saída, resultado dos testes esco
lares, sucesso ou fracasso escolar, deixando de veri ficar o que saber universal é condição para a emancipação
acontecia entre esses dois pontos. dos grupos excluídos.
cionar as ideias de contradição, de luta e de
resistência observadas no inte rior das instituiçõesOutro movimento crítico em relação às teorias de
currículo ocorreu na Inglaterra, com Michael
educacionais com uma reflexão sobre os Young, intitulado “Nova Sociologia da Educação”
mecanismos de dominação ideológica, (NSE). Silva (2007) salienta a preocupação da
vislumbrando uma prática pedagógica crítica mesma em construir um cur rículo que reflita
voltada para a emancipação. mais as tradições culturais e epistemológicas dos
grupos subordinados e não apenas dos grupos fundamental. Ele é analisado por Silva (2007)
dominantes. A preocupação desta teoria está como sendo aquele que, embora não faça parte do
voltada para as questões de relação entre currículo escolar, encontra-se presente nas
currículo e poder, entre a organização do escolas através de aspectos pertencentes ao
conhecimento e a distribuição do poder. O ambiente escolar e que in
currículo é visto como uma “construção social”. fluenciam na aprendizagem dos estudantes. Ele
Basil Bernstein, também de acordo com Silva está presente nas relações sociais da escola. São
(2007), elaborou sua teoria na linha sociológica e os comportamentos, os valores e as atitudes que
analisa o currículo a partir de dois tipos estão presentes na aprendizagem.
fundamentais de organização: o currículo tipo
coleção e o cur rículo integrado. Para o primeiro, Para as teorias críticas, estas ações geralmente ensinam o
as áreas e campos de saber são mantidos conformis mo, a obediência e o individualismo, ou seja,
fortemente isolados. No segundo, as distinções comportamentos que man têm a ideologia dominante. [...]
entre as áreas de saber são muito menos nítidas É necessário desocultar o currículo para perceber o que
e menos marcadas (SILVA, 2007). A classificação envolve estas práticas e estes conhecimentos. Devemos
de Bernstein é uma questão de poder. perceber o que está por trás dessas atitudes para
Nos estudos sobre currículo, encontramos podermos modificá-las dando-lhes novos objetivos.
também o currículo oculto como conceito (HORNBURG e SILVA, 2007, p.4).

64 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


A partir dos anos 1990, a teoria crítica de vertentes: reivindicação dos grupos culturais
currículo vem recebendo uma avalanche de dominados
críticas e contestações, inclusive pelos seus no interior daqueles países para terem suas
antigos se guidores. Um contingente significativo formas culturais reconhecidas e representadas
dos defensores do currículo, como Apple, Giroux na cultura nacional; e outra que aponta a solução
por passarem a refutar o pensamento marxista e para os problemas que a presença de grupos
suas verten tes, começaram a entender e analisar étnicos coloca no interior daqueles países para a
as transformações do mundo, numa perspectiva cultura nacional dominante. (SILVA, 2007). Para
particular, descentralizada e local, ligada aos ambas as vertentes, o multiculturalismo
interesses das minorias marginalizadas, de uma representa um importante instrumento de luta
forma especial, com temáticas referentes a política, pois ele remete à seguinte questão: o que
gênero, raça, cultura e poder, portanto, numa conta como conheci
visão de currículo pós estruturalista e mento oficial? Assim, ele também nos lembra que
pós-moderna. igualdade não se obtém simplesmente através da
igualdade de acesso ao currículo hegemônico, sen
do preciso mudanças substanciais do currículo
2.3. As teorias pós-críticas existente.
As teorias pós-críticas começam a se destacar no As relações de gênero também são questões muito
presentes nas teorias pós-críticas. Sabemos que,
cenário nacional. As perspectivas críticas sobre inicialmente, a teorização crítica sobre educação
currículo tornaram cada vez mais questionadas e currículo concentrou-se na análise da dinâmica
por ignorarem outras dimensões no processo de de classe no processo de reprodução
produção e reprodução das desigualdades que desigualdade e das relações hierárqui cultural da
não fossem aquelas ligadas à classe social, como o cas na sociedade capitalista. Esse contexto
gêne contribuiu para que o currículo oficial refletisse e
ro, etnia, sexualidade, raça etc. Diante da sua reproduzisse uma sociedade masculina,
importância, essas questões estão sendo
problematizadas dentro do currículo, a partir de valorizando a “separação entre sujeito e
conhecimento, o domínio e o controle, a racio
análises pós estruturalistas e dos estudos nalidade e a lógica, a ciência e a técnica, o
culturais: é através do vinculo entre conheci individualismo e a competição” (SILVA, 2007,
mento, identidade e poder que esses temas
ganham seu lugar no território curricular. Vamos p.94). O feminismo, assim, aparece para
questionar o predo mínio de uma cultura
conhecer as teorias pós-críticas? extremamente patriarcal e para ressaltar a impor
Para começar, podemos falar da relação entre tância das ligações pessoais, a intuição e o
currículo e multicul turalismo que tem se tornado pensamento divergente, a arte e a estética, o
bastante forte nos últimos tempos. O multi comunitarismo e a cooperação. Podemos,
culturalismo originou-se nos países dominantes portanto, afirmar que a perspectiva feminista
do Norte e é discutido atu almente em duas
implica uma verdadeira reviravolta como refe rência social a transição entre a modernidade ini ciada
com o renascimento e Iluminismo e a pós-mo dernidade iniciada
epistemológica: na 1ª metade do século XX.
Ela amplia o insight, desenvolvido em certas vertentes do
marxismo e na sociologia do conhecimento, de que a
epistemologia é sempre uma ques tão de posição. […] a
solução não consistiria simplesmente numa inver são, mas
em construir currículos que refletissem, de forma
equilibrada, tanto a experiência masculina quanto a
feminina. (SILVA, 2007, p.94).

