Você está na página 1de 5

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

Algumas questões relativas ao capítulo I do livro “Matéria e memória”


Henri Bergson

Primeira questão - Bergson define o corpo primeiramente como centro de


ação e, num segundo momento, como centro de indeterminação. O que
isto quer dizer? Explore os argumentos do autor.

 Corpo como centro de ação.

Bergson finge a não existência de todas as teorias da matéria e do


espírito, para então ficar apenas na presença de imagens que são percebidas e
despercebidas pelos sentidos, imagens estas que agem e reagem entre si em
todas as suas partes, segundo o que chama de leis da natureza. E dentre
todas essas imagens, o corpo é a imagem que “prevalece sobre as demais na
medida em que a conheço não apenas de fora, mediante percepções, mas
também de dentro, mediante afecções” (B ERGSON, 1999, p. 11), e tudo o que
está fora desse corpo, nesse conjunto de imagens, ele o chama universo e
entende que nada de novo se pode realmente produzir além de imagens
fornecidas pelo próprio corpo. Parece então que os modelos de imagens são
percebidos e fornecidos pelo corpo.

Percebo nervos aferentes que transmitem estímulos aos


centros nervosos, em seguida nervos eferentes que partem do
centro, conduzem estímulos à periferia e põem em movimento
partes do corpo ou o corpo inteiro. (BERGSON, 1999, p. 13)

Nesse sentido, Bergson interroga fisiólogos e psicólogos que respondem


serem movimentos centrífugos e centrípetos os responsáveis por fazer nascer
a representação, que são então as imagens. Porém, tudo isso, corpo, cérebro,
nervos e estímulos são apenas imagens, e “fazer do cérebro a condição da
imagem total é verdadeiramente contradizer a si mesmo, já que o cérebro, por
hipótese, é uma parte dessa imagem” (B ERGSON, 1999, p.13-14), é então que
surge o corpo como centro de ação, pois não pode produzir representações,
pois “meu corpo, objeto destinado a mover objetos, é, portanto, um centro de
ação; ele não poderia fazer nascer uma representação” (B ERGSON, 1999, p.
14). Nesse sentido, Bergson vai no caminho de que “os objetos que cercam
meu corpo refletem a ação possível de meu corpo sobre eles” (B ERGSON,
1999, p. 15-16).

 Corpo como centro de indeterminação.

Entende-se que a grande variedade de estímulos que vem dos centros


nervosos é uma das razões da reação aos estímulos externos, sendo então o
cérebro o órgão que faz a análise e é também o centro das decisões das ações
motoras.

Assim, o papel do cérebro é ora de conduzir o movimento


recolhido a um órgão de reação escolhido, ora de abrir a esse
movimento a totalidade das vias motoras para que aí desenhe
todas as reações que ele pode gerar e para que analise a si
mesmo ao se dispersar. (BERGSON, 1999, p. 27)

Contudo, para Bergson, as percepções tem certa indeterminação pois o


sistema nervoso não tem capacidade de produzir representações ou mesmo de
mudar o que é recebido pelo corpo, sendo que quanto mais complexa são as
percepções do corpo, mais indeterminação temos nas ações de cada indivíduo.

Como exemplo de indeterminação Bergson analisa a reação dos animais


no local onde vivem, pois “à medida que a reação torna-se mais incerta, que dá
mais lugar à hesitação, aumenta também a distância na qual se faz sentir sobre
o animal a ação do objeto que o interessa” (BERGSON, 1999, p. 29), isto
significa que a variedade e as inúmeras possibilidades de reações que os
animais tem frente as percepções são fatores que alteram as relações e
garantem multiplicidade de possíveis ações.

Segunda questão - Na página 36, Bergson afirma que a consciência, “no


caso da percepção exterior”, consiste numa escolha. Explique, explore,
contextualize esta afirmação.

Sabendo que o cérebro tem como principais funções fazer a


comunicação entre todas as partes do corpo e comandar toda ação motora,
para Bergson, a escolha é o que organiza todos esses estímulos e estrutura as
ações do indivíduo.

Mas, como todos os órgãos perceptivos lhe enviam seus


últimos prolongamentos, e todos os mecanismos motores da
medula e do bulbo raquidiano têm aí seus representantes
titulares, ele constitui efetivamente um centro, onde a excitação
periférica põe-se em contato com este ou aquele mecanismo
motor, escolhido e não mais imposto. (BERGSON, 1999, p. 26)

Tal escolha faz com que a ação dos seres vivos fique totalmente
condicionada as diferentes reações aos estímulos recebidos, sendo o cérebro o
responsável por essa escolha.

