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Bíblia
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Beabá da Bíblia – Ir. Rosana Pilga,fsp – Ed. Paulinas

Curiosidades
1. A Bíblia já foi escrita com capítulos numerados, como temos hoje?
Não. Nenhum livro da Bíblia foi escrito com capítulos numerados. Quem teve a idéia de dividir a Bíblia em
capítulos foi Estêvão Langton, arcebispo de Cantuária, professor na Universidade de Paris, em 1214 d.C.
2. Quem fez a divisão em versículos?
Em 1551 Robert Etiene, redator e editor em Paris, fez a experiência dividindo o NT de língua grega em
versículos.
Teodoro de Beza gostou da idéia e em 1565 dividiu toda a Bíblia em versículos.
3. Por que eles dividiram assim os livros da Bíblia?
Eles fizeram isso por dois motivos: facilitar as citações dos textos bíblicos e encontrar rapidamente os
textos citados.
4. Como a gente encontra na Bíblia os capítulos e os versículos?
Na citação, capítulo é o número que vem antes da vírgula, e versículo é o número que vem depois da
vírgula indicando onde começa e onde termina. Exemplo: Gn 11,1-9, isto significa que você deve
procurar o livro do Gênesis capítulo 11, versículos de 1 a 9. Na Bíblia, o capítulo é escrito em algarismo
grande e o versículo em algarismo pequeno. Repare, também, a abreviatura do livro do Gênesis (Gn).
Você deve aprender de memória as abreviaturas. Veja a lista no início de sua Bíblia.
5. Quem traduziu pela primeira vez toda a Bíblia e quando ela foi impressa assim como a temos hoje?
A primeira tradução, e a mais famosa, da Bíblia para o latim é a de são Jerônimo, conhecida como Vulgata
(do latim = a divulgada). Isto aconteceu por volta do ano 400 d.C., a pedido do Papa Dâmaso. Na
verdade, a primeira tradução da Bíblia foi a tradução da Bíblia hebraica (dos judeus) para o grego,
conhecida como tradução dos LXX (70), muito usada na época de Jesus e das comunidades.
6. E antes de surgir a imprensa, como a Bíblia se apresentava?
De diversas formas: em pedaços de papel vegetal; em rolos de pergaminhos (couro de animal); em papiro
(espécie de papel vegetal) e em "folhas".
7. A Bíblia de edição protestante é diferente das Bíblias de edições católicas?
O Novo Testamento é igual para todos. O Antigo Testamento na Bíblia de edição católica tem sete livros
a mais: Estes livros são: Tobias; Judite; 1º e 2º Livro dos Macabeus; Sabedoria; Eclesiástico; Baruc, que
são da tradução grega.

8. O que querem dizer as palavras exegese e hermenêutica?


A palavra "exegese" é um termo grego para explicar o trabalho que fazem os estudiosos na análise de um
texto bíblico. Significa "tirar de dentro" tudo o que o texto diz. O texto é como um tecido entrelaçado por
fios diferentes. A exegese dedica-se ao estudo do tecido bíblico.
A palavra "hermenêutica" também é uma palavra da língua grega e significa o trabalho de encontrar a
mensagem que está escondida por trás das palavras e aplicá-la ao hoje.

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O povo aumenta, mas não inventa
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Como foi que a Bíblia chegou até nós?

Esta é uma pergunta que muitos se fazem. A Bíblia antes de ser escrita foi vivida, e depois foi
contada pelos pais e mães aos filhos. De geração em geração. Veja os Salmos 44; 78,3-4; 145,4; Ex 10,2.
Este período, que durou aproximadamente 900 anos, chama-se Tradição Oral.

A Bíblia começou a ser escrita durante o reinado de Salomão, por volta do ano 950 aC. Hoje, por
respeito à cultura judaica, alguns já preferem chamar o Antigo Testamento de Primeiro Testamento. O
Antigo Testamento ficou pronto por volta do ano 50 aC., e o Novo Testamento no final do I século.
Portanto, a Tradição Escrita durou aproximadamente outros 900 anos. Como mãe, que gesta seu filho na
intimidade oculta, e no entanto lhe fala... Assim Deus agiu com seu povo.

A BIBLIOTECA DA BÍBLIA

A divisão da Biblia
A Bíblia está dividida em duas grandes partes:

* O Antigo Testamento, que se abrevia AT, contém os livros que narram a história do Povo da
Bíblia e foram escritos antes de Cristo (aC.). Correspondem à primeira etapa, ou seja, Primeira
Aliança.

* O Novo Testamento, que se abrevia NT, contém os livros que narram a vida de Jesus e das
primeiras comunidades cristãs. Contam a história do novo Povo de Deus e foram escritos depois de
Cristo (d.C.). Correspondem à segunda etapa, ou seja, Nova Aliança.

Uma biblioteca diferente

A palavra Bíblia vem da língua grega e indica o conjunto de muitos livros. De fato, a Bíblia é uma
biblioteca de 73 livros de épocas, autores e estilos diferentes (veja o desenho e repare as diferentes
estantes).

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A Biblioteca da Bíblia
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Nota: A divisão da Bíblia Hebraica é um pouco diferente e mais lógica:


A lei = Pentateuco

Anteriores = Livros Históricos


Profetas <
Posteriores = Profetas

Escritos = livros de: Salmos, Jó, Eclesiastes, Provérbios, Daniel, Lamentações, Ester, Ruth,
1-2 Crônicas, Esdras, Neemias e Cântico.

O Antigo Testamento contém 46 livros;


O Novo Testamento contém 27 livros;

Total 73 livros.
Abra a sua Bíblia no índice e vamos conhecer o nome de todos os livros e de cada estante.

Antigo Testamento
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O Pentateuco - Os primeiros cinco livros do AT são chamados Pentateuco.

É uma palavra da língua grega que significa cinco livros. Eles contêm a Lei da Primeira Aliança.
Eles são chamados também de TORÁ (= Lei). São eles:

* Gênesis (abreviado Gn) = origens. O povo faz suas reflexões sobre perguntas existenciais, como:
Quem somos? Por que estamos neste mundo? Por que existe maldade? Onde está Deus? E reflete também
sobre as origens de sua história como Povo de Deus a partir da consciência que eles têm do Deus que é
fiel e caminha com eles.

* Êxodo (Ex) = saída. Reflete sobre a saída do povo hebreu do Egito sob a liderança de Moisés,
Aarão e Miriam.

* Levítico (Lv) = levita. Traz reflexões e leis referentes ao culto, aos servidores do culto (os
levitas) e às obrigações dos sacerdotes do Povo da Bíblia.

* Números (Nm) = lista. Este livro começa contando o número dos habitantes de Israel. Faz um
recenseamento.

* Deuteronômio (Dt) = segunda lei. Traz as reflexões sobre a releitura da lei e sua nova
proclamação. Faz um convite a uma vida de conversão e penitência.

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Livros históricos
São 16 os livros históricos e narram a história da formação do Povo da Bíblia com a vida, nome,
lutas e a fé de seus heróis e do próprio povo.

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Livros sapienciais
São sete os livros sapienciais ou de sabedoria. Nesses livros encontramos reflexões e expressões
de sabedoria, poesias, cantos, orações, hinos, provérbios nos quais o povo registra seus sentimentos e
expressa sua sabedoria tirada da experiência da vida.

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Livros proféticos — São 16 os livros proféticos. Estes livros trazem a mensagem, a ação e
alguns dados sobre a vida dos profetas. Entre eles estão outros três livros: o livro das Lamentações, o
livro de Baruc que têm uma marca profética, e Daniel, de cunho apocalíptico.

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Novo Testamento

Também os livros do NT nascem nas comunidades. Os apóstolos e discípulos não tinham


gravador, filmadora etc. para gravar as palavras e os gestos de Jesus. E ele não deixou nada escrito. Os
Apóstolos foram transmitindo através da palavra, cartas e bilhetes o que Jesus fez e ensinou. E davam
conselhos de como continuar a missão. Mais tarde as comunidades começaram aqui e acolá a escrever
esta pregação que começou a se chamar de Evangelho. Não podemos nos esquecer que Paulo foi o
primeiro a escrever.
Os evangelhos — São quatro os evangelhos: Mateus (MT), Marcos (Mc), Lucas (Lc) e João (Jo).
Evangelho é uma palavra da língua grega e significa BOA NOVA, BOA NOTICIA. Os evangelhos,
portanto, trazem aquilo que as diferentes comunidades guardaram e refletiram sobre Jesus — Boa Nova
do Pai e Boa Notícia da Salvação —, sua pessoa, seus ensinamentos e suas atitudes. Assim temos quatro
narrativas diferentes.

Mateus, Marcos e Lucas são também chamados de evangelhos sinóticos porque colocados em
colunas paralelas se pode perceber muita semelhança entre eles (ver Mc 3,1-4; MT 12,9-14; Lc 14,1-6).

Já o estilo do evangelho de João é diferente.

Atos dos Apóstolos (abreviado At.) — Este livro narra sobretudo a reflexão de Lucas sobre os atos
dos Apóstolos, mas especialmente de Pedro e de Paulo. Descreve, também, um pouco da organização e
das dificuldades de algumas das primeiras comunidades cristãs e reflete sobre isso com o olhar de Deus.
E assim que nos Atos está muito presente a ação do Espírito Santo. Ele é a força e a alegria profunda dos
Apóstolos e das comunidades.

Cartas — (Continuar olhando na Bíblia como se abrevia cada uma das cartas).

Cartas de Paulo — Hoje os estudiosos atribuem, com certeza, apenas sete cartas a Paulo:

* Romanos,* 1 e 2 Coríntios, * Gálatas, * Filipenses, * 1 Tessalonicenses e * Filemon. As cartas


aos Efésios, Colossenses e a 2 Tessalonicenses pertencem a discípulos de Paulo. Nessas cartas
encontramos um pouco da vida do apóstolo, sua pregação, seu trabalho, sua missão, problemas e orienta-
ções na organização das comunidades. As cartas de Paulo são mais antigas que os evangelhos. O
primeiro escrito do Novo Testamento é a primeira carta aos Tessalonicenses . Paulo morreu entre os anos
64 e 68 d.C., antes que fosse escrito o primeiro evangelho, o de Marcos.

As cartas pastorais — por se dirigirem aos líderes, ou seja, "pastores" das comunidades — são
a primeira e a segunda a Timóteo e a carta a Tito.

As cartas católicas — porque não se dirigem nem a uma comunidade e nem a um líder, mas a
todas as igrejas cristãs (católico significa universal) — são a carta de Tiago, a de Judas, as duas cartas de
Pedro, e as três cartas de João.

A "carta" aos hebreus é de autor desconhecido. Essa carta faz uma reflexão teológica sobre
Jesus Cristo, o grande sacerdote, mediador entre Deus e o povo. Tem o estilo de uma pregação e não de
uma carta.

O Apocalipse (abreviado Ap) — É um livro que reflete sobre a presença de Jesus na história e na
vida das comunidades em tempo de perseguição. Jesus é o Senhor, o Dono da história. A palavra

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apocalipse é da língua grega e significa tirar o véu, revelação. É a revelação de Jesus e das comunidades
que esperam na vitória de Deus. O Apocalipse é o último livro da Bíblia.

Testando a memória:
1. Que significa a palavra Bíblia?
2. Quantos são os livros da Bíblia?
3. Como se chamam as duas grandes divisões dos livros da Bíblia?
4. Quantos e quais são os livros do Pentateuco?
5. Quantos e quais são os livros históricos?
6. Quantos e quais são os livros sapienciais?
7. Quantos e quais são os livros proféticos?
8. Que significa a palavra evangelho? Quantos são os evangelhos? Do que tratam?
9. Quais são os evangelhos sinóticos? Por que recebem esse nome?
10. Quantas são as cartas de Paulo e de que falam?
11. Que são cartas pastorais? E cartas católicas?
12. Sobre o que reflete a carta aos hebreus?
13. Que significa a palavra apocalipse? Do que trata o Apocalipse?
14. Como aparece a ação do Espírito Santo no NT?
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O CAMINHO DE ISRAEL
O chão onde nasceu a Bíblia
A Bíblia nasceu no meio de um povo do Oriente Médio que morava perto do Mar Mediterrâneo. No
tempo de Abraão se chamava terra de Canaã, por causa dos cananeus que já moravam naquela terra. No
tempo da formação do povo se chamou terra de Israel. Bem mais tarde toda essa região recebeu o nome
de Palestina.
A Palestina era um famoso corredor de passagem para quem vinha do Oriente para o Ocidente, e
ligava a Ásia com a África e a Europa. Foi para ali que Deus guiou o seu povo. Um povo que como tantos
outros sofreu a influência de seus vizinhos. Do lado do Oriente: Assíria, Babilônia e Pérsia. Do lado do
Ocidente: Egito, Grécia e Roma. Hoje a Palestina ocupa, no planeta Terra, uma área de aproximadamente
25 mil km2 (ver mapa 1).

Que língua usavam?


À medida que foi se organizando, esse povo criou sua própria literatura na qual relata suas
reflexões, costumes, lutas; fé e orações; erros e acertos. O Povo da Bíblia escreveu sua história em língua
hebraica, aramaica e grega. Toda a sua literatura é inspirada na fé em Deus-Javé – presença libertadora –
que lhes garante: "estarei sempre convosco" (ver Ex 3,12). Escreveram sua história para mostrar às
gerações futuras o quanto Deus está presente no meio do povo e como ele vai manifestando quem ele é.
Por isso a Bíblia mostra as relações de amor entre Deus e o seu povo (ver Dt 6,4-9).

Quem foram os pais e as mães?


Por volta do ano 2000 aC. acontece uma grande migração da Mesopotâmia em direção ao Egito.
Entre esses empobrecidos estão Abraão e Sara. Com Abraão e Sara se inicia a história do Povo da Bíblia.
Abraão sai da Mesopotâmia em busca de uma nova terra (ver mapa 2). Guiado pela fé e pela esperança

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sai com sua família e vai até o Egito e retorna para morar na terra de Canaã. Isto acontece por volta do
ano 1850 aC. (ver Gn 12).
Em Canaã nascem os filhos e os netos. A família vai se multiplicando, vai se unindo a outros grupos de
empobrecidos. Vão formando clãs e tribos (ver Gn 25).

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Abraão, Isaac e Jacó são chamados de PATRIARCAS. Sara, Rebeca, Lia e Raquel são chamadas
de MATRIARCAS. São os fundadores do Povo da Bíblia (ver Gn 29). Jacó é também chamado ISRAEL
(ver Gn 32,23-33).

400 anos de escravidão


Sempre em busca de melhores condições de vida, muita gente muda para o Egito. Entre eles estão
os descendentes dos Patriarcas e das Matriarcas como Jacó e sua família. No Egito são chamados de
hebreus — (ver Gn 42). Com o passar do tempo vão se multiplicando e povoando o Egito. Os reis do
Egito, chamados faraós, temendo que eles tomem conta do país, começam a escravizar os hebreus (ver Ex
1 e 2). Esta escravidão no Egito dura uns 400 anos.

De volta à terrinha da gente


Nasce entre eles a consciência da escravidão e começam a se organizar. E todo povo que se
organiza para uma conquista tem um líder. Assim, surge entre eles Moisés, Aarão e Miriam, que chefiam
o movimento de libertação. Com a ajuda de Deus, estes líderes encontram uma saída e fazem o povo
fugir da opressão dos reis do Egito (ver Ex 3). Sob a liderança deles, o povo caminha 40 anos pelo
deserto. Moisés morre antes de o povo entrar na terra prometida. A liderança passa para Josué que
introduz o povo na terra de Canaã (ver Js 1 a 3). Este grupo de Moisés, ao longo da caminhada, se
encontra com outros grupos, que também fizeram uma experiência semelhante: o grupo das montanhas, o
grupo dos pastores, o grupo do Sinai (e provavelmente outros, como o grupo de Davi, mais tarde).

Josué organiza com eles a Assembléia de Siquém e todos decidem colocar em comum a
experiência da opressão, a produção, as tradições e a fé num único Deus (ver Js 24). Mais tarde, essa
experiência de libertação será celebrada com o nome de Páscoa (saída, passagem). Depois da morte de
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Josué, o povo, organizado em 12 tribos, é liderado pelos Juízes, mulheres e homens, chefes sábios e
corajosos, que defendem o povo dentro de um sistema fraterno e igualitário: o Sistema Tribal. O último
dos juízes é Samuel.

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Testando a memória:
1. Como se chama a terra onde nasceu o Povo da Bíblia?
2. Esta terra teve também outros nomes. Quais? E por que é tão famosa?
3. Por que o Povo da Bíblia escreve sua história? Em que línguas a escreve?
4. Como se chamam os primeiros pais e mães do Povo da Bíblia?
Quais são os nomes de cada um deles?
5. Por que os descendentes de Jacó vão para o Egito?
6. Por que os faraós escravizam os hebreus? Quantos anos durou esta escravidão?
7. Quem chefia o movimento de libertação? E quem leva o povo de volta para a terra de Canaã?
8. Quatro grupos de oprimidos entram na formação do Povo da Bíblia. Quais são?
O que eles colocaram em comum?
9. Com que nome Deus se apresenta? Qual é o significado deste nome?
10. Como se chama a maior festa da libertação?
11. Quem eram os juízes? E como se chamava o sistema político que eles defendiam?

O CAMINHO DOS REIS

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Os primeiros reis
O povo hebreu começa a invejar o sistema dos outros povos e pede para Samuel que lhe dê um rei
(ver lSm 8,1-22). Samuel alerta o povo para os perigos da monarquia. Os primeiros reis de Israel são:
Saul. Davi e Salomão. Saul é o primeiro rei. Seu governo é muito breve, de transição (ver 1Sm 10 e 11).
O segundo rei é Davi. A Bíblia diz que ele governou segundo o coração de Deus, mas peca também (ver
2Sm 5,1-4 e 12,1-13). O terceiro rei é Salomão, filho de Davi (ver 1Rs 1). Ele constrói o palácio e o
templo. Chama à corte, sábios para que comecem a escrever a história do povo de Israel (rever as pp. 7, 8
e 9). Salomão é um rei sábio e orgulhoso. Contrai muitas dívidas à custa do povo. Para sustentar seu trono
faz aliança com os reis vizinhos e casa-se com muitas mulheres estrangeiras. Assim começou a introduzir
em Israel a idolatria (ver 1Rs 11,1-12) e o Sistema Tributário (ver 1Rs 5,1). Com a morte de Salomão, por
volta de 930 aC., o reino de Israel é dividido em dois: ao Norte com o nome de Israel e ao Sul com o
nome de Judá (ver 1Rs 12,12-24).
O reino do Norte/Israel se desenvolveu rapidamente. E formado pelas dez tribos que se apegam
mais às tradições de Moisés. O primeiro rei do Norte é Jeroboão (ver 1Rs 11,26-40). O reino do Sul/Judá
é constituído pela tribo de Benjamin e Judá, da qual recebe o nome. O reino do Sul se apega mais às
tradições do rei Davi.
Mas as grandes potências da época não deixam o Povo da Bíblia em paz.

O reino de Israel
O reino do Norte não resiste por muito tempo. Seus reis exploram o povo. Fazem coligações com
outros reis e lhes pagam altos tributos. Constroem santuários para as divindades (Baais) e colocam
bezerros de ouro, símbolos da força, como representação de Javé-Deus. Assim, os reis de Israel levam o
povo ao pecado da idolatria e quebram a Aliança com Javé. Por volta do ano 722 aC. a Assíria, querendo
expandir seu império e castigar Israel, que não queria mais lhe pagar impostos, invade o reino do Norte e
toma posse daquela região. A classe alta é deportada para a Assíria. Israel desaparece tomando-se provín-
cia da Assíria (ver lRs 17,7-18). Alguns conseguem fugir para o Sul levando consigo os "escritos" que já
possuem.

O reino de Judá
O reino do Sul/Judá, que pretende ficar fiel a Davi, também comete muitos pecados. Apesar da ação
dos profetas os reis de Judá quebram a Aliança com Deus, introduzem a idolatria e desobedecem aos
Mandamentos (ver 2Rs 21,10-16). Mais ou menos 150 anos depois da destruição de Israel, o império da
Babilônia vence a Assíria e começa a exercer seu domínio sobre Judá. Os reis lutam para sustentar o reino
do Sul e reagem contra as invasões do império Babilônico.
Num primeiro tempo, o rei e sua família são presos e levados para a Babilônia. Num segundo
tempo a Babilônia invade Jerusalém, destrói o templo e a cidade (ver 2Rs 25,8-12). Os babilônios levam
os dirigentes e boa parte da população para a Babilônia, onde permanecem uns 50 anos (587 a 538 a C.).
É o tempo do EXÍLIO. Este é o período mais duro da história do Povo de Deus, pois perdem sua própria
identidade. Porém, é também o período mais rico de sua fé e do reconhecimento de quanto Deus os ama
(ver Sl 137; Ez 37,1-14).
Mas a Babilônia, por sua vez, é vencida pela Pérsia. Ciro, o rei dos persas, deixa o povo Judeu
voltar para a sua terra, porém o mantém sob seu domínio político.
Em 333 aC. a Palestina toda é conquistada pelo general grego, Alexandre Magno, rei dos
macedônios. Com a morte de Alexandre seus três generais dividem entre si o grande império grego.
De 177 até 163 aC. os judeus passam por outro período de grande provação e perseguição debaixo
do domínio grego e egípcio. E a época dos defensores da fé — o período dos macabeus (ver 2Mc 7,1-41)
e da expansão da cultura grega.
No ano 63 aC. Pompeu, general do exército romano, invade a Palestina e a reduz a uma província
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romana.

Um caminho de resistência
Nessa longa caminhada, o Povo da Bíblia cria sua resistência popular através da sabedoria do povo.
São histórias populares, novelas como: Rute, Judite, Ester, Jonas. São ditados populares como:
Provérbios, Eclesiástico. São reflexões profundas diante do sofrimento do justo, como o livro de Jó e
muitos Salmos. E a luta pela dignidade da mulher e do próprio povo, como nos mostra o Cântico dos
Cânticos. São orações, hinos, cantos e poemas, para guardar na memória como se constrói a história do
povo.
Nessa situação de frustração e sofrimento o povo sente ainda mais viva a esperança de um Messias.
Um novo Davi, que venha para governar com justiça e salvar o povo de tanta opressão (ver Is 42,1-9).
Os livros que foram escritos desde o tempo de Salomão, de 930 aC. até aproximadamente 50 aC.,
formam o Antigo Testamento.

Testando a memória:
1. Como se chamam os primeiros reis do Povo da Bíblia?
2. Qual é o pecado de Davi?
3. Quem é Salomão e o que fez?
4. Como se chamam os dois reinos depois da divisão?
5. Quantas tribos formam o reino do Norte e quantas o reino do Sul?
6. Como se comportam os reis de Israel e de Judá?
7. Como se chamam os povos que dominam o Povo da Bíblia?
8. Que é o "Exílio na Babilônia?" Em que ano acontece e quanto tempo dura?
9. Qual é a nova esperança que nasce nesse período de grande sofrimento e frustração?
10. Quem é Ciro? O que fez?
11. A monarquia foi um sistema de governo positivo?
12. A Bíblia foi escrita de uma só vez?

O CAMINHO DOS PROFETAS

Nome de Deus em Hebraico

A Aliança
A maior demonstração de amor entre duas pessoas ocorre quando elas decidem fazer aliança, isto é,
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comprometer-se uma com a outra a ponto de cada uma buscar a felicidade da outra. O anel é símbolo de
comprometimento de ambas as partes. Por isso nós costumamos chamar de aliança o anel de casamento.
Deus faz Aliança com seu povo e promete buscar sua felicidade. E Deus espera do seu povo fidelidade
total. Ao longo da caminhada o povo percebe que o amor de Deus "é forte, como a morte!" E que as
águas das dificuldades jamais poderão apagá-lo (ver Ct 8,6-7).
Porém, o povo falhou muitas vezes. Foi infiel. E, no entanto, Deus permanece sempre o mesmo.
Cheio de misericórdia acolhe outra vez o seu povo. O livro do Êxodo nos conta como Deus celebrou essa
Aliança com seu povo depois que atravessou o deserto e chegou ao monte Sinai. Aí Deus revelou o seu
grande amor (ver Ex 19,1-8 e 20,1-21).
Esta palavra "Aliança" recebeu outras traduções, como: "pacto", "testamento" etc. É São Paulo
quem vai chamar as Sagradas Escrituras de "Antigo Testamento" (ver 2Cor 3,14).
O Código da Aliança mostra as dificuldades enfrentadas pelas tribos, no seu esforço de viverem a
justiça (Ex 19-23).
A espiritualidade da Aliança
A Bíblia diz que Deus viu a aflição do seu povo, ouviu seus clamores e desceu para libertá-lo (ver
Ex 3,7). Fala também que o Povo da Bíblia atribuía a libertação à luta e à fé de Moisés, Miriam, Aarão e
Josué (ver Ex 3,10-12). A libertação é fruto do amor de Deus, da sua vontade de libertar seu povo. A
libertação continua a obra da criação.
"Eu sou Javé, teu Deus",
que te fez sair do Egito,
da casa da escravidão!”(Ex 20,2).

Os profetas gostam de recordar este amor de Deus para com seu povo como o amor de um esposo
para com sua esposa (ver Os 2,21-22), ou como mãe carinhosa (Os 11,3-4) ou como um filho querido (Jr
3,19). Assim, o Povo da Bíblia vai descobrindo, cada vez mais, quais são os laços que o ligam a Deus e
dizem: "de verdade, Deus nos ama!". Em vez de aliar-se a poderosos impérios, fazem Aliança com o
próprio Deus (Jr 32,38-41). Fazer aliança significa assumir um compromisso de fidelidade total. A
espiritualidade da "Aliança" perpassa toda a Bíblia e toda a vida.

O caminho dos profetas


Apesar de entender estas coisas o povo é, muitas vezes, infiel à Aliança. Sobretudo os reis, os
chefes do povo, levados por desejos ambiciosos desobedecem à Lei de Deus, introduzem a idolatria, a
opressão e a injustiça. Caem no pecado. Correm atrás de outros amores (Os 2,7. 15; 4,1-3).
Aí surgem aqueles homens e mulheres corajosos e sábios, muito ligados a Deus e ao povo,
chamados profetas. Os profetas criticam sobretudo os reis em nome da Aliança. Eles falam em nome
de Deus. Eles defendem o projeto de Deus. Por isso os profetas chamam a atenção dos reis e também
do povo quando estes enveredam pelos caminhos do mal. Eles conclamam à conversão, à mudança de
vida e de sistema. Eles advertem: se continuarem assim as coisas irão de mal a pior (ver Am 8,4-8; Jn
1,2-3; Is 62,1).
Mas a missão principal dos profetas é manter viva a esperança no coração do povo. Por isso eles
não só ameaçam e fazem denúncias contra o abuso do poder ou contra o sistema tributário que destrói a
vida do povo. Em tempos difíceis, de grande sofrimento e exploração, são eles que falam de esperança:
"Alegrem-se...”.
Fortaleçam as mãos cansadas,
firmem os joelhos cambaleantes;
digam aos corações desanimados:
'Sejam fortes! Não tenham medo!'
Vejam o Deus de vocês:
ele vem para salvar vocês” (ver Is 35,1-5).
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Eles anunciam a misericórdia e a compaixão de Deus. Fazem ver ao povo que Deus é a fonte
inesgotável do amor e da justiça. Eles consolam o povo nos momentos duros de aflição (ver Is 40,1-11;
51,12; Jl 2,12-14; Jr 14,7-9 e em muitas outras passagens).
Eles lêem a história, o presente, os falos com outros olhos. Daí provocam uma releitura crítica.
A ação dos profetas é a expressão mais pura e profunda da resistência e dos anseios do povo. Por
isso G Povo da Bíblia recorda com carinho a memória viva de seus profetas, por exemplo: Hulda (2Rs
22,14-17), Elias, Oséias, Isaias, Jeremias, Amós, Ezequiel, João Batista, Ana, JESUS e tantos outros. E,
apesar de suas infidelidades, o povo vai descobrindo a pedagogia de Deus que como esposo fiel ama e
educa sua esposa para a fidelidade.
A Bíblia e a Vida
Bíblia. Sob este nome se agrupam 46 livros do AT e 27 do NT. Os 46 livros do AT trazem a
expressão da Aliança de Deus com Israel seu povo, e os 27 livros do NT, escritos após a vinda de
CRISTO, trazem a expressão da Nova Aliança (rever o desenho da biblioteca na p. 4).
De fato, a "Bíblia é um livro feito em mutirão". Todos os escritos que mais tarde vão formar um só
livro - a Bíblia - foram antes tradições orais ou escritas que se conservaram no meio das tribos, grupos, ou
comunidades de fé judaico-cristãs. É claro que bem antes desses escritos, e ainda hoje, Deus nos fala pela
vida. A vida vem antes dá Bíblia. Por isso, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento, antes de serem
escritos foram vividos e contados pelos pais e mães aos filhos, e de comunidade em comunidade. Diz
Santo Agostinho: "Deus escreveu um primeiro livro a natureza. Como o ser humano não conseguiu mais
ler os sinais de Deus através da natureza, ele nos deu um segundo livro: a Bíblia". A Bíblia nos foi dada,
então para iluminar, interpretar e dar sentido à vida.

Os mandamentos - caminho da felicidade


Depois de celebrar a Aliança com Deus, o povo acolhe os dez mandamentos, ou seja, as dez
palavras. Nessas dei palavras está bem claro o caminho da felicidade. Pode mos encontrar esse texto no
livro do Êxodo, capítulo 20 versículos de 1 a 17. Os dez mandamentos mostram ao povo que tipo de vida
Deus quer daí para frente. Deus quer vida para seu povo. Vida em abundância e não morte, e este é o
projeto de Deus, bem oposto ao projeto do faraó. Deus detesta a opressão e todo tipo de atitude que
provoca morte. E Jesus, que veio para realizar esse projeto, afirma: "Eu vim para que todos tenham vida"
(ver Jo 10,10). Ele mesmo é o projeto do amor de Deus.
Os dez mandamentos são a expressão clara de uma sociedade fraterna e igualitária, aquela
sociedade que aí tribos tentaram construir na época dos juízes. Os dez mandamentos são o caminho da
felicidade. Por isso o Povo da Bíblia os considera como um presente de Deus. O Salmo 119 manifesta o
carinho que o povo tem pela Lei de Deus e pede sabedoria e força para não se desviar dela. A Lei de Deus
é o caminho seguro para viver a Aliança e encontrar a verdadeira liberdade.

Uma nova comunicação


A história do Povo da Bíblia não é diferente da história dos outros povos daquele tempo. A
diferença é que os outros povos não descobriram o que Israel descobriu: que Deus caminha com a gente e
com a gente faz história. É claro que eles não teriam descoberto isso sem a ajuda de Deus. Foi ele quem
tomou a iniciativa de se comunicar e dizer quem ele é: "Eu sou aquele que é. Aquele que é envia você e
está com você" (ver Ex 3,11-15). Essa descoberta se chama REVELAÇÃO. E foi por causa dessa
descoberta que o Povo da Bíblia guardou com respeito e amor as "Palavras de Deus" (Jr 15,16).