O movimento pós-mo derno tem


POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
65
O currículo, portanto, é visto como um artefato de
gênero, pois corpori fica e, ao mesmo tempo,
produz relações de gênero.
As questões étnicas também começaram a fazer
parte das teorias pós críticas do currículo tendo
sido percebida a problemática da identidade étni
ca. Sabemos que vivemos no contexto das
diferentes culturas, marcadas por singularidades
advindas dos processos históricos, políticos e
Historicamente, o termo queer tem também cultu rais por meio dos quais são
sido utilizado para se referir, de forma depreciativa, às pessoas construídas. Vivemos, portanto, no contexto da
homossexuais, sobretudo, do sexo masculino. Mas o termo
significa também, de forma não necessa riamente relacionada às diversidade cultural. O currículo, assim, se torna
suas conotações sexuais, “estranho, “esquisito”, “incomum”, multicultural não apenas pela inclusão
“fora do nor mal, “excêntrico”. (SILVA, 2007, p.105). informações sobre outras culturas e identidades,
O pós-modernismo não representa uma teoria coerente e
mas por con siderar as diferenças étnicas como
unificada, mas um conjunto variado de perspectiva, abrangendo uma questão histórica e política. É essen cial, por
uma diversidade de cam meio do currículo, desconstruir o texto,
pos intelectuais, políticos, estéticos e epistemológi cos. questionar por que e como valores de certos
grupos étnicos foram desconsiderados ou baseado numa separação rígida entre “alta”cultura e
menosprezados no desenvolvimento cultural e “baixa” cultura, en tre conhecimento científico e
histórico da humanidade e, pela organização do conhecimento cotidiano. […] Da perspectiva
currículo, proporcionar os mesmos significados e pós-moderna, o problema não é apenas o currículo
valores a todos os gru pos, sem supervalorização existente; é a própria teoria que é colocada sob suspeita
de um ou de outro. (SILVA, 2007, p.115).
A teoria queer apresentada por Silva (2007) como Fundamentado em Foucault, Derrida entre
uma teoria pós-crítica aborda a questão da outros, o pós-estrutura lismo concebe o processo
identidade sexual como uma construção social, de significação como indeterminado e instável e
assim como a de gênero. Para ela, a identidade é enfatiza a indeterminação e a incerteza sobre o
sempre uma relação dependente da identidade conhecimento. O significa do é considerado como
do outro. Não existe identidade sem significação, algo cultural e socialmente produzido. Portanto,
assim como não existe identidade sem poder. os campos de significação, o conhecimento e o
Essa teoria pretende questionar os proces currículo são caracterizados por sua
sos discursivos e institucionais, as estruturas de indeterminação e por sua conexão com o poder.
significação sobre o que é correto ou incorreto, o Questiona também a noção de verdade e por que
que é moral ou imoral, o que é normal ou algo é considerado verdade, ou seja, como algo
anormal. Outra perspectiva importante advém do que se tornou verdade. A questão não é, pois,
movimento pós-moderno pois considera que saber se algo é verdadeiro, mas saber por que
estamos vivendo uma nova época histórica, com esse algo se tornou verdadeiro.
novas im plicações no campo curricular.
Basicamente, elas criticam conceitos e dis cursos Já a teoria pós-colonialista objetiva estudar sobre
da modernidade, como, por exemplo, razão, as relações de po der entre as nações que
ciência, racionalidade e progresso. Nessa compõem a herança econômica, política e cultu
perspectiva, podemos afirmar que há uma ral da conquista colonial europeia. Reivindica um
possível incom patibilidade entre o currículo currículo que inclua as diferenças culturais, não
existente e o pós-moderno: de forma simples e informativa, mas refletindo
sobre aspectos culturais e experienciais de povos
O currículo existente é a própria encarnação das e grupos marginalizados. Questionou as relações
características mo dernas. Ele é linear, sequencial, de poder e as formas de conhecimento pelas quais
estático. Sua epistemologia é realidade e objetivista. Ele é a posição europeia se mantém privilegiada.
disciplinar e segmentado. O currículo existente está Existe uma preocupação com as

66 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


formas culturais que estão no centro da sociedade de consumo que
definem novas ideias de imperialismo cultural, mantendo sempre a
hegemonia das culturas colonizadoras.
O campo de teorização chamado Estudos Culturais também influen
ciou na concepção de currículo. Originado na fundação, em 1964, do
Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Inglaterra, os esforços
iniciais do Centro concentraram-se no estudo de formas culturais
urbanas, sobre tudo das chamadas “subculturas”. Eles concebem a cultura
como campo de luta em torno da significação social. A cultura é um jogo
de poder. Estão preocupados com questões que se situam na conexão
entre cultura, signifi cação, identidade e poder. Nessa perspectiva, a
“instituição” do currículo é uma invenção social como qualquer outra, o
“conteúdo” do currículo é uma construção social. Assim,
O que distingue os Estudos Culturais de disciplinas acadêmicas tradi
cionais é seu envolvimento explicitamente político. As análises feitas nos
Estudos Culturais não pretendem nunca ser neutras ou imparciais. Na
crítica que fazem das relações de poder numa situação cultural ou so
cial determinada, os Estudos Culturais tomam claramente o partido dos
grupos em desvantagem nessas relações. Os Estudos Culturais preten
dem que suas análises funcionem como uma intervenção na vida política
e social. (SILVA, 2207, p.134).
Considerando as teorias críticas e pós-críticas apresentadas, não po
demos mais ver o currículo de forma ingênua e desvinculado das relações
sociais de poder. Para as teorias críticas isso significa nunca esquecer, por
exemplo, a determinação econômica e a busca de liberdade e emancipação;
e para as teorias pós-criticas significa questionar e/ou ampliar muito da
quilo que a modernidade nos legou.
Mas o que toda essa discussão tem haver com o fazer pedagógico do
professor? O currículo se materializa na prática e é através deles que os
professores escolhem seus temas, conteúdos, procedimentos metodológicos
e avaliativos. Assim, de forma consciente ou não, ele reproduz as ideologias
contidas no currículo. O que se pretende ensinar depende da concepção de
currículo que está presente na ação de ensinar.
Nessa perspectiva, sabendo que as teorias sobre o currículo divergem
quanto à concepção de homem, sociedade, mundo e educação, o que é
essen cial para o professor é saber qual conhecimento deve ser ensinado e
justificar o porquê desses conhecimentos e não outros devam ser
ensinados, de acordo com os conceitos que enfatizam. Com base nesse
entendimento, é preciso que a escola discuta o currículo que sedimenta
sua prática através da ação do seu Projeto Político-Pedagógico, pois,
enquanto seres formadores de opinião devem procurar fundamentar sua
prática em teorias que lhes dê a possibili dade desenvolver seu fazer
pedagógico de forma a atender as inquietudes dos educandos diante da
sociedade tecnológica, informacional vigente.