Assim, o papel do cérebro é ora de conduzir o movimento


recolhido a um órgão de reação escolhido, ora de abrir a esse
movimento a totalidade das vias motoras para que aí desenhe
todas as reações que ele pode gerar e para que analise a si
mesmo ao se dispersar. Em outras palavras, o cérebro nos
parece um instrumento de análise com relação ao movimento
recolhido e um instrumento de seleção com relação ao
movimento executado. (BERGSON, 1999, p. 27)

Sendo assim, a consciência opera diretamente na seleção das imagens


que são enviadas pelo sistema nervoso, separando dos objetos toda ação
possível do corpo sobre eles, ficando apenas como um agente de seleção, pois
nada ela cria.

Bergson parte da consideração dos corpos vivos como centros


de ação e indeterminação, cuja consciência é proporcional ao
seu grau de escolha e liberdade. Nesse sentido, a consciência
é definida a partir da ação sobre a matéria e não a partir do
conhecimento ou de uma atitude contemplativa. Perceber
conscientemente é primeiramente escolher, discernir uma parte
no todo em função das exigências de ação do corpo vivo.
(MARQUES, 2016, p. 102)
Terceira questão - Por que tudo se passa como se a percepção
consciente nascesse dos movimentos interiores da substância cerebral?
Bergson nos dá uma resposta na página 39. Explique-a, e depois
complemente sua explicação tendo por base os argumentos de Bergson
no exemplo do ponto P (p.39-41).

Para Bergson “o que você tem a explicar, portanto, não é como a


percepção nasce, mas como ela se limita, já que ela seria, de direito, a imagem
do todo, e ela se reduz, de fato, àquilo que interessa a você” (BERGSON, 1999
p. 38 – 39), ou seja, “ela se restringe de fato a desenhar a parte de
indeterminação deixada aos procedimentos desta imagem especial que você
chama seu corpo”( BERGSON, 1999, p. 39) e de forma inversa a isso a
indeterminação dos movimentos do corpo, resultados do da estrutura cinzenta
do cérebro, é o que dá a medida da percepção que temos.

Nossa representação da matéria é a medida de nossa ação


possível sobre os corpos; ela resulta da eliminação daquilo que
não interessa nossas necessidades e, de maneira mais geral,
nossas funções. Num certo sentido, poderíamos dizer que a
percepção de um ponto material inconsciente qualquer, em sua
instantaneidade, é infinitamente mais vasta e mais completa
que a nossa, já que esse ponto recolhe e transmite as ações
de todos os pontos do mundo material, enquanto nossa
consciência só atinge algumas partes por alguns lados.
(BERGSON, 1999, p. 35 – 36)

O papel da consciência é então não somente o de selecionar os


estímulos que possibilitam as ações, mas também o de ajustar as informações
que recebe. Sendo assim, necessita-se compreender como a consciência
principia a percepção consciente, então “não é de admirar portanto se tudo se
passa como se sua percepção resultasse dos movimentos interiores do cérebro
e saísse, de certo modo, dos centros corticais.” (BERGSON, 1999, p. 39).

Como exemplo, Bergson supõe um ponto luminoso P cujos raios agem


sobre os pontos a, b, c, da retina, sendo que “nesse ponto P a ciência localiza
vibrações de uma certa amplitude e de uma certa duração. Nesse mesmo
ponto P a consciência percebe luz.” (BERGSON, 1999, p. 40). Ao longo do
estudo desse exemplo, Bergson se propõe em mostrar que ambas têm razão, e
que não existe diferença entre essa luz e esses movimentos.

De fato, não há uma imagem inextensiva que se formaria na


consciência e se projetaria a seguir em P. A verdade é que o
ponto P, os raios que ele emite, a retina e os elementos
nervosos interessados formam um todo solidário, que o ponto
P faz parte desse todo, e que é exatamente em P, e não em
outro lugar, que a imagem de P é formada e percebida.
(BERGSON, 1999, p. 41)

_____________________________________________________________________

Referências Bibliográficas

BERGSON, H. Matéria e memória. Tradução Paulo Neves. 2ª edição. São


Paulo: Martins Fontes editora, 1999.

MARQUES, S. T. Consciência, matéria e vida: algumas considerações


sobre a metafísica da natureza em Bergson. Dissertatio - Volume
Suplementar 4 – Dossiê Bergson, p. 99 – 117, dezembro, 2016.

Você também pode gostar