A grande comunicação de Deus


O povo vivia nas trevas, oprimido e explorado no meio de grandes agitações políticas. O povo
desejava ardentemente um libertador. Alguém que viesse trazer esperança, justiça e paz. Então, "quando
chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho" (ver Gl 4,4). Jesus vem para comunicar o amor. Ele
é a grande comunicação de Deus. Ele vem anunciar a Boa Notícia do Reino de Deus e se dirige
14
especialmente aos pequeninos, aos pobres, aos pecadores, àqueles que a sociedade exclui (ver MT 11,25;
lCor 1,26-29). Jesus é a chave para entender toda a Escritura. É a Nova Aliança. É o começo e o fim da
história. Por causa de seu compromisso e de sua prática morre numa cruz. Mas Deus Pai o glorifica
ressuscitando-o. Assim, com a vida, Jesus vence a morte.
João Batista, que faz a ligação entre o Antigo e o Novo Testamento, apresenta Jesus dizendo:
"Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. E eu não sou digno nem de tirar-lhe as
sandálias". E quando Jesus é balizado o Pai o apresenta como "Filho muito amado" (ver MT 3,11.17). As
comunidades do Novo Testamento viram em Jesus a realização das promessas de Deus a seu povo e
disseram: "ELE ESTÁ NO MEIO DE NÓS!".

Testando a memória:
1. Quem vem antes: a Bíblia ou a vida? Qual das duas é mais importante?
2. Qual é a diferença entre o Povo da Bíblia e os outros povos?
3. Como se chama a descoberta que o Povo da Bíblia fez?
4. Qual era o grande desejo do povo?
5. Por que Jesus é a grande comunicação do Pai?
6. O que quer dizer: "Deus fez Aliança com seu povo"?
7. O povo foi infiel à Aliança? E Deus, como se comporta?
8. Quem realiza a Nova Aliança?
9. Quantos são os Mandamentos de Deus? Quais são? (ver Ex 20,1-17).
10. Por que o Povo da Bíblia considera a Lei um presente de Deus?
11. Quem são os profetas?
12. Qual é sua missão? Recorde o nome de alguns profetas.
O CAMINHO DEJESUS

Jesus em Hebraico

Já vimos como Deus foi se revelando ao povo no Antigo Testamento. Como ele o libertou da
escravidão do Egito, o acompanhou carinhosamente durante toda a caminhada (ver Os 11,1-4), o
introduziu na terra de Canaã. Depois deu sua lei como um caminho de felicidade e fez Aliança com seu
povo esperando dele uma resposta de fidelidade. Mas essa resposta nem sempre foi dada. Então surgiram
os profetas que lembravam aos chefes e ao povo o seu compromisso de fidelidade.

Jesus é a Boa Notícia


Assim, depois de ter falado por meio dos profetas, Deus quer chegar ainda mais perto do seu povo.
Ele o faz através de Jesus, o seu Filho querido. O grande profeta de Deus! (ver Hb 1,1-4).
Jesus é o Filho de Maria de Nazaré e é também o Filho muito amado de Deus (ver MT 3,17). Como
pessoa humana, Jesus foi em tudo semelhante a nós, menos no pecado: egoísmo, fechamento em si,
desprezo pelas pessoas, ganâncias e injustiças. No momento histórico do nascimento de Jesus, o Império
Romano dominava a Palestina e a oprimia, exigindo dela altos impostos. O recenseamento era uma das
conseqüências de tal injustiça. Maria e José, vítimas dessa situação, tiveram de viajar para Belém de Judá
15
(ver mapa, a terra de Jesus, na contracapa). Em Belém eles não encontraram lugar para hospedar-se.
Foram se abrigar numa gruta. Ai, numa manjedoura, onde se põe a comida dos animais, nasceu Jesus, o
Filho de Deus.
Jesus veio para que Deus ficasse mais perto de nós!

Um novo reinado
Jesus inicia a sua missão dizendo: "O prazo já se esgotou. O Reino de Deus acabou de se
aproximar. Convertam-se e creiam no Evangelho" (ver Mc 1,15). O Reino acabou de se aproximar, mas
não de chegar. Teremos sempre de fazê-lo acontecer.
Começa um novo reinado - um Deus no meio de nós. Em Jesus, tudo é revelação daquilo que o
anima por dentro! Chama discípulos e discípulas a segui-lo; consola quem está triste; acaricia as crianças;
cura os doentes; perdoa os pecadores; ensina a rezar; acolhe os marginalizados; espalha bondade e paz;
revela o rosto de Deus e proclama um novo mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como a si mesmo.

Prova de amor maior não há


Chegou a nós uma nova maneira de relacionar-nos Apareceu a força de Deus para transformar todas
as coisas. Acabou de se aproximar de nós o Reino de Deus na pessoa de Jesus! E esse poder real se
manifesta basicamente no cuidado e na defesa dos pequenos e dos pobres. E essa Devolução cria muitas
tensões: com os doutores da lei; com os dirigentes do governo; com os chefes do templo.
Jesus vive e prega um Deus diferente e também uma prática diferente que eles não são capazes de
aceitar. Por isso decidem matá-lo. Jesus é condenado à morte na cruz. A morte mais escandalosa e
humilhante que um judeu podia imaginar. Jesus aceita essa morte por amor. E por essa grande prova de
amor e de fidelidade, o Pai não o deixa na morte, mas o ressuscita e o glorifica de modo muito especial
(ver Fl. 2,6-11).
A Páscoa - memorial da Ressurreição de Jesus - é a maior festa do cristianismo. É a festa da vitória
da vida (ver lCor 15,12-20).

A somente é lançada e se espalha


Jesus lançou a somente do Reinado de Deus; dos novos relacionamentos; da confiança no Pai do
Céu; do perdão; da coragem e da fé; da partilha dos bens e do amor ao próximo; da conversão constante.
Depois do aparente fracasso, da morte na cruz, os apóstolos e as apóstolas de Jesus acreditam na
Boa Notícia, testemunham e anunciam:
"JESUS RESSUSCITOU. ELE ESTÁ VIVO No MEIO DE NÓS" - Verdadeiramente ele é o
Messias, Ungido de Deus, o Salvador, o Senhor!
Os seguidores de Jesus, fortalecidos pelo Espírito Santo, anunciam essa notícia aos quatro ventos.
E esse anúncio se chama Evangelho, Boa Notícia: Jesus. Então, Jesus é anunciado como Messias e
Salvador. Juntamente com o anúncio vão nascendo as primeiras comunidades cristãs.

O caminho das primeiras comunidades crista


A Palavra de Deus faz caminho primeiro entre os judeus, depois abrindo fronteiras chega até os
pagãos. Eles se reúnem para ouvir as Escrituras, isto é, a Lei e os profetas (ver Lc 24,27), ou seja: o
Antigo Testamento. A partir da ressurreição de Jesus tudo se ilumina! Começam a enxergar a "novidade"
que é Jesus. Vão surgindo as primeiras comunidades. Os seus seguidores comecem a fazer c que Jesus fez
e partilham entre si os seus bens e os seus dons. Pregam a Palavra, cuidam dos pobres, acolhem os
peregrinos e sobretudo praticam a lei do amor (ver At. 2,42 47). A Palavra faz caminho desde Jerusalém
até os confins da terra (ver At. 1,18). A Igreja (ecclesia) vai descobrindo na vida concreta e nos
acontecimentos da história, a ação do Espírito Santo, e se deixa conduzir por ele.
16
Para manter essas comunidades fiéis à proposta de Jesus, os apóstolos mandam cartas ou epístolas.
Lendo os evangelhos e as cartas compreenderemos melhor quem é Jesus e o que ele quer de nós.

Testando a memória:
1. Quem é Jesus?
2. Recorde alguma palavra ou gesto significativo de Jesus.
3. O que é o Reinado de Deus?
4. Qual é o novo ensinamento de Jesus?
5. A morte de Jesus foi um fracasso? O que ela significa para os cristãos?
6. Qual é a Boa Notícia que os apóstolos anunciam?
7. O que significa para os cristãos a ressurreição de Jesus? E qual é a maior festa do cristianismo?
8. Por que os cristãos interpretam as Escrituras com olhos novos depois da ressurreição de Jesus?
9. O que é que faz surgir a comunidade cristã?
10. Qual é a ação do Espírito Santo nas comunidades? E nos seguidores de Jesus?

O CAMINHO DOS EVANGELHOS

Conforme já falamos, a Bíblia é um livro feito em mutirão. Tanto o Antigo como o Novo
Testamento. Além dos apóstolos, certamente outras pessoas contribuíram para a formação dos
evangelhos. Eles nascem da memória viva das comunidades (ver At. 21,8; Ef 4,11).

Marcos - O evangelho de Marcos é o primeiro ser redigido, por volta do ano 65 d.C. Marcos
apresenta o Evangelho de Jesus, Filho de Deus (ver Mc 1,1). Fo escrito em língua grega popular. É o
evangelho que narra os acontecimentos ainda muito próximos de Jesus de Nazaré da Galiléia, que passou
fazendo o bem a todos, e foi entregue à morte pelas autoridades civis e religiosas. Esse Jesus, que é o
Filho muito amado de Deus, foi crucificado. A comunidade de Marcos reflete que somente os que seguem
a Jesus pelo caminho da renúncia e da cruz vão saber quem é Jesus. Estes se tornam seus discípulos suas
discípulas e conhecerão o Filho de Deus.

Mateus - Mateus apresenta Jesus com o título de Emanuel: "Deus conosco" (ver MT 1,23). O
Evangelho de Mateus foi escrito em língua grega, e ficou pronto entre os anos 70 e 80 d.C. A comunidade
de Mateus reflete sobre as atitudes e ensinamentos de Jesus. Percebe que Jesus não é apenas o Messias
que realiza as promessas do AT, mas vai mais longe. Ele refaz e realiza a esperança do povo. Ele realiza
as obras da justiça. Ele é Deus no meio de nós! Assim, aquele que praticar a justiça e andar na lei do amor
conhecerá a verdade e fará parte do Reino de Deus (ver Mt 5,17-20).

Lucas - Lucas apresenta o caminho de Jesus como um caminho que se realiza na história.
Caminho que revela a misericórdia do Pai (Lc 15,3-7). O evangelho de Lucas foi escrito em língua grega
17
e ficou pronto por volta dos anos 80-85 d.C. Ele é a primeira parte de uma obra. A segunda é os Atos dos
Apóstolos, que continua o caminho da Igreja. A comunidade de Lucas reflete sobre o caminho de Jesus
como um caminho que se realiza na história e que para percorrê-lo o Filho de Deus se encarna e entra na
história como pessoa humana. Assim, Jesus traz para nós o Projeto de Deus que inicia um novo
relacionamento a partir dos pobres, dos oprimidos e excluídos. Somente aquele que andar pelo caminho
de Jesus que se faz na misericórdia, no perdão, na partilha encontrará o Filho de Deus e este o ressuscitará
no último dia (ver Lc 15,11-32).

João - O evangelho de João, escrito em língua grega, é do final do primeiro século, 90-100 d.C.
Ele é muito diferente dos outros três nos quais encontramos muitas palavras de Jesus e muitos milagres.
Em João encontramos sete milagres de Jesus. Por isso ele é chamado: o evangelho dos sinais. Mas para o
Povo da Bíblia o número 7 tem significado de plenitude. Os sete sinais em João querem significar a
plenitude da vida que Jesus veio trazer com sua vida, paixão, morte e ressurreição (ver Jo 10,10).
Portanto, em João, Jesus é o caminho da vida. A comunidade joanina reflete no grande sinal de vida
plena que é o próprio Jesus. Ele é enviado pelo Pai para conquistar a vida em plenitude para todos os que
acreditam que ele é o Filho de Deus, o Cristo, que tem o poder de Deus para da vida plena. Somente
aquele que acreditar e realizar as obras da vida entrará na vida eterna. Cada um é livre para aceitar ou
rejeitar o Cristo, Filho de Deus. Mas quem c aceitar terá a vida, e quem o rejeitar terá a condenação (ver
Jo 8,23-26). O grande sinal dessas atitudes é o amor a Deus e ao próximo (ver Jo 13,12-17.34-35).

Testando a memória:
1. Como nasceram os evangelhos?
2. Como Marcos apresenta Jesus?
3. Quais são as condições para ser discípulo e discípula de Jesus?
4. Como Mateus apresenta Jesus?
5. Que é preciso para entrar no Reino de Deus?
6. Como Lucas apresenta Jesus?
7. Como podemos participar do caminho de Jesus?
8. Como João apresenta Jesus?
9. Por que o evangelho de João é diferente dos outros?
10. Descubra no evangelho de João os sete grandes sinais.
11. Qual é o grande sinal da vida?
12. Grave na mente e no coração: Jo 15,17.

O caminho da oração
Jesus foi um homem de muita oração. Os primeiros cristãos conservaram uma imagem de Jesus
oraste. De fato, a respiração de Jesus era fazer a vontade do Pai (ver Jo 5,19). Sua oração era constante:
"Eu, a cada momento, faço o que o Pai me mostra para fazer!" (Jo 5,19.30). Em muitas circunstâncias e
sobretudo nos momentos decisivos, ou difíceis, Jesus entra em oração. Ele mistura sua vida com os
Salmos, que, como todo judeu piedoso, conhecia de memória (ver Mc 14,34 e S1 42,5.6; Mc 15,34 e
S1 22,2; Lc 2,46-50; 3,21; 4,1-2; 10,21; Mt 26,38; Mc 7,34; 10,16; Jo 17,1-26).
18
"A escola de Jesus era, antes de tudo, a vida em casa, na família, na comunidade. Foi lá que
aprendeu a conviver, a rezar e a trabalhar. O povo rezava muito naquele tempo. Todos os dias, de manhã,
à tarde e à noite. Até hoje se conservam aquelas orações. Desde criança, eles aprendiam os Salmos de
memória. A mãe ou a avó os ensinava" (ver 2Tm 1,5; 3,15).
(Do livro Com Jesus na contramão, do frei Carlos Mesters, Paulinas, 1995)

A oração que Jesus rezava todos os dias


* As 18 bênçãos (de manhã, à tarde e à noite).
* O Shemá, composto de três benditos e três leituras (de manhã e à tarde).
1. Um bendito ao Deus Criador que cria o povo.
2. Um bendito ao Deus Revelador que elege o povo.
3. Três leituras:
Dt 6,4-9: receber o Reino.
Dt 11,13-21: receber a Lei de Deus.
Nm 15,37-41: receber a Consagração.
4. Um bendito ao Deus Salvador que liberta o povo.
* Tudo misturado com Salmos.

Bíblia Sagrada

Toda a Bíblia é narração, sob a inspiração do Espírito Santo, das experiências concretas de um
povo à procura de Deus e da ação desse Deus se revelando a este povo. Por isso, a Bíblia, como principal
fonte da fé, deve ser lida no contexto da vida, porém à luz da Tradição e do Magistério, que são a garantia
para nós de uma correta interpretação (cf. Dv 2-6; P 372; 1001).

BÍBLIA - A palavra Bíblia vem do grego (= os livros; os textos escritos em caniço de Biblos) . É
o conjunto de todos os livros do AT e do NT, a coleção completa de tudo o que foi escrito sob inspiração
do Espírito Santo.

TRADIÇÃO - é a Palavra de Deus não escrita mas transmitida de viva voz e conservada pela Igreja em
seus ensinamentos, na liturgia e na disciplina.

INSPIRAÇÃO –

* Deus moveu a inteligência do homem a formar idéias claras a respeito do que Ele queria que
fosse escrito: algumas idéias ele adquiria informando-se ou meditando; outras ,cujo conhecimento
superam a inteligência humana, eram-lhes fornecidas por revelação.

*A seguir, Deus moveu a vontade do autor a que resolvesse escrever.

19
*Por fim, acompanhou-o enquanto escrevia, para que relatasse tudo e só o que Ele desejava. No
entanto, a inspiração não exclui que cada autor conserve o seu estilo próprio: daí a variedade incrível
entre os muitos livros.

O conceito de inspiração é bem ilustrado pela analogia do homem que, com um pedaço de giz,
escreve sobre o quadro-negro. O efeito produzido na pedra se deve atribuir tanto ao escritor como ao seu
instrumento; um sem o outro não o produziria. E nesse efeito encontram-se inevitavelmente os vestígios
de um e outro agente: ao homem se deve atribuir os pensamentos expressos, ao passo que ao giz se deve
reduzir a forma visível dos mesmos na pedra (cor, grossura, certa graciosidade, etc...) Analogamente se
relacionam Deus e o hagiógrafo na composição dos livros Sagrados: as idéias ensinadas pela obra provém
primariamente de Deus, autor principal; todavia a forma literária, a veste, que serve para exprimir tais
idéias, é condicionada ao hagiógrafo.

ESSÊNCIA DA BÍBLIA – Descreve a historia da Salvação.

Salvação, que é o próprio Cristo, prometida e “prefigurada” no AT o qual tem um sentido


cristológico, denunciando, na sua totalidade, o mistério de Cristo em todos os seus aspectos: a pessoa de
Nosso Senhor, a sua vida e obra, sua Salvação, seus sacramentos, sua comunidade.

O NT é em primeiro lugar a narrativa de como essa Salvação se manifestou na pessoa de Cristo,


na sua Missão, pregação morte, ressurreição e glorificação, na fundação da sua Igreja.

DIVISÃO DA BÍBLIA

AT - A Bíblia católica divide os 46 livros do Antigo Testamento (que tratam da história da


humanidade e da doutrina do Povo de Deus), do seguinte modo:

1 . O Pentateuco (isto é, a Lei).

2 . Os livros Históricos: Josué, Juízes, Rute, os dois livros de Samuel os dois livros dos
Reis, os dois livros das Crônicas, os dois livros de Esdras e Neemias, Tobias, Judite e Ester, e por fim os
dois livros dos Macabeus.

3 . Os Livros Sapienciais: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos,


Sabedoria e Eclesiástico.

4 . Os Livros Proféticos: designado pelo nome dos Profetas: Isaías, Jeremias (ao qual se
acrescentam as Lamentações e Baruc), Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias,
Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

NT – contém 27 livros que narram a vida e os ensinamentos de Jesus e dos Apóstolos e a história
dos primeiros 60 anos da Igreja. E são assim distribuídos:

20
1 . Cinco Livros Históricos: Os Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas, João); e os Atos dos
Apóstolos.

2 . Vinte e uma carta dos Apóstolos. São Paulo escreveu 13 cartas: Rm, 1Cor, 2Cor, Gal,
Ef, Flp, Col, 1Tes e 2Tes, 1Tm e 2Tm, Tit, Flm. As outras cartas são as seguintes: 1 de S. Tiago; 2 de S.
Pedro; 3 de S. João; 1 de S. Judas e a epístola aos Hebreus.

3 . Um Livro Profético: Apocalipse de S. João.

A narrativa do NT teve início com a primeira Epístola aos Tessalonicenses, escrita por Paulo pelo ano 50
ou 52. O último livro é Evangelho de São João, pouco antes de sua morte, pelo ano 98 ou 100,
encerrando-se a Revelação Bíblica e a Era Apostólica.
A palavra Testamento significa “pacto”, “contrato”, “aliança”.

DIVISÃO EM CAPÍTULOS E VERSÍCULOS :

Em capítulos – feito pelo Cardeal Estêvão Langton (+ 1214 )


Em versículos – AT feito pelo Frade Santo Pagnino ( 1528 )

NT feito por Roberto Estêvão em 1550

A Bíblia toda contém 73 livros, 1333 capítulos e 35.700 versículos.

A ESCRITA DA BÍBLICA
Três são as línguas bíblicas:

Hebraica – Para quase todo o Antigo Testamento.


O adjetivo “hebraico deriva do nome do Patriarca Heber , um dos pósteros de Sem, filho de Noé
( cf. Gên 10,21-25). Foi de Heber que tomou nome o povo oriundo de Abraão, também descendente de
Sem: o povo “hebreu”, cuja língua materna, tradicional, é o hebraico.( Este mesmo povo é também dito
“israelita”, nome derivado de Israel (ou Jacó), um dos netos de Abraão.)
Era escrito com o alfabeto fenício. Vogais não se escreviam. O hebraico pertence ao grupo
ocidental de línguas semíticas, e é a língua cananéia, falada pelos israelitas, que eram de origem
araméia,. Os israelitas falaram hebraico até ao cativeiro; depois o hebraico foi suplantado aos poucos,
como língua vulgar, pelo aramaico, conservando-se porém como língua literária, e de uso religioso e
científico.
O hebraico não tinha termos comparativos e de superlativo, escrevia os números usando
consoantes, não separavam palavras entre si. Costumes estes que viriam a ser fonte de numerosos erros
na transmissão do texto Sagrado.

Aramaica – Entre outros descendentes de Sem, conta-se ainda Aram, do qual tomou nome a
nação araméia ou Síria, residente na Síria e na alta Mesopotâmia; era dotada de língua muito semelhante
ao hebraico, mais rica, porém, e sutil do que este. O aramaico se foi tornando cada vez mais comum entre
os povos do Oriente (principalmente em suas relações diplomáticas; cf. II Cron 18,26 )de modo a vir a

21
ser nos séc. IV/III a .C. a língua usual do próprio povo de Abraão (cf. Ne 13,24), ficando o hebraico
reservado para o culto sagrado; no tempo de Cristo, era o aramaico o idioma falado entre os judeus.

Grego- Língua em que foi escrito o Novo Testamento ( exceto a primeira redação de Mateus e a
Epístola aos hebreus ),bem como as traduções antigas do AT, sobretudo a dos LXX.
Foi essa língua que por uma simplificação paulatina em comparação com o grego clássico e por
uma pluriformidade bastante rica foi eminentemente apta para se tornar a língua internacional do período
helenístico, facilitando certamente, e não pouco, a expansão do Cristianismo. Na Bíblia aparece
impregnada de semitismo ( vocábulos e construções hebraicas e aramaicas ) pois foi utilizada por
escritores hebreus.

TRADUÇÕES
Foram feitas duas grandes traduções da Bíblia para o grego.
*PALESTINENSE - A primeira se chama Bíblia Palestinense ou Esdrina, cuja codificação começou
quase 500 anos antes de Cristo e terminou 100 anos depois de Cristo.

*DOS SETENTA - A segunda tradução se chama Bíblia Alexandrina ou Septuaginta ou simplesmente


dos LXX . Nome que deve a sua origem à lenda conforme a qual 72 judeus ,que vivia, em Alexandria –
seis de cada tribo de Israel – teriam feito esta tradução em 72 dias, tradução mais antiga e mais importante
do AT para o grego, a 300 anos antes de Cristo. Acontece que a Bíblia Alexandrina ou dos Setenta
contém alguns livros a mais do que a Bíblia Palestinense ou Esdrina.

Os livros que apareceram nas duas traduções da Bíblia se chamam Protocanônicos. Estes são
aceitos por todos como inspirados.

Os livros que apareceram apenas na Bíblia Alexandrina se chamam Deuterocanônicos: Tobias,


Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1o Macabeus, e 2o Macabeus; Também faltam os capítulos
10 a 16 do livro de Ester e os capítulos 3,13 e 14 do livro de Daniel. (São estes os livros que faltam nas
Bíblias protestantes.)
Nos primeiros séculos da Igreja os livros deuterocanônicos eram aceitos por todos. Não havia
nenhuma dúvida sobre sua canonicidade. As dúvidas começaram a surgir no século IV, devido
sobretudo a S. Jerônimo, que indo morar na Palestina, se deixou influenciar por alguns judeus que
atribuíam menor importância aos livros deuterocanônicos. Posteriormente, essas dúvidas foram
esclarecidas.
A Bíblia Alexandrina ou dos Setenta foi usada por Jesus e pelos apóstolos. Isto significa que
aceitavam os deuterocanônicos como Palavra de Deus revelada. Jesus e os apóstolos citam o AT 350
vezes. Pois bem, destas 350 citações, 300 são tiradas da Bíblia Alexandrina ou dos Setenta
Os livros deuterocanônicos contêm a Palavra de Deus autêntica e verdadeira, reafirmada em vários
Concílios pela autoridade máxima da Igreja, o Papa. Os Concílios de Roma (382), Hipona (393), Cartago
( 397 ), Florença ( 1441) e Trento (1546) reafirmaram a canonicidade dos 73 livros da Bíblia

VULGATA
*A crescente diferenciação das antigas traduções latinas, as deficiências do texto transmitido e a sua
linguagem pouco elegante, foram os motivos por que o Papa Dâmaso procurou efetuar uma revisão
drástica. Por ordem dele, São Jerônimo traduziu do hebraico ( ou aramaico ) , entre os anos 390 a 406
em Belém, todo o AT ( menos Br, 1Macabeus, 2Macabeus, Eclo e Sab ).
O NT , ele o corrigiu apenas. Essa tradução passou merecidamente para a história com o nome de
“Vulgata de São Jerônimo”, declarada pelo Concílio de Trento, em 1546, autêntica, porque “contém
positiva e fielmente a Palavra de Deus escrita”.
O nome “vulgata” por causa de sua larga divulgação; nome esse que antes estava reservado à versão
dos LXX ou à tradução latina da mesma.
22
CÂNON BÍBLICO

Quase todos os livros do AT foram escritos em hebraico. Por que muitos judeus emigraram da
Palestina para Roma, Alexandria, etc., tornou-se necessário traduzir a Bíblia para o grego, língua falada
no mundo todo.
Cânon –vem do grego kanón = regra, medida , catálogo, ou lista dos livros; no sentido
eclesiástico: a lista dos livros do AT e do NT que a Igreja católica considera como inspirados e que, por
conseguinte, são a base e o critério de sua pregação do mistério da salvação “segundo as Escrituras”.

A Igreja pronunciou-se sobre o cânon no Concílio de Trento.

Canônico – livro catalogado; que implica seja inspirado.

Protocanônico - livro catalogado ( próton),isto é, em primeiro lugar ou sempre catalogado. São os


livros que aparecem nas duas traduções da Bíblia. São aceitos por todos como inspirados.

Deuterocanônicos – Livros catalogados ( déuteron ) em segunda instância, posteriormente (após


ter sido controvertido ). São os livros que apareceram apenas na Bíblia Alexandrina ou dos LXX.

HISTÓRIA DO CÂNON NO AT
As passagens bíblicas começaram a ser escritas desde tempos anteriores a Moisés.
A escrita era rara e cara na antiguidade, Moisés foi o 1 o codificador das tradições orais e escritos de
Israel, no séc. XIII a C.
Essas tradições ( leis, narrativas, peças litúrgicas ) foram acrescidas no decorrer dos séc. , sem que
os Judeus se preocupassem com a catalogação das mesmas. Assim foi-se formando a biblioteca Sagrada
de Israel.
No séc. I da era Cristã deu-se um fato interessante: começaram a aparecer os livros cristãos
(cartas de S. Paulo , Evangelhos..) que se apresentaram como a continuação dos livros Sagrados.
Os judeus não tendo aceito o Cristo, tentaram impedir que se fizessem a aglutinação de livros
Judeus e livros Cristãos.
Por isto, segundo bons autores modernos vários rabinos reuniram-se no Sínodo de Jamnia ou
Jambes ao Sul da Palestina, por volta do ano 100 dC. A fim de estabelecer exigências que deveriam
caracterizar os livros Sagrados ou inspirados por Deus.
Critérios adotados:
1 – O livro Sagrado não pode ter sido escrito fora da terra de Israel.
2 – ... Não em língua aramaica ou grega, mas só em hebraico.
3 - ...Não depois de Esdras ( 458-428 aC)
4 - ...Não em contradição com a Torá ou Lei de Moisés.
Em conseqüência, os judeus da Palestina fecharam seu cânon Sagrado, com esses critérios.
Na Alexandria (Egito) havia próspera Colônia Judaica que, vivendo em terra estrangeira e falando o
grego não adotou os critérios nacionalistas estipulados pelos judeus de Jâmnia.
Os judeus de Alexandria chegaram a traduzir os livros Sagrados hebraicos para o grego em 250 a
100 a .C dando assim origem à versão grega dita “Alexandrina” ou dos “Setenta Intérpretes”(LXX).
Livros deuterocanônicos do AT e não aceitos pelos protestantes de Lutero: Tb, Jt, Sb, Br, Eclo, 1o e
o
2 Mac, além de Ester 10,4 a 16,24 e Daniel 3,24-90; e caps. 13 e 14. ( cf. dicionário enciclopédico da
Bíblia – Verbete Cânon (II) ).

23
HISTÓRIA DO CÂNON NO NT

Deuterocanônicos: Hb, Ap, Tg, 2Pd, Jd, 2 e 3Jo. Vejamos o porque das hesitações:
5
* Hebreus- a carta não indica nem autor, nem destinatário. Os cristãos orientais a tinham como
Paulina, os ocidentais não. Entre os Latinos no meado do séc. III , os novacianos rigoristas ( que
ensinavam haver pecados irreversíveis) valiam de Hb 6,4-8.
Por isto, os autores ortodoxos relegaram Hb para o esquecimento até segunda metade do séc. IV quando
S. Ambrósio e S. Agostinho a reconheceram como carta canônica.
*Apocalipse : Nos 1os séc. discutiam-se a autoria Joanéia, entre os orientais. Também ocorria que
uma facção dita “Milenarista” apelava para Ap 20,1-15 a fim de afirmar um reino milenar e pacífico de
Cristo sobre a terra, antes da consumação da história.
*Tiago – Parecia contradizer Paulo em Rm e Gal: “ A fé sem as obras seria morta” .Tiago 2,14
–24 Prevaleceu, porém a consciência conciliável com Paulo: ao passo que este afirma que a fé sem obras
(sem mérito do indivíduo) basta para entrarmos na amizade com Deus ( ninguém compra a amizade) .
S. Tiago quer dizer que ninguém persevera na graça se não pratica boas obras ou se não vive de acordo
com a fé.
*Judas – Também foi discutida a autoria desta carta. Ademais cita os apócrifos “assunção de
Moisés v.9” e” apocalipse de Henoque v.14”.
*2Pedro e 2/3João – Também foram controvertidas nos três primeiros séc. por motivos de pouca
monta. A de 2Pd aparentemente é uma reedição ampliada de Jo. E a 2/3Jo sendo bilhetes pequenos, de
pouco conteúdo teológico, nem sempre foram considerados canônicos.

Em 393, o Concílio de Hipona definiu o cânon completo da Bíblia, incluindo os 7 escritos


controvertidos ou deuterocanônicos do NT. ( cf. Dicionário enciclopédico da Bíblia, Verbete – Cânon
(III).

*******************************************

Apócrifo – ( Em grego “apókryphon”= oculto, secreto): nome que designa livros redigidos por
judeus ou por antigos cristãos segundo estilo das Escrituras Sagradas, mas carecentes de prerrogativa da
inspiração bíblica. Esses escritos podiam edificar os fiéis e gozar de certa autoridade; contudo não eram
lidos nas assembléias de culto público; donde a designação de “ocultos” ou “secretos.