2.4. O campo do currículo no Brasil


Neste tópico destacaremos alguns aspectos que revelam as origens do
pensamento curricular brasileiro. Para Moreira (1990), esse fenôme no
remonta aos anos 1920 e 1930, quando importantes transformações
econômicas,sociais, culturais, políticas e ideológicas realizaram-se em nos
so País. Ele também afirma que a literatura pedagógica da época refletia
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
67

Segundo Moreira (1990), a


transferência educacio nal para o Brasil passou por diferentes
etapas: de uma adesão ingênua (im plicando uma adequação
rudimentar ao contexto
receptor), passando por uma adaptação instru mental (que requer
um acentuado grau de acei tação e de acomodação de interesses)
e uma adap tação crítica (preocupada com a autonomia cultural O INEP foi criado em 1938 para
e o compromisso com as camadas mais desfavore cidas), até funcionar como cen tro de estudos de todas as questões
chegar a uma rejeição ingênua (caracte rizada por um educacionais relacionadas ao Ministério da Educação e Saúde.
significativo fechamento à influência estrangeira e pela super as ideias propostas por autores americanos
valorização do que se cria no contexto receptor). associados ao pragmatismo e às teorias
elaboradas por diversos autores europeus,
buscando superar as limitações da antiga
tradição pedagógica jesuítica e da tradição
enciclopé dica, que teve origem com a influência
francesa na educação brasileira, e esforçavam-se
para tornar o quase inexistente o sistema
educacional, con sistente no novo contexto.
Para o mesmo autor, as primeiras infraestruturas
no campo do currí culo corresponderam,
inicialmente, às reformas promovidas pelos (MOREIRA, 1990). Especificamente sobre o
pioneiros nos estados, e a seguir, à base currículo, embora as reformas não tenham
institucional do Instituto Nacional Estudos e chegado a propor procedimentos detalhados de
Pesquisa Anísio Teixeira (INEP) e do Programa de planejamento curricular, a ênfase na metodologia
Assistência brasileiro americano à Educação de ensino compensava essa falta e oferecia
Elementar (PABAEE). Afirma que a tradição episte diretrizes para a prática curricular. Faz sentindo,
mológica que fundamentou tanto as reformas assim, localizarmos as origens do campo do
como o enfoque curricular desenvolvido pelo INEP currículo brasileiro nas reformas dos pioneiros.
foi basicamente compostas por ideias progressivis Quanto ao papel do Instituto Nacional de Estudos
tas derivadas do pensamento de Dewey e e Pesquisas – INEP no desenvolvimento do campo
Kilpatrick. Tais idéias, segundo Saviani (1983) do currículo, podemos afirmar que seu pen
apud Moreira (1990), foram bastante influentes no samento sobre essa a questão tinha suas raízes
cenário educacional brasileiro até o início da em Dewey e Kilpatrick, no entanto, era
década de 60, do século XX. diretamente derivado da forma como os pioneiros,
Na década de 1920 e 1930 ocorreu o primeiro principal mente Anísio Teixeira, interpretaram os
esforço de sistemati zação do processo curricular referidos autores e os aplicaram à realidade
em nosso país a partir de reformas educa cionais brasileira. Nesse contexto, havia uma preocupação
realizadas nos estados da Bahia, em Minas Gerais com a prática, com modos científicos e com a
e no Distrito Federal, representando realidade do estudante. Apesar da influência
americana, realizava-se pesquisas em nosso País e
um importante rompimento com a escola tradicional, por buscava-se, aparente mente, construir currículos
sua ênfase na natureza social do processo escolar, por sua “brasileiros”.
preocupação em renovar o currículo, por sua tentativa de A influência do Programa de Assistência
modernizar métodos e estratégias de ensi no e de avaliação Brasileiro-Americano ao En sino Elementar -
e, ainda, por sua insistência na democratização da sala de PABAEE, no campo do currículo brasileiro
aula e da relação professor-aluno. (MOREIRA, 1990, p.91). também foi bastante significativa. Sua principal
preocupação no trabalho com o currí culo
Cabe destacar que mesmo preocupado com a apareceu, ser de fato com procedimentos, métodos
reconstrução social, a maior contribuição das e recursos e que a principal fonte foi o discurso
reformas acabou por limitar-se a novos métodos e curricular americano.
técnicas. Essa ambigüidade pode ser interpretada A partir de 1964, com o golpe militar e as
como refletindo, em certo grau, as idéias liberais transformações no pano rama político, econômico,
dominantes e a influência do processo de moderni ideológico e educacional, e por meio de diversos
zação das escolas americanas e européias.

68 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


acordos assinados com os Estados Unidos que visavam à modernização e
racionalização do País, ocorreu o aumento e dispersão das discussões so
bre o currículo. O tecnicismo se tornou, assim, dominante no pensamento
educacional brasileiro e passou a orientar as práticas docentes e escolares.
O sistema educacional brasileiro foi reorganizado pelos militares: a pre
ocupação com o ensino secundário, ensino profissionalizante, formação
de professores e ensino superior refletiu uma estrutura ocupacional
mais especializada. Semelhantemente à divisão do trabalho na socie
dade mais ampla, o trabalho pedagógico fragmentou-se para tornar o
sistema educacional mais efetivo e produtivo. Como consequência, os
professores começaram a usar técnicas e metodologias criadas por ex
perts, simplificadas e transmitidas por supervisores. Foi diretamente a
essa nova especialização, a supervisão escolar, que o campo do currículo
se associou desde a sua emergência (ARROYO, 1980 apud MOREIRA,
1990, p.149).
Podemos, então, afirmar que a estruturação do campo do currículo se
deu efetivamente na década de 70, com a introdução da disciplina currícu
los e programas nos cursos de formação docente, consistindo numa espé
cie de transferência instrumental de teorizações americanas, efetivada pela
importação e adaptação de modelos educacionais à nova ordem técnico
burocrática (instituída pelo regime militar em 1964).
As análises críticas em relação às questões curriculares começaram
a aparecer no final da década de 70. As transformações ocorridas nos con
textos sócioeconômico e político favoreceram o desenvolvimento de uma
abordagem crítica das questões educacionais em geral e curriculares em
particular, se tornando bastante influente nos anos seguintes.
Para Moreira (1990), a influência das condições internacionais na evo lução
do campo do currículo foi, nos anos 80, significativamente diferente da
que se verificou anteriormente: a influência de autores europeus au
mentou, ao passo que a de autores americanos diminuiu. Tanto as forças
inter-relacionadas de redemocratização do País, como a criação de espaços
institucionais para discussões e propostas críticas, constituíram-se em ele
mentos cruciais na definição das principais tendências do campo contem
porâneo do currículo e das respostas às questões curriculares levantadas.
O exame da produção cientifica brasileira elaborada nos anos 90 con
firma que a presença de teóricos estrangeiros, especialmente dos associa
dos à teoria curricular crítica, ainda é bastante visível nas bibliografias.
Como vimos nas teorias curriculares pós-críticas, nos últimos anos, temas
derivados dos estudos culturais, de etnia e de gênero já começaram a se
fazer notar no pensamento brasileiro, seguindo as novas tendências inter
nacionais.
Nesse contexto, hoje podemos afirmar que o campo do currículo no
Brasil desfruta de visibilidade e prestígio crescentes. Isso se deve, segundo
eles, tanto às recentes discussões sobre políticas oficiais de currículo, como
ao desenvolvimento de pesquisas e de uma produção teórica significativa,
que hoje aborda novos temas e reflete novas influências.

