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Vírgula 2 (o que saber para virgular bem) - por Júlio Tanga

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Que preciso saber para virgular bem?

Ótima pergunta! Para nunca errar na virgulação, o ideal mesmo seria uma
excelente noção de análise sintática, tema daquelas aulas traumatizantes
do antigo segundo grau, lembra (ou melhor, não lembra?)? Mas, como a
esmagadora maioria das pessoas desfruta precária noção sintática,
tentaremos, nas próximas linhas, abordar somente os termos estritamente
necessários para uma boa virgulação.

Para começar, é interessante notar que a ordem natural das frases é a


seguinte:

A) sujeito;

B) verbo;

C) complementos;

D) circunstâncias.

O sujeito e o verbo você já conhece. Para encontrar o sujeito, pergunte


Quem é quê? a todos os verbos que vir pelo texto (aliás, para acertar a
vírgula, acostume-se a detectar todos os sujeitos de seu texto; se usou um
verbo, já lhe pergunte Quem é quê?, a fim de saber quem é o seu sujeito).

E os complementos?

Como o próprio nome diz, são os termos que completam os verbos e


nomes.

Por exemplo, o verbo amar, na maioria das vezes, não tem sentido sem
um complemento. Imagine alguém lhe dizendo: "Eu amei..." Não faltou
algo? Afinal, quem ama ama alguma coisa.

Esse alguma coisa é o complemento do verbo. Exemplos de


complementos verbais (em negrito): Todos precisam de carinho; Ao
shopping-center fui com minha irmã; Os alunos, bastante quietos,
assistiam ao filme emudecidos...; etc.

Os complementos, além de verbais, podem ser nominais, quando


completam o sentido de um nome: necessidade de carinho; O amor à
pátria era fantástico; Não há necessidade de chorar; etc. As
circunstâncias (expressas pelo que a Gramática chama de advérbio e
palavra denotativa) são as condições em que a frase (ou o que nela está
expresso) se estabelece.

As circunstâncias mais comuns são as de tempo, lugar, modo,


intensidade, afirmação, negação, dúvida, etc. Exemplos ( as
circunstâncias vêm em letra escura): Os ministros não se encontraram
ontem, na festa do Presidente da república (tempo e lugar,
respectivamente); Os dois se abraçaram agressivamente (modo); Talvez
nos tenha sido melhor essa situação (dúvida); etc. Ficando claras essas
quatro definições, já podemos começar a entender melhor a vírgula.

Primeira regra:

A vírgula deve ser usada para separar sujeitos, verbos, complementos ou


circunstâncias que não estejam ligados pela conjunção e.

Exemplos: Homens, mulheres, animais e crianças se desesperaram


(usou-se a vírgula para separar os sujeitos homens, mulheres, animais;
crianças não foi precedido por vírgula porque está acompanhado do e);

Eles choraram, gritaram, beberam e morreram (usou-se a vírgula para


separar os verbos choraram, gritaram, beberam; morreram não foi
precedido por vírgula porque está acompanhado do e);

Todos amam a TV, o rádio, as fofocas e a família (usou-se a vírgula para


separar os complementos a TV, o rádio, as fofocas; a família não foi
precedido por vírgula porque está acompanhado do e);

O evento acontecerá no sábado, às 15h, no Hotel Fênix [usou-se a


vírgula para separar as circunstâncias no Sábado (tempo), às 15h
(tempo), no Hotel Fênix (lugar)].

Segunda regra:

A vírgula marca o deslocamento da ordem natural das frases. Como já


vimos, a normal é A B C D (A - sujeito; B - verbo; C - complementos; D -
circunstâncias).

Veja este exemplo: Os funcionários da embaixada encontraram o


presidente durante o encontro internacional.

A (sujeito) - Os funcionários da embaixada

B (verbo) - encontraram

C (complemento) - o presidente (quem encontra encontra alguém)

D (circunstância) - durante o encontro internacional (tempo)

Usar-se-iam duas vírgulas para isolar um elemento deslocado dessa


ordem natural.

Exemplo 1: A B, D, C - Os funcionários da embaixada encontraram,


durante o encontro internacional, o presidente (a circunstância está
isolada entre vírgulas, por estar fora de sua posição natural, que seria no
final da oração);

Exemplo 2: A, D, B, C - Os funcionários da embaixada, durante o


encontro internacional, encontraram o presidente;

Exemplo 3: D, A B C - Durante o encontro internacional, os


funcionários da embaixada encontraram o presidente.

Observações: Quando o elemento deslocado estiver no começo da frase,


usa-se, obviamente, apenas uma vírgula, depois dele; se vier no final, o
sinal vem antes. Quando no meio da oração, deve vir entre vírgulas. Deve
haver duas!!!

 Então todo elemento deslocado vem com vírgula?

Não! Só a(s) use se os elementos deslocados forem suficientemente


grandinhos para atrapalhar a sequência da frase.

Tomemos o exemplo anterior:

Os funcionários da embaixada encontraram o presidente durante o


encontro internacional.