O cânon Católico compreende 46 livros do AT ( ou, 47, se se conta como unidade distinta a carta
de Jeremias (= Baruc 6 ) e 27 livros do NT o que perfaz 73 livros Sagrados ao todo.

Hagiógrafo – ( em grego, hagiógraphos = escritor Sagrado ) nome geralmente atribuído aos


autores de livros da Sagrada Escritura.

Hermenêutica - é a doutrina ou método de interpretação que dita as regras gerais ou particulares


a serem aplicadas na busca e na determinação do sentido literal da Sagrada Escritura.

COMO SABER SE UMA BÍBLIA É CATÓLICA OU PROTESTANTE

a) A Bíblia católica contém todos os livros inspirados por Deus, que são 73 ao todo: 46 do AT e
27 do NT A Bíblia protestante contém apenas 66 livros: 39 do AT e 27 do NT. Os sete livros que faltam
são: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, 1 o e 2o Macabeus. Também faltam os capítulos 10 a 16
do Livro de Ester e os capítulos 3,13 e 14 do livro de Daniel.
24
b) A Bíblia católica traz sempre no pé de cada página notas explicativas para facilitar o leitor a
compreender melhor a Palavra de Deus. A Bíblia protestante não tem nenhuma nota, nenhuma
explicação.

c) A Bíblia católica apresenta na primeira página a palavra Implimatur ( ou “imprima-se de um


bispo), como garantia absoluta de que se trata da Palavra de Deus autêntica e sem nenhuma alteração. Os
Bispos são sucessores dos apóstolos. Aquelas Bíblias que não tem na primeira página essa palavra
Implimatur (ou imprima-se) não são Bíblias católicas e por isso não são a Palavra de Deus completa e
autêntica.

PROTO-EVANGELHO- ( gr. A primeira boa-nova da salvação ): as palavras com que Javé


formula o castigo contra a serpente que no paraíso seduziu a mulher ao pecado: “Porei inimizade entre ti
e a mulher, entre a tua descendência e a dela; esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”( Gên
3,15). Os SS. Padres e todos os exegetas católicos interpretam essas palavras como o primeiro anúncio da
salvação, que Cristo trouxe “destruindo as obras do demônio” ( 1Jo 3,8).

FONTES PESQUIZADAS:

- Dicionário Enciclopédico da Bíblia ed. Vozes Petrópolis 1987


- Para Entender o Antigo Testamento – ed. Agir D. Estevão Bettencourt,OSB
- Introdução – A Bíblia Sagrada ed. Ave Maria
- Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tradução dos textos originais ed. Paulinas-1970
- A Igreja do Deus Vivo - curso Bíblico popular sobre a verdadeira Igreja - ed. Vozes Frei Battistini

LEITURA ORANTE DA BÍBLIA

Há várias maneiras de se olhar e ler a Bíblia.

* Olhando de longe - Vemos o todo formando uma unidade. Fazendo transparecer o rosto de
Deus com os traços humanos de Jesus Cristo. É Jesus que , de maneira discreta, dá unidade a todas as
partes da Bíblia. A Bíblia parece uma imensa parede.
* Olhando mais de perto - Cada livro da Bíblia é diferente um do outro, mas apesar da grande
variedade consegue construir uma unidade tão forte e tão bonita.
* Olhando bem de perto - Vemos realidades humanas concretas e distintas, mostrando que a Palavra
de Deus se encarnou realmente em palavras humanas. Tornou-se igual à nossa palavra em tudo, menos no
erro e na mentira. A ação do Espírito Santo, que faz com que a Bíblia seja Palavra de Deus, não passa
pelos distantes fios de alta tensão, mas sim pela fiação da rede doméstica, embutida na parede dos
conflitos, das contradições das confusões da vida humana.
25
* Olhando novamente de longe – Descobrimos que a Bíblia não é uma parede isolada; mas é a parede
de nossa casa. Olhando a Bíblia, estamos olhando para nós.

OLHAR A BÍBLIA - É olhar para o que é nosso . Em três níveis:


a) Literário: aproximar-se do texto e, através de perguntas bem simples, analisar o seu tecido: quem?
O que? onde? Por que? quando? Como? com que meios? Como o texto se situa dentro do contexto
literário do livro de que faz parte?
b) Histórico : através do estudo do texto, atingir o contexto histórico em que surgiu o texto ou em que se
deu o fato narrado pelo texto, analisar a situação histórica em dimensões como: econômica, social,
política, ideológica, afetiva, antropológica e outras. Trata-se de descobrir os conflitos que estão na
origem do texto ou nele se refletem para, assim, perceber melhor a encarnação da Palavra de Deus na
realidade conflitiva da história humana, tanto deles como nossa.
c) Teológico: descobrir, através da leitura do texto, o que Deus tinha a dizer ao povo naquela situação
histórica; o que Deus significava para aquele povo; como Ele se revelava; como o povo assumia e
celebrava a Palavra do Senhor.
Tendo sempre o mesmo objetivo: descobrir que a Palavra da Bíblia já está pintada na parede da casa
em que moramos.

Critérios para orientar a leitura Bíblica


Não basta a razão para descobrir todo o sentido da Bíblia. Diz o Concílio Vaticano II no seu
documento Dei Verbum : ‘A Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada naquele mesmo espírito em
que foi escrita’ (DV 12). Para alcançar este objetivo, é necessário levar em conta os critérios da fé cristã,
que são três: “Para captar bem o sentido dos textos Sagrados, deve se atender com não menor diligência
ao * conteúdo e à unidade de toda Escritura, levando em conta a * Tradição viva da Igreja toda e a *
analogia da fé”.( DV 12) Os três tem o mesmo objetivo: descobrir o sentido pleno da Bíblia, impedir que
o seu sentido seja manipulado e evitar que o texto seja isolado do seu contexto de origem, da Tradição
que o transmite e da vida atual da Igreja a que deve servir.

LEITURA ORANTE DA BÍBLIA, CORAÇÃO DA VIDA RELIGIOSA

I . Introdução

Os três critérios – realidade, comunidade, texto - ao se fazer


a leitura eles se articulam entre si em vista do mesmo objetivo:
escutar Deus hoje.
Lectio Divina quer dizer, leitura divina ou leitura
orante. Ela indica a prática de leitura que os cristãos fazem da
Bíblia para alimentar a sua fé, a sua esperança, e o seu amor e
compromisso. Ela sempre foi a espinha dorsal da VR, desde os seus
mais remotos inícios, no tempo do monaquismo e reaparece quando se procura ler a Bíblia com
fidelidade. A Lectio Divina é a fonte que gerou a VR.

II . Um pouco de história
26
Lectio ( palavra latina que significa: colher)

A Lectio Divina, nada mais era do que a leitura que os cristãos faziam da Bíblia; é tão antiga
quanto a própria Igreja, que vive da Palavra de Deus e dela depende como a água da sua fonte (DV
7.10.21). A Lectio Divina é a leitura crente e orante da Palavra de Deus, feita a partir da fé em Jesus, que
disse: “O Espírito vos recordará tudo o que Eu disse e vos introduzirá na verdade plena”(Jo 14,26); O
NT, é o resultado da leitura que os primeiros cristãos faziam do AT à luz dos seus problemas e à luz da
nova revelação que Deus fez de si através da ressurreição de Jesus, vivo no meio da comunidade. No
início, não era uma leitura organizada e metódica, mas era a própria Tradição que se transmitia, de
geração em geração.
A expressão Lectio Divina vem de Orígenes. Ele diz que para ler a Bíblia com proveito, é
necessário um esforço de atenção e de assiduidade: “Cada dia de novo, como Rebeca ( Gn 24,15-21 ),
temos de voltar à fonte da Escritura!” E o que não se consegue com o próprio esforço, deve ser pedido na
oração, “pois é absolutamente necessário rezar para poder compreender as coisas divinas”. Deste modo,
chegaremos a experimentar o que esperamos e meditamos. A Lectio Divina é a espinha dorsal da VR.
Sistematização da Lectio Divina - Por volta do ano 1150 (séc. XII), Guigo, um Monge
Cartucho, escreveu um livrinho chamado, “A escada dos Monges”, a um discípulo seu ( Ir. Gervásio), no
qual resume a tradição monástica da Lectio Divina, e a transforma em instrumento de leitura para servir
de instrução aos jovens que se iniciam na vida monástica.
Na sua sabedoria bem prática, Guigo, nada mais fez do que sistematizar em 4 degraus o processo
normal de uma leitura proveitosa da Bíblia:
 Leitura - Ler e reler o texto, cada vez de novo, até entender tudo o que está escrito.
 Meditação - Em seguida, deve assimilar o que leu, repeti-lo de memória, com a boca, e ruminá-lo até
que, da boca e da cabeça, passe para coração e entre no ritmo da própria vida.
 Oração - Depois, você deve reagir diante da mensagem que captou e responder a Deus se aceita ou
não, e pedir a Ele que o ajude a praticar o que a sua Palavra pede.
 Contemplação - Por fim, o resultado da leitura que fica nos seus olhos o ajudará a enxergar o mundo
de maneira nova e a saborear melhor as coisas de Deus e da vida.
Lê-se para meditar, medita-se para rezar, reza-se para contemplar, contempla-se para viver.

III . Considerações gerais sobre a Lectio Divina

A Lectio Divina supõe alguns princípios, sempre presentes na leitura cristã da Bíblia:

1 – A unidade da Escritura: O princípio da unidade da Escritura proíbe


isolar os textos, arrancá-los de seu contexto e repeti-los como verdades isoladas e
absolutas.
Se você olhar isolado os riscos de dentro, pode deduzir que é um cálice;
mas se você olhar o conjunto pode ser dois rostos, de repente tudo muda.

2 – A atualidade ou encarnação da Palavra : Devemos espelhar na Bíblia


o que se passa na vida e no coração de todos e descobrir que a Palavra de Deus se
encarna não só naquelas épocas do passado, mas também hoje , para poder estar
conosco e ajudar-nos a enfrentar os problemas e a realizar as esperanças: “Oxalá ouvíssemos hoje a sua
voz!”.

3 – A fé em Jesus Cristo, vivo na comunidade . Jesus é a chave principal da leitura que fazemos.
A fé Nele ajuda a entender melhor a Bíblia, e a Bíblia ajuda a entender melhor o significado de Jesus para
a vida.

27
IV – Os quatro degraus da Lectio Divina
As quatro atitudes existem e atuam, juntas, durante todo o processo da Lectio Divina, embora em
intensidade deferente conforme o degrau em que a pessoa ou a comunidade se encontra.

1 . LEITURA – conhecer, respeitar e situar

Antes de tudo, você deve ter sempre a preocupação de investigar: “O que o texto diz em si?”
Isto exige que faça silêncio. Dentro de você tudo deve silenciar, para que nada impeça de escutar o que o
texto tem a dizer, e para que não aconteça que você leve o texto a dizer só aquilo que você gosta de ouvir
O objetivo da leitura é este: furar a parede da distância entre o ontem do texto e o hoje da nossa
vida, a fim de poder iniciar o diálogo com Deus na meditação. Qual a broca que fura essa parede? De um
lado, é “ o estudo assíduo, feito com espírito atento”(Guigo). De outro, é “a própria experiência adquirida
da vida”(Cassiano).Paulo VI dizia que se deve “procurar uma certa conaturalidade entre os interesses
atuais (hoje) e o assunto do texto (ontem), para que se possa estar disposto a ouvi-lo (diálogo)” Às vezes,
a Lectio Divina não traz resultado e o texto não fala, não por falta de estudo do texto, mas sim por falta de
aprofundamento crítico da nossa própria experiência de vida.
A leitura, quando bem-feita, ajuda a superar o fundamentalismo, que anula a ação da Palavra de
Deus na vida. É a ausência total de consciência crítica. Ele distorce o sentido da Bíblia e alimenta o
moralismo, o individualismo e o espiritualismo na interpretação dela...O objetivo da leitura é ler e estudar
o texto até que ele, sem deixar de ser ele mesmo, se torne espelho de nós mesmo e nos reflita algo da
nossa própria experiência de vida. “Penetrados dos mesmos sentimentos em que foi escrito o texto, nos
tornamos, por assim dizer ,os seus autores” ( Cassiano).

2 . MEDITAÇÃO – ruminar, dialogar, atualizar.

Você também deve ter sempre a preocupação de se perguntar: “O que o texto diz para mim para
nós, para mim ?”
Neste segundo passo, você entra em diálogo com o texto, para que o sentido se atualize e penetre a
sua vida de Carmelita hoje. Como Maria, rumine o que escutou ( Lc 2,19.51), e “medite dia e noite na lei
do Senhor”, para que, assim, “a Palavra de Deus habite abundantemente na sua boca e no seu coração”.
Guigo dizia: “A meditação é uma diligente atividade da mente que, com a ajuda da própria razão,
procura o conhecimento da verdade oculta”, que é o valor permanente, é a mensagem do contexto em
que foi escrito o texto e que deve ser descoberta e atualizada pela meditação.
A meditação aprofunda a dimensão pessoal da Palavra de Deus. Uma palavra tem valor não só
pela idéia que comunica, mas também pela pessoa que a pronuncia e pela maneira como é pronunciada.
Na Bíblia, quem nos dirige a Palavra é Deus, e Ele o faz com muito amor. Uma palavra de amor desperta
forças, libera energias, recria a pessoa. Meditando a Palavra de Deus, o coração humano se dilata até
adquirir a dimensão do próprio Deus, que pronuncia a Palavra. Aqui aparece a dimensão mística da
Lectio Divina.
Pela leitura se atinge a casca da letra e se tenta atravessá-la para, na meditação, atingir o fruto do
espírito (S. Jerônimo). A meditação nos ajuda a descobrir o sentido espiritual, isto é, o sentido que o
Espírito de Deus quer comunicar hoje à sua Igreja através do texto da Bíblia.

3 . ORAÇÃO – suplicar, louvar, recitar.

Além disso, você deve estar sempre preocupado em descobrir: “O que o texto me faz dizer a
Deus?”
A atitude de oração diante da Palavra de Deus deve ser como aquela de Maria, que disse: “Faça-
se em mim segundo a tua palavra”(Lc 1,38). A palavra que Maria ouviu não era uma palavra da Bíblia ,
mas sim uma palavra percebida nos fatos da vida, por ocasião da visita do Anjo. Maria foi capaz de
percebê-la, porque a ruminou (Lc .2,19.51) tinha purificado o seu olhar e o seu coração. Os puros de
coração percebem a ação de Deus nos fatos (cf. Mt 5,8).Rezando e cantando ( cf. Lc 1,46-56), eles a
encarnam na vida.
28
A oração, provocada pela meditação, inicia por uma atitude de admiração ao Senhor. A partir daí
brota a nossa resposta à Palavra de Deus. Desde os tempos do Novo Testamento, os cristãos descobriram
que nós não sabemos rezar como convém. É o próprio Espírito que ora em nós ( Rm 8,26). Quem melhor
fala a Deus é o próprio Deus. Por isso, a oração dos Salmos ainda é a melhor oração. O próprio Jesus
usou frequentemente os Salmos e orações da Bíblia. Ele é o grande cantor dos Salmos ( Sto. Agostinho).
Com Ele e nEle, os cristãos prolongam a Lectio Divina pela oração pessoal, pela oração litúrgica e pelas
preces da Igreja.
Dependendo do que se ouviu da parte de Deus na leitura e na meditação, a resposta pode ser de
louvor ou de ação de graças, de súplica ou de perdão, pode ser até de revolta ou de imprecação, como o
foi a resposta de Jó, de Jeremias e de tantos Salmos.
Pela leitura, procura descobrir a idéia, a mensagem, que a palavra transmite e ensina. Pela
meditação, e sobretudo pela oração, ela cria o espaço onde a palavra faz o que diz, traz o que anuncia,
comunica a sua força e nos revigora para a caminhada. Os dois aspectos não podem ser separados, pois
ambos existem unidos na unidade de Deus, no seio da Santíssima Trindade. Desde toda a eternidade, o
Pai pronuncia a sua Palavra e coloca nela a força do seu Espírito. A Palavra se fez carne em Jesus, no qual
repousa a plenitude do Espírito Santo.

4 . CONTEMPLAÇÃO – enxergar, saborear, agir.


agir.

O 4o passo, o ponto de chegada da Leitura Orante é a


contemplação, que deve ser o objetivo da vida no Carmelo.
Contemplação:
 é ter nos olhos algo da “sabedoria que leva à salvação”(2Ts 3,15);
 é começar a ver o mundo e a vida com os olhos dos pobres, com
os olhos de Deus;
 é assumir sua própria pobreza e eliminar do seu modo de pensar
aquilo que vem dos poderosos;
 é tomar consciência de que muita coisa da qual você pensava que
fosse fidelidade a Deus, ao Evangelho e à Tradição da Ordem, na
realidade nada mais era do que fidelidade a você mesmo e aos seus
próprios interesses e idéias;
 é saborear, desde já, algo do amor de Deus que supera todas as coisas;
 é mostrar pela sua vida que o amor de Deus se revela no amor ao próximo ;
 é dizer sempre: “faça-se em mim segundo a tua Palavra”(Lc 1,38).

Assim, “tudo o que deve ser feito, será feito de acordo com a Palavra do Senhor”.
Santo Agostinho dizia que, através da leitura da Bíblia, Deus nos devolve o olhar da contemplação e
nos ajuda a decifrar o mundo e a transformá-lo, para que seja, novamente, uma revelação de Deus, uma
teofania. A contemplação, assim entendida, é contrário da atitude de quem se retira do mundo para poder
contemplar a Deus. A contemplação como resultado da Lectio Divina é a atitude de quem mergulha
dentro dos atos para descobrir e saborear neles a presença ativa e criativa da Palavra de Deus e, além
disso, procura comprometer-se com o processo de transformação que esta Palavra está provocando
dentro da história. A contemplação não só medita a mensagem, mas também a realiza; não só ouve, mas
coloca em prática. Não separa os dois aspectos: diz e faz; ensina e anima; é luz e força.
A contemplação, como ponto final da escada, é patamar para um novo começo. É como subir numa
torre muito alta. Você alcança o primeiro patamar por uma escada de três lances: leitura, meditação e
oração. Na janela do primeiro patamar, você descansa e contempla a paisagem. Depois, continua a subida
até o segundo patamar por uma outra escada também de três lances: leitura, meditação e oração. Na janela
do segundo patamar, descansa mais um pouco e contempla, de novo, a mesma paisagem. Ela ficou mais
bonita! Dá vontade de subir mais para observá-la melhor. E assim vai subindo, até que cheguemos a

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contemplar Deus face a face ( 1 Cor 13,12) e , em Deus, os irmãos, a realidade, a paisagem, numa visão
completa e definitiva. A contemplação é tudo isto, e muito mais!
Os quatro degraus não são técnicas de leitura, mas sim etapas do processo normal da assimilação da
Palavra de Deus na vida, através da leitura meditada e orante.

Veja mais na biblioteca ( L – 3 – 154.2 )

INTRODUÇÃO GERAL
************************************************************************

A Sagrada Escritura é o conjunto dos livros escritos por inspiração divina, nos quais Deus se
revela a si mesmo e nos dá a conhecer o mistério da sua vontade. Divide-se em duas grandes seções:
→ANTIGO TESTAMENTO, que contém a revelação feita por Deus antes da vinda de Nosso Senhor
Jesus Cristo ao mundo;
→NOVO TESTAMENTO, que contém a revelação feita diretamente por Jesus Cristo e transmitida pelos
Apóstolos e outros autores sagrados.

SAGRADA ESCRITURA, PALAVRA DE DEUS AOS HOMENS


Deus falou aos homens através de outros homens por Ele escolhidos para esse fim, mas sobretudo
por meio de seu Filho, Jesus Cristo (Hb 1,1-2). Desse modo, a Palavra de Deus tornou-se linguagem
30
humana sem deixar de ser Palavra de Deus, assim como o Filho de Deus se fez homem sem deixar de ser
Deus; e sujeitou-se, tal como Ele, às limitações e condicionamentos da palavra humana, exceto no erro
formal. Tais condicionamentos são:

→Condicionamentos de tempo - Os livros da Bíblia são fruto do seu tempo. Por isso, se quisermos
entender a mensagem de Deus, temos de conhecer o tempo e as circunstâncias históricas em que foi
escrito cada um deles.

→Condicionamentos de espaço - Os livros da Bíblia nasceram em vários lugares geográficos, cada qual
com o seu ambiente próprio: uns na Palestina, outros no mundo helênico e outros no Império Romano. E
um livro também é filho do meio em que nasceu.

→Condicionamentos de raça - Os livros da Bíblia procedem quase todos do povo semita, mais
concretamente do povo judeu, que tem um modo de pensar e de se exprimir muito diferente do nosso. É
preciso conhecê-lo, para entender a Palavra de Deus.

→Condicionamentos de cultura - Os livros da Bíblia são obra de muitos autores com mentalidade e
cultura diferentes, às vezes distanciados entre si por vários séculos. Tudo isso marcou a Bíblia e deve ser
tido em conta, pois os autores sagrados, embora escrevessem sob inspiração de Deus, não foram privados
da sua personalidade.

TRANSMISSÃO DA PALAVRA DE DEUS

A Palavra de Deus, no Antigo Testamento, revelou-se através da Tradição e da Sagrada Escritura.


Com Cristo, Palavra em pessoa, começa uma nova Revelação: o Evangelho. Os transmissores desta nova
Palavra são os Apóstolos, que dão origem à Tradição Apostólica. Os Evangelistas, mais tarde, inspirados
pelo Espírito Santo, recolhem e fixam essa Tradição por escrito, dando assim origem à Sagrada Escritura
do Novo Testamento. Por isso, diz o concílio Vaticano II: "A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura
estão intimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando elas da mesma fonte divina,
fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim." (Dei Verbum, 9)

INSPIRAÇÃO DA SAGRADA ESCRITURA


A Inspiração é o que caracteriza e essencialmente distingue a Bíblia de todos os outros livros
humanos. Acreditar na Inspiração da Sagrada Escritura foi sempre um dogma de fé para os Judeus e para
a Igreja. Os Judeus dividiam a Bíblia em três partes:
* a Lei (Torá), que era considerada a Palavra de Deus por excelência;
* os Profetas (Nebi'îm), que falaram em nome de Deus; e
* os Escritos (Ketubîm), formando todos juntos os "Livros santos" (1 Mac 12,9).

Jesus Cristo e os Apóstolos citaram-nos como Palavra de Deus (At 1,16; 4,25). Mas São Paulo e
São Pedro é que nos transmitem os dois textos clássicos sobre esta verdade. Paulo diz: "Toda a Escritura é
divinamente inspirada" (theopneustos: 2 Tm 3,14-17); e Pedro afirma: "Mas sabei, antes de mais, que
nenhuma profecia foi proferida pela vontade dos homens. Inspirados pelo Espírito Santo, é que os homens
santos falaram em nome de Deus." (2 Pd 1,21)
Os Santos Padres também são unânimes em afirmar que Deus é o autor da Sagrada Escritura e
que o hagiógrafo é instrumento de Deus. E a Igreja manifestou a sua fé nesta verdade em vários concílios
e documentos. O último e o mais expressivo é a constituição dogmática Dei Verbum (DV), do concílio
Vaticano II, que diz: "As coisas reveladas por Deus que se encontram escritas na Sagrada Escritura foram

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consignadas por inspiração do Espírito Santo." E mais adiante, falando da natureza desta inspiração,
acrescenta: "porque escritos por inspiração do Espírito Santo, têm a Deus por autor e, como tais, foram
confiados à Igreja. Todavia, para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens na
posse das suas faculdades e capacidades para que, agindo Deus neles e por eles, pusessem por escrito,
como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria." (n.° 11) Portanto, segundo a
constituição Dei Verbum, os livros sagrados são produto da ação transcendente de Deus que suscita,
dirige e envolve inteiramente a atividade humana, agindo em constante coordenação com ela.

Esta ação divina estendeu-se a todas as faculdades e atos do homem que concorreram para a
produção dos livros santos, e abrange todas as partes dos livros e todos os gêneros literários que neles se
encontram. No entanto, longe de tornar o hagiógrafo passivo, tal ação favorece a sua livre
espontaneidade; Porque o homem é tanto mais livre e ativo quanto mais o Espírito Santo o
acompanha.
Deus, quando atua no homem, fá-lo sempre com suma delicadeza, respeitando a sua liberdade e a sua
maneira de ser, mas valorizando-as e potenciando-as. A Bíblia não é, pois, fruto de um ditado mecânico,
mas uma obra em que Deus e o homem intervêm: Deus com as suas perfeições infinitas, e o homem com
as suas faculdades e conforme a sua capacidade. Por isso, os dois são verdadeiros autores dos livros
sagrados.
A VERDADE DA SAGRADA ESCRITURA

Diz também a Dei Verbum: "E assim como tudo quanto afirmam os autores inspirados ou
hagiógrafos deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve aceitar que os
livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro, a verdade que Deus, causa da nossa
salvação, quis que fosse consignada nas Sagradas Letras." (DV, 11)
A verdade da Bíblia é a consequência imediata da Inspiração. Com efeito, se Deus é o autor da
Bíblia, se toda ela é obra do Espírito Santo, não pode conter qualquer afirmação que vá contra a verdade e
a santidade do mesmo Deus. No entanto, não podemos buscar na Bíblia qualquer verdade, mas só a que
interessa à salvação do homem, ou seja, a verdade religiosa, e só aquela que Deus, causa da nossa
salvação, quis que fosse registrada nas Escrituras. Trata-se de uma verdade não puramente especulativa,
mas concreta, que não se dirige apenas à inteligência, mas ao homem todo; uma verdade que é preciso
descobrir através dos muitos e variados gêneros literários; uma verdade progressiva, revelada por etapas,
obedecendo à pedagogia de Deus em relação aos homens; uma verdade que está em toda a Bíblia e não
apenas num livro ou num texto isolado. Por isso, a verdade dos textos sagrados só resulta da totalidade da
Bíblia, como a santidade da Igreja resulta do conjunto dos batizados e não de cada um individualmente.

AS DIVERSAS CONFIGURAÇÕES DA BIBLIA

Alguns problemas com as diferentes formas da Bíblia: a católica, a protestante etc. Essas
diferenças compreendem-se a partir da história.

Primeiro ou Antigo Testamento

As diferenças entre as Bíblias se restringem ao chamado Antigo Testamento. As Escrituras aceitas


pelo judaísmo hoje (a Bíblia hebraica) não são totalmente idênticas ao que nós chamamos o Antigo
Testamento. As vésperas do nascimento de Jesus, o judaísmo transmitia suas Escrituras quer na língua
original, o hebraico, quer em tradução grega, porque o grego era a língua internacional e muitos judeus
viviam no exterior (a "diáspora"). A tradução grega foi iniciada pelos anos 250 aC. em Alexandria do

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Egito, grande centro de cultura helenista (= grega), onde viviam muitos judeus. É chamada Septuaginta
(ou Bíblia dos Setenta, sigla: LXX). por ter sido atribuída a setenta escribas (número simbólico).

Ora, a tradução grega incluía alguns livros a mais que a Bíblia hebraica. Os primeiros cristãos -
muitos deles judeus de língua grega liam o Antigo Testamento na forma grega, mas os judeus não-
cristãos, talvez por reação, valorizaram a forma hebraica, com o cânon mais restrito. Os cristãos adotaram
a lista ampla, a da Bíblia grega (mesmo quando São Jerônimo traduziu diretamente do hebraico os livros
escritos nessa língua). Por isso, o cânon cristão contém, para o Antigo Testamento, sete livros a mais que
a Bíblia hebraica (1-2Mc, Jt, Tb, Eclo, Sb, Br), chamados "deuterocanônicos" (= incluídos no "cânon"
num segundo momento; os protestantes os chamam de "apócrifos").

Mais tarde, por volta de 1500-1600 dC, os reformadores protestantes (Lutero, Calvino, os
anglicanos etc.) criaram traduções em língua moderna. Para esse fim, voltaram ao original hebraico e
adotaram, quanto aos livros do Antigo Testamento, a lista restrita (a hebraica), enquanto os católicos
continuaram com a lista ampla (a grega). Seja lembrado, contudo, que Lutero guardou os livros da lista
ampla como anexo na sua edição da Bíblia.

Por essas razões existem diversas configurações da Bíblia do Antigo Testamento:


- a Bíblia hebraica: cânon restrito do AT;
- a Septuaginta: cânon amplo do AT;
- a Bíblia cristã na forma adotada pela Igreja Católica e pelas Igrejas Orientais (Igreja Ortodoxa etc.):
cânon amplo do AT (incluindo os deuterocanônicos) mais o NT;
- a Bíblia cristã na forma das Igrejas protestantes: cânon restrito do AT, mais o NT.

Resumindo: Quanto à matéria, a Septuaginta aumenta a Bíblia hebraica com os livros


deuterocanônicos, rejeitados pelos rabinos do judaísmo, mas aceitos pelos cristãos (em grifo no esquema
em baixo; em grifo e entre [ ] os que são aceitos somente pelos cristãos orientais). Quanto à ordem, a
Bíblia hebraica distingue três categorias (sendo a segunda subdividida em duas coleções). A Septuaginta
está organizada em quatro categorias. A Bíblia protestante adota os livros da Bíblia hebraica, mas na
ordem da Septuaginta. A "Tradução Ecumênica da Bíblia" (TEB) traz o AT na ordem hebraica, com os
livros deuterocanônicos em anexo.

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*Com as iniciais das três categorias forma-se a abreviatura TaNaK, que indica a Biblia hebraica judaica.

**Na Septuaginta e nos livros litúrgicos das igrejas orientais e da igreja Católica, a numeração dos
Salmos é levemente diferente, e Est e Dn contêm fragmentos deuterocanônicos.

A INTERPRETAÇÃO DA SAGRADA ESCRITURA


"Porque Deus na Sagrada Escritura falou por meio dos homens e à maneira humana, o intérprete
da Sagrada Escritura, para saber o que Ele quis comunicar-nos, deve investigar com atenção o que os
hagiógrafos realmente quiseram significar e o que aprouve a Deus manifestar por meio das suas
palavras." (DV, 12)
Para esse fim, o Vaticano II, lembra que é preciso ter em conta os gêneros literários, os sentidos
bíblicos e certas regras teológicas de interpretação.
‫ﻸ‬Os gêneros literários. A verdade é proposta e expressa de um modo ou de outro, conforme se trate de
gêneros históricos, proféticos, poéticos, etc. Estes gêneros devem ser entendidos como os entenderam os
povos semitas ou helenistas, no tempo em que foi escrito cada um dos livros (DV, 12).
‫ ﻸ‬Os sentidos bíblicos. Tradicionalmente, têm-se distinguido na Bíblia os sentidos seguintes: literal,
pleno, típico e acomodatício.
-‫ ﻸ‬O Sentido literal é aquele que o autor quis dar ao texto. Pode ser próprio e impróprio, figurado ou
metafórico. O próprio é aquele em que as palavras são tomadas no seu significado corrente; o impróprio é

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aquele em que as palavras são tomadas no sentido conotativo ou figurado, por exemplo: "Vós sois o sal
da terra." (Mt 5,13)
‫ ﻸ‬O Sentido pleno é o significado mais profundo do texto; sendo inicialmente pretendido pelo autor
divino, só se descobre à luz de uma revelação posterior, especialmente à luz do Novo Testamento. Este
sentido resulta do fato de a Bíblia ter dois autores: Deus, para quem o futuro é presente, e que, ao inspirar
um determinado texto, já conhece toda a revelação posterior nele implícita; e o hagiógrafo ou autor
humano, que apenas conhece e tem presente o mistério que Deus quer revelar nesse determinado
momento histórico da escrita. Exemplo claro disto são as profecias messiânicas do Antigo Testamento:
para nós são claras, porque o Messias já veio; mas o significado que hoje lhes atribuímos não foi atingido
plenamente pelo autor sagrado, e só Deus o teve presente desde o princípio.