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


69

1. Caracterize as teorias tradicionais, críticas e pós-criticas de currículo e


comente sobre suas manifestações na prática pedagógico-escolar.
2. Leia o artigo intitulado "O campo do currículo no Brasil: os anos
noventa", de Antônio Flávio Barbosa Moreira, e elabore uma síntese
apresentando suas principais ideias. O artigo de Moreira está
disponível on-line:
http://www.curriculosemfronteiras.org/vol1iss1articles/moreira.pdf
70 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
como parte do conjunto de medidas de reforma do
Capítulo 3 siste ma educacional brasileiro, a qual vem
ocorrendo desde de 1990.
A Educação Básica no Brasil adquiriu novos
Políticas Curriculares no Brasil contornos nos anos pos teriores à promulgação da
Constituição Federal de 1988. Em seu capítulo
próprio da Educação criou condições para que a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394/96) assumisse o conceito de Educa
ção Básica, ao assinalar a possibilidade de o
Estado e os municípios se constituírem como um
sistema único de Educação Básica. Mas a
Educação Básica é um conceito definido no art.
Neste capítulo focalizaremos as mudanças 21 da referida lei como um nível da educação
curriculares implementadas na Educação Básica nacional (formada pela Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Ensino Médio). às várias dimensões da cidadania. Abrigam os
A finalidade da Educação Básica, conforme a componentes curriculares, tais como língua portu
LDB/96, é “desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável
para o exer cício da cidadania e fornecer-lhe meio
para progredir no trabalho e em es tudos
superiores” (art.22). Trata-se, pois, de um conceito
novo, original e amplo em nossa legislação
educacional, resultado de muita luta e de muito
esforço por parte dos educadores que se
esmeraram para que determinados anseios se
formalizassem em lei.

3.1. Parâmetros Curriculares


Nacionais - PCNs
A década de 90 é marcada por um processo de
reformas implementa das na educação pelo
governo brasileiro envolvendo mudanças nos
vários níveis e modalidades de ensino no que diz
respeito ao financiamento, rela ção entre as
diferentes instâncias do poder oficial (poder
central, estados e municípios), gestão escolar,
formação profissional, avaliação, dentre outros
aspectos. Mas são as mudanças nas políticas
curriculares que assumiram centralidade nas
políticas educacionais na década de 90.
O estabelecimento de diretrizes curriculares que
norteiem os currí culos é necessário para que
todos tenham uma formação básica. A orga
nização curricular deve garantir a flexibilidade do
currículo e a existência de um mínimo de Os Parâmetros Curricu lares
conteúdos comuns a todo o território nacional, daí MEC ao longo do período de 1995 apelo
Nacionais (PCNs) foram elaborados Ministério da Educação -
1998, com a fi nalidade de
os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN. A expor a políti ca de formação do governo federal. A primeira
base comum, ou os conteúdos mínimos, será versão dos PCNs foi elaborada junto às Secretarias do MEC, com
complementada por uma parte diversificada, a participação de consultores especia
listas. Tal versão foi sub metida ao debate junto às Secretarias
representada pelo conteúdo próprio das Estaduais da Educação e a outros setores da sociedade. Sur
especificidades regionais, dos sistemas de ensino giram apoios e também contestações, particular mente no que se
e das escolas (BRASIL, 1997, p.14) referia à metodologia utilizada para a sua elaboração, vinculada
essencialmente a grupos escolhidos pela administração federal.
Os PCNs são propostas detalhadas de conteúdos Após amplo debate, os do cumentos foram aperfei çoados e sua
que incluem conhe cimentos, procedimentos, versão final apresentada formalmente ao Conselho Nacional de
valores e atitudes no interior de disciplinas, áreas Educação - CNE.
e matérias articulados em temas que se vinculam

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


71
– PCN teve como objetivo de torná-los a base
comum nacional, obrigatória em todo o País. O
conselho Nacional de Educação - CNE, no en
tanto, percebeu que se tratava de uma política
construída num “movimento invertido, no qual
um instrumento normativo de caráter mais
específico, como os PCNs, foi construído e
encaminhado de forma a orientar um ins
trumento de caráter mais geral, como as
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs)”
(BONAMINO e MARTÍNEZ, 2002, p.372). Assim,
eles não repre sentam o conjunto de conteúdos
mínimos e obrigatórios para o ensino fun
damental, e também não chegam a ser uma
proposta de diretrizes. Antes, apresentam-se
como “um complexo de propostas curriculares em
que se mesclam diretrizes axiológicas,
orientações metodológicas, conteúdos espe cíficos
de disciplinas e conteúdos a serem trabalhados
de modo transversal e sem o caráter de
obrigatoriedade próprio da formação básica
comum do Art. 210 da CF/88” (CURY, 2002, p.
192).
O caráter não obrigatório dos PCNs, levou ao CNE
definir as Diretrizes Curriculares Nacionais que,
em linhas gerais, são
assumidas como dimensões normativas, tornam-se
reguladoras de um caminho consensual, conquanto não
fechado a que historicamente pos sa vir a ter um outro
percurso alternativo, para se atingir uma finali dade
O termo diretriz significa caminhos maior. Nascidas do dissenso, unificadas pelo diálogo, elas
que são pro postos e não imposição de caminhos. Significa um não são uniformes, não são toda a verdade, podem ser
rumo a tomar, uma dire ção, um caminho tenden te a um fim. traduzidas em diferentes programas de ensino e, como
A existência de Diretrizes Curriculares é uma exi gência toda e qualquer realidade, não são uma forma acabada
nacional. A consti tuição federal de 1988 em seu art. 22, inciso de ser. (CURY, 2002, p. 194).
XXIV e no caput do art. 210 di
zem, respectivamente: cabe privativamente à União legislar
sobre: "diretrizes e bases da edu cação nacional";
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica estabe lecidas pelo Conselho
"Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, Nacional de Educação caracterizam-se como
de manei ra a assegurar formação básica comum e respeito aos conjun tos articulados de princípios, critérios e
valores culturais e artísticos, nacionais e re gionais". procedimentos a serem observados na
guesa, ciências, história, geografia, matemática, organização, no planejamento, na execução e na
artes e educação física. Ao lado desses avaliação dos diversos cursos e projetos
componentes, introduziu-se aí uma novidade por pedagógicos dos sistemas de ensino e das escolas
meio de temas transversais (saúde, ecologia, de todo o Brasil.
orientação sexual, ética e convívio social, plu A intenção das Diretrizes Curriculares Nacionais
ralidade étnica, trabalho e economia). Esses
últimos sem se constituírem novas disciplinas, não ou
é fixar currícu los mínimos para cada curso
modalidade de ensino, bastante criticados por
viriam informar o conjunto de disciplinas sua rigidez. Mas, ser uma referência a ser
existentes e enriquecê-las, de vez que nela se utilizada com flexibilidade para dar conta da
manifestam. São temas desafiadores tra zidos complexidade da estrutura federativa do País e da
pelo mundo contemporâneo e cujo impacto a sua diversidade econômica e social, bem como
escola, sobretudo, na formação inicial e
continuada de professores, não pode deixar de das diferenças regionais e da pluralidade das
características e possibilidades dos sistemas de
conhecer, ensino, das unidades escolares e dos educadores
reconhecer sua importância e deles se apropriar. brasileiros.
(CURY, 2002). O amplo debate em torno da
elaboração de Parâmetros Curriculares Nacionais Todavia, é necessário que nós, educadores,
estejamos alertas para a ambiguidade que está
colocada, não propriamente no interior das flexibilização curricu lar, significando
diretrizes formuladas pelo CNE, mas no conjunto possibilidades de diferenciação e diversificação,
das políticas que estão sendo imple mentadas no ensino
pela reforma educacional. Por um lado, a