Substituamos a circunstância, que é bem grandinha, por outra, de menos


extensão. A palavra hoje, que também indica tempo, serve como
exemplo: Os funcionários da embaixada encontraram o presidente hoje.
Se deslocarmos essa circunstância, não há a necessidade da(s)
vírgula(s), devido ao seu pequeno tamanho:

Os funcionários da embaixada encontraram hoje o presidente. Entretanto,


usa(m)-se a(s) vírgula(s) para enfatizar a circunstância:

Os funcionários da embaixada encontraram, hoje, o presidente; Hoje, os


funcionários da embaixada encontraram o presidente; etc.

Há outros elementos que interferem na ordem natural da frase?

Sim! Tudo o que interfere na ordem natural da frase é elemento


interferente. E, se tiver um tamanho considerável, deve vir isolado pela
pontuação.

Para detectar esses elementos, é importante que tenhamos uma visão


sintática da frase.

Urge identificarmos A B C D (sujeito, verbo, complementos e


circunstâncias). O que estiver sobrando (ou empatando no meio desses
termos) pode ser isolado por vírgulas.

Uma prova de que esses chatos são interferentes é o fato de poderem ser
excluídos da frase, sem prejuízo ao sentido. Vamos a um exemplo (os
elementos interferentes vêm em negrito):

Os marinheiros, pelo menos dizem por aí, não se comportaram na nova


cidade. E, como não bastasse, aterrorizaram as mulheres do porto, que,
por serem bastante recatadas, ficaram chocadas.

Veja que os elementos em negrito são interferentes. E estão entre


vírgulas. Se os excluirmos, a frase continua tendo sentido:

Os marinheiros não se comportaram na nova cidade. E aterrorizaram as


mulheres do porto, que ficaram chocadas. As três orações presentes a
esse trecho estão na ordem natural, e, por isso, não levam vírgula:

Oração 1 - Os marinheiros (A); comportaram-se (B); na nova cidade


(D - lugar);

Oração 2 - Os marinheiros (A - aparece na oração anterior; é um sujeito


oculto, pois sabemos quem praticou a ação, apesar de não aparecer na
oração); aterrorizaram (B); as mulheres do porto (C);

Oração 3 - As mulheres (A - esse sujeito está sendo substituído pelo


pronome que); ficaram (B); chocadas (C).

Em E como não bastasse, vem a vontade de pôr a vírgula somente


depois de bastasse, né?

É verdade. Vem uma vontade danada!!! Sabe por quê? É que raríssimos
brasileiros sabem que a vírgula não depende somente da pausa.

Depende, principalmente, da posição daqueles quatro elementos básicos


da frase (sujeito, verbo, complementos e circunstâncias - A B C D).

Vamos pensar no seguinte trecho do tópico acima:

E, como não bastasse, aterrorizaram as mulheres do porto.

Notou a presença do e? Pois é... ele é uma conjunção, elemento


responsável por ligar orações ou termos da oração.

Vamos entender melhor esse conceito? Observe estas duas orações, a


título de ilustração: Os diretores da multinacional são egoístas; têm
ajudado bastante os funcionários ultimamente.

Primeiramente, sei que são duas orações porque há dois verbos (um
deles - têm ajudado - é uma locução verbal, porque são dois verbos que
valem por um), certo? O.k.! Como poderíamos unir essas duas orações?
Usando uma conjunção, claro!

Ela funciona como um conectivo, uma espécie de cimento: Os diretores


da multinacional são egoístas, MAS têm ajudado bastante os funcionários
ultimamente. Foi escolhida a conjunção mas em virtude de a segunda
oração introduzir uma ideia contrária à expressa pela primeira. Se alguém
nos diz que fulano é egoísta, espera-se que este não ajude ninguém, não
é verdade?

Bem, sempre que usamos uma conjunção para ligar orações, urge termos
em mente que esse elemento conectivo introduz uma oração.

Isso mesmo! Se há conjunção, na maioria das vezes ela introduz, inicia


uma oração. Voltemos ao exemplo antigo:

E, como não bastasse, aterrorizaram as mulheres do porto. Qual é a


oração que a conjunção e introduz? Se você respondeu aterrorizaram as
mulheres do porto, acertou! A oraçãozinha como não bastasse está entre
a conjunção e a oração que ela introduz, atrapalhando o caminho.

É por isso que se devem usar duas vírgulas. Elas isolam qualquer
elemento que esteja interferindo na ordem natural da frase. Outros
exemplos:

1) Os meliantes demonstraram melhora; entretanto, como era de se


esperar, não demoraram a fazer nova rebelião;

2) Isso não é justo porque, como o senhor mesmo sabe, eu não fui
registrado em sua empresa;

3) Eles nem têm diploma. E, mesmo assim, ganham mais que os outros.
Veja que os elementos em negrito poderiam ser retirados da oração, sem
prejuízo ao sentido.

Como estão "atrapalhando" a sequência das orações, devem vir isolados


pelas vírgulas. Contudo, se esse elemento for de pequena extensão
(exemplo 3), podem-se omitir as vírgulas: (...) E mesmo assim ganham
mais que os outros.

Detalhe importante: nesses elementos pequenos que interferem no meio


da oração, usam-se duas vírgulas ou nenhuma. Em hipótese alguma
pode-se usar apenas uma ("E mesmo assim, ganham...").

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