‫ﻸ‬ O Sentido típico dá-se quando certos acontecimentos, instituições, pessoas, etc., por vontade de
Deus, representam e prefiguram acontecimentos, instituições e pessoas de ordem superior. Assim, a
serpente de bronze erguida por Moisés (Nm 21,8-9) é figura de Cristo crucificado (ver Jo 3,14); a
passagem do Mar Vermelho (Ex 14,22) é figura do Batismo (1 Cor 10,2); o maná (Ex 16,14) é figura da
Eucaristia (Jo 6).
‫ ﻸ‬O Sentido acomodatício consiste em dar às palavras da Sagrada Escritura um sentido diferente
daquele que o autor lhes quis dar, devido a uma certa semelhança entre a passagem bíblica e a sua
aplicação. Este sentido é muito usado na liturgia e na pregação. Temos um exemplo claro nas festas de
Nossa Senhora, em que a Liturgia relaciona com a Virgem Maria textos que se referem à sabedoria divina
(Pr 8,22-36; Sir 24,14-16)

Regras teológicas de interpretação.

Além do já aduzido, o Concílio aponta estes princípios que devem reger a interpretação da
Sagrada Escritura: "A Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo Espírito com que foi
escrita" (DV,12); ou seja: o mesmo Espírito que inspirou os livros santos deve iluminar os teólogos que,
docilmente e com espírito de fé, se dedicam a interpretá-los. Cabe aos exegetas, "de harmonia com estas
regras, esforçar-se por entender e expor mais profundamente o sentido da Escritura, para que, mercê deste
estudo preparatório, vá amadurecendo o juízo da Igreja." A função dos exegetas é preparar e não
substituir o juízo último da Igreja, pois só esta "goza do divino mandato e do ministério de guardar e
interpretar a Palavra de Deus" (DV,12).

Breve história do Povo de Deus


A Bíblia é uma história de amor:
a história da lealdade de Deus para com o povo que ele escolheu para testemunhar seu amor (Dt 7,7-8).

Os patriarcas. Abraão, Isaac e Jacó (Israel).


O povo da Bíblia chama-se a si mesmo "filhos (=descendentes) de Israel" (israelitas); os outros o
chamam de "hebreus" (= gente desorganizada, nômades)... Israel é o neto de Abraão, o patriarca por
excelência. Ligado à antiga cultura da Mesopotâmia, a Babilônia do tempo do rei Hamurabi (por volta de
1800 a.C), Abraão migra para a terra de Canaã (Israel-Palestina-Líbano) (Gn 12). Tem dois filhos: Ismael,
do qual descendem os ismaelitas (os árabes), e Isaac, o pai de Jacó, que é chamado Israel. No tempo de
Jacó-Israel, o país dominante é o Egito. Para lá se dirigem, num momento de carestia, os doze filhos de
Jacó - José e seus irmãos (Gn 47). É lá também que, depois da morte de José, vão conhecer a escravidão
(Ex 1-5).
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Israel antigo. Moisés e o Êxodo.
A história do Israel antigo começa com Moisés e o Êxodo. Graças ao líder Moisés (Ex 6), e com a ajuda
de Deus, os "filhos de Israel" são libertados da escravidão, atravessando o mar Vermelho (ou: dos
Juncos), no qual o faraó do Egito e suas tropas afundam (Ex 15). Essa libertação significa que eles já não
devem obediência ao faraó, mas sim, àquele que os libertou do Egito: Deus ("Javé", por reverência
chamado "o SENHOR"). Moisés estabelece uma "aliança" (pacto) entre "o SENHOR", como 'soberano, e
o 'povo do SENHOR", como vassalo (Ex 19-24). Para procederem conforme essa aliança, Moisés dá ao
povo a "Lei" ("Torá"). Por isso, Moisés é considerado o primeiro dos profetas (testemunhas ou porta-
vozes de Deus). Essa aliança implica a liberdade em relação a todos os outros senhores, também na "terra
prometida", Canaã, onde naquele tempo os vassalos locais roubam o povo para pagar tributos ao faraó. O
Povo de Deus é um povo livre.
Josué e os "juizes".
Depois da morte de Moises. Josué introduz o povo na terra prometida e lidera a tomada de posse
dessa “herança” (Js 1), renovando a aliança com o Senhor (Js 24). As doze tribos (conforme o número de
filhos de Jacó-Israel) se estabelecem em ambas as margens do rio Jordão. São governadas por líderes
locais, chamados “juizes", que presidem os conselhos dos anciãos. Em tempo de ameaça dos povos de
Canaã e de outros estranhos, algum juiz pode reunir as diversas tribos para se defenderem. E o que faz a
juíza Débora (Jz 4 5).
Os primeiros reis. Saul, Davi, Salomão.
Quando esse método de defesa se mostra fraco, sobretudo contra os fortemente armados filisteus,
o povo pede ao juiz e profeta Samuel um rei, que tenha um exército permanente, mas por isso também
alçará tributo (lSm 8).
O primeiro rei (das dez tribos do norte) é Saul. Depois dele, vem Davi (+ ou - 1000 aC), que
governa sobre o norte (Israel) e o sul (Judá). Seu sucessor Salomão constrói o templo de Jerusalém. Reina
com muito luxo e muitos impostos; por isso, na sua morte, as tribos do norte separam-se do sul (lRs 12)

O reino dividido.
O reino do Norte (Israel). Os assírios.
O primeiro rei do norte é o rebelde Jeroboão I. Um dos seus sucessores, Amri, constrói Samaria
como nova capital. Seu filho Acab lhe sucede no trono. No tempo deles atuam os profetas Elias, Eliseu e
Miquéias de Jemla. Outro sucessor, Jeroboão II, é contemporâneo dos profetas Oséias e Amós. Em 722
aC, os assírios, novos "donos do mundo", invadem Samaria e deportam os samaritanos para outras
regiões de seu império (2Rs 17).

O reino do Sul (Judá).


No sul perpetua-se a linhagem de Davi. O sucessor de Salomão é Roboão. Mas o sul só ganha
importância com o rei Josafá, que se une a Acab na luta contra os arameus (sírios), no século 8° aC.
Quando o norte é submetido pelos assírios, vemos surgir os profetas no sul (Miquéias de Morasti e
Isaías), no tempo do rei Acaz. Seu sucessor, Ezequias, tenta uma reforma religiosa. mas vira vassalo dos
assírios. Só meio século depois, o rei Josias (por volta de 620 aC) realizará uma reforma significativa:
acaba com os 'lugares altos" no interior e concentra todo o culto e o sacerdócio no templo de Jerusalém.
Essa reforma é chamada a "reforma deuteronomista", porque relacionada com o primeiro esboço
do livro do Deuteronômio (ver 2Rs 22-23). Por esse tempo atuam os profetas Jeremias e Sofonias.
Jeremias insiste junto aos sucessores de Josias (Joaquim, Jeconias e Sedecias) para que não façam pactos
com os egípcios, mas aceitem o poder de fato que agora está com os babilônios.

Os babilônios. O Exílio babilônico


De fato, em 597 o rei da Babilônia, Nabucodonosor, faz uma expedição punitiva contra Jerusalém e leva
o rei Jeconias e seus partidários para a Babilônia (1ª deportação para o Exílio babilônico; 2Rs 24).
Quando em 586 seu sucessor Sedecias comete o mesmo erro, os babilônios destruem o templo e levam o
rei e sua gente (2ª deportação; 2Rs 25). Os profetas dos exilados são Ezequiel e um longínquo discípulo
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de Isaías (o "Segundo Isaías"). O Exílio dura até 538, quando Ciro, rei da Pérsia, depois de vencer os
babilônios, se torna o novo "dono do mundo" e decreta a liberdade dos exilados (edito de Ciro: 2Cr
36,22-23).

O período persa. Nasce o "judaísmo".


Depois da volta, os exilados restauram Jerusalém. Os profetas da restauração são: um outro
longinquo discípulo de Isaías (o "Terceiro Isaías"), Ageu e Zacarias, os quais apóiam a reconstrução do
templo (o “segundo templo "), construído pelo sumo sacerdote Josué e pelo governador Zorobabel.
Zorobabel é descendente de Davi, mas não pode ser rei, pois a autoridade real é exercida pelo rei da
Pérsia: o povo não é totalmente livre. No nível da comunidade, é governado pelos sacerdotes do templo.
Sua referência de unidade está em Judá (Jerusalém); por isso, este período é chamado o judaísmo. Nos
séculos 5°- 4° aC, o governador Neemias e o escriba-sacerdote Esdras consolidam a organização do povo
em Jerusalém. A Esdras atribui-se a leitura da Lei (Ne 8) e a organização das sinagogas e do estudo da
Lei. É chamado "o pai do judaísmo".

O judaísmo no helenismo.
Por volta de 330 aC, Alexandre Magno, "o grego", conquista o império persa, inclusive Judá. Assim
começa o helenismo (heleno = grego). Depois da morte de Alexandre, em 323, seu reino é dividido.
Durante o 3° século aC, Judá vive sob o poder dos sucessores de Alexandre no Egito (lágidas ou
ptolomeus). Os samaritanos, que no tempo dos persas obedeciam a Jerusalém, agora separam-se dos
judeus. Por outra lado, muitos judeus se instalam na magnífica metrópole Alexandria do Egito, onde, por
volta de 250, começam a traduzir a Bíblia para o grego. No 2° século, os reis helenistas da Síria
(selêucidas) abocanham Judá. Em 167 aC, o rei Antíoco Epífanes profana o templo. Isso provoca a
resistência armada de Judas Macabeu e seus irmãos: a luta dos macabeus. Em 164, Judas Macabeu
reconquista e reconsagra o templo (lMc 4,36-61). Os macabeus chegam a constituir uma dinastia
(linhagem hereditário de reis nacionais), chamada de hasmoneus. Mas essa não é muito santa. Encampam
o sumo sacerdócio, apoiados pelos sacerdotes do templo (saduceus). Isso provoca a oposição dos fariseus
(leigos) e dos essênios (sacerdotes). Acirra-se também o conflito com os samaritanos: em 128, o
hasmoneu João Hircano destrói o santuário dos samaritanos no monte Garizim.

Os romanos. Inicios do cristianismo.


Quando as brigas internas dos hasmoneus tornam o país ingovernável, os anciãos de Judá apelam
para os romanos, os novos "donos do mundo". Em 63 aC eles vêm para ficar, sob o comando do general
Pompeu. Nomeiam o idumeu Antípater vice-rei. Seu filho, Herodes, o Grande, sucede-lhe. No fim de seu
governo, no tempo do imperador Augusto, nasce Jesus de Nazaré (5 aC), que atuará e será crucificado
durante o império de Tibério, sendo Pôncio Pilatos governador da Judéia e Herodes Antipas vice-rei na
Galiléia (Lc 2,1 -7; 3,1 -2.21 -23). Enquanto a Judéia é administrada pelos governadores romanos e os
vice-reis descendentes de Herodes (Agripa I e Agripa II), nasce e cresce a comunidade dos seguidores de
Jesus, com Pedro e Tiago como principais líderes. E um fariseu convertido, Saulo de Tarso (= Paulo),
provoca a grande expansão do cristianismo pelo mundo greco-romano (At 15).

Fim do Templo e do judaísmo antigo. Nascimento do judaísmo rabínico.


Em 66 dC, o movimento nacionalista dos zelotes inicia uma guerra conta os romanos. Os zelotes
ocupam o templo de Jerusalém. Depois de lento sufoco, o general Tito toma a cidade e destrói o templo,
em 70 dC. Os escribas fariseus, que anteriormente se tinham refugiado com os livros sagrados em Jamnia,
a 50km de Jerusalém, refundam então o judaísmo com base no estudo da Lei (sem templo nem
sacrifícios): o judaismo formativo, presidido pelos rabinos, do qual deriva o judaísmo que conhecemos
hoje.

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Terminologia para o povo de Deus
Hebreus
O termo "hebreus”, outra designação para os Israelitas, é usado com frequência por estrangeiros (Gn 39, 14;
Ex 1,16), apesar de, ocasionalmente, o termo “hebreu" aplicar- se aos israelitas quando eles se referem a si mesmos Ex
1,15-19, Jn 1,9). Nesses casos, os termos hebreu e israelita são intercambiáveis. Por definição, o ancestral dos hebreus é
identificado como Héber, filho de Sem (Gn 10,21-32). Abraão, Nacor e Ló são incluídos entre seus descendentes (Gn
11,10-32). Abraão é o ancestral dos hebreus, Nacor, dos arameus, e Ló, dos moabitas e amonitas. Abraão é chamado de
"o hebreu" (Gn 14,13). Geralmente, o termo “hebreu" tem caráter étnico.
Judeus
No período pós-exílico, a designação "judeu" referia-se a um membro da província babilônica ou persa de
Judá (Ne 4,1; Zc 8,23). A designação "judeu" também aparece em Jeremias cujo ministério se desenvolveu no final do
século VII e começo do século VI aC. (32,12; 40, 11). Assim, o uso do termo "judeu'' era um tanto flexível nos tempos
bíblicos. Uma pessoa pode ser caracterizada como "judia’ em função da religião e/ou do grupo étnico de origem.
Israel
O nome "Israel" é usado, pela primeira vez, em referência ao patriarca Jacó depois de seu encontro com Deus
em Fanuel (Gn 32,28). No Antigo Testamento, Israel também serve de designação para o povo de Deus como um todo.
Israel, os filhos de Israel e as doze tribos de Israel referem-se ao povo de Deus durante sua permanência temporária no
Egito, no êxodo do Egito, em sua jornada pelo deserto, sua entrada em Canaã sob a liderança de Josué e durante o tempo
dos juízes e de Samuel (Gn 49,28; Dt 33,5.10.28).
Sião
Sião aparece no Antigo Testamento como uma designação para o povo de Jerusalém como uma
comunidade (Jl 2,23; Is 3,16; Jr 4,31

Terminologia para a terra


Palestina
O termo "Palestina" teve origem no nome Pelishtim ou filisteus (lSm 4,1), uma das tribos dos chamados povos
do mar que invadiram a região no começo do século Xll aC. Os filisteus dominaram os cananeus e também se apossaram
da parte mais acessível das terras; por isso, seu nome foi atribuído à região toda. No Antigo Testamento, a designação
"Filístia" é usada não para a terra toda, mas apenas para a planície costeira do sul, a Filístia propriamente dita (veja Ex
15,14; Is 14,29-31; Jl 3,4). Em seu uso moderno, a designação "Palestina" aplica-se a todo o território separado para as
Doze Tribos, localizado tanto a leste quanto a oeste do rio Jordão.
Canaã
No Antigo Testamento, "Canaã" referia-se a todo o território a oeste do Jordão habitado pelos cananeus (Gn
12,5; Nm 33,51). Em outras passagens, os cananeus parecem ser habitantes de uma região limitada ao longo da costa ou
na planície (Nm 13,29; 14,25; Js 11,3). Assim, no Antigo Testamento, a designação "Canaã" pode ser uma referência a
uma área limitada ou a toda a região a oeste do jordão
Israel
Referências tanto ao povo de Deus como à Terra Prometida usando o termo "Israel" apareceram no tempo
da monarquia antiga durante os reinados de Saul, de Davi e de Salomão. Saul foi ungido rei sobre Israel (lSm 9,16-17).
Davi também foi ungido por Samuel como rei de Israel no lugar de Saul (lSm 16,1.13). Na realidade, Davi reinou
primeiro como rei de Judá, estabelecendo sua capital em Hebrom (2Sm 2,4.11). Isbosete, filho de Saul, reinava, então,
sobre Israel (2Sm 2,8-10). Davi acabou tornando-se rei de todo o Israel, inclusive Judá, estabelecendo sua capital em
Jerusalém (2Sm 5,1-5). Salomão herdou o reino de seu pai, Davi (lRs 2,11-12; 4,1).
Depois do reinado de Salomão e da divisão do reino em 931 aC., Israel tornou-se a designação para o Reino
do Norte, consistindo essencialmente de dez tribos (1Rs 11,30-31). O Reino do Norte também é chamado de "casa de
Israel" (Os 5,1; Am 5,1; Mq 1,5). "Israel" é usado para designar o Reino do Sul depois da queda do Reino do Norte em
722 aC. (Ed 1,3; 4,3).

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Terminologia para o reino dividido

Reino do Norte
Essa designação aplicava-se às dez tribos do Norte depois da divisão do reino (931 a.C)
Outras designações para o reino do Norte eram: Israel, Efraim e Samaria (Os 4,16-17; 7,1).

Efraim
A base para o uso do termo Efraim como designação para Israel veio do resultado da guerra
siro-efraimita (734 aC.), na qual Israel perdeu seus territórios periféricos a ficou reduzido à região
originalmente ocupada pelas tribos de Efraim e Manassés. Pelo falo de Efraim, a tribo mais influente do
Norte, ter muito mais proeminência do que Manassés, o título "Efraim" passou a ser associado a toda
essa região.
Samaria
Trata-se de outro nome para Efraim, o reino do Norte, e Israel. Essa região do Norte não
recebeu tal designação até que Samaria se tornasse sua capital, no reinado de Onri, no s~ec. IX aC.
Depois da queda do reino do Norte ( 722 a.C) e da deportação de seus habitantes, os assírios assentaram
cativos de outras regiões nas cidades de Samaria ( 2Rs 17,24-26). Eles chamavam o território de
província de Samerena e governaram-no até o final do século VII aC. O rei Josias de Judá, (640- 609
aC.), conseguiu destruir os, lugares altos nas cidades de Samaria (2Rs 23,19). Com a queda de Nínive, a
capital da Assíria, em 612 aC., o território de Samaria tornou-se uma província babilônica.
Após a queda do reino do sul em 586 aC., a região montanhosa do norte de Judá, incluindo
Jerusalém, tornou-se parte da província de Samaria. Com a conquista pelos persas em 539 aC., o
território tornou-se uma província ou satrápia do Império Persia. No período de Esdras (cerca de 350
aC.) e Neemias (cerca de 445-424 aC.), os governadores de Samaria tentaram evitar que os exilados
reconstruíssem o templo e suas muralhas (Es 4,4 24; Ne 2,9-20). Nos tempos de Neemias, a região
montanhosa do norte de Judá tornou-se uma província, e a fronteira com o sul da Samaria foi
estabelecida aproximadamente como era em tempos pré-babilônicos. Esta área tornou-se o centro dos
samaritanos, após a divisão entre judeus e samaritanos nos tempos de Esdras e Neemias.

Reino do Sul
O reino do Sul é outro nome dado a Judá e usado depois da divisão do reino em 931 aC. A
tribo de Simeão (e/ou Benjamim) estava incluída nessa denominação.

Judá
Judá era a designação para o reino do Sul depois da divisão do reino em 931 aC. Quando
Jeroboão I liderou as tribos do Norte a se revoltarem, a tribo de Judá, ao Sul, permaneceu leal a Roboão
e continuou fiel a dinastia davídica até sua queda em 586 aC.. Basicamente, essa área consistia no
território pertencente às tribos de Judá e Simeão. O cronista chamou os habitantes do Sul de "Judá e
Benjamim" ( 1Cr 12,16; 2Cr 11,1). Depois da queda do reino do Norte, Judá, algumas vezes, foi
designado Israel (Esd 1,3; 4,3).
Sião
O nome "Sião" apareceu pela primeira vez (2Sm 5,6-10; lCr 11,4-9) relacionado à conquista
de Jerusalém por Davi. Naquele tempo, "Sião" referia-se ,à um determinado monte fortificado. Mais
tarde, o termo ''São" estendeu-se para a área do templo (Sl 2,6; l32,13). Sião tornou-se equivalente a
Jerusalém (Is 28,16; 40,9; Jl 3,16; Mq 3,10). No Novo Testamento, Sião também tornou-se equivalente à
Jerusalém celestial (Ap 14,1).

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OS LIVROS DA SAGRADA ESCRITURA
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Os livros da Sagrada Escritura, tanto do Antigo como do Novo Testamento, agrupam-se em três
conjuntos: históricos, sapienciais e proféticos, conforme o gênero literário que neles predomina.
Nesta obra, cada conjunto e cada livro são precedidos de uma Introdução. Nela são dadas todas as
informações necessárias para enquadrar o texto no seu contexto histórico, geográfico e literário e se
apontam os seus objetivos e a sua mensagem teológica.

UNIÃO DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO


O Antigo Testamento é a história da revelação de Deus ao povo de Israel, narrada e explicada pelos
autores sagrados e escrita nos livros da Antiga Aliança, como verdadeira Palavra de Deus. Estava
orientado, "sobretudo, a preparar, a anunciar profeticamente e a significar com várias figuras a vinda de
Cristo, Redentor universal, e a do Reino messiânico" (DV,15). Embora a sua missão fosse preparar o
povo de Israel para a vinda de Cristo, mantém esse mesmo sentido para os homens de hoje. "A Lei (AT)
foi nosso pedagogo para nos conduzir a Cristo" (Gl 3,24). A experiência do povo de Israel é útil também
para quem continua à procura de Cristo. Todos temos necessidade de nos preparar para os novos adventos
de Cristo, que se realizam na Liturgia e na vida cristã, rumo à Parusia do Senhor.
O Antigo Testamento dá-nos a conhecer Deus e o ser humano e o modo como Deus se relaciona
com o homem e a mulher. Porque esse conhecimento está adaptado às pessoas a quem se dirige, no
Antigo Testamento encontram-se "imperfeições e coisas restritas a um tempo determinado." Realmente,
Deus tolerou modos imperfeitos de observar a lei moral: poligamia, divórcio, vingança, etc. Mas isso
manifesta a pedagogia divina, que vai conduzindo o povo do imperfeito ao mais perfeito. Por isso, o
Antigo Testamento conduz à perfeição do Novo Testamento.
Para além disso, o Antigo Testamento já exprime um vivo sentido de Deus, contém
doutrinas preciosas sobre Deus e a sua transcendência, sobre a criação, sobre o ser humano enquanto
imagem de Deus, sobre a Providência, etc.; e oferece-nos um tesouro admirável de orações. Por isso, "os
cristãos devem aceitar devotamente esses mesmos livros", como raiz do Novo Testamento e do
Cristianismo (DV,15).

A SAGRADA ESCRITURA NA IGREJA


A constituição Dei Verbum diz que "a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras a par com o
próprio Corpo de Cristo"; que sempre as considerou e continua a considerar, juntamente com a Sagrada
Tradição, como regra suprema da sua fé; e, por último, chama-lhes "a fonte pura e perene da vida
espiritual" (n.° 21). Mas, para ser realmente a fonte da vida espiritual, é preciso que a Bíblia volte a ser "a
alma da teologia", da pregação, da pastoral, da catequese e de toda a instrução cristã (DV, 24). Que todos,
sacerdotes, religiosos e fiéis mantenham um contat íntimo e constante com os Livros sagrados através da
leitura assídua, do estudo e da meditação. "Porque desconhecer as Escrituras é desconhecer a Cristo" (São
Jerônimo). Para isso, são precisas traduções acompanhadas das notas explicativas correspondentes, em
todas as línguas vivas, para que cada um as possa ler na sua língua materna (DV, 25).

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ABREVIATURAS DOS LIVROS
DA SAGRADA ESCRITURA

Ab  -  Profeta Abdias     Jr  -  Profeta Jeremias


At  -  Atos dos Apóstolos
Ag  -  Profeta Ageu  Jz  -  Juízes
Am  -  Profeta Amós
Ap  -  Apocalipse de João  Lc  -  Evangelho de S. Lucas
Br  -  Profeta Baruc
Cl  -  Carta aos Colossenses  Lm  -  Lamentações
Ct  -  Cântico dos Cânticos
 Lv  -  Levítico
1Cor  -  1.ª Carta aos Coríntios
2Cor  -  2.ª Carta aos Coríntios  1 Mac  -  1.° Livro dos Macabeus
1Cr  -  1.° Livro das Crónicas
2Cr  -  2.° Livro das Crónicas  2 Mac  -  2.° Livro dos Macabeus
Dn  -  Profeta Daniel
Dt  -  Deuteronómio  Mc  -  Evangelho de S. Marcos
Ecl  -  Eclesiastes (ou Qohélet)
Eclo  -  Eclesiástico  Ml  -  Profeta Malaquias
Esd - Esdras
Est  -  Ester  Mq  -  Profeta Miqueias
Ex  -  Êxodo
Ez  -  Profeta Ezequiel  Mt  -  Evangelho de S. Mateus
Fl  -  Carta aos Filipenses
Fm  -  Carta a Filémon  Na  -  Profeta Naum
Gl  -  Carta aos Gálatas  Ne  -  Neemias
Gn  -  Génesis
Hab  -  Profeta Habacuc  Nm  -  Números
Hb  -  Carta aos Hebreus
Is  -  Profeta Isaías  Os  -  Profeta Oseias
Jó  -  Jó
Jd  -  Carta de Judas  1 Pd  -  1.° Carta de S. Pedro
Jdt  -  Judite
Jl  -  Profeta Joel  2 Pd  -  2.° Carta de S. Pedro
Jn  -  Profeta Jonas
Jo  -  Evangelho de S. João  Pr  -  Provérbios
1 Jo  -  1.ª Carta de S. João
2 Jo  -  2.ª Carta de S. João  Rm  -  Carta aos Romanos
3 Jo  -  3.ª Carta de S. João
 1 Rs  -  1.° Livro dos Reis

 2 Rs  -  2.° Livro dos Reis

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 Rt  -  Rute

 Sb  -  Sabedoria

 Sf  -  Profeta Sofonias

 Sl  -  Salmos


 1 Sm  -  1.° Livro de Samuel

 2 Sm  -  2.° Livro de Samuel

 Tb  -  Tobias

 Tg  -  Carta de S. Tiago

 1 Tm  -  1.ª Carta a Timóteo

 2 Tm  -  2.ª Carta a Timóteo

 1 Ts  -   1.ª Carta aos Tessalonicenses

 2 Ts  -   2.ª Carta aos Tessalonicenses

 Tt  -  Carta a Tito

 Zc  -  Profeta Zacarias

Antigo Testamento
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A formação da Sagrada Escritura foi lenta e muito complicada. A maior parte dos seus livros são
obra de muitas mãos e a composição de alguns deles durou séculos. Assim, o Pentateuco, marcado pelo
cunho de Moisés, só conheceu a forma definitiva muitos séculos depois da sua morte (séc. V aC.); a
literatura profética, iniciada com Amós e Oseias (séc. VIII aC.), terminou com Joel e Zacarias (séc. IV
aC.); os livros históricos, embora contendo tradições do séc. XIII aC., foram escritos aproximadamente
entre os séc. V e I aC.; e a literatura sapiencial, iniciada com Salomão (séc. X aC.), só a partir do
séc. V aC. recebeu a sua forma definitiva e alguns livros são do limiar do Novo Testamento.
Portanto, a ordem dos livros que a Bíblia apresenta não é histórica, mas lógica; e a atribuição do
Pentateuco a Moisés, dos Salmos a Davi, dos livros sapienciais a Salomão e dos 66 capítulos do Livro de
Isaías a este profeta não corresponde à realidade, mas é uma simplificação da História. Se quisermos
captar o verdadeiro sentido dos textos, não podemos contentar-nos com esta simplificação, pois cada um
deles tem o seu contexto vivo, do qual não pode ser separado. Por isso, antes de passarmos a outros
problemas, vamos tentar resumir a história da formação dos livros sagrados.

HISTÓRIA LITERÁRIA DO ANTIGO TESTAMENTO


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A revelação de Deus à humanidade transmitiu-se, durante muitos séculos, através da tradição
oral. A Escritura só começa a ganhar corpo a partir de Davi. Já antes de Davi existiam documentos orais
ou escritos, como o Código da Aliança (Ex 20,22-23,33), o Decálogo (Ex 20,2-17; Dt 5,6-21), o poema
de Débora (Jz 5,1-31), o cântico de Moisés (Ex 15,1-18). É também a partir do reinado de Davi-Salomão
que se escreve uma das quatro "fontes" que se integrou no Pentateuco (a Javista), se inicia o Saltério por
meio de Davi e a literatura sapiencial recebe o seu primeiro impulso.
Com a morte de Salomão, o reino divide-se em Israel, ou Reino do Norte, e Judá, ou Reino do
Sul. A história destes dois reinos encontra-se nos livros dos Reis. Em Israel aparecem os profetas Elias e
Eliseu, defensores do culto a Javé; no tempo de Jeroboão II (783-743 aC.), Amós e Oseias e a tradição
"Eloísta" do Pentateuco. Em Judá, pouco depois de Amós e Oseias, surgem Isaías e Miqueias (ao profeta
Isaías pertence só a primeira parte do Livro de Isaías: cap.1-39). Em 722 aC., o Reino do Norte cai sob
o poder da Assíria e muitos habitantes fogem para Judá, levando consigo escritos e tradições sagradas;
deste modo, unem-se duas das tradições do Pentateuco: a Javista e a Eloísta .
No tempo do rei Josias (640-609 aC.), restaura-se o templo e procede-se a uma reforma
religiosa: o Reino do Norte tinha desaparecido e o do Sul estava a ser castigado, porque tinham sido
infiéis a Javé. É neste período e com esta perspectiva que aparecem os livros dos Juízes, Samuel e Reis.
Em 587 aC., Nabucodonosor avança sobre Jerusalém, toma a cidade e leva para Babilônia, como reféns,
muitos dos seus habitantes. É um momento importante na História do povo de Deus. Os sacerdotes, longe
do templo, voltam às tradições antigas, dando-lhes um cunho litúrgico e cultual. São ainda eles que,
depois do Deuteronômio, dão ao Pentateuco a sua forma definitiva.
Os judeus que tinham ficado na Palestina vêm chorar sobre as ruínas do templo e assim nascem as
Lamentações, que a Vulgata, indevidamente, atribuiu a Jeremias. Ao mesmo tempo, um profeta anônimo,
discípulo de Isaías (Segundo Isaías), conforta os desterrados na Babilônia (Is 40-55). Depois do regresso
da Babilônia, são compostos os capítulos 56-66 de Isaías (Terceiro Isaías) e, no séc. V aC., completa-se a
obra com os capítulos 24-27 e 34-35 (Apocalipse de Isaías).
Em 538 aC., de novo em Jerusalém, o Deuteronômio separa-se dos livros históricos e une-se ao
Pentateuco; aparece Rute e os profetas Ageu e Zacarias. É também neste século que floresce a literatura
sapiencial, editando-se o livro dos Provérbios e, pouco depois, o Livro de Jó. Com a reconstrução do
templo, nascem novos salmos e adaptam-se os antigos à nova liturgia.
No séc. IV aC., já deveria estar completo o Saltério; nasce o Cântico dos Cânticos; escreve-se
Jonas, que canta a providência e a salvação universal de Deus, e Tobias, que exalta a providência de cada
dia. A historiografia deste século está representada por 4 livros: 1 e 2 das Crônicas (ou Paralipómenos),
Esdras e Neemias, que são obra de um só autor, chamado Cronista.
No ano 333 aC., com a conquista da Palestina por Alexandre Magno, começa, na literatura bíblica,
o período helenista. Como reação, nasce um novo gênero literário tipicamente hebreu: o midrache bíblico.
Pertencem a este período o Eclesiastes (ou Qohélet) e Ben Sira (ou Eclesiástico).
Em 175 aC., Antíoco IV obriga todos os seus súbditos a adotar a vida e a religião dos gregos. Esta medida
provoca a revolta dos Macabeus. É neste ambiente que Daniel publica um livro apocalíptico, para animar
os seus compatriotas na luta. Anos depois (100 aC.), aparece o livro de Ester, 1.° e 2.° dos Macabeus e o
livro de Judite.Enquanto os judeus da Palestina resistiam à helenização, alguns judeus de Alexandria
procuraram assimilar o pensamento grego, sem sacrificar os seus valores próprios.
Esta atitude exprime-se no livro da Sabedoria.

CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO


O Antigo Testamento é a parte mais longa da Bíblia. Constitui a lista oficial ou cânon de livros
aceitos como inspirados e referentes ao tempo da religião hebraica anterior ao cristianismo. Mas esta lista
ou Cânon da Sagrada Escritura conheceu algumas divergências, já desde os tempos antigos. Tais
divergências nascem das próprias vicissitudes da formação da Bíblia entre os antigos hebreus.
A Bíblia que tem a lista mais longa de livros, chamada dos Setenta, é, na verdade, a mais antiga e
provém do judaísmo de Alexandria. Apresenta uma tradução dos textos bíblicos para o grego, feita nos
três séculos imediatamente anteriores ao cristianismo.

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Curiosamente, a lista mais recente é aquela que nos propõe apenas o texto original hebraico; a lista
final dos livros desta Bíblia Hebraica foi fixada por uma assembleia de rabinos em Jâmnia, só pelos finais
do séc. I d.C., e os critérios aí seguidos levaram a diminuir a lista de livros até então reconhecidos como
pertencendo à Bíblia. Ficaram assim de fora, no todo ou em parte, alguns livros incluídos há séculos na
Bíblia do judaísmo de Alexandria.
Por várias circunstâncias, nomeadamente pelo fato de estar na língua grega de uso internacional no
Mediterrâneo oriental, depressa o cristianismo fez sua a Bíblia Grega da Tradução dos Setenta (LXX) e
sempre aceitou sem grandes dificuldades o cânon do Antigo Testamento por ela apresentado. Entre os
cristãos, a posição a tomar diante destes dois cânones só foi discutida mais significativamente depois da
Reforma Protestante. Hoje em dia, as confissões protestantes em geral só aceitam os livros que pertencem
ao cânon hebraico, o chamado "cânon curto". Os livros que se encontram a mais na lista grega judaica e
cristã antiga são chamados deuterocanónicos ("apócrifos", entre os protestantes) ou pertencentes ao
"segundo cânon", chamado "cânon longo". Convencionou-se dar o nome de "primeiro cânon" à lista de
livros que são coincidentes tanto na Bíblia Hebraica como na Bíblia Grega.

NOMES DE DEUS

Javé (Yhwh): - SENHOR (só no texto)


'Adonay: - Senhor
'El: - Deus
'Elohim: - Deus
'Eliôn: - altíssimo
'El 'Eliôn: - Deus altíssimo
… Seba'ot: - … do universo
Shadday: - supremo
'El Shadday: - Deus Supremo
'Adonay Yhwh: - Senhor DEUS

NOME DE DEUS
Os nomes de Deus que aparecem em nossas Bíblias:
* Yahweh
* Javé
* Jeová ( Bíblia protestante)
Nenhum dos três é certo, porque Deus não tem nome, e no AT também não tem
rosto. No NT, seu rosto é Jesus.
Porque Deus não tem nome?
1°. - Só damos nome ao que possuímos. O superior dá nome ao inferior: Adão
dá nome aos animais;
o adulto dá nome à criança.
2°. - O nome restringe a pessoa: se meu nome é Luís, não pode ao mesmo
tempo ser João ,nem pedro.
A palavra DEUS, não é um nome, mas sim um qualificativo. O Filho sim, tem
nome e rosto.

CONTEÚDOS E SEÇÕES

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A atual lista de livros do Antigo Testamento foi, ao longo da sua história e tradição, organizada
segundo princípios diferentes, daí resultando classificações que não são coincidentes. As duas principais
classificações representam, ainda hoje, as duas tradições da Bíblia Hebraica e da Bíblia Grega, no
judaísmo antigo. A primeira divide o Antigo Testamento em Torá (Lei), Nebi'îm (Profetas) e Ketubîm
(Escritos); a segunda divide-o em Pentateuco, Históricos, Sapienciais e Proféticos.
Apesar de as modernas traduções tenderem a utilizar sobretudo o texto hebraico da Bíblia, para
estas divisões e para o ordenamento dos livros dentro do Antigo Testamento, é muito mais frequente
seguirem o esquema da Setenta

Pentateuco
Este nome grego significa "cinco rolos", ou livros, e inclui Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio. A autoria do PENTATEUCO, tradicionalmente considerado como Lei de Moisés, foi
atribuída a este grande líder do povo hebreu tanto pelo judaísmo como pelo cristianismo antigos.
Hoje, sabe-se que nenhum destes livros se pode atribuir a um único autor e menos ainda a Moisés,
pois todos tiveram uma história literária complexa, como veremos. Para além desta referência a Moisés,
os livros do PENTATEUCO têm uma certa sequência temática, pois descrevem as origens do povo de
Israel até à sua definitiva instalação em Canaã. Nomeadamente: a origem da humanidade e do próprio
povo hebreu na época patriarcal, a saída do Egito e a longa travessia do deserto; é nesta última fase que
aparecem enquadradas as leis fundamentais para a vida religiosa e social dos israelitas. Longas seções
narrativas alternam com grandes conjuntos de leis. O modo de escrever daquele tempo, misturando
História, Direito e Liturgia, não coincide com o nosso modo de fazer História; ao mostrarem a interven-
ção de Deus nessa História, os autores do PENTATEUCO pretendem também apresentá-la como modelo
da presença de Deus na História de cada povo.

FORMAÇÃO DO PENTATEUCO
Segundo alguns estudiosos, o texto atual deste conjunto resultaria de uma história literária
anterior, a que chamam "fontes" ou "documentos" conhecidos com o nome de Javista (J), Eloísta (E),
Sacerdotal (P) e Deuteronomista (D). De qualquer modo, o PENTATEUCO não foi escrito de uma só
vez nem é obra de um único escritor. Foi escrito a partir de tradições orais e escritas que se foram
juntando progressivamente e formando unidades maiores ao longo da história. A junção de todo o
material só se deu na época pós-exílica, altura em que se pode falar da redação final do PENTATEUCO.
Certamente que o período à volta do Exílio influenciou a leitura de todo esse patrimônio histórico
e religioso; mas, as tradições e outros materiais podem ser bastante antigos e manter, na sua forma final,
os traços dessa antiguidade. Provavelmente, o processo de formação dos cinco primeiros livros da Bíblia
desenvolveu-se, nas suas linhas gerais, em vários períodos.
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No início estaria um núcleo narrativo histórico bastante restrito, da época de Salomão. Este núcleo
é depois retomado e ampliado por volta dos finais do séc. VIII aC., recolhendo tradições e fragmentos do
reino do Norte e relendo tradições antigas numa nova perspectiva.
No séc. VIII aparece o Deuteronômio primitivo, descoberto no tempo de Josias (622 aC.) e
incluindo essencialmente leis e um pequeno prólogo. É depois ampliado para dar o texto atual de Dt 1-28.
As questões levantadas pelo Exílio fazem aparecer a grande obra histórica "deuteronomista" que se vai
elaborando ao longo de várias fases, integrando, de algum modo, todos os materiais já recolhidos
anteriormente. Esta grandiosa reconstrução provoca uma série de retoques "deuteronomistas", ao longo de
todo o texto do PENTATEUCO, que já estaria redigido.
No exílio da Babilônia aparece o "escrito sacerdotal primitivo", obra dos sacerdotes exilados.
Depois do regresso do Exílio, no séc. V, este escrito é combinado com os precedentes, retocado e
aumentado nalguns aspectos e vai ocupar um lugar dominante no conjunto da narração. A esta redação
final se deve o termo de toda a trama narrativa na morte de Moisés e, logicamente, a delimitação do
Pentateuco, separando o Deuteronômio do resto da história deuteronomista. Este trabalho deve ter sido
concluído por volta do ano 400 aC..

O PENTATEUCO E A HISTÓRIA DE ISRAEL


Origem e autoria
A tradição atribuiu a autoria do Pentateuco a Moisés, mas um exame aprofundado mostra que a
obra recolhe tradições narrativas e legislativas que vão desde a época dos patriarcas (1800-1500 aC) até o
tempo de Esdras, depois do exílio babilônico, quando o conjunto recebeu a redação final ( 450 aC). Pode-
se dizer que Moisés está no início do Pentateuco, mas não no fim.
Resumindo os estudos eruditos, distinguimos quatro tradições, que se encontram entretecidas
como os fios de um tecido ou, melhor, harmonizadas como as quatro vozes de um canto polifónico. Os
redatores finais da obra quiseram deixar ouvir todas as vozes da tradição religiosa e nacional de Israel, e é
com este intuito que a "Lei" foi lida na festa das Tendas organizada por Esdras (cf. Ne 8,9). Pode-se
comparar o Pentateuco a um rio alimentado por quatro fontes principais:

1) A fonte javista - representando sobretudo o reino do Sul, Judá - é chamada assim porque usa o nome
próprio de Deus, Javé, desde o início, bem antes da revelação do "Nome" a Moisés em Ex 3. Fala das
origens do mundo, da humanidade e de Israel, dos patriarcas, do êxodo do Egito, da peregrinação pelo
deserto e termina com a morte de Moisés. Sua linguagem é concreta, imaginativa e seu conceito de Deus,
familiar e antropomórfico: Deus age como um ser humano, está próximo e convive com os "filhos de
Adão"(Gn 2-3)
2) A fonte eloista representa o reino do Norte (Israel) e é chamada assim por designar Deus pelo nome
genérico de elohim, reservando o nome Javé para depois da revelação a Moisés (Ex 3). Seu ensinamento
abrange a história dos patriarcas, o êxodo do Egito, a peregrinação pelo deserto, a teofania do Sinal e
termina com a morte de Moisés. Sua concepção de Deus é mais "severa", de onde a necessidade de
recorrer a intermediários na comunicação de Deus com o ser humano: anjos, sonhos, profetas.
3) A fonte sacerdotal representa os sacerdotes e levitas ligados (pelo menos a partir de certa data) ao
templo de Jerusalém. Caracteriza-se pelas genealogias, cronologia, números e a linguagem repetitiva.
Sublinha claramente a transcendência e a soberania divina sobre a criação (cf. Gn 1). Embora esteja
presente em todo o Pentateuco, esta fonte identifica-se sobretudo com o livro do Levítico.
4) A fonte deuteronomista representa a tradição profética, da qual surgiram os movimentos de reforma
religiosa em Israel e Judá. Por ocasião da reforma do rei Josias (620 aC), surgiu o primeiro esboço do
Deuteronômio (Dt 12-26). Depois, esta mesma "escola" completou o Deuteronômio e redigiu a
historiografia deuteronomista, os livros Js-Jz-Sm-Rs. No Pentateuco, sua presença restringe-se ao
Deuteronômio. Seu estilo é retórico, caracterizado por fórmulas como "ouve Israel", "o SENHOR teu

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Deus", "a terra onde corre leite e mel" etc. Insiste na centralização do culto em Jerusalém, na eleição
gratuita de Israel e no amor de Deus.
A redação final do Pentateuco depois do exílio babilônico, conservou o estilo, o espírito e a
teologia das tradições que recolheu. Não eliminou as incongruências e guardou certas partes em duas
versões (a promessa a Abraão, Gn 15 e Gn 17,1-8) ou até em três versões (a aventura da mulher do
patriarca, Gn 12,10-20; 20,1-18; 26,7-11). No caso da história da criação, a redação final antepôs ao
relato da criação do ser humano Gn 2,4b-25) um poema sobre a criação do universo (Gn 1,12,4a). Essa
justaposição de diversas tradições é significativa sobretudo no caso das coleções de leis: as leis não são
códigos legais sistematizados e unificados, mas antes, exemplos de procedimento. Conforme o sentido da
palavra torah ("instrução), antes ensinam do que impõem.
A diversidade de tradições converge em uma tradição interpretativa viva. Por isso, mais que a
hipotética distinção das fontes, importa saborear o teor do conjunto que foi acolhido e transmitido pela
comunidade de fé.

A lição do Pentateuco
O Pentateuco apresenta os grandes temas da promessa, da eleição, do amor, da fidelidade e da
esperança. Focalizando, no conjunto da humanidade, o povo eleito, descreve sua caminhada até à
fronteira da Terra Prometida, assim como, no tempo em que a obra foi redigida, os exilados da Babilônia
estavam querendo voltar a essa mesma terra, para reiniciar a vida sob a guia do Deus da aliança de
Moisés.
No Pentateuco, Israel olha para seu passado e descobre Deus como alguém que o elege, protege e
conduz, agindo em seu favor, mesmo quando desobedece. Restaurado depois do exílio babilônico, Israel
sentiu-se convidado a seguir o exemplo de Abraão, Isaac, Jacó e Moisés na fidelidade ao Deus das
promessas. Por isso, as exigências do culto e da Lei que permeiam esta obra devem ser vistas como
expressão do amor de Israel a Deus acima de todas as coisas.
O que os autores do PENTATEUCO pretendem manifestar nesta História Sagrada não é tanto o
povo com as suas virtualidades e peripécias históricas, mas o domínio absoluto de Deus sobre todas as
coisas e sobre todas as instituições humanas, incluindo a realeza, que no Médio Oriente era considerada
de origem divina. O poder vem de Deus e da sua Palavra, transmitida pelos seus intermediários.
Esta "Lei", como já foi dito não é um simples conjunto de leis humanas; é um "ensinamento" para
viver segundo a vontade de Deus, um chamamento à perfeição e à santidade: "Porque Eu sou o Senhor
que vos fez sair do Egito, para ser o vosso Deus. Sede santos, porque Eu sou santo." (Lv 11,45)
O PENTATEUCO recebeu inegáveis influências de todos estes documentos ou tradições e de
muitos outros fatores ligados à História e à religião de Israel. Mas, o que os autores do PENTATEUCO
pretendem manifestar nesta História Sagrada não é tanto o povo com as suas virtualidades e peripécias
históricas, mas o domínio absoluto de Deus sobre todas as coisas e sobre todas as instituições humanas,
incluindo a realeza, que no Médio Oriente era considerada de origem divina. O poder vem de Deus e da
sua Palavra, transmitida pelos seus intermediários.
Esta "Lei" não é um simples conjunto de leis humanas; é um "ensinamento" para viver segundo
a vontade de Deus, um chamamento à perfeição e à santidade: "Porque Eu sou o Senhor que vos fez sair
do Egito, para ser o vosso Deus. Sede santos, porque Eu sou santo." (Lv 11,45)
O PENTATEUCO é a Carta magna do judaísmo pós-exílico. Após esta difícil mas frutífera
experiência, o Estado judaico, antes apoiado nas estruturas da monarquia davídica, passa a reger-se
unicamente pela "Lei" de Deus e deixa-se orientar pelos que detêm o monopólio do culto, os sacerdotes.
Uma comunidade monárquica transforma-se numa comunidade cultual em honra do Deus da Aliança.
São os sacerdotes que editam e reeditam a Lei.
Sendo uma História Sagrada em que se manifesta a presença do Deus da Aliança na vida do seu
povo, o PENTATEUCO desenvolve-se a partir de três fatores principais: a epopéia do Êxodo, a Lei do
Sinai e a fé num Deus único. Por isso, mais tarde, e diferentemente de outros povos, Israel não necessitou
da monarquia para sobreviver.

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LEITURA CRISTÃ DO PENTATEUCO
O PENTATEUCO é uma história nunca terminada, mas sempre aberta às infinitas possibilidades
do Senhor da História. Podemos, pois, dizer que o resto do Antigo Testamento é, de algum modo, uma
releitura contínua do PENTATEUCO à luz de novos acontecimentos da História de Israel e do mundo
que o rodeia.
Mas o PENTATEUCO também aponta para um novo Êxodo, para uma outra Terra Prometida,
para uma outra presença de Deus - Jesus Cristo. Ele é a nova Lei, a nova manifestação de um Deus que
nunca cessa de renovar a Aliança com o seu povo. Cristo e os primeiros discípulos leram o
PENTATEUCO como uma história aberta que se completa na vinda do Messias. A partir daí, a relação do
homem com Deus já não passa pela observância material da Lei, mas pelo seguimento de Cristo. Porém,
aquilo que se põe de lado não é o PENTATEUCO, mas apenas a interpretação fechada que dele fez o
judaísmo rabínico.
Assim, o PENTATEUCO não só não impede, mas ajuda a compreensão de Cristo e do seu
Evangelho: ao lê-lo, pensamos no Evangelho, e quando lemos o Evangelho, encontramos as suas raízes
no PENTATEUCO; não se pode ler os mandamentos da Lei, sem os comparar com os mandamentos da
Nova Lei - as Bem-aventuranças. Os cristãos reconhecem em Cristo a Palavra de Deus encarnada, e no
Evangelho, a Nova Lei; Lei que não vem abolir a antiga, mas dar-lhe toda a perfeição (Mt 5,17-18).
Cristo, de que Moisés era apenas uma figura, veio fundar um novo povo, uma nova comunidade, liberta
na Páscoa da sua Paixão-Ressurreição. Numa palavra, Cristo é, para os seus discípulos, a nova Lei, a nova
Páscoa, o novo Templo de Deus entre os homens (Jo 2,21; Ap 21,3.22), a nova Aliança, não apenas com
um povo, mas com toda a Humanidade.

ESBOÇO DO LIVRO DE GÊNESIS


I. As origens do mundo e da humanidade 2. CICLO DE ISAAC E DE JACÓ
1. A CRIAÇÃO E AO DILÚVIO - Nascimento de Esaú e Jacó – 25,19-28
*1,1-2,4a A obra dos seis dias - (Fonte Sacerdotal) - Esaú cede seu direito de primogenitura – 25,29-34
*2,4b-25 A formação do homem e da mulher - (Fonte - Isaac em Gerara – 26,1-14
Javista) - Os poços entre Gerara e Bersabéia – 26,15-25
- O relato do paraíso - 3,1-24 - Aliança com Abimelec – 26,26-33
- Caim e Abel - 4,1-16 - As mulheres hetéias de Esaú – 26,34-35
- A descendência de Caim – 4,17-24 - Jacó intercepta a bênção de Isaac – 27,1-45
- Set e seus descendentes - 4,25-26 - Isaac envia Jacó a Labão - 27,46-28,5
- Os Patriarcas anteriores ao dilúvio - 5,1-32 - Outro casamento de Esaú – 27,6-9
- Filhos de Deus e filhas dos homens – 6,1 -4 - O sonho de Jacó – 27,10-22
- Jacó chega à casa de Labão – 29,1-14
2. O DILÚVIO
- Os dois casamentos de Jacó – 29,15-30
- A corrupção da humanidade – 6,5-12
- Os filhos de Jacó — 29,31-30,24
- Preparativos do dilúvio - 6, 13-7,16
- Como Jacó se enriqueceu – 30,25-43
- A inundação – 7,17-24
- Fuga de Jacó – 31,1-21
- Vazão das águas - 8,1-14
- Labão persegue Jacó – 31,22-42
- A saída da arca – 8,15-22
- Tratado entre Jacó e Labão — 31,43-32,3
- A nova ordem do mundo – 9,1-17
- Jacó prepara seu reencontro com Esaú – 32,4-22
3. DO DILÚVIO A ABRAÃO - A luta com Deus – 32, 23-33
- Noé e seus filhos – 9,18-29 - O encontro com Esaú – 33,1-11
- A tábua das nações – 10,1-32 - Jacó separa-se de Esaú – 33,12-17
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- A torre de Babel – 11,1-9 - Chegada a Siquém – 33,18-20
- Os Patriarcas depois do dilúvio – 11,10-26 - Violência feita a Dina – 34,1-5
- A descendência de Taré – 11,27-32 - Pacto matrimonial com os siquemitas - 34,6-24
- Vingança traidora de Simeão e Levi – 34 25-31
II. História dos Patriarcas
- Jacó em Betel – 35,1-15
1. CICLO DE ABRAÃO
- Nascimento de Benjamim e morte de Raquel- 35,16-20
- Vocação de Abraão – 12,1-9
- Incesto de Ruben - 35,21-22a
- Abraão no Egito – 12,10-20
- Os doze filhos de Jacó  - 35,22b-26
- Separação de Abraão e de Ló – 13,1-18
- Morte de Isaac - 35,27-29
- A campanha dos quatro grandes reis – 14,1-16
- Mulheres e filhos de Esaú em Canaã – 36,1-5
- Melquisedec – 14,17-24
- Migração de Esaú – 36,6-8
- As promessas e a aliança divinas – 15,1-20
- Descendência de Esaú em Seir – 36,9-14
- Nascimento de Ismael – 16,1-16
- Os chefes de Edom – 36,15-19
- A aliança e a circuncisão – 17,1-27
- Descendência de Seir, o horreu – 36,20-30
- A aparição de Mambré – 18,1-15
- Os reis de Edom – 36,31-39
- A intercessão de Abraão – 18,16-33
- Ainda os chefes de Edom —36, 40-37,1
- A destruição de Sodoma – 19,1-29
- Origem dos moabitas e dos amonitas – 19,30-38 III. História de José
- Abraão em Gerara – 20,1-18 - José e seus irmãos – 37,2-11
- Nascimento de Isaac – 21,1-7 - José vendido por seus irmãos – 37,12-36
- Expulsão de Agar e Ismael- 21,8-21 - A História de Judá e de Tamar 38,1-30
- Abraão e Abimelec em Bersabéia 21,22-34 - Início da vida de José no Egito – 39,1-6
- O sacrifício de Abraão – 22,1-19 - José e a sedutora – 39,7-20
- A descendência de Nacor – 22,20-24 - José na prisão – 39,21-23
- A fome – 41,53-57 - José interpreta os sonhos dos oficiais do Faraó- 40,1-23
- Primeiro encontro de José com seus irmãos – 42,1-24 - Os sonhos do Faraó – 41,1-36
- Retorno dos filhos de Jacó a Canaã 42,25-38 - Exaltação de José 41,37-49
- Os filhos de Jacó retornam com Benjamim – 43,1-14 - Os filhos de José 41,50-52
- O encontro com José – 43,15-34 - A família de Jacó – 46,8-27
- A taça de José na saca de Benjamim – 44,1-17 - A acolhida de José – 46,28-34
- Intervenção de Judá – 44,18-34 - A audiência do Faraó – 47,1-5a
- José se dá a conhecer – 45,1-15 - Outras narrativas – 47,5b-12
- O convite do Faraó – 45,16,20 - Política agrária de José – 47,13-26
- O retorno a Canaã – 45,21-28 - Últimas vontades de Jacó- 47,27-31
- Saída de Jacó para o Egito- 46,1-7  - Jacó adota e abençoa os dois filhos de José – 48,1-22
- O túmulo dos Patriarcas – 23,1-20 - Bênçãos de Jacó – 49,1-28
- A Casamento de Isaac – 24,1-67 - Últimos momentos e morte de Jacó – 49,29-33
- A descendência de Cetura – 25,1-6 - Funerais de Jacó – 50,1-14
- Morte de Abraão – 25,7-11 -Da morte de Jacó à morte de José – 50,15-26
- A descendência de Ismael – 25,12-18

Gênesis
Ao primeiro livro da Bíblia - e, portanto, do Pentateuco - damos hoje o nome de GÊNESIS.
É termo grego e significa "origem", "nascimento". Os livros da Bíblia Hebraica não tinham qualquer
título. Eram chamados, simplesmente, pela primeira ou primeiras palavras. Este se chamava berechit.
Os autores da tradução da Bíblia Hebraica para o grego (Bíblia dos Setenta) acharam por bem dar aos
livros um título de acordo com o seu conteúdo. Como este livro trata do princípio de tudo, chamaram-lhe
GÊNESIS, isto é, Livro das Origens.

CONTEÚDO E ESTRUTURA
Todos os povos se perguntaram alguma vez: Donde viemos? Qual foi a nossa origem? Quem foi o
fundador do nosso povo? Qual o nosso destino? Umas vezes, essas perguntas eram formuladas a partir de
situações de desgraça coletiva: Que sentido tem o nosso fracasso e o nosso sofrimento? Que sentido tem a
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morte irremediável? Há um Alguém que possa responder a todas as interrogações do homem? Outras
vezes, tinham um fundo político, pretendendo legitimar situações de privilégio presente ou reclamar
direitos fundados num passado mais ou menos remoto.
O povo de Israel, na sua reflexão interna ou no confronto com outros povos, religiões e culturas,
colocou a si próprio estas e outras questões semelhantes e deixou-nos as suas respostas neste livro. O
GÊNESIS é, pois, o livro das grandes interrogações e das grandes respostas, não só do povo de Deus, mas
de toda a humanidade. Por isso se diz que este livro é uma espécie de grande pórtico da catedral da Bíblia,
pois de algum modo a resume na totalidade da sua beleza e conteúdo.
O GÊNESIS engloba, também, grande parte da História do povo de Israel: desde "as origens" até à
estadia de Jacó no Egito e a conseqüente formação das doze tribos. Pretendendo dar-nos uma concepção
histórica, horizontal e dinâmica da História da Salvação, este livro faz a ligação entre "as origens" da
humanidade (1,1) e a História concreta do povo de Israel. Por isso apresenta-nos, sobretudo nos 11
primeiros capítulos, teologia e catequese em forma de História, ou melhor, de histórias e não de fatos
históricos no sentido científico.

Conteúdo geral
1-11 12-50: Os patriarcas
Os Primórdios 12,1-25,18: 25,19-36,43: 37,1-50,26:
Abrão - Abraão Isaac e Jacó José e seus irmãos

I. Os primórdios (1 - 11)

Gn 1-11 situa Israel no contexto da humanidade. O autor trata da origem do universo, da cultura,
da dispersão dos povos e da pluralidade das línguas. Depois de ter evocado a criação do universo (cap. 1)
e do ser humano (2), descreve como, ao afastar se de Deus, o homem pecou, querendo ser "dono de seu
nariz" (3), entregando-se à violência (4) e a todo tipo de abusos (5-6). Mas depois do castigo purificador
do dilúvio, fica em pé a figura de Noé, eleito para dar um novo início à humanidade, projeto que Deus
confirma por uma aliança (7-10) E quando o orgulho babélico provoca a dispersão de povos e línguas
(11), surge a figura de outro eleito e 'aliado" de Deus: Abraão (11,27-32).

II. Os patriarcas (12-50)

Na história dos patriarcas aparece a intervenção constante de Deus na vida dos pais da fé. Deus
escolhe Abraão, no qual todas as nações serão abençoadas. O projeto salvífico de Deus é levado adiante
por meio de sucessivas eleições:
- Deus elege Isaac, o filho da promessa, enquanto Ismael, fruto da "tentativa humana” de Abrão ter
descendente, é encaminhado para outro destino;
- Deus abençoa Jacó, apesar da primogenitura de Esaú, que segue por outro caminho;
- Deus escolhe Judá, ignorando os direitos de Rúben e Simeão e mesmo a preferência de Jacó por José.
Em suma, a história dos patriarcas mostra como o homem, muitas vezes contra seus próprios
planos, deve responder ao chamado de Deus e confiar no plano salvífico traçado por Deus e no dom
gratuito, a "graça ", por ele proposta.

Poderíamos resumir assim o seu conteúdo:

I. História das Origens (1,1-11,32)


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1,1-2,4a: Criação do universo e dos seus habitantes (segundo a tradição Sacerdotal: P).
2,4b-3,24: Formação do homem e da mulher. Origem do pecado (tradição Javista: J).
4,1-24: "História de dois irmãos", Caim e Abel. Descendência do primeiro.
4,25-5,32: Set e a sua descendência.
6,1-9,17: Corrupção da humanidade e Dilúvio (anti-Criação).
9,18-10,32: Recriação, a partir de Noé, o homem novo. Lista de povos.
11,1-9: Torre de Babel: a humanidade constrói uma sociedade sem Deus.
11,10-32: Descendência de Sem até Abraão, promessa de um povo novo.

As consequências do pecado - Gênesis


Versículo Consequências
3,7 O conhecimento do mal adquirido pela vivência
A vergonha e a culpa
A busca por roupas para se cobrir

3,8 O desejo de se esconder


O medo da Presença de Deus
A perda da comunhão com Deus

3,12 A recusa da responsabilidade pessoal


A substituição da sua culpa pela acusação a outros.

As alianças de Gênesis
Alianças Referências Condições
No Éden Gn 2,15-17 Deus: Provê todas as necessidades humanas
Humanidade : Está proibida de comer do fruto do
conhecimento do bem e do mal.
............................................................................
Com Adão Gn 3,14-21 Deus: Promete o Messias
Humanidade : Nenhuma exigência, mas vai sofrer as
consequências do pecado.
...........................................................................
Com Noé Gn 9,1-19 Deus: Promete não mais destruir a terra com dilúvio
Humanidade : Nenhuma exigência.
Sinal : O arco-íris (vs.12-13)
..............................................................................
Com Abraão Gn 15,3-21 Deus: Promete fazer uma grande nação da descendência de

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Abraão e dar-lhe a terra de Canaã e a benção
Abraão: andaria inculpável diante de Deus (Gn 17,1-2)
Sinal : A circuncisão (Gn 17,10-14)
..........................................................................................................................................................................

II. História dos Patriarcas (12,1-50,26)


 Ciclo de Abraão (12,1-23,20): vocação, emigração para Canaã e Egito. Nascimento de Isaac e
Ismael. Morte de Abraão.
 Ciclo de Isaac (24,1-27,46).
 Ciclo de Jacó (28,1-36,43): já a partir de 25,19, Jacó começa a tornar-se a personagem principal,
tanto em relação ao pai (Isaac), como em relação a seu irmão Esaú.
 Ciclo de José (37,1-50,26): o penúltimo dos filhos de Jacó, vendido como escravo para o Egito faz
a ligação histórica e teológica com o livro seguinte, o Êxodo. É um ciclo muito especial, também
chamado História de José.
Este esquema histórico-literário apresenta-se como uma obra prima, não só a nível
teológico, mas também na sua estrutura literária. De fato, a "História das Origens" (cap. 1-11)
aparece como Prólogo histórico-teológico da História de Israel e da humanidade. E pretende ser o
elo de ligação entre a Criação do mundo e Abraão, o pai do povo hebreu (cap. 12). O Egito, como
lugar de escravidão do Povo, é lugar de peregrinação para Abraão, Jacó e José. Estes e outros
elementos fazem a ligação deste livro com o Êxodo e com os outros livros seguintes.