72 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


e na organização escolar, para um melhor ajustamento da educação às de
mandas do mercado numa economia globalizada e centrada no que alguns
autores denominam de “sociedade do conhecimento” (CHAUI, 2003); por ou
tro lado, a montagem cada vez mais aprimorada de um “sistema nacional
de avaliação”, centralizado no MEC, através do controle do rendimento
escolar em todos os níveis, desde a creche até a pós-graduação.

3.2. As Diretrizes Curriculares Nacionais - DCNs


O Parecer da CNE/CEB n° 4/98 e a Resolução CNE/CEB n° 2/98
pro põem sete diretrizes como referência para a organização do currículo
esco lar. Bonamino e Martinez (2002) destacam-nas da seguinte forma:
• As escolas deverão fundamentar suas ações pedagógicas em princí
pios éticos, políticos e estéticos. Tais princípios são complementares
e relacionam-se à autonomia, responsabilidade, solidariedade, cida
dania e vida democrática. Os documentos consideram ainda a exis
tência de princípios estéticos da sensibilidade, que devem conduzir
as ações pedagógicas escolares ao reconhecimento da sensibilidade
e criatividade do comportamento humano e à valorização da diversi
dade de manifestações artísticas e culturais da realidade brasileira
(BRASIL, 1998a, p. 1).
• Reconhecimento da identidade pessoal de estudantes, professores
e demais profissionais que atuam na educação escolar, bem como
o reconhecimento da identidade institucional das escolas e dos sis
temas de ensino. Aponta-se, então, para a necessidade de a escola
acolher as diversidades e peculiaridades étnicas, etárias, regionais,
socioeconômicas, culturais, psicológicas, físicas e de gênero das
pessoas implicadas diretamente com a educação escolar. Essa di
retriz vai ao encontro de dispositivos constitucionais e do Programa
Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que reconhecem a
dignidade da pessoa humana (arts. 1o, 2o e 3o da CF), a igualdade
perante a lei (art. 5o da CF), a necessidade de repúdio e
condenação a quais quer formas de discriminação (art. 3o da CF) e
a promoção dos di reitos humanos (PNDH).
• O processo educacional é considerado como uma relação indissoci
ável entre conhecimentos, linguagem e afetos, constituinte dos atos
de ensinar e aprender. A afirmação dessa perspectiva conduz à va
lorização do diálogo e à adoção de metodologias diversificadas em
sala de aula, isto é, de múltiplas interações estudantes/estudantes,
professores/estudantes, estudantes/livros, vídeos, mídia, materiais
didáticos etc., que permitam a expressão de níveis diferenciados de
compreensão, conhecimentos e valores éticos, políticos e estéticos.
• O estabelecimento de conteúdos curriculares mínimos para a cha
mada Base Nacional Comum, conforme o art. 9º da LDB. Destaca
o Parecer:
[...] a instituição de uma Base Nacional Comum com uma Parte Diversifi
cada, a partir da LDB, supõe um novo paradigma curricular que articule
a Educação Fundamental com a Vida Cidadã. O significado que atribuí
mos à Vida Cidadã é do exercício de direitos e deveres de pessoas,
grupos e instituições na sociedade, que em sinergia, em movimento
cheio de

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


73
ção Artística, Educação Física e Educação
Religiosa (BRASIL, 1998b, p. 7). Estabelece-se,
assim, uma estrutura curricular básica, na qual
os aspec tos mais inovadores estão relacionados à
“vida cidadã” e evocam os Temas Transversais.
• As escolas são orientadas no sentido da
condução de propostas cur riculares e de
processos de ensino capazes de articular os
conheci mentos e valores da Base Nacional
Comum e da Parte Diversificada ao contexto
social, conforme o art. 27 da LDB (BRASIL,
1998b, p. 11).
• Enfatiza a autonomia escolar e orienta as
escolas no uso da Parte Diversificada do
currículo no desenvolvimento de atividades e
proje tos de seu interesse específico (BRASIL,
1998b, p. 11). Esta diretriz apoia-se na LDB (art.
9o, IV) para reafirmar a competência de es tados,
municípios e estabelecimentos escolares no
sentido de com plementarem os currículos
mínimos com uma parte diversificada.
• As propostas pedagógicas são capazes de zelar
pela existência de um clima escolar de
cooperação e de condições básicas para plane jar
os usos do espaço e do tempo escolar. Diz respeito
à interdiscipli naridade e transdisciplinariedade,
do sistema seriado ou por ciclos, do currículo.
Em síntese, a análise do processo de elaboração
das DCNs nos per mite verificar as tensões
provocadas pelas diferentes perspectivas político
institucionais, sustentadas pelo MEC e pelo CNE,
a respeito do papel que cabe ao Estado em
relação à elaboração curricular.
Acesse www.mec.gov.br e conheça
os pareceres e resoluções relacionadas às diretrizes para as di
versas etapas e modalida des da educação básica. 3.3. O currículo para a Educação
energias que se trocam e se articulam, influem sobre
múltiplos aspec tos, podendo assim viver bem e Básica: o que diz a LDB nº 9.394
transformar a convivência para melhor (BRASIL, 1998b,
p. 9). de 1996
Nessa perspectiva, a Base Comum e a Parte A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Diversificada devem arti cular cidadania e – LDB nº 9.394 de 1996 em seu Art. 26
conhecimento nos currículos da educação estabelece que “os currículos do ensino
fundamental. A “vida cidadã” diz respeito a fundamental e médio devem ter uma base
aspectos relacionados com a saúde, sexu alidade, nacional comum, a ser complementada, em cada
vida familiar e social, meio ambiente, trabalho, sistema de ensino e estabelecimento escolar, por
ciência e tecno logia, cultura e linguagens. Já as uma parte diversificada, exigida pelas
“áreas de conhecimento” se referem à Língua características regionais e locais da sociedade, da
Portuguesa, Língua Materna (para populações cultura, da economia e da clientela”.
indígenas e migran tes), Matemática, Ciências, A lei é bastante clara. Além de conteúdos
Geografia, História, Língua Estrangeira, Educa obrigatórios em todo o País que formam o núcleo
comum, currículos devem ter uma parte de pesca etc.; para atender aos planos dos
diversificada. E para que ser essa parte estabelecimentos de ensino, ou seja, não é
diversificada? Não custa repetir: para atender às necessário que todos os estabelecimentos
peculiaridades locais, isto é, às características da ensinem exatamente os mesmos conteúdos; e
região em que se situa a escola, às atividades lá para atender às diferenças individuais dos estu
desenvolvidas, sejam elas agrícolas, industriais,

74 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


dantes, que dizer, estudantes com aspirações e • Orientação para o trabalho;
interesses distintos devem estudar coisas • Promoção do desporto educacional e apoio às
diferentes. práticas desportivas não formais. (LDB/96. Art.
Nessa perspectiva, a LDB/96 em seu Art. 26 27)
estabelece que os currí culos da Educação Básica Quanto à oferta de educação básica para os
abrangem estudos obrigatórios que fazem parte estudantes pertencentes ao meio rural, no que
do seu núcleo comum, quais sejam: diz respeito ao currículo, a LDB/96 orienta que os
• Língua portuguesa; (§1º) sistemas de ensino deverão fazer as adaptações
• Matemática; (§1º) necessárias de conteúdos curriculares e de
• Conhecimento do mundo físico e natural e da metodologias adequadas às peculiaridades da vida
realidade social e política, (§1º) rural e de cada região, como
• Ensino da arte, especialmente em suas • Conteúdos curriculares e metodologias
expressões regionais; (§2º) • Educação física, apropriadas às reais neces sidades e interesses
dos alunos da zona rural;
integrada à proposta pedagógica da escola; (§3º) • • Organização escolar própria, incluindo
História e cultura afro-brasileira e indígena; (art. adequação do calendário es colar às fases do ciclo
26 A) • Música (§6º) agrícola e às condições climáticas;
O Art. 32 § 5º da LDB/96 também destaca que o • Adequação à natureza do trabalho na zona
currículo do Ensino Fundamental incluirá, rural. (Art.28) Nessa perspectiva de atender aos
obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos desafios postos pelas orientações e normas
das crianças e dos adolescentes, tendo como vigentes, pretende-se possibilitar aos profissionais
diretriz a Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, da educação fa zer as indagações sobre as suas
que institui o Estatuto da Criança e do condições concretas para a ação curricular.
Adolescente (ECA), observada a produção e
distribuição de material didático adequado.
Em relação ao ensino religioso, a LDB/96 o
institui como parte inte grante da formação básica
do cidadão, mesmo sendo de matrícula facultati
va. Constitui, assim, “disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à diversidade
cultural reli giosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo”. (art. 33).
Na parte diversificada, a LDB/96 institui a
inclusão obrigatória, a partir da quinta série, do
ensino de pelo menos uma língua estrangeira
moderna, cuja escolha ficará a cargo da
comunidade escolar, dentro das possibilidades da
instituição.
Quanto aos conteúdos que devem ser observados A Educação Física é prá tica
no currículo da Educação Básica, há uma nítida facultativa ao aluno que cumpre jornada de trabalho igual ou
orientação para a formação de “cidadãos para a supe rior a seis horas; maior de trinta anos de idade; que estiver
prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar,
ordem democrática” e apta ao trabalho: estiver obrigado à prática da edu cação física e que tenha prole.
• Difusão de valores fundamentais ao interesse (Lei nº 9.394/96, art. 26, § 3º).
social, aos direitos e de veres dos cidadãos, de O conteúdo programático incluirá diversos aspec tos da história e
respeito ao bem comum e à ordem democrática; • da cul tura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o
Consideração das condições de escolaridade dos estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e
alunos em cada es tabelecimento; dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o ín dio na formação da socie dade nacional, política, pertinentes à his tória do Brasil. (Redação dada pela Lei
resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e nº 11.645, de 2008).