Quantos anos tinham os patriarcas ?


ANTES → DILÚVIO ← DEPOIS

ADÃO - 930 anos (Gn 5,5) SEM - 600 anos (Gn 11,10-11)
SETE - 912 anos (Gn 5,8) HÉBER - 464 anos (Gn 11,16-17)
ENÓS - 905 anos (Gn 5,11) TARÉ - 205 anos (Gn 11,32)
HENOC - 365 anos (Gn 5,23) ABRAÃO - 175 anos (Gn 25,7)
MATUSALÉM - 969 anos (Gn 5,27) ISAAC - 180 anos (Gn 35,28)
LAMEC - 777 anos (Gn 5,31) JACÓ - 147 anos (Gn 47,28)
NOÉ - 950 anos (Gn 9,29) JOSÉ - 110 anos (Gn 50,26)

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FONTES E GÊNEROS LITERÁRIOS

Donde vem todo este material? O povo hebreu vivia numa região onde se cruzavam muitos povos
e civilizações. Este fato originou um inegável intercâmbio cultural entre eles. Os impérios que dominaram
a Mesopotâmia e o Egito, assim como as civilizações da Fenícia e de Canaã, são a fonte literária e
histórica do GÊNESIS e do AT em geral.
É inegável que nos 11 primeiros capítulos se encontram abundantes elementos dessas culturas,
incluindo alusões a certos mitos da Suméria, da Babilônia e de Ugarit, especialmente aos poemas da Criação,
Enuma-Elish e Atrahasis. O poema de Gilgamesh está também presente no relato do Dilúvio. Muitas vezes, os
autores do Gênesis colocam-se em polémica aberta contra os mitos pagãos, como no caso de 1,1-2,4a.
Na História Patriarcal (cap. 12-50) encontramos, igualmente, pequenos fatos alusivos ao
convívio com povos vizinhos. No que se refere à origem dos Patriarcas, há relatos sobre os antepassados
tribais, heróis antigos, genealogias ou listas de patriarcas (cap. 5) e de povos (cap. 10), e outras histórias
que pretendiam explicar a origem dos povos em geral e de Israel em particular. Por isso, este livro tem
gêneros literários variados:

* A lenda: é o mais comum e consiste em produzir um relato a partir de um fato real, nome de
pessoa ou de lugar. Há lendas etiológicas, que pretendem explicar, no passado, a "causa" de qualquer
fenômeno ou acontecimento do presente. Um belo exemplo de lenda etiológica é o relato da destruição de
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Sodoma e Gomorra. Há ainda lendas etiológicas para explicar a origem de nomes de pessoas (para Isaac,
que significa "rir", ver 18,9-15; 21,2-7).
*A genealogia: é uma lista de nomes que recua o mais longe possível até ao passado, a partir do
presente. Pretende justificar no aspecto jurídico certos acontecimentos, privilégios de uma classe social ou
de um povo (5,1-32; 10; 11,10-32). É sua intenção preencher o imenso espaço entre a Criação e a História
do povo hebreu.
*As sagas ou histórias antigas de todo o gênero: luta pelos poços, guerras tribais, histórias de
famílias...
*Também encontramos aqui a linguagem mítica. Sabemos que os autores do GÊNESIS
combateram os mitos. Mas, para falar dos grandes problemas da humanidade, não deixaram de utilizar a
linguagem e certos elementos mitológicos que estavam em voga, como a criação do homem a partir do
barro (2,7), a árvore da Vida e a árvore da ciência (2,9-10; 3,1-6), o mito da serpente (cap. 3).

Todo este material foi colecionado muito lentamente. Primeiro surgiram pequenos conjuntos à volta
de um santuário, de um acontecimento ou de uma personagem; podemos chamar-lhes tradições, e foram
transmitidas oralmente, ao longo de muitos séculos. Quando aparece a escrita, essas tradições são fixadas
em documentos. Com a queda do Reino do Norte (Samaria), em 722, essas tradições são trazidas para o
Sul (Jerusalém). Finalmente, no período do Exílio (587-538), os redatores da escola Sacerdotal reúnem
todas as grandes tradições e documentos existentes, imprimindo-lhes o seu próprio estilo e teologia.
Podemos dizer que o GÊNESIS contém material recolhido entre os séculos XIII ao século V aC.

Temas específicos do livro do Gênesis


- A bondade da criação. Gn 1,1-2, 4a é um verdadeiro hino de louvor à criação, e com Gn 2,4b-
17 pode-se comparar o Salmo 8, que canta o carinho de Deus para com a criatura humana. Todo o livro
do Gn transpira o amor à criação: a promessa a Abraão sob o céu de estrelas (15,5), as cenas idílicas em
torno do casamento de Isaac (24-27), as andanças dos pastares pelos campos do Oriente - lição muito
valiosa num tempo em que o ser humano destrói orgulhosamente a criação.

- O homem e o chão, a terra e o povo. Na primeira parte do livro (l-1l) predomina a relação do
ser humano (adâm) com o solo, o chão (adamâ), na segunda (12-50), a relação da família (casa, clã) com
a terra, como marcam as promessas de descendência e do território. Deus deu o solo à humanidade, e a
Israel, filho de Abraão, o seu território. Israel se percebe como eleito por Deus para ocupar aquele
território e, nele, adorar o Senhor A eleição, portanto, não é algo que coloca Israel acima dos outros
povos, mas o destino que Deus lhe dá para ocupar esse pedaço de terra no meio do chão que Deus deu à
humanidade. (Não se procure ai muita especulação sobre o planeta terra: o conhecimento daquele tempo
não chegava a isso.)

- A fragilidade do barro e o amor gratuito de Deus. O ser humano (adâm) é formado do barro
(adamâ): "humano do húmus ": ele tem um laço natural com o chão e, por isso, o direito de trabalhar na
terra. Mas significa também que ele é quebrantável como o barro usado pelo oleiro para criar seus
produtos (cf: Jr 19). A auto-suficiência, a violência, o desrespeito à vida e qualquer forma de orgulho são
contrários à sua vocação. A realização dessa vocação vai ser mostrada na figura de Abraão e de seus
descendentes, através de uma história de amizade, eleição e aliança da parte de Deus, mas também de
orgulhosa rebeldia da parte do homem, devidamente "corrigido " por Deus.

- A graça de Deus. O Pentateuco é chamado "Lei", mas no sentido de ensinamento. O primeiro


ensinamento não é a obrigação nem o castigo de Deus, mas sua graça, seu amor, que elege seres humanos
para serem seus amigos e assim mostrarem o caminho à humanidade inteira. Neste sentido, Gn é o
primeiro "tratado da graça" divina.

- Os últimos serão os primeiros. Na mesma linha vale refletir sobre alguns traços
surpreendentes: Deus escolhe Isaac como "herdeiro", embora nascido depois de Ismael (ao qual ele
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designa um destino próprio, protegendo-o com a sua mãe, a escrava Agar e seu filho Ismael, 21,9-21).
Eleva José depois de ele ter sido tratado como escravo, escolhe sistematicamente quem parecia sem
chances: Sara, a infértil, Jacó, o segundo filho (não o primogênito), José, o excluído, Efraim, mais novo
que Manassés... Deus não depende das prioridades e muito menos das prepotências humanas.

-As alianças. Antes que os livros Ex, Nm, Lv e Dt descrevam a aliança do Sinai em que Moisés
recebeu a Lei, Gn descreve a Aliança com Noé (a humanidade, cap. 9) e com Abraão (os povos semitas,
cap. 15 e 17). Nessas alianças temos um fundamento simbólico para o diálogo com todos os povos e suas
religiões e, de modo especial, com as três religiões proféticas, que unem os 'filhos espirituais de Abraão".
islão, judaismo e cristianismo.

- Retrato da vida do antigo Oriente. Gn não é um livro de história ou de ciência em sentido


moderno, mas mesmo assim evoca a vida no antigo Oriente Médio e as perguntas que os antigos tinham a
respeito de Deus, do mundo e do ser humano, de vida e morte, bem e mal, individuo e sociedade, familia,
cultura e religião.

- Retrato do ser humano universal. Adão e Eva somos todos nós, e até certo ponto vale a mesma
coisa em relação a Noé, Abraão, Jacó, José, Sara, Rebeca, Lia, Raquel e até a mulher de Putifar, o
mordomo do faraó..

- Igualdade de mulher e homem. Vista sobre o fundo de uma sociedade patriarcal Com
resquicios de matriarcado), a afirmação da igualdade criatural de homem e mulher (à imagem e
semelhança de Deus, Gn 1,26-27) é muito significativa. Uma leitura atenta das figuras de Agar, Sara,
Rebeca, Raquel, Tamar ensina muita coisa.

- A luz do Novo Testamento, o Gênesis nos faz descobrir a "lógica" da eleição de Deus, que
chama o que é humanamente menos importante para ser o realizador de seu plano de salvação. Esta lógica
se consumará em Jesus de Nazaré, no qual o “primeiro Adão” é passado a limpo. Adão, com quem entrou
o pecado e a morte no mundo, é contraposto a Cristo, autor da justificação e da vida (Rm 5; lCor 15).

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


Apesar de conter muitos elementos históricos, o GÊNESIS é uma obra essencialmente
teológica que procurava responder aos problemas angustiantes colocados pelo acontecimento do Exílio
(séc. VI): no meio das trevas, Deus é a luz do seu povo; no desespero do cativeiro, Deus há-de renovar a
Aliança feita depois da saída do Egito.

Por detrás das "histórias" contadas pelos seus autores, o GÊNESIS contém os grandes temas
teológicos, não somente do Pentateuco mas da Bíblia em geral:

 a Aliança de Deus com a humanidade,


 o pecado do homem,
 a nova promessa de Aliança,
 a promessa da Terra Prometida,
 a bênção de Deus garantindo a perenidade do Povo,
 o monoteísmo javista.

O GÊNESIS não foi redigido para escrever História, mas para dizer que Deus domina a História.
Por isso, é essencialmente um livro de catequese e de teologia, mesmo nos 11 primeiros capítulos, em que
não há preocupação histórica ou científica, no sentido atual. Por isso, a Pontifícia Comissão Bíblica, já em
16 de Janeiro de 1948, dizia, a este respeito: "Estas formas literárias não correspondem a nenhuma das

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nossas categorias clássicas e não podem ser julgadas à luz dos gêneros literários greco-latinos e
modernos."
Todos os grandes temas teológicos do GÊNESIS foram relidos pelos cristãos à luz do autor da
nova criação, Jesus Cristo (Jo 1,1-3). As grandes personagens do GÊNESIS - Adão, Eva, Noé, Abraão e
os outros Patriarcas - aparecem frequentemente ao longo do Novo Testamento para lembrar aos crentes
que há uma só História da Salvação.
Por isso, o Apocalipse - o último livro da Bíblia - não se compreende sem o primeiro.

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ESCOLA MATER ECCLESIAE
CURSO BÍBLICO POR CORRESPONDÊNCIA (40)
EXEGESE DE TEXTOS SELETOS - A pré-história bíblica (I)
MÓDULO I: O Hexaémeron

A pré-história bíblica

A seção de Gn 1-11 chama-se "pré-história bíblica" porque se refere a acontecimentos anteriores à


história bíblica, que começou com o Patriarca Abraão (séc. XIX ou 1850 aC.) Por conseguinte, a pré-
história bíblica não coincide com a pré-história universal, que vai desde tempos imemoriais até a
ap8recimento da escrita (8000 aC. ?).
O gênero literário dessa seção é o da história religiosa da humanidade primitiva. O autor sagrado
não intencionou propor teses de ciências naturais, mas quis apresentar, em linguagem simbolista, alguns
fatos importantes que constituem o fundo de cena e a justificativa da vocação de Abraão. Tais seriam:

1) a criação do mundo bom por parte de Deus, a elevação do homem à filiação divina e a violação
dessa ordem inicial pelo pecado (Gn 1, 1-3,24);
2) o fratricídio de Caím, consequência do fato de que o homem abandonou a Deus; perdeu
também o amor ao seu semelhante (Gn 4,1-16);
3)a linhagem dos cainitas, que mostra o alastramento do pecado (Gn 4,17-24);
4)a linhagem dos setitas ou dos homens retos (Gn 5, 1-32);
5)o dilúvio, provocado pela propagação do pecado (Gn 6, 1-9,28);
6)a tabela dos setenta povos (Gn 10, 1-32);
7)a torre de Babei, nova expressão do pecado (Gn 11,1-9);
8) as linhagens dos semitas (Gn 11, 10-26) e dos teraquitas (11,27-32), que fazem a ponte até
o
Patriarca Abraão,

Em síntese:
O mundo, criado bom, Fraticídio Genealogias Dilúvio
É violado pelo pecado (4,1-16) (4,17-5,32) (6-9)
(Gn 1-3)

Tabela Babel Genealogias


(10) (11,1-9) (11,10-32)

Desta maneira, o autor mostra que Deus fez o mundo bom e convidou o homem para o consórcio
da sua vida (ordem sobrenatural). Todavia o homem disse Não. Deus houve por bem reafirmar seu
desígnio de bondade, prometendo restaurar, mediante o Messias, a amizade violada pelo pecado (Gn 3,
15). Ele foi-se alastrando cada vez mais, como atestam os episódios de Caím e Abel, o dilúvio e da torre
de Babel. Então, para realizar seu intento de reconciliação do homem com Deus, o Criador quis chamar
Abraão para constituir a linhagem portadora da fé e da esperança messiânicas. Assim chegamos a Gn 12
(a vocação de Abraão).

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O hexaémeron (Gn 1, 1-2, 4a)

O primeiro bloco não é unitária, mas consta de duas narrações: Gn 1 , 1-2, 4a, a obra dos seis dias
(hexaémeron, em grego), da fonte P (século V aC.), e Gn 2, 4b-3, 24, da fonte J (séc. X aC.) 1 . Isto se
deduz do estilo e do vocabulário próprios de cada uma dessas seções como também um fato seguinte: em
Gn 2, 1-4a o mundo está terminado, o homem e a mulher foram criados; todavia, em Gn 2, 4b.5, o autor
sagrado afirma que não havia arbusto, nem erva, nem chuva, nem homem, e narra a criação do homem a
partir do barro como se ignorasse a criação já narrada em Gn 1,27 ..
Se, pois, há duas peças literárias justapostas em Gn 1, 1-3, 24, é preciso estudar cada uma de per si,
pois cada qual tem sua mentalidade e sua mensagem próprias. Comecemos pelo hexaémeron
(Gn 1, 1-2, 4a).
Para poder depreender a mensagem deste trecho bíblico, precisamos, antes do mais, observar a sua
forma literária.
Ora verifica-se que tal peça apresentam um cunho fortemente artificioso: após a introdução (1, 1 s),
o autor descreve uma semana de seis dias de trabalho e um de repouso; os dias de trabalho poderíamos
dispor-se em duas séries paralelas, das quais a primeira trata da criação das regiões do mundo e a
segunda aborda a povoação dessas regiões, como se vê abaixo:

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1.º Dia Luz astros 4.º dia
e
1,3-5 1,14-19

2.º Dia Águas e Peixes e 5.º dia


firmamento voláteis

1,6-8 1,20-23

Continentes Animais
3.º Dia vegetações terrestres
mares HOMEM6.º dia

1,9-13 1,24-31

repouso 7.º dia

2,1-4a

Notemos também que cada um dos dias da criação é descrito segundo fórmulas que se repetem e
que constituem estrofes de um hino litúrgico:
"Deus disse ... E houve ... E assim se fez ... E Deus chamou ... E Deus viu quer era bom ...
Deus fez ... Deus abençoou ... Houve tarde e manhã ... dia".
A imagem do mundo pressuposta pelo autor é bem diferente da nossa: haveria a região dos ares, a
das águas e a da terra. Esta seria uma mesa plana, pousada sobre colunas; debaixo da terra haveria as
águas donde emergem as fontes, e também a região dos mortos ou o cheol. A luz era concebida como
algo independente do sol e das estrelas, pois mesmo nos dias em que o sol não brilha, temos luz (por isto
a luz é criada no 1 º dia, ao passo que os astros no 4º dia). A vegetação seria o tapete verde inerente à
terra; por isto terá sido criada no 3º dia, anteriormente ao sol. - Tais concepções podem parecer irrisórias
ao leitor moderno; notemos, porém, que elas não são objeto de afirmação da parte do autor sagrado; o
autor se refere a elas tão somente para propor uma mensagem religiosa a respeito do mundo e do homem,
sem tencionar definir algum sistema de cosmologia.
Pergunta-se, pois: qual a mensagem de Gn 1, 1-2, 4a?

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A mensagem do hexaémeron
Três são as finalidades do texto em foco:
1) Antes do mais, o texto quer incutir a lei do repouso do sétimo dia (sábado). Com efeito,
imaginemos um grupo de sacerdotes recebendo fiéis judeus para celebrarem o culto do sábado
(hexaémeron é do Código P ou tem origem em ambientes de sacerdotes.) : era óbvio que explicassem a
estes fiéis o porquê daquela assembleia e do repouso do sétimo dia. Conceberam então um hino litúrgico,
no qual Deus é apresentado a trabalhar no quadro de seis dias úteis e a repousar no sétimo dia; em vez de
fabricar mesas ou cadeiras, como o homem, o Senhor Deus terá fabricado o mundo. O importante, porém,
é que nesse hino Deus observa o repouso do sétimo dia. Esse exemplo imaginário do Senhor seria a
melhor recomendação da lei do sábado; o homem deveria, pois, trabalhar em seis dias e no sétimo dia
afastar-se do trabalho para, no repouso, elevar mais detidamente o seu espírito a Deus. O exemplo divino
é evocado em Ex 20,11. Deve-se notar, porém, que a lei do sábado é anterior ao texto do hexaémeron
(séc. V aC.); ela decorre do ritmo natural da Lua, muito importante para os trabalhadores rurais de sete
em sete dias a Lua passa de nova para crescente, de crescente para cheia ... ). Por conseguinte, Deus
repousa poeticamente por causa do ritmo da semana do homem, e não vice-versa.
Alguns perguntarão: o cristão não deveria então observar o sábado assim incutido? - A propósito
lembramos que a palavra sábado vem do shabbath. A Bíblia prescreve o repouso do sétimo dia (d. Ex
20, 8-11) sem definir qual deva ser o primeiro dia da semana. Ora os cristãos sabem que Jesus ressuscitou
no dia seguinte ao sétimo dias (sábado) dos judeus; por isto começaram a contar os dias da semana no
segundo dia (ou na segunda-feira) dos judeus para fazer o sétimo dia coincidir com o da ressurreição de
Jesus. Assim fazendo, os cristãos observam todo sétimo dia (sábado); não é a material idade do nome
sábado que importa, mas é a observância de todo sétimo dia; o domingo dos cristãos vem a ser o sábado
(sétimo e repouso) dos cristãos.
2) Os autores sagrados quiseram também relacionar o mundo todo (como os hebreus o podiam
conhecer) com Deus, mostrando que tudo é criatura de Deus e, por conseguinte, não há muitos deuses.
Com outras palavras, estas são as verdades teológicas que o hexaémeron nos transmite:
a) Deus é um só. Não há, pois, astros sagrados (como os caldeus da terra de Abraão admitiam).
Nem há bosques sagrados como os cananeus da nova terra de Abraão professavam). Nem há animais
sagrados (como os egípcios, entre os quais viveu Israel, professava).
b) Deus é bom e, por isto, fez o mundo muito bom. Se há um mal no mundo, não vem de Deus, mas
do homem (como explica o relato de Gn 3). Os autores assim rejeitavam toda forma de dualismo ou de
repúdio a matéria como se fosse essencialmente má.
c) O mundo não é eterno, mas foi criado por Deus e começou a existir. Afirmando isto, o texto
sagrado não tenciona dirimir a questão "fixismo ou evolucionismo?", mas apenas assevera que a matéria e
o espírito têm origem por um ato criador de Deus; qualquer teoria científica que admitia isto, é aceitável
aos olhos da fé.
d) O homem é o lugar-tenente (imagem e semelhança) de Deus, não por sua corporeidade (Deus
não tem outro), mas por sua alma espiritual, dotada de inteligência e vontade. Tenhamos em vista o relevo
que o autor dá à criação do homem: quebrando o esquema habitual, o texto refere as palavras de Deus:
"Façamos o homem à nossa imagem e semelhança ... " (Façamos é um plural intensivo, que põe em
realce a grandeza do sujeito falante). Note-se, aliás, que não há origem diversa, neste texto, para o homem
e para a mulher, mas ambos surgem simultaneamente.
e) O casamento é abençoado por Deus, tornando-se uma Instituição natural, que não depende dos
deuses da fecundidade admitidos fora do povo bíblico.
f) O trabalho do homem é continuação da obra de Deus; é santo, qualquer que seja a sua
modalidade, desde que executado em consonância com o plano do Criador.
De maneira geral, pode-se dizer que toda a tendência do hexaémeron é apresentar o homem como
mediador entre o mundo inferior e Deus; esse mediador exerce, por sua posição e sua atividade na terra,
um sacerdócio ou a missão de fazer que todas as criaturas irracionais, devidamente utilizadas pelo
trabalho do homem, deem glória ao Criador. É o que o esquema abaixo ilustra:
DEUS
anim. Terrestres- HOMEM
peixes e voláteis 6.ºdia
astros 5.ºdia

terra 4.ºdia
águas 3.ºdia

ares 2.ºdia
1.ºdia

3) Pode-se também dizer que o autor sagrado, utilizando o esquema 6 + 1 = 7, quer realçar a índole
boa da obra de Deus. Sete é, sim, um símbolo de perfeição conforme os antigos; essa índole é enfatizada
pelo fato de se pôr em evidência a sétima unidade (há seis dias de trabalho, homogêneos entre si, e um
último, o sétimo, de índole diferente). Estes ensinamentos, como se vê, não pretendem dirimir questões
em ciências naturais. Podem parecer pobres aos olhos de quem procura na Bíblia uma resposta para
indagações de astronomia, cosmologia, geologia, botânica, zoologia ... Todavia, são de enorme valor,
pois nenhum povo anterior a Cristo, fora Israel, chegou a tão sublime conceito de Deus e de origem do
mundo. O Deus da Bíblia é o Senhor único que, com sua onipotência, domina a natureza; por
conseguinte, tudo produz a partir do nada ou por sua vontade criadora. Aliás, o verbo bará (= fez),
ocorrente em Gn 1,1, é sempre usado na Bíblia para indicar a ação prodigiosa e singular de Deus: d. Is
48, 7; 45, 18; Jr 31,22; SI 50(51 ), 12; 103(104), 30 ...
Resta ainda observar que os dias do hexaémeron não significam era ou períodos geológicos. No
século passado, quando as ciências naturais mostram claramente que o mundo não pode ter surgido em
seis dias de 24 horas, muitos autores julgaram que os dias de Gn 1 eram períodos longos correspondentes
aos da formação do globo terrestre (era azóica, primária, secundária ... ). Assim a Bíblia teria
antecipadamente descrito a origem do mundo, só a ciência do século XIX conseguiu averiguar! Tal
atitude chama-se "concordismo", porque tenciona obter concórdia '(ainda que forçada) entre a Bíblia e as
ciências, como se visassem ao mesmo objetivo de narrar os fenômenos físicos da origem do mundo. O
concordismo é errôneo por causa deste seus pressuposto. O autor sagrado não tinha as preocupações de
um cientista; não queria senão oferecer um ensinamento religioso tal como acabamos de enunciar; por
isto ele tinha em mira dias de 24 horas (nos quais houve tarde e manhã, cf. 1,5.8.13.19.23.31); em outras
palavras: ele imaginou uma semana como a nossa, mas uma semana que nunca existiu,. .. a semana na
qual Deus, como primeiro trabalhador, teria fabricado o mundo.
Dito isto, ficam ainda abertas certas questões como "monogenismo ou poligenismo?", "fixismo ou
evolucionismo?", "origem das raças?"

ESCOLA MATER ECCLESIAE


CURSO BÍBLICO POR CORRESPONDÊNCIA (41)
EXEGESE DE TEXTOS SELETOS - A pré-história bíblica (II)
MÓDULO II: As origens

Lição 1: o relato javista e a origem do homem


Sabemos que em Gn 2, 4b tem início outra narração referente às origens, de estilo mais primitivo
que a anterior; recorre a muitos antropomorfismos (Deus é oleiro, jardineiro, cirurgião, alfaiate, em vez
de criar com a sua palavra apenas, como em Gn 1, 1-2, 4a); não menciona nem o mar com seus peixes
nem os astros (o que revela horizontes limitados). Data do século X aC. (fonte javista, J). Essa descrição
começa por notar que não havia arbusto, nem chuva nem homem, mas apenas uma fonte da água, que
ocasionava a existência de barro. Para compreender a intenção do autor sagrado, examinemos, antes do
mais, a dinâmica do texto em pauta:
Muito estranhamente, Deus cria em primeiro lugar o homem (2, 7). Depois planta um jardim
ameno, onde o coloca (2,8.15); verifica que o homem está só (2, 18). Cria os animais terrestres (2,19);
mas o homem continua só (2, 20). Então Deus cria a mulher e a apresenta ao homem, que exclama: "Esta
sim! É osso dos meus ossos e carne de minha carne!" (2, 23). Este curso de idéias poderia ser assim
reproduzido:
HOMEM MULHER

plantas animais
(o homem está só) (o homem está só)

Vê-se, pois, que o relato não tem em mira descrever a fenomenologia ou o aspecto científico da
origem das criaturas, mas, sim, visa a responder a uma pergunta: qual o relacionamento existentes entre o
homem e a mulher? Qual o papel da mulher frente ao homem? - Estas questões de ordem filosófica
religiosa perpassam todo o relato. Para responder-lhes, o autor apresenta o homem (varão) sozinho ( É
certo que o homem não pode viver sem vegetação e animais. Todavia sabemos que o autor não escreve
uma página de ciências naturais.) verifica duas vezes que ele está só, porque nenhuma planta e nenhum
animal se lhe equiparam; finalmente Deus tira matéria do próprio homem para com ela formar a mulher;
assim se justifica a exclamação: "Esta sim! É da minha dignidade!" Desta forma, o texto sagrado nos diz
que a mulher não é inferior ao homem, mas compartilha a natureza do homem; é o vis-à-vis do homem.
Esta afirmação é de enorme valor: já no século X aC. a S. Escritura propunha uma verdade que muitos
povos hoje não conseguem reconhecer e viver.
Lição 2: Evolucionismo e Criacionismo
O autor sagrado apresenta origem distinta para o homem e para a mulher. Analisemos um e outro
caso.
1. Origem do homem. Será que o texto de Gn 2, 7, quer dizer algo sobre o modo como apareceu o
homem na face da terra?
Respondemos negativamente. O autor sagrado utilizou a imagem do Deus-Oleiro, que era assaz
frequente nas tradições dos povos antigos. Com efeito; no poema babilônico de Gilgamesh conta-se que,
para criar Enkidu, a deusa Aruru "plasmou argila". Na lenda assiro-babilônica de Ea e Atar-hasis, a deusa
Miami, intencionando criar sete homens e sete mulheres, fez quatorze blocos de argila; com estes, suas
auxiliares plasmaram quatorze corpos; a deusa rematou-os, imprimindo-Lhes traços de indivíduos
humanos e configurando-os à sua própria imagem.
No Egito um baixo-relevo em Deir-el-Bahari e outro em Luxor apresentam o deus Cnum
modelando sobre a roda de oleiro os corpos respectivamente da rainha Hatshepsout e do Faraó Amenofis
III; as deusas colocavam sob o nariz de tais bonecos o sinal hieroglífico da vida ank, para que a
respirassem e se tornassem seres vivos,
Entre os Maoris da Nova Zelândia, conta-se o seguinte episódio: um certo deus, conhecido pelos
nomes de Tu, Tiki e Tané, tomou argila vermelha à margem.de um rio, plasmou-a, misturando-lhe o seu
próprio sangue, e dele fez uma cópia exata da Divindade; depois, animou-a soprando-lhe na boca e nas
narinas; ela então nasceu para a vida e espirrou. O homem plasmado pelo criador Maori parecia-se tanto
com este que mereceu por ele ser chamado Tiki-Ahua, isto é, imagem de Tiki.
Compreende-se, pois, que o tema de Deus-Oleiro, ocorrente também na Bíblia, não passa de
metáfora. Quer dizer que, como o oleiro está para o barro, assim Deus está para o homem. E como é que
está o oleiro para o barro? - Numa atitude de sabedoria, carinho, maestria, providência ... Assim também
Deus está para o homem, qualquer que tenha sido a modalidade de origem do ser humano. Não se queira
extrair desta passagem alguma lição do teor científico.