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


75
epistemológicas e metodológicas
Diante do que vimos até o momento, percebemos
que a organização curricular estabelecida pela
LDB/96 para o Ensino Fundamental e Médio está
coerente com as tendências curriculares presentes
nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs.
Essa proposta de educação acarreta al
guns desdobramentos epistemológicos e
metodológicos, como, por exem plo, a concepção
de interdisciplinaridade e transversalidade. De
acordo com o referido documento, ambas se
fundamentam na crítica de uma con cepção de
conhecimento que toma a realidade como um
conjunto de dados estáveis, sujeitos a um ato de
conhecer isento e distanciado. Elas apontam a
complexidade do real e a necessidade de se
considerar a teia de relações entre os seus
diferentes e contraditórios aspectos, mas diferem
uma da outra, “uma vez que a
interdisciplinaridade refere-se a uma abordagem
epistemológica dos objetos de conhecimento,
enquanto a transversalida de diz respeito,
principalmente, à dimensão da didática”. (BRASIL,
1997, p.27).
A interdisciplinaridade surge pela necessidade de
dar uma respos ta à fragmentação causada por
uma epistemologia de cunho positivista. Ela
questiona a segmentação entre os diferentes
Na tentativa de superar a
campos de conhecimento produzida por uma
disciplinaridade, além da interdisciplinaridade, pode-se falar em abordagem que não leva em conta a inter-relação
multidis ciplinaridade, plurisdisci plinaridade e transdisci e a influência entre eles. Ademais, questiona a
plinaridade. visão compartimentada (disci plinar) da realidade
A multidisciplinaridade se caracteriza por uma ação simultânea sobre a qual a escola, tal como é conhecida,
de várias dis ciplinas sobre uma temá tica comum. Não há rela histori camente se constituiu.
ção e cooperação entre as disciplinas nessa inter venção
pedagógica.
Mas sabemos que o mundo não é disciplinar e que
é necessário que o conhecimento sobre o mundo
Na pluridisciplinaridade, ocorre uma frágil intera ção se transforme em conhecimento do mundo, isto é,
(cooperação) entre as áreas de conhecimento, as quais
permanecem no mesmo nível hierárquico.
em competência para compreender, prever,
extrapolar, agir, mudar, manter. Assim, é preciso
A transdisciplinaridade promove a integração de vários sistemas reintegrar as disciplinas num conhecimento não
interdis ciplinares, possibilitando uma interpretação holís tica. fragmentado. É preciso conhecer os fenômenos de
3.4. Currículo: questões modo integrado, inter
relacionado e dinâmico. Daí, a importância da que os educadores não façam separação entre a
interdisciplinaridade. teoria e a prática, logo, a primeira atitude a ser
A interdisciplinaridade, do ponto de vista epistemológico, requerida é a da práxis e, consequentemente, a da
“aponta para a possibilidade de produção de saberes em
reflexão num moto-contínuo, sempre buscando a
grupos formados por especia listas de diferentes áreas”,
melhoria do ensino, da aprendiza gem, do
enquanto que, na seara pedagógica, ela “indi ca um
educador e do educando.
trabalho de equipe, no qual docentes de diferentes áreas Do ponto de vista metodológico, os PCNs apontam
planejam ações conjuntas sobre um determinado a transversalidade que diz respeito à
assunto”. (GALLO, 2000, p. 173). “possibilidade de se estabelecer, na prática
educativa, uma relação entre aprender na
Fazenda (2001) esclarece que “a realidade e da realidade de conhecimentos
interdisciplinaridade pauta-se numa ação em teoricamente sistematizados (aprender sobre a
movimento” uma prática que exige “humildade, realidade) e as questões da vida real (aprender na
coerência, espera, respeito e desapego”, nos realidade e da realidade)” (BRASIL, 1997, p.27). A
remetendo à noção da práxis e também ao tra es
balho coletivo, ou seja, não existe prática cola vista por esse enfoque, deve possuir uma
interdisciplinar isolada. Nesse sentido, para ter visão mais ampla, acabando
atitudes e ações interdisciplinares é necessário

76 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


com a fragmentação do conhecimento, pois a sis temas de significados construídos na
somente assim se apossará de uma cultura realidade dos alunos.
interdisciplinar.
Consideramos a transversalidade como o modo
adequado para a dis cussão dos temas como ética,
meio ambiente, saúde, trabalho e consumo,
orientação sexual e pluralidade cultural, os quais
não devem constituir uma disciplina, mas
permear toda a prática educativa. Eles exigem um 1. Escolha uma das Diretrizes Curriculares (ou da
Educação Infantil ou Ensino Fundamental) e
trabalho sistemático, contínuo, abrangente e redija um texto crítico a respeito.
integrado no decorrer de toda a educação se
orientando pelos processos de vivência da 2. Aprofunde seus conhecimentos sobre o conceito
sociedade, pelas comunidades, alunos e de interdisciplinaridade e discuta com os colegas
educadores em seu dia a dia. Desse modo, os sobre os desafios e possibilidades dessa prática
objeti vos e conteúdos dos temas transversais curricular na escola. Dê exemplos.
devem estar inseridos em diferentes cenários de
cada uma das disciplinas.
Na prática pedagógica, interdisciplinaridade e
transversalidade ali mentam-se mutuamente, pois
o tratamento das questões trazidas pelos Te mas
Transversais expõe as inter-relações entre os
objetos de conhecimento, de forma que não é
possível fazer um trabalho pautado na
transversalidade tomando-se uma perspectiva
disciplinar rígida. Conforme defendem os Pa
râmetros Curriculares – PCNs, a transversalidade
promove uma compreen são abrangente dos
diferentes objetos de conhecimento, bem como a
percep ção da implicação do sujeito de A transversalidade já per tencia aos
conhecimento na sua produção, superando a ideais peda gógicos do início do XX, quando se falava em ensi no
global sendo objeto de estudos de educadores, como os franceses
dicotomia entre ambos. Por essa mesma via, a Decroly e Freinet, os norte-ameri canos Dewey e Kilpatrick.
transversalidade abre espaço para a inclusão de Atualmente a transver salidade surge como um princípio inovador
saberes extra escolares, possibilitando a referência nos sistemas de ensino de vá rios países.
POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL
77