2. Origem da mulher. Que significa a costela extraída de Adão para dar origem à mulher? - Não
implica que esta tenha tido princípio diferente do homem. O tema da costela há de ser entendido a partir
das palavras finais de Adão: "Esta é osso dos meus ossos e carne da minha carne" (Gn 2, 23); tal
afirmação é metafórica e significa: a mulher é da natureza ou da dignidade do próprio homem, em
oposição aos demais seres (embora cercado destes, o autor enfatiza que o homem estava só). Ora, para
preparar e justificar esta asserção a respeito da dignidade da mulher, o autor descreve o próprio Deus a
tirar carne e osso (uma costela) do homem a fim de formar o corpo da mulher; a "extração" da costela e a
formação da mulher, no caso, não têm sentido literal, mas vêm a ser a maneira "plástica" de afirmar a
igualdade de natureza do homem e da mulher.
E à luz desta verdade que se deve entender também o desfile de animais perante o homem e a
imposição de nome a cada um deles (2, 19s). "Impor o nome", para os antigos, significa "reconhecer a
essência, a identidade do ser nomeado". O autor sagrado imagina Adão a impor nomes aos animais para
poder enfatizar de modo muito concreto que nenhum animal era adequado ao homem; notemos que, antes
e depois do "desfile", o texto verifica que o homem estava só (2, 18.20). Devemos, pois, concluir que tal
cena não tem sentido literal, mas visa apenas a fazer o contraste entre o homem e os animais inferiores e
assim preparar o surto da mulher "feita de costela" ou participante da dignidade do homem.
Não se deve, pois, na base do texto bíblico, atribuir à mulher origem diversa da que tocou ao
homem.
3. Resta, então, indagar: que diz o texto sagrado sobre a maneira como apareceu o ser humano?
A Bíblia não foi escrita para dirimir o dilema "criação ou evolução?" Todavia, a partir de premissas
filosóficas e teológicas, é preciso dizer que o dilema não existe. Vejamo-lo por partes.
Quanto ao homem, a pergunta é colocada popularmente nestes termos: "Vem do macaco ou não?" -
Responderemos distinguindo entre corpo e alma do homem. O corpo, sendo matéria, pode (Dizemos
pode, sem afirmar a tese). provir de matéria viva preexistente; não proviria dos macacos hoje existentes,
pois estes já são muito especializados e não evoluem mais; proviria, porém, do primata ou do ancestral
dos macacos e do corpo humano. A alma, contudo, não teria origem por evolução, mas por criação direta
de Deus; sendo espiritual, ela não provém da matéria em evolução (o espírito não é energia quantitativa
nem fluído nem éter; por isto não pode originar-se da matéria). Assim se conciliam criação e evolução no
aparecimento do homem: pode-se admitir que, quando o corpo do primata estava suficientemente do
homem: pode-se admitir que, quando o corpo do primata estava suficientemente evoluído ou organizado,
Deus lhe infundiu a alma espiritual, diretamente criada para dar-lhe a vida de ser humano. Isto terá
ocorrido tanto no surto do homem como no da mulher.
Considerando agora o universo, podemos dizer que a matéria inicial, caótica (nebulosa), donde terá
procedido a evolução, foi criada diretamente por Deus (não é matéria eterna). Deus lhe haverá dado as
leis de sua evolução, de modo que dela tiveram origem os minerais, os vegetais e os animais irracionais
até o limiar do homem. Quando o Senhor Deus quis que este aparecesse na face da terra, realizou outro
ato criador, infundindo a alma espiritual no organismo do primata evoluído. É o que se pode reproduzir
no seguinte esquema:

Ato criador Evolução Ato criador

Alma espiritual
Matéria inicial minerais vegetais animais organismo aperfeiçoado
(nebulosa) irracionais

HM

No tocante à origem da vida, é preciso distinguir vida vegetativa, vida sensitiva e vida
intelectiva.
As duas primeiras modalidades dependem de um princípio vital material, que bem pode ter sido eduzido
da matéria em evolução. Ao contrário, a vida intelectiva depende de um princípio vital (alma) espiritual,
que só pode provir de um ato criador de Deus.

Lição 3: Monogenismo ou poligenismo?


Pergunta-se: quantos indivíduos houve na origem do gênero humano atual? É costume responder:
um homem (Adão) e uma mulher (Eva). Esta afirmação pode ser licitamente repensada em nossos dias.
A ciência conhece três hipóteses referentes ao número de indivíduos primitivos:

Polifiletismo: muitos troncos ou berços do gênero humano (na Ásia, na África, na Europa.)

Monofitelismo poligenismo: um só berço com muitos casais;


(um só tronco) monogenismo: um só berço com um casal só.

Ora a primeira hipótese (polifiletismo) contraria a fé e as probabilidades científicas. Não se diga


que o gênero humano apareceu sobre a terra em localidades diversas simultaneamente.
O monofiletismo monogenético (um casal só) é a clássica tese, aparentemente deduzida da Bíblia.
Todavia verifica-se, após leitura atenta do texto sagrado, que não é a única hipótese conciliável com a fé.
O poligenismo não se opõe a esta. E por quê?
A palavra hebraica Adam significa homem; não é nome próprio, mas substantivo comum.
Por conseguinte, quando o autor sagrado diz que Deus fez Adam, quer dizer que fez o homem, o ser
humano, sem tencionar especificar o número de indivíduos (um, dois, ou mais ... ). Muito significativo é
o texto de Gn 1, 27: "Deus criou o homem (Adam) à sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou;
homem e mulher Ele os criou". Neste versículo verifica-se que a palavra Adam não designa um
indivíduo, mas a espécie humana diversifica em homem e mulher. - O nome "Eva" também não é nome
próprio, mas significa em hebraico "mãe dos vivos" (Gn 3, 20). Fica, pois, aberta ao fiel católico a
possibilidade de admitir mais de um casal na origem do gênero humano. O que importa, em qualquer
hipótese, é afirmar que os primeiros pais (dois ou mais) foram elevados à filiação divina (justiça original)
e que, submetidos a uma prova, não se mantiveram no estado de amizade com Deus (cometeram o pecado
original, de que trata o Módulo próximo).Seria falso, porém, dizer que Adão e Eva nunca existiram ou
que são fábula ou alegoria: são tão reais quanto o gênero humana é real; o texto sagrado nos diz que Deus
tratou com o homem nas suas origens, ... com o homem real, e não com um ser fictício. E a história
referente aos primeiros pais é história real, embora narrada em linguagem figurada (serpente, árvore, fruta
... ). - De resto, é inútil insistir sobre a questão "poligenismo ou monogenismo?", pois não há critérios
científicos para dirimi-la (a ciência até hoje não tocou a estaca zero do gênero humano); apenas interessa
notar que a hipótese poligenista não contraria a fé.
A origem das raças não exige o polifiletismo. Com efeito: o conceito de "raça" é assaz flexível;
raça resulta de um conjunto de determinados elementos do ser humano (cor da pele, forma dos olhos,
tipo de cabelo ... ). Todavia a mesclagem desses elementos é tão variegada sobre a face da terra que há
uma gama contínua de tipos entre o indivíduo branco, o negro, o amarelo ... Em consequência, a origem
desses tipos raciais pode explicar-se a partir de um só princípio: devem-se não somente às diversas
condições de clima, alimentação, trabalho ... das populações, mas também ao fenômeno do
mutacionismo (mudanças bruscas em indivíduos raros, que se transmitem estavelmente).

ESCOLA MATER ECCLESIAE


CURSO BÍBLICO POR CORRESPONDÊNCIA (42)
EXEGESE DE TEXTOS SELETOS - A pré-história bíblica (III)
MÓDULO III: A queda original

Lição 1: O paraíso terrestre


O documento javista, além de apresentar o casal humano e sua dignidade no mundo, aborda a
difícil questão da origem do mal ou o tema do pecado original. Este assunto tem sido muito controvertido
nos últimos decênios; não é de alcance das ciências naturais nem da filosofia, mas pertence ao plano da
fé. Por isto só poderá ser devidamente considerado se levarmos em conta as declarações do magistério da
Igreja atinentes à temática do pecado original. É o que vamos fazer: estudaremos o texto bíblico em seus
aspectos linguísticos e humanos e procuraremos ouvir o que a respeito tem dito a S. Igreja no decorrer
dos séculos. O primeiro ponto a encarar é o do paraíso terrestre (Gn 1, 8-15). A Bíblia nos fala de um
jardim ameno, irrigado por quatro rios: o Fison, o Geon, o Tigre e o Eufrates. Os estudiosos têm
procurado localizar esse paraíso: O Tigre e o Eufrates são rios da Mesopotâmia muito conhecidos, mas o
Geon e o Fison não podem mais ser identificados. Foram propostas, no decurso dos tempos, cerca de
oitenta sentenças para situar o paraíso terrestre. Hoje em dia, porém, os estudiosos julgam que esse
"jardim bíblico" não significa um lugar determinado, mas tão somente o estado de harmonia e felicidade
a que o homem foi levado logo depois de criado.
Com efeito, o rio é, para os antigos, símbolo de vida e fecundidade; quatro é o número que designa
a totalidade das coisas deste mundo; por conseguinte, quatro rios significam o bem-estar interior e
exterior de que gozavam os primeiros pais logo após a criação. Na verdade, quem lê atentamente o texto
bíblico, verifica que os primeiros homens gozavam de dons especiais constitutivos da "justiça original"
(Justiça no caso significa "santidade original".); esta compreendia:
1) a filiação divina ou a graça santificante ou a elevação do homem à condição de filho de Deus,
chamado a participar da vida e da felicidade do próprio Deus. É o que se deduz do texto sagrado, o qual
indica claramente que Adão vivia na amizade como o Criador. Este dom é dito "sobrenatural", isto é,
ultrapassa todas as exigências de qualquer criatura.
2) Os dons preternaturais, isto é, que ampliavam as perfeições da natureza:
a) a imortalidade, pois em Gn 2, 17; 3, 3s.19 a morte é apresentada como consequência do pecado;
isto significa que, antes do pecado, o homem não morreria dolorosa e tragicamente como hoje morre;
b) a impassibilidade ou ausência de sofrimentos, pois estes decorrem da sentença condenatória de
Gn 3, 16;
c) a integridade ou a imunidade de concupiscência desregrada, visto que os primeiros pais, antes
do pecado, não se envergonhavam da sua nudez (d. Gn 2, 25; 3, 7-11); os seus instintos ou afetos
estavam em consonância com a razão e a fé; não havia neles tendências contraditórias;
d) a ciência moral infusa, que os tornava aptos a assumir as suas responsabilidades diante de
Deus. Os dons da justiça original não implicam que os primeiros homens fossem formosos; terão sido
dons meramente interiores, compatíveis com a configuração rude e primitiva que as ciências naturais
atribuem aos primeiros seres humanos.
A Bíblia menciona um paraíso duas árvores: a da ciência do bem e do mal e a da vida (Gn 2, 9).
Hoje em dia, sabe-se pelo estudo das literaturas antigas que a árvore era um símbolo religioso assaz
frequente; é, pois, em sentido simbólico que entendemos as árvores de Gn 2. A árvore da ciência do bem
e do mal designa um preceito ou um modelo de vida que daria ao homem a ciência ou a experiência
concreta do que são o bem e o mal. Era justo que Deus indicasse ao homem um modelo de vida, pois o
homem, elevado à filiação divina, não se deveria reger apenas por critérios racionais ou naturais, mas
deveria seguir uma norma de vida incutida pelo próprio Deus. Devemos renunciar a pedir pormenores
desse modelo de vida. - Quanto à árvore da vida, pode-se crer que dava ao homem o fruto da vida
perpétua ou o sacramento da imortalidade; o homem saberia assim que a imortalidade é um dom de Deus.

Lição 2: O pecado dos primeiros pais


1. Em Gn 3, 1 entre em cena a serpente como "o mais astuto de todos os animais do campo". Tal
serpente é imagem do demônio tentador. O livro da Sabedoria (2, 23) diz que "Deus não fez a morte, mas
esta entrou no mundo por inveja do demônio"; e Jesus, aludindo a Gn 3, chama o Maligno "homicida
desde o início, mentiroso e pai da mentira" (Jó 8,44). O demônio é um anjo, que Deus criou bom, mas
que se rebelou contra o Criador por soberba (vê-se que desde as suas primeiras páginas a Escritura supõe
e afirma a existência dos anjos, especialmente a dos anjos maus). O autor sagrado quis simbolizar o
Maligno mediante a figura da serpente, porque esta frequentemente na S. Escritura representa o homem
malvado e fraudulento (Gn 49, 17; Is 59, 5; Mq 7, 17; Jó 20, 14-16; SI 140 [141] 4). Mais: é de observar
que a serpente era, para os cananeus (antigos habitantes da Terra de Israel), uma divindade associada à
fecundidade e à vida; ora, precisamente para condenar essa figura, o autor sagrado talvez tenha
apresentado o tentador sob forma de serpente; assim a descrição da serpente paradisíaca assumia, para o
israelita, o valor de admoestação contra a sedução dos cultos idólatras que cercavam a verdadeira
religião.
Não é necessário admitir que a mulher tenha visto uma serpente diante de si, mas pode-se dizer que
o diálogo entre o tentador e a mulher foi meramente interno, como acontece geralmente nas tentações do
pecado.
2. Em Gn 3, 6s está dito que os primeiros pais comeram da fruta proibida. Isto quer dizer que
desobedeceram a Deus ou não aceitaram o modelo de vida que o Senhor lhes havia apontado.
A raiz desse pecado foi a soberba. Notemos que a serpente, ao tentar os primeiros pais, disse
explicitamente: "No dia em que comerdes ... , os vossos olhos se abrirão e sereis como Deus, versados no
bem e no mal" (Gn 3, 5). Precisamente o homem quis ser como Deus, capaz de definir o que é bem e o é
mal, sem ter que pedir normas ao Senhor. A soberba é o pecado do espírito, o único que os primeiros
homens, portadores da harmonia original, podiam cometer. A soberba se exteriorizou em determinado
ato, que não podemos identificar.
Há quem diga que o primeiro pecado foi de ordem sexual. Argumentam afirmando que 1) ciência
ou conhecimento na Bíblia significa por vezes o relacionamento sexual (d. Gn 4,1.17.25); 2) os
primeiros pais estavam nus, e não se envergonhavam um do outro (2, 25), mas após o pecado se
recobriram (3, 7); 3) a mulher foi punida pelas dores do parto (3, 16). A propósito observamos: 1) quando
se trata de relacionamento sexual, o texto sagrado diz "conhecer sua esposa" (cf. Gn 4, 1.17.25), ao passo
que em Gn 2, 17; 3, 5 se lê "conhecer o bem e o mal"; 2) o aparecimento da concupiscência sexual e a
vergonha se seguem à culpa e não a precedem, como seria lógico no caso de um pecado sexual; 3) a
mulher, punida pelas dores do parto, foi atingida em sua função específica de mãe, como o homem,
condenado a ganhar o pão ao suor de sua fronte (3, 19), foi atingido em função típica de trabalhador; não
há, pois, necessidade de recorrer a pecado sexual para explicar o tipo de punição da mulher.
Vejamos agora
Lição 3: As consequências do pecado
Enumeremos as consequências do pecado: 1) em relação aos primeiros pais e 2) em relação aos
seus descendentes.
1. Em relação aos primeiros pais, o pecado acarretou a perda da justiça original, ou seja, da
filiação divina e dos dons que a acompanhavam. O texto sagrado (Gn 3, 7) diz que, após o pecado,
"abriram-se-lhes os olhos e reconheceram que estavam nus". Essa nudez é, antes do mais, o
despojamento interior ou a perda dos dons originais: a concupiscência ou a desordem das paixões se
manifestou; por isto sentiram a necessidade de se vestir a fim de encobrir a sua natureza desregrada. Não
há dúvida, a diversidade de·tendências dentro do homem é algo decorrente da própria natureza humana
(sensível e espiritual, ao mesmo tempo); todavia ela estaria superada se o homem não tivesse pecado em
suas origens; ela hoje existe como consequência do pecado. Da mesma forma, os homens perderam o
dom da imortalidade (ou o poder não morrer dolorosamente); sem dúvida, a morte é um fenômeno
natural, inerente à criatura, mas a sua realidade hoje é consequência do primeiro pecado, conforme a S.
Escritura (cf. Rm 5, 12.19). O mesmo se diga em relação ao sofrimento; é um dos precursores da morte.
O pecado acarretou também a desarmonia no mundo irracional que cerca o homem; este já não é o
ponto de convergência das criaturas inferiores; ao contrário, estas muitas vezes prejudicam o homem e
lhe negam a sua serventia; tendo-se rebelado contra Deus, o homem sente contra si a rebelião das
criaturas inferiores.
Depois da queda, o Senhor Deus quis interrogar os primeiros homens (Gn 3, 8-13). As respostas
são bem características de quem é culpado: o homem, antes de confessar, acusa, com certa covardia, a
esposa como causa da sua desgraça (3,12); da mesma forma, a mulher acusa a outrem, a serpente (3,13).
Ambos silenciam o verdadeiro motivo da sua desobediência: a soberba ou o desejo de serem iguais a
Deus, arbitrando entre o bem e o mal ou definindo a sua própria regra de vida. Na verdade, o pecado
acovarda o homem e separa-o do seu semelhante e mesmo mais íntimo amigo.
Todavia o Senhor não quis apenas condenar os pecadores. Ao mesmo tempo, propôs-lhes a
esperança da reconciliação, que é chamada, no caso, "o proto-evangelho" (ou o primeiro Evangelho). Ler
Gn 3, 14s ... A sentença sobre a serpente não recai sobre o animal irracional, mas sobre o tentador:
"rastejar e comer a poeira da terra" são imagens que significam derrota (os vencedores, na antiguidade,
colocavam os adversários derrotados no chão, debaixo de seus pés); o texto sagrado quer assim dizer que
o demônio é um lutador já vencido; poderá maltratar os fiéis de Deus no decorrer da história, mas pode
estar certo de sua derrota final. Para corroborar esta afirmação, o Senhor promete colocar inimizade entre
a serpente (o tentador) e a mulher, entre a descendência da serpente (os homens maus) e a descendência
da mulher (os homens bons) - o que significa: promete reconciliar a mulher e os seus descendentes com
Deus. A mulher, no contexto, só pode ser Eva; a sua descendência são os homens bons, que não seguem
as sugestões do tentador; todavia o papel de mulher e o de sua descendência só se tornarem plenos e
perfeitos em Maria e em seu Filho Jesus Cristo; por isto o proto-evangelho alude indiretamente a Maria e
a Jesus Cristo, prometendo a vitória do Senhor Jesus sobre o Maligno através da Cruz e da Ressurreição.
2. Em relação aos descendentes dos primeiros pais, o pecado original tornou-se algo de
hereditário. Dizemos que todos os homens nascem com a culpa original. Todavia é preciso entender que
não se trata de culpa pessoal ou de pecado voluntário nos descendentes de Adão e Eva. Nestes o pecado
original consiste na ausência dos dons originais (graça santificante, dos preternaturais), que os primeiros
pais deviam ter guardado e transmitido, mas não puderam transmitir porque pecaram. A criança que hoje
nasce, devia nascer com a graça santificante, mas isto não acontece; ela nasce destoando do exemplar ou
do modo que o Senhor lhe tinha assinalado; essa dissonância (que implica a concupiscência desordenada
e a morte) é que se chama, por analogia, "pecado original originado" nos pequeninos, ao passo que nos
primeiros pais há o "pecado original originante".
Por que Deus quis que a culpa dos primeiros pais assim repercutisse nos seus descendentes? Seria
Deus vingativo? A criança, que não pediu a eventualidade de nascer, muito menos pediu nascer com
pecado!
Em resposta, diremos: toda criança que vem ao mundo, nasce dentro de um contexto social,
geográfico, do qual é solidária; assim há crianças que nascem no Brasil, outras na China, outras em
Biafra, outras na Europa; há crianças que nascem no século XX, outras nasceram no século II aC., outras
no século X d.C ... Cada uma traz a herança da família, do lugar e da época em que nasce. Essa
solidariedade é palpável também no seguinte caso: Imaginemos um pai de família que numa noite perde
todos os seus bens numa jogatina de cassino; os filhos desse homem não têm culpa, mas hão de carregar
as consequências (miséria, fome ... ) decorrentes do desatino do seu pai. Ora a solidariedade mais
fundamental que cada um de nós traz, é a solidariedade com os primeiros pais; se estes perderam os dons
originais, nós, sem culpa nossa, somos afetados por essa perda - o que é muito lógico. Vê-se, pois, que a
transmissão do pecado original não se deve a intenção vingativa de Deus, mas é consequência da índole
mesma da natureza humana.
Há, porém, quem julgue que o ato de gerar é pecaminoso se por ele se transmite o pecado dos
primeiros pais. - Respondemos que o ato biológico de gerar foi instituído pelo próprio Criador, em si ele
nada tem de pecaminoso; transmite a natureza como se acha nos genitores; tal ato não é a causa do
pecado original ou do estado desregrado em que nascem as crianças, nem pode exercer influxo sobre tal
estado. O ato biológico de gerar poderia transmitir também a graça santificante se os primeiros pais a
tivessem conservado. - O que a geração não dá, isto é, a graça santificante, a regeneração ou o Batismo e
o deve dar. Por isto, é que não se deve protrair o Batismo das crianças. O segundo Adão, Jesus Cristo,
readquiriu a filiação divina para o gênero humano e a comunica mediante o Batismo.
A doutrina do pecado original pertence estritamente ao patrimônio da fé. Não é lícito reduzir o
conceito de pecado original ao de "pecado do mundo", como se não fosse mais do que o acúmulo de
faltas pessoas que se cometeram desde o início da história, fazendo que todo homem seja, desde os seus
primeiros anos, seduzindo ao mal.
Os povos primitivos antigos e contemporâneos têm a noção de que os males existentes no mundo
não são originais nem devidos ao Criador, mas provém de uma culpa dos primeiros homens ou de um
pecado original; tal crença, tão generalizada como é, pode ser entendida como valioso argumento em
favor da doutrina católica.

ESCOLA MATER ECCLESIAE


CURSO BÍBLICO POR CORRESPONDÊNCIA (43)
EXEGESE DE TEXTOS SELETOS - A pré-história bíblica (IV)
MÓDULO IV: Caim e Abel, Cainitas, Setitas e Semitas

Lição 1: Caim e Abel


Logo após a descrição da queda original, o autor sagrado apresenta o morticínio de Caim que mata
seu irmão Abel. Cf. Gn 4, 1-16.
Quem observa este Episódio, verifica que supõe um estado adiantado da cultura humana, ou seja, o
período neolítico ( aparecimento da pedra polida e da agricultura) os homens já domesticavam os
animais, de modo que Abel é pastor, e já cultivavam industriosamente a terra, de modo que Caim é
agricultor (4,2); Caim funda uma cidade (4, 17), tem medo de se encontrar com outros homens (4, 14),
sabe que haverá um clã pronto para defendê-lo ... Diante destes traços literários, os autores propõem duas
maneiras de entender o episódio:
1) Fato histórico antigo descrito com roupagem da época posterior. O autor sagrado estaria
relatando um fratricídio realmente ocorrido nos inícios da pré-história bíblica, mas teria usado linguagem
da época neolítica para tornar-se mais compreendido pelos leitores: os atores da cena terão sido
apresentados como se fossem homens contemporâneos do escritor sagrado. Esta interpretação é aceitável,
mas não parece ser a melhor. É preferível a seguinte:
2) Fato meta-histórico ou trans-histórico ( Meta-histórico ou trans-histórico é o fato histórico que
não pertence a um determinado período da história apenas, mas se reproduz em diversas fases da
história. Este conceito se esclarecerá no decorrer da nossa explicação.)
Observemos que houve uma tribo dos quenitas ou quineus ou cineus na época de Moisés (séc. XIII
aC.); tinham por Patriarca fundador um certo Caim. Leiamos, por exemplo, Nm 24, 21: "Balaão viu os
quenitas e pronunciou o seu poema. Disse: 'A tua morada está segura, Caim, e o teu ninho firme sobre o
rochedo'''; os quenitas eram nômades (1 Cr 2, 55); tinham relações estreitas com Madiã (Nm 10, 29; Jz 1,
16); ver também 1 Sm 15, 4-6; Jz 4, 11.17; 5, 24. Ora pode-se crer que esse patriarca Caim tenha sido um
fratricida famoso; o crime de Caim ocorrido nos tempos de Moisés ou pouco antes terá sido tomado
como um fato típico da maldade humana. Por isto o autor sagrado haverá colocado esse fato logo no
início da pré-história bíblica, querendo assim significar, de maneira muito concreta, que, quando o
homem diz Não a Deus, passa a dizer Não também ao seu irmão; a fidelidade a Deus e a fidelidade ao
próximo são inseparáveis uma da outra; por isto também o Senhor Jesus quis resumir toda a Lei em dois
preceitos: o do amor a Deus e a do amor ao próximo (cf. Mt 22,40).
Neste caso não se pode dizer que Caim e Abel foram filhos diretos dos primeiros pais. Nem era a
intenção do autor sagrado dizê-lo. Nós onze primeiros capítulos do Gênesis, a Bíblia propõe fatos
históricos, sim, dispostos, porém, de maneira a nos fazer compreender o porquê da vocação de Abraão;
ela quer mostrar que o primeiro Não dito a Deus desencadeou uma série de outras negações, das quais a
primeira é o Não dito ao homem. Segundo tal interpretação, o fratricídio cometido por Caim contra seu
irmão Abel é fato histórico, mas um fato que não ocorreu apenas uma vez no século XIII aC.; ocorre em
todas as épocas, a partir da primeira fase da história da humanidade; até hoje há muitos Cains que matam
seus irmãos, como houve também um no início da história sagrada.
Quem aceita tal interpretação, já não formula a pergunta tão frequentemente colocada por leitores
da Bíblia: com quem se casou Caim, se Adão e Eva só tiveram dois filhos e Caim matou Abel? Se o
episódio de Caim e Abel é datado do século XIII aC., vê-se que não há por que formular a questão: a
população humana já se alastrava sobre a terra. - De passagem, digamos: se alguém não aceita a
interpretação proposta, pode-se-Lhe responder apontando o texto de Gn 5, 4, onde está dito que Adão e
Eva tiveram filhos e filhas; Caim tinha, pois, com quem se casar; o fato de se tratar de uma irmã de
sangue, filha de Adão, não era impe cilho, porque não havia, naquela primeira geração acúmulo de taras
hereditárias.
Continuando a ler o texto sagrado, defrontamo-nos com duas listas genealógicas: a dos cainitas e a
dos setitas. Examinemos cada qual de per si.

Lição 2: Os cainitas (Gn 4,17-24)


Nessa tabela ocorrem sete gerações: Caim, Henoque, Irad, Maviael, Matusael, Lameque e seus
filhos. Isto quer dizer que o autor sagrado quis propor um todo definido (sete é símbolo de totalidade).
Observemos as características dessa lista genealógica:
1) não há menção de um só número de anos (ao contrário do que ocorre na lista dos setitas, toda
marcada por números);
2) os cainitas são todos promotores da civilização e da cultura: fundam uma cidade (4,17), são
pastores de gado (4, 20), trabalham em metalurgia (4, 22), tocam harpa e flauta (4,21);
3) são cada vez mais marcados pela vingança e sanguinolência: Caim será vingado sete vezes, mas
Lameque, seu descendente, setenta e sete vezes (cf. 4, 24);
4) a devassidão dos costumes se alastra nessa linhagem, de modo que Lameque tem duas esposas,
Ada e Sila, em oposição à imagem do casamento monogâmico proposto em Gn 1-3:
"Deixará o homem pai e mãe, e aderirá à sua esposa, e serão dois numa só carne" (Gn 2, 24).
Destas notas se depreende o seguinte: o autor sagrado quis mostrar o progresso do pecado na
linhagem do homicida Caim: luxúria e morticínio aí se instalaram. Além do que, associa entre si o
pecado e as obras da civilização (cidades, domesticação de animais, metalurgia, cultivo da música ... ).
Com isto o texto bíblico não quer condenar os produtos do engenho humano (estes podem servir à
glorificação do Criador), mas quer mostrar como facilmente as conquistas da civilização estão associadas
ao pecado e levam ao pecado; elas provocam a ganância do homem, são idolatradas, suscitam rixas e
guerras ... Era precisamente este o quadro que o autor sagrado podia contemplar quando considerava os
grandes impérios da Mesopotâmia (Assíria e Babilônia) e do Egito, que cercavam o povo de Israel: eram
impérios de elevada civilização, mas alheios ao verdadeiro Deus, imersos na idolatria e na demanda
insaciável do poder.
A audiência de números na linhagem dos cainitas é precisamente o sinal de que tais homens careciam de
harmonia; não estavam inscritos no "livro da vida" (o número é símbolo de ordem e sabedoria, segundo a
Bíblia) ( "Livro da vida" é expressão figurada da S. Escritura para significar a parte da humanidade que
vive a verdadeira vida, a vida conforme o plano de Deus: cf. Ex 32, 32; Sl 68(69), 29.) .

Lição 3: Os setitas (Gn 5,1-32)


Na linhagem dos setitas, contam-se dez nomes, desde Adão até Noé. De novo temos uma peça que
pretende transmitir uma mensagem definida (dez é também um símbolo de totalidade). Observemos que
nessa tabela.
1) os números são muito frequentes: o autor diz com que idade cada Patriarca gerou o primeiro
filho; quantos anos viveu depois disto, e com que idade morreu;
2) os anos de vida de cada Patriarca são muito elevados, variando entre oitocentos e novecentos;
3) não se menciona uma obra da civilização realizada pelos setitas. Qual o significado destes
traços?
O autor sagrado quis propor a linhagem dos bons; estes têm números, isto é, gozam de ordem e
harmonia e estão inscritos no "livro da vida". Diz o livro da Sabedoria que "o Senhor tudo dispõe
conforme número, peso e medida" (Sb 11,20). Não se atribui aos setitas nenhuma obra civilizatória, pois
tais obras estavam associadas, na mente do autor, aos impérios pagãos da vizinhança de Israel.
A grande longevidade assinalada a cada Patriarca setita não quer dizer que, na verdade, viviam
séculos; mesmo que entendamos os 930 anos de Adão, os 912 de Sete ... como anos lunares (um pouco
mais breves do que o ano solar), não estaremos atinando com a mensagem do autor sagrado. Para os
antigos, a longevidade era sinal de venerabilidade e respeitabilidade; por conseguinte quando atribuíam a
alguém longa duração de vida, queriam apenas dizer que tal pessoa era merecedora de toda estima e
consideração. Este modo de falar está documentado, por exemplo, na tabela dos reis pré-diluvianos que o
sacerdote Beroso, da Babilônia, nos deixou.
Aloro reinou 36.000 anos; Alaparo 10.800 anos; Almelon 46.800 anos; Amenon 43.200 anos;
Amegalaro 64.800 anos; Amenfsino 36.000 anos; Otiartes 28.800 anos; Daono 36.000 anos; Edoranco
64.800 anos; Xisutro 64.800 anos.
Temos nesta lista dez nome de reis de elevada longevidade. Também no Egito se encontrou a lista
de dez reis que governam o povo nos seus primórdios; os persas conheciam seus dez Patriarcas; os hindus
enumeravam nove descendentes de Brama; com os quais Brama completava uma série de dez gerações
pré-diluvianas.
É a luz destes documentos que se deve entender Gn 5, 1-32. Os dez nomes significam os homens
que transmitiram a fé e a fidelidade aos seus descendentes; visto que a vida é o bem fundamental, uma
longa vida, para os antigos hebreus, era símbolo de bênção divina e honrabilidade; a indicação de que
cada Patriarca viveu elevado número de anos após gerar o seu sucessor na lista, significa que esses pais
do gênero humano tiveram a possibilidade de manter pura na sua família a revelação primitiva; donde se
concluía que a religião que por tal via chegara a Israel, era a religião verdadeira, conservada através de
uma série de gerações providencialmente favorecidas por Deus.
Em síntese, não se deverá crer que os Patriarcas bíblicos viveram séculos. Ao contrário, sabe-se
hoje com certeza que a duração da vida humana na pré-história era muito breve: oscilava entre os 20 e 40
anos, os homens não gozavam dos benefícios da medicina e da cirurgia para debelar seus males.
É difícil explicar o porquê de cada uma das cifras atribuídas aos patriarcas setitas. Como quer que
seja, em dois caos parece possível uma elucidação:
Henoque viveu 365 anos e, sem passar pela morte, foi arrebatado por Deus (Gn 5, 21-24).
A sua vida é a mais breve na lista setita; nãoobstante, o número que a acompanha, diz que atingiu a
consumação devida; de fato, 365 é o número característico do ano solar; por isto, Henoque é apresentado
como um sol que consumou sua trajetória sobre a terra, difundindo luz e calor. Por isto também é o
sétimo patriarca da lista setita (cf. Jd 14). Assim Henoque constitui o ponto culminante da tabela de Gn
5: em torno dele, o autor sagrado coloca os dois símbolos máximos de longevidade: seu pai Jared viveu
962, e seu filho Matusalém 969 anos; assim, diríamos, a bênção dada a Henoque se estendeu aos que lhe
estão em comunhão. Ótimo comentário da figura de Henoque é a descrição do justo apresentada por Sb
4,7-15. - À luz do que acaba de ser dito, vê-se que não há motivo para afirmar que Henoque não morreu.
Lameque representa, depois de Henoque, a vida menos longa da linhagem setita: 777 anos. Mas também
esta vida é tida como perfeita ou consumada, vista a insistência no número 7. Além do que, Lameque, ao
gerar Noé (5, 28s), professa esperar deste filho alívio ou repouso, uma espécie de sábado (sétimo dia!).