Capítulo 4
As Políticas Curriculares: O Impacto na
Realidade Escolar

Neste capítulo partimos do pressuposto de que é no cotidiano das


escolas que se dá a devida implantação das inovações curriculares. A esfe
ra governamental possui um poder privilegiado na produção das políticas
educacionais e na elaboração dos currículos, porém, é na prática que as de
finições curriculares são recriadas e reinterpretadas. Após estudarmos as
políticas educacionais voltadas para o currículo da Educação Básica, aqui
discutiremos o impacto dessas políticas na realidade escolar.
No âmbito das políticas curriculares no Brasil, o interesse mais evi
dente pelos PCNs e DCNs é encontrado nas metas estabelecidas pelo Plano
Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei nº 10.172 de 2001. O PNE
estipula como oitava meta para a Educação Infantil “assegurar que, em
dois anos, todos os municípios tenham definido sua política para a
Educação Infantil, com base nas diretrizes nacionais, nas normas
complementares e nas sugestões dos referenciais curriculares” (BRASIL,
2001, p.53). Para o ensino fundamental, a referida lei estipula como oitava
meta: “assegurar que, em três anos, todas as escolas tenham formulado
seus projetos peda gógicos, com observância das Diretrizes Curriculares
para o Ensino Fun damental e dos Parâmetros Curriculares Nacionais”
(BRASIL, 2001, p.68). Com base nessas metas, podemos afirmar que as
mudanças curriculares oficialmente implementadas assumem um
enfoque, sobretudo, prescritivo, e cabe às escolas, dentro das suas
possibilidades, materializar as orien tações recebidas. Consequentemente,
os professores devem incorporar as orientações dos PCNs e DCNs aos
projetos pedagógicos de suas escolas, a seus programas de curso e
conduzindo o processo de ensino aprendizagem segundo esse documento
ministerial.
Filipouski e Kehrwald (2008), ao refletirem sobre a educação brasi leira
após os 10 anos de PCNs, afirmam que, apesar das limitações deste
documento, merecem destaque as seguintes conquistas, realizadas a partir
da autonomia das escolas e do comprometimento de seus professores:
• Incremento das discussões sobre currículo, rompendo a ideia de lis
ta de conteúdos e objetivos;
• Revigoração da gestão escolar, perturbando a relação passiva entre
professores, coordenadores e pedagogos com o currículo;
• Inserção da avaliação como foco privilegiado das discussões sobre
currículo;
• Abertura para novas tecnologias;
• Reflexão a respeito das teorias que embasam as diferentes concep
ções dos conteúdos;
• Ênfase à construção de conhecimentos, por meio de problematiza
ções e contextualização do que deve ser conhecido;
• Visibilidade às temáticas sociais, como cidadania, saúde, sexuali
dade, valorização do trabalho e outros temas transversais;

78 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


• Alteração dos tempos e espaços de trabalho na escola, a fim de favo
recer a construção de conhecimentos por meio de relações interdis
ciplinares, através de projetos de trabalho e outros.
O baixo impacto das reformas curriculares na realidade escolar tem
sido, no entanto, insistentemente apontado pelos pesquisadores da área. A
ANPEd (1996) alertava para o fato de que uma das dificuldades que podem
ser enfrentadas na implementação dos PCN advém justamente da formação
que os professores recebem, considerada inadequada e insuficiente para
que deem cabo da tarefa a eles atribuída. Outra advertência vem da
pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas (SIQUEIRA, 1995) que
subsidiou a elaboração dos Parâmetros. A análise das reformas
curriculares realizadas nos estados e municípios de capitais consideradas
pela pesquisa revelaram que a reelaboração didática teve que vencer
obstáculos justamente no nível da sua concretização nas salas de aula,
devido à formação dos professores, que não os capacitava para as novas
exigências colocadas pelos currículos.
Além da formação dos professores, as condições de trabalho na
escola também podem ser um dificultador para a realização da qualidade
proposta pelos PCN para o ensino fundamental, como afirma Rocha (1998,
p.75)
Os PCN, por outro lado, preveem como recursos para o ensino, uma boa
biblioteca geral e bibliotecas de classes, claramente expostos na área de
Língua Portuguesa jogos, livros, vídeos, calculadoras, computadores e
outros materiais previstos para o ensino da Matemática. Mapas, globos,
documentos históricos previstos no ensino de História etc.
Nesse sentido, as condições de trabalho também podem ser um difi
cultador para a realização da qualidade proposta pelos PCN para o ensino
fundamental. Não é o caso de apenas reiterar a insuficiência dos salários,
mas também é necessário tratar de como a jornada de trabalho é cum
prida; da ampliação (ou criação) de um certo número de horas semanais
dedicadas ao planejamento da atividade docente dentro da escola, com o
conjunto dos professores; de uma permanência maior dentro da escola
para atendimento aos alunos. (APPLE, 1995) Essas são dificuldades
encontradas nas escolas revelam que a ampla reforma educacional
necessita ainda ser acompanhada por outras mudanças estruturais, pois
a qualidade de um sistema educativo não depende somente da existência
de parâmetros ou de currículos. Existem muitas variáveis relacionadas
às condições sociais, econômicas e culturais dos estudantes e de seus
professores que ainda precisam ser enfrentadas. Sempre que a escola, a
família ou o poder público não vão bem, é limitada a possibilidade de a
educação funcionar bem. FILIPOUSKI E KEHRWALD, 2008, p.1)
Diante dos avanços e lacunas que envolvem os PCN podemos afirmar
que toda política curricular é uma política de constituição do conhecimento
escolar: um conhecimento construído simultaneamente para a escola (em
ações externas à escola) e pela escola (em suas práticas institucionais coti
dianas). Como bem assinala Santos (2002), seria justo pensar que, definido
um currículo nacional, selecionados os livros didáticos pertinentes a serem
adotados pelas escolas, capacitados os professores, de forma a conduzir os
trabalhos de maneira operacional com a finalidade de desenvolver as
competências consideradas fundamentais para o exercício do seu trabalho,
haveria clara melhoria no desempenho do sistema público, particularmente
da educação básica.

POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL


79

Nesta unidade tratamos sobre o campo do currículo cujos estudos e


pesquisas têm-se ampliado significativamente nos últimos anos. A relevân
cia desta discussão decorre do fato da necessidade de desenvolvermos uma
educação de qualidade que vise à formação do cidadão crítico e a
valorização do discurso daqueles que não têm voz na sociedade. No
primeiro capítulo, abordamos os diferentes significados que o termo
currículo assume no ce nário educacional. Percebemos que não podemos
concebê-lo apenas como uma listagem de conteúdos e, sim, como o
conjunto de experiências viven ciadas no ambiente escolar que interferem
na aprendizagem dos estudantes. O segundo capítulo trouxe contribuições
sobre a constituição e o desen volvimento do currículo escolar em
diferentes países, inclusive o Brasil. As reflexões das diferentes teorias
tradicionais, críticas e pós-críticas revelam que no campo do currículo são
grandes as influências ideológicas, políticas e estruturais; os conflitos
entre atitudes e percepções pessoais e sociais, além das relações de poder
de diversos grupos. No terceiro capítulo, estuda mos as políticas
curriculares no Brasil como parte de uma ampla reforma educacional
realizada em todos níveis, a partir da década de 90, do século XX.
Enfocamos os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs e as Diretri zes
Curriculares Nacionais – DCNs e destacamos como a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96 estabelece o currículo para
a Educação Básica. Por fim, no quarto capítulo, refletimos sobre o impacto
das propostas curriculares na escola. Estas correspondem a um conjunto
de princípios, critérios e procedimentos a serem observados no
planejamento e na organização das atividades, na execução e avaliação
dos cursos e proje tos pedagógicos das instituições escolares e sistemas de
ensino.

1. Discuta os desafios e possibilidades de implantação das Diretrizes Cur


riculares para a Educação Básica na escola.

80 POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL

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