Lição 4: Os semitas (Gn 11, 10-26)


Em Gn 11, 10-26 outra tabela genealógica ocorre, também está marcada por números: é a
descendência dos semitas, com dez gerações. Nesta os números hão de ser entendidos de acordo com a
chave acima exposta: são símbolos de bênção divina e de venerabilidade. Esta proposição é confirmada
de modo especial por um particular da vida de Sem, que mostra como o autor sagrado não dava
importância matemática aos números: conforme 5, 32, Noé gerou Sem aos 500 anos de idade; o dilúvio
terminou no ano 601 da vida de Noé (cf. 8, 13s), ou seja, quando Sem devia ter 101 anos completos. Ora,
dois anos após o dilúvio, Sem ainda tinha 100 anos (em vez de 103), conforme 11, 10!
Note-se também que, com o tempo, vai diminuindo a longevidade atribuída pela Bíblia aos
Patriarcas: na linhagem dos semitas, Sem, o primeiro, vive 600 anos (é o mais longevo), e Taré, o último,
vive 205 anos.
Abraão viveu 175 anos, divididos em três períodos: chamado por Deus, deixou a terra de Harã aos
75 anos de idade (cf. Gn 12,4); gerou aos 100 anos (cf. 21,5) e morreu aos 175 anos (cf. 25, 7). Ora esta
distribuição em três períodos m"ais ou menos simétricos evidencia o artifício dos números.
José do Egito viveu 110 anos (cf. Gn 50, 26). Moisés chegou a 120 (3 x 40) anos de idade cf. Dt 34,
7). Um salmo atribuído a Moisés reza: "Setenta anos é o tempo da nossa vida; só os mais vigorosos
chegam aos oitenta" (SI 89[90], 10). O salmista já não utilizava linguagem simbolista, mas descrevia a
realidade da duração humana em termos que até hoje correspondem à nossa experiência. Poderíamos
dizer que, apresentando o decréscimo da longevidade através dos tempos, o autor sagrado queria
significar que os homens se iam afastando, cada vez mais, da fonte da bênção largamente concedida às
primeiras gerações.
ESCOLA MATER ECCLESIAE
CURSO BÍBLICO POR CORRESPONDÊNCIA (44)
EXEGESE DE TEXTOS SELETOS - A pré-história bíblica (V)
MÓDULO V: O Dilúvio Bíblico

Lição 1: Exame do texto de Gn 6-9


Logo após a linhagem dos setitas, o texto sagrado apresenta o dilúvio bíblico. Tal episódio se
reveste de grande importância no contexto de Gn 1-11: ocupa quatro capítulos (6-9) e significa mais uma
expressão do pecado, que, iniciado pelos primeiros pais, se vai alastrando cada vez mais.
O episódio do dilúvio tem-se prestado a comentários por vezes fantasistas, que destoam da
mensagem do texto sagrado. Por isto começamos o estudo desse trecho bíblico examinando atentamente
os seus dizeres.
Quem observa a seção de Gn 6-9 verifica que nela há repetições. Assim, por exemplo,
1) por duas vezes é indicada a corrupção moral dos homens como causa da catástrofe: Gn 6,5-7e11-13;
2) segundo Gn 7, 7-12, Noé entra na arca com os seus e logo começa a grande inundação.
Mas, a seguir, são relatados de novo o ingresso na arca e a subsequente inundação (7, 13-20), como se
nada fora dito anteriormente;
3) por duas vezes, e quase com as mesmas palavras, está dito que Noé executou tudo o que o Senhor lhe
ordenara: 6, 22 e 7,5;
4) há duas maneiras de explicar a enchente: ora é a chuva que desaba sobre a superfície da terra (7,
4.12; 8, 2b); ora as águas jorram dos reservatórios postos acima do firmamento no alto e debaixo da terra
(7, 11; 8, 2a);
5) há diversas enumerações de animais que entram na arca em 6, 19s; 7, 15s, trata-se de um casal de cada
espécie, ao passo que em 7, 2 aparece a distinção entre animais puros e impuros (sete casais daqueles, um
casal destes). Tal distinção é anacrônica nos tempos de Noé; foi promulgada muito mais tarde pela Lei de
Moisés (cf. LV 11; Dt 14, 3-20);
6) todos os seres vivos morrem duas vezes: 7, 21 e 22s;
7) em 8, 5 já aparecem os cimos das montanhas, ao passo que em 8, 9 as águas ainda recobrem toda a face
da terra;
8) há duas cronologia do dilúvio:
a) conforme 7, 4.12.17, as águas duram 40 dias e 40 noites. Ao cabo de 40 dias, Noé soltou um corvo e,
depois, por três vezes consecutivas, uma pomba, a fim de verificar o estado da terra (8, 6-12); julga-se
que entre esses quatro lançamentos de aves houve, de cada vez, um intervalo de sete dias; cf. 8, 10.12. Em
consequência, registra-se um total de 21 dias para a descida das águas após as chuvas. O dilúvio, então,
terá durado 40 + 21 = 61 dias;
b) conforme 7,11, porém, a enchente começou no 17º dia do segundo mês do ano 600 da vida de Noé e
durou 150 dias (7, 24; 8, 2s); depois destes as águas começaram a baixar, de modo que no 1º dia do 10º
mês apareceram os cumes das montanhas (8,5), no 1 º dia do 1 º mês do ano de 601 a terra estava toda
visível (8, 13) e no 27º dia do 2º mês de 601 o continente estava seco ( 8,14). Em consequência. o dilúvio
terá durado de 17/2/600 a 27/2/601. Ora, sabendo-se que os israelitas contavam meses lunares, isto quer
dizer: a catástrofe durou um ano lunar de 354 dias. mais 11 dias, ou seja, precisamente um ano solar de
365 dias!
Ponderados todos estes indícios, os exegetas com razão concluem que a narração do dilúvio
bíblico consta de dois documentos fundidos entre si, conservando cada qual seus pormenores próprios.
Quais seriam esses documentos? - Não é difícil responder: trata-se dos documentos sacerdotal (P)
e do javista (J). Com efeito, encontramos em Gn 6-9 muitas das expressões que caracterizam o
haxaémeron (relato sacerdotal da criação):
a) "eis a história de ... " (6, 9); d. 2, 4a; 5, 1;
b) "conforme a sua espécie" (6,20; 7, 14); d. Gn 1, 11 s.21.24s. "Macho e fêmea" aparece em 6,
19; 7, 9.16 e em Gn 1,27;
c) as águas que jorram das comportas do céu e dos reservatórios subterrâneos, lembram a
cosmologia de Gn 1,6-10;
d) a segunda cronologia do dilúvio, mais desenvolvida, parece estar no estilo de Gn 1, 1-2,4a;
e) após o dilúvio segue-se a bênção de Noé e de seus filhos, com termos quase idênticos aos da
bênção dada aos primeiros homens no paraíso; cf. 9, 1s.7 e 1,28. Deus fez aliança com Noé (9, 8-17),
restaurando a amizade que estabelecera com Adão (1,26-31);
f) em 9, 6, como em 1,27, é inculcada a dignidade do homem, feito à imagem e semelhança de
Deus;
g) em todas as passagens atrás assinaladas, Deus é designado como Eloim e não como Javé, em
paralelo ao que ocorre em Gn 1, 1-2, 4a.
Doutro lado, em Gn 6-9, notam-se antropomorfismo, que, por sua vez, lembram o estilo da
segunda narrativa da criação (Gn 2, 4b-3, 24): o Senhor se aflige em seu coração e arrepende-se deter
criado o homem (6, 6s); fecha a porta da arca depois que Noé nela entrou (7, 16); após o dilúvio, sendo o
suave odor do sacrifício e resolve não repetir o castigo (8, 20-22). Em todos esses textos, Deus é chamado
Javé como em Gn 2, 4b-3, 24.
Atendendo a estas particularidades, dizemos que em Gn 6-9 foram fundidos os documentos P e J,
sem que o autor sagrado tivesse a preocupação de harmonizá-los entre si ou de eliminar as aparentes
contradições dos mesmos.
O fato de que o compilador das duas tradições não cuidou de as harmonizar entre si, é altamente
significativo: quer dizer que não dava importância aos pormenores geográficos e cronísticos do episódio;
mas atribuía a este um sentido mais profundo do que o sentido cronístico. Com outros termos: entendia a
história do dilúvio, como quer que ela fosse relatada, como um ensinamento de história religiosa, portador
de profunda mensagem teológica. Impõe-se agora outra questão:

Lição 2: A origem de Gn 6-9


Dissemos que havia em Israel duas narrações do dilúvio (a sacerdotal e a javista), não iguais entre
si, que finalmente foram fundidas numa só peça literária. Pergunta-se: donde vêm essas duas narrações?
Que há por detrás delas?
Eis a resposta:
Existem, nas tradições dos povos antigos, várias narrações de dilúvio ou de catástrofe ocorrida em
tempos imemoriais; há estudiosos que contam 268 histórias antigas de dilúvio! Todas essas narrações tem
uma trama comum: dá-se uma grande catástrofe devasta a terra e mata os seres vivos; o elemento
destruidor pode ser água, fogo, neve, granizo, seca, epidemias, terremotos ... Na Babilônia existem quatro
versões do dilúvio, muito semelhantes entre si; são, dentre os relatos não bíblicos, os que mais afinidade
tem com o texto de Gn 6-9.
Essa multiplicidade de narrações de dilúvio nos povos de diversos continentes não quer dizer que
tenha havido uma só grande catástrofe que haja afetado a terra inteira (veremos que isto é despropositado,
aos olhos da ciência). Mas significa que muitos povos guardaram a lembrança de uma grande desgraça
ocorrida em seu território numa época muito recuada; com muito carinho transmitiram aos pósteros a
notícia desse fato, porque atribuíram a este um valor didático e religioso.
Ora na Babilônia deve ter ocorrido, em época muito distante, uma tremenda inundação; o povo
daqueles tempos entendeu que era uma intervenção dos deuses, que puniam as prevaricações dos homens.
Em consequência, a tradição babilônica foi pondo em relevo o significado religioso daquele episódio, sem
fazer muito caso dos pormenores históricos e geográficos do mesmo. Em consequência, formularam-se
aos poucos na Babilônia quatro relatos do dilúvio, muito semelhantes, mas não iguais, entre si. - Ora
Abraão era originário da Mesopotâmia; ao emigrar de lá para a terra de Canaã, que Deus lhe mostrava,
deve ter levado consigo as tradições babilônicas do dilúvio; estas foram sendo transmitidas aos
descendentes do Patriarca, depuradas, porém, do seu teor politeísta e grosseiro, para poder servir de
ensinamento religioso ao povo de Abraão, que tinha fé monoteísta. Em consequência, formaram-se dois
relatos do dilúvio na tradição de Israel: o javista, mais antigo e antropomórfico (séc. X aC.), e o
sacerdotal (séc. V aC.). Quando os escribas de Israel deram as mãos definitiva à Torá e às suas tradições
no séc. V (sob Esdras), os dois relatos foram entrelaçados de maneira a se formar um só; neste, os traços
históricos e geográficos não têm importância capital; o que realmente pesa, é o ensinamento religioso e
moral que se depreende do episódio (ver Lição 3, a seguir).
De quanto foi dito, percebe-se que o dilúvio bíblico não pode ser confundido com os dilúvios ou
os degelos que a geologia aponta em épocas pré-históricas; estas foram catástrofes universais, ao passo
que o dilúvio bíblico não foi universal, nem do ponto de vista geográfico (não recobriu a terra inteira),
nem do ponto de vista antropológico (não extinguiu a espécie humana toda).
Com efeito. Para recobrir a terra toda, as águas deveriam atingir o pico mais alto, o Everest, com
8.839m de altitude. Ora uma camada de quase 9.000m em torno de toda a terra implicaria um volume de
águas de 4.600.000.000m3, volume que toda a massa de águas hoje conhecida não chegaria a produzir. E,
mesmo que o produzisse, o frio provocado seria tal que mataria todos os seres vivos, inclusive dentro da
arca. - A universalidade antropológica também é excluída, visto que a narrativa bíblica supõe o grau de
civilização do período neolítico, em que os homens já estavam espalhados por várias partes da terra. O
próprio livro do Gênesis, aliás, a partir de 4, 1, só narra os feitos dos setitas e cainitas; embora refira que
Adão gerou filhos e filhas (5, 4), o autor sagrado não descreve a descendência e a história desses outros
seres humanos; é, pois, no quadro da história dos cainitas e setitas que o autor coloca o dilúvio, sem
tencionar envolver os demais homens na catástrofe. - Por conseguinte, quando o texto bíblico fala de
"terra inteira" e de "todos os homens" em Gn 6-9, não tem em vista o sentido geográfico e antropológico
destas expressões, mas o sentido religioso: dado que queria escrever não simplesmente história, mas
história religiosa, o gênero humano, para o autor sagrado, se reduzia dOS indivíduos portadores dos
valores religiosos da humanidade. De resto, os semitas usavam frequentemente as locuções "todos os
homens" e "a terra inteira" em sentido hiperbólico; cf. Gn 41 , 54.57; Dt 2, 25; 1 Rs 10, 23; 2Cr 20, 29.
Passemos agora ao nosso último ponto:

Lição 3: A mensagem de Gn 6-9


Após quanto foi dito até aqui, compreende-se que o episódio do dilúvio nos transmite uma
mensagem de ordem catequética, cujos termos são os seguintes:
1) Deus é santo e puro.
2) Deus é justo; não pode deixar subsistir indefinidamente a iniquidade, e fomenta a santidade dos
homens.
3) Deus é clemente. Antes de exercer a sua justiça; incita os homens à penitência, dando-lhes a
oportunidade de converter-se na última hora (cf. Gn 6, 3). O texto de 1 Pd 3, 18-20 insinua que muitos
pecadores se converteram já durante a catástrofe, na hora da morte.
4) O dilúvio é o desfecho de um período da história religiosa da humanidade e o início de nova
era. Com efeito, o autor sagrado apresenta-o como segunda criação do mundo, fazendo ressoar em Gn 6-9
alguns traços característicos da história da criação(Gn 1-3). Notemos também que dez são as gerações que
Gn 5 refere desde Adão até Noé, número que significa uma lista completa ou, no caso, um período de
história terminado. Sobre este fundo, Noé aparece como novo pai do gênero humano, à semelhança de
Adão; com Noé salvo das águas Deus faz uma aliança, como fez com o primeiro homem (cf. 9, 8-17; 2,
15-17).
5) Noé é um tipo de Cristo, que é o 2 o Adão simplesmente dito (cf. Rm 5, 14; 1Cor 15, 45), tão
universal quanto o primeiro. Noé salvou a linhagem humana mediante o lenho da arca; Cristo a salvaria
pelo madeiro da cruz (cf. Sb 10,4).
6) A arca, fora da qual ninguém sobreviveu, é tipo da Igreja. Todos os homens que se salvam-se
por Cristo e pela Igreja, mesmo que não o saibam ou mesmo que não pertençam visivelmente à Igreja de
Cristo.
7) As águas do dilúvio, através das quais se salvaram os justos e em que pereceram os ímpios, são
figuras do Batismo, que pela água dá a vida aos fiéis e apaga os pecados. Cf. 1 Pd 3,20s.
8) O dilúvio, como nova criação, prenuncia, conforme 2Pd 3, 5-7.10, os céus novos e a terra nova
que no fim da história se constituirão.
Deixando de lado as indagações de ordem científica e adotando estes ensinamentos de valor religioso
podemos perceber o sentido muito rico da história, aparentemente fabulosa, do dilúvio.
ESCOLA MATER ECCLESIAE
CURSO BÍBLICO POR CORRESPONDÊNCIA (45)
EXEGESE DE TEXTOS SELETOS - A pré-história bíblica (VI)
MÓDULO VI: Os setenta povos. Babel

Lição 1: Os Setenta Povos


Após o dilúvio, o texto bíblico apresenta em Gn 10 uma tabela de 70 povos, e, em 11, 1-9, o
episódio da torre de Babel. Examinemos cada trecho separadamente.
Quem lê Gn 10, talvez se sinta enfastiado por aí só encontrar listas de nomes, que representam os
descendentes de Noé e de seus filhos Sem, Cam e Jafé. Todavia, analisando melhor o conteúdo de tal
capítulo, o leitor descobre aí também uma profunda mensagem religiosa. Queira ler Gn 10, 1-32.
1. Tentemos identificar os nomes apresentados ... Verificamos então que:
- os filhos de Jafé correspondem aos povos da Ásia Menor e das ilhas do Mediterrâneo,
estendendo-se até o literal da Espanha;
- os filhos de Cam ocupam as regiões do Sul: Egito, Etiópia, Arábia, Canaã;
- os filhos de Sem habitam a Mesopotâmia e a Arábia.
A lista de 70 nomes deve compreender todos os povos que o autor sagrado julgava descender de Noé (70
é o número da plenitude, na simbologia antiga); algumas populações, como a dos amalecitas e a dos
moabitas, não estão aí incluídas porque o autor as julgava de origem mais recente. Mais precisamente,
podemos dizer que a tabela de Gn 10 exprime os conhecimentos que, a respeito do mundo habitado, podia
ter um israelita da época de Salomão (séc. X aC.) ou dos séc. VIII/VII aC. Tal documento não pretende
indicar a origem das raças, como se estas tivessem começado a se formar após o dilúvio a partir dos filhos
de Noé: Jafé seria o pai da raça branca; Cam, o da raça negra; e sem, o da raça amarela. Na verdade, as
circunstâncias de clima, trabalho, alimentação ... como também por ação do fenômeno chamado
"mutacionismo". A Bíblia nada afirma a respeito da origem das mesmas; d. Módulo 2 da 4ª Etapa deste
curso.

2. E qual seria a mensagem-religiosa de Gn 10? Distingamos dois pontos:


1) Unidade de origem de todos os povos. A ordem de crescer e multiplicar-se, dada pelo Senhor a Noé
logo após o dilúvio (d. 9, 1.7), se cumprira; isto era condição para que o homem exercesse o seu domínio
sobre a terra (Gn 1, 28), à imagem e semelhança do domínio de Deus (Gn 1, 26). Todavia - quer notar o
autor - essa dispersão dos homens não acarretou desunião ou antagonismo para a humanidade; todos os
homens provêm do mesmo tronco e formam uma imensa família, como, aliás, nota também São Paulo em
At 17, 26.
Sem dúvida, na época mesma em que o autor compilava os nomes da sua tabela, Israel
experimentava e experimentava ameaças por parte de povos vizinhos: os filisteus, os hititas, os amorreus,
os jebuseus, os cananeus (d. 1 Sm; Nm 13, 28s); além destes, os egípcios, os assírios e babilônicos
constituíam permanente perigo para a subsistência de Israel. Ora nada disto transparece em Gn 10; aqui
só se exprime a certeza de origem comum e da fraternidade de todos os homens. Na literatura de outros
povos antigos não se encontra atitude semelhante: os estrangeiros costumam ser aí considerados bárbaros
e objeto de desprezo.

2) A afirmação da unidade de origem de todos os povos significa que todos são chamados à
salvação. Verdade é que essa salvação há de vir através de Abraão e da sua linhagem; é o que indica a
tabela de Gn 11,10-26, que continua a listagem dos descendentes de Sem, de modo a chegar a Abraão (d.
11,26). Todavia a ênfase dada aos semitas e a Abraão em toda a história a partir de Gn 12 ainda não se faz
notar em Gn 10; Israel, em suas origens, aparece como um pequeno povo em meio aos demais povos (d.
Gn 10,22; 11, 11); não são as suas armas e nem a sua habilidade política que o fazem grande, mas
unicamente o beneplácito e a escolha de Deus; Abraão foi chamado gratuitamente, sem ter merecido a sua
vocação (d. G13, 6-9; Rm 4, 1-12).
Eis o significado religioso da tabela de Gn 10.

Lição 2: Gn 11, 1-9 - exame do texto


Este episódio não tenciona explicar a origem das línguas, mas é portador de profunda doutrina
teológica.
Examinemos, primeiramente, o que diz o texto sagrado. Ler Gn 11, 1-9 ...
"A terra inteira" em Gn 11, 1, por certo, não designa todo o globo, mas apenas a porção de terra
que interessava à história da salvação.
"Uma só língua", segundo os orientais, designava a unidade de cultura, religião, costumes - e
também de idioma - existente em determinada região. Os antigos reis assírios e babilônios afirmavam "ter
reduzido tal pais a uma só língua ou ter reduzido os homens a uma só boca"; queriam significar, com isto,
que haviam imposto a este ou aquele povo conquistado a cultura, a religião, a mentalidade
(principalmente) - e também a linguagem - do povo vencedor, extinguindo particularidades nacionais.
Em consequência, devemos dizer que Gn 11, 1 nos coloca diante de uma população que
professava a mesma mentalidade e a mesma cultura (sendo a unidade de idioma um aspecto apenas dessa
uniformidade).
Tais homens conceberam o projeto de construir uma torre cujo cume chegasse até o céu; queriam
também tornar o seu nome conhecido e famoso; cf. 11, 3s.
Essa torre muito alta há de ser entendida à semelhança das torres babilônicas (ziggurats), que as
escavações têm posto a descoberto; tinha a forma de uma pirâmide a patamares (três, quatro, cinco ou sete
degraus ou patamares) à imitação de uma montanha. Eram monumentos religiosos ou templos pagãos. Os
antigos babilônios oriundos de regiões montanhosas, concebiam a terra como uma grande montanha e, em
consequência, julgavam que os deuses habitavam nos cumes dos montes; por isto colocavam no último
andar das suas pirâmides a habitação da Divindade ou o santuário dedicado ao Deus da cidade. A mais
famosa dessas torres, na cidade mesma da Babilônia, era chamada "E-temen-an-ki" (= casa do
fundamento do Céu e da terra), dedicada ao Deus Marduque, que não era senão o poder político da
Babilônia divinizado. - Assim se entende que o empreendimento dos homens de Gn 11, 1-9 era
predominantemente religioso pagão.
Mais: tais homens queriam também criar para si um nome famoso, que os mantivesse unidos. Isto
significa, em outros termos, que queriam formar um poderoso centro político e cultural, todo impregnado
do culto de um ídolo; queriam constituir, longe do verdadeiro Deus, um reduto político e religioso que
tivesse domínio universal; o símbolo desse poderio seria a torre muito alta ou o templo pagão.
O texto, a seguir, narra o desbaratamento de tal iniciativa. "O Senhor resolveu confundir a
linguagem daqueles homens soberbos, de modo que não entendessem mais a língua uns dos outros"
(11, 7). -Isto não quer dizer que o Senhor tenha realizado o milagre de multiplicar línguas
instantaneamente, mas, à luz de quanto foi dito atrás, significa que o Senhor permitiu que a soberba
daqueles homens afastados de Deus se voltasse contra eles mesmos: começaram a se desentender,; os
interesses pessoais foram prevalecendo sobre os interesses comunitários, de tal modo que não
conseguiram continuar a sua obra e tiveram que se dispersar; esta dispersão acarretou, sem dúvida, a
multiplicação dos idiomas como consequências remota da desintegração interior daquele grupo de
homens apóstatas. A unidade inicial, carecendo de fundamento em Deus, foi ilusória: cedeu logo ao
esfacelamento do grupo em parcelas alheias umas às outras.
Por fim, o autor nota que à cidade inacabada se deu o nome de Babel ou Babilônia, "pois foi lá
que o Senhor confundiu a linguagem da terra inteira" (v. 9). Não é necessário que, na base dessa
indicação, identifiquemos a cidade de Gn 11 com a famosa capital da Babilônia. O autor sagrado muito
provavelmente quis atribuir à cidade de Gn 11, que era símbolo do orgulho, o nome de Babilônia, pois
esta, na história sagrada, se tornou o tipo do poderio deste mundo que se faz grande e insolente contra
Deus (d. Jr 51,20-58; Ap 18, 21-19, 5).
Procuremos agora o significado do episódio analisado.

Lição 3: A mensagem de Gn 11, 1-9


Pode-se crer que o episódio da torre de Babel constitui um bloco literário redigido indepen-
dentemente de sua moldura atual e nesta inserido pelo autor sagrado. De fato, ele interrompe as
genealogias (cf. 10, 1-32 e 11, 10-32), intercalando-se entre a tabela geral dos descendentes de Sem e a
lista particular que leva de Sem a Abraão. O episódio aí colocado significa que o mal desencadeado pelo
primeiro pecado, reafirmado pelo fratricídio, punido pelo dilúvio, se vai alastrando sempre mais, de modo
a explicar por que Deus quis chamar Abraão e com ele constituir um povo à parte (Gn 12).
2. Além disto, cabe a Gn 11, 1-9 uma função paralela à de Gn 3: o episódio do pecado original
mostra como na raiz da história universal está o pecado ou a soberba. Analogamente, o episódio de Gn
11, 1-9 mostra como na raiz da história de cada povo concreto está também o pecado ou a soberba: os
homens em Sinear quiseram ser poderosos como Deus, revoltando-se contra Deus e por isto foram
desbaratados; ora a desagregação do gênero humano, a origem das nações egoístas, como as conhece a
história, se devem a um pecado; não correspondem ao plano ideal traçado por Deus, quer dizer o autor
sagrado. Mas, assim como após a culpa original o Senhor reanimou as esperanças do gênero humano (d.
Gn 3, 15s), assim após o episódio de Babei o Senhor prometeu reunir os homens desagregados pela
idolatria e o vício, chamando-os à adoração do único Deus, o Deus revelado a Abraão (d. Gn 12,3).
3. Um terceiro ponto se deduz ainda do episódio de Babel.
Os povos antigos tinham consciência de que a diversidade de línguas, fator de divisão entre os homens, é
uma desgraça ou mesmo o castigo de um pecado. Assim, conforme os persas, a multiplicidade provém de
Deus mau Arimã, que introduziu cisão entre os habitantes do globo, ensinando-lhes trinta línguas. Uma
lenda hindu conta que os homens certa vez quiseram chegar até o céu subindo por uma árvore tão alta que
o atingia; todavia a árvore foi esfacelada e seus ramos espalhados pela superfície da terra; tal árvore, para
os hindus, significava a unidade do gênero humano; assim unidos, os homens se sentiam tão fortes que se
quiseram igualar à Divindade; esta, em consequência, desbaratou os habitantes do globo. Os sumérios
movidos pelo mesmo sentimento, faziam entrar a unidade de língua na descrição da passada idade do
ouro.
Ora na plenitude dos tempos Deus se dignou responder aos sentimentos dos povos antigos e de
Israel, mandando o Redentor ao mundo. Como se sabe, a missão terrestre de Jesus foi consumada por
uma multiplicação de línguas; conforme At 2, no dia de Pentecostes o Espírito Santo comunicou aos
Apóstolos o dom de falar línguas diversas para congregar numa só grande família - a Igreja - os homens
até então divididas. Em Babei desagregaram-se os afetos dos homens e, em consequência, as línguas se
multiplicaram, surgindo grupos ou nações hostis entre si; ao contrário, em Pentecostes os grupos
nacionais foram reunidos pela línguas multiplicadas; estas ocasionaram a unidade de sentimentos nos
ouvintes, congregando-os num reino universal, que é o Reino de Deus iniciado na Igreja. A alma nova
dos homens suscitada pelas línguas de Pentecostes faz que as barreiras antigas de culturas, idiomas e
interesses já não sejam empecilho a que todos na Igreja se sintam irmãos unidos num só ideal; amar e
servir a Deus – o que é realmente reinar.

I. A libertação do Egito
Êxodo 12,43-51 Prescrições a respeito da Páscoa
1. ISRAEL NO EGITO 13,1-2 Os primogênitos 13,3-10 Os Ázimos
 1,1-7 A prosperidade dos hebreus no Egito 13,11-16 Os primogênitos
1,8-14 A opressão dos hebreus 4 A SAÍDA DO EGITO
1, 15-22 A história das parteiras 13,17-22 A saída dos israelitas
14,1-4 De Etam ao mar dos Juncos
2. JUVENTUDE E VOCAÇÃO DE MOISÉS 14,5-14 Os egípcios perseguem Israel
2,1-10 O nascimento de Moisés 14,15-31 O milagre do mar
2,11-22 A fuga de Moisés para Madiã 15,1-21 O canto de vitória
VOCAÇÃO DE MOISÉS
2,23-25 Deus lembra-se de Israel II. A caminhada no deserto
3,1-6 A sarça ardente 15,22-27 Mara
3,7-12 A missão de Moisés 16,1-36 O maná e as codornizes
3,13-15 A revelação do Nome divino 17,1-7 A água da rocha
3,16-20 Instruções para a missão de Moisés 17,8-16 Combate contra Amalec
3,21-22 A espoliação dos egípcios 18 ,1-12 Encontro de Jetro com Moisés
4,1-9 O poder dos sinais dado a Moisés 18,13-27 A instituição dos Juízes
4,10-17 Aarão intérprete de Moisés
4,18-23 Moisés volta ao Egito. Partida de Madiã III. A aliança do Sinais
4,24-26 A circuncisão do filho de Moisés 1. A ALIANÇA E O DECÁLOGO
4,27-31 Encontro com Aarão 19,1-2 Chegada ao Sinai
5,1-5 A primeira entrevista com Faraó 19,3-8 Promessa da Aliança
5,6-14 Instrução aos inspetores do povo 19,9-15 Preparação da
5,15-18 A queixa dos escribas hebreus 19,16-25 A teofania
5,19-21 A reação do povo 20,1-21 O Decálogo
5,22-6,1 A oração de Moisés
6,2-13 Nova narração da vocação de Moisés 2. O CÓDIGO DA ALIANÇA
6,14-27 Genealogia de Moisés e Aarão 20,22-26 A lei do altar
6,28-7,7 Retoma-se a narração da vocação de 21,1-11 Leis acerca dos escravos
Moisés 21,12-17 Homicídio
3 AS PRAGAS DO EGITO A PÁSCOA 21,18-36 Golpes e ferimentos
21,37-22,3 Roubos de animais
7,8-13 A vara transformada em cobra. 22,4-14 Delitos que implicam indenização
7.14-25 I A água transformada em sangue 22,15-16 Violação de uma virgem
7,26-8,11 II As rãs 22,17-27 Leis morais e religiosas
8,12-15 III Os mosquitos 22,28-30Primícias e primogênitos
8,16-28 IV As moscas 23,1-9 A justiça. Os deveres para com os inimigos
9,1-7 V. A peste dos animais 23,10-13 Ano sabático e sábado
9,8-12 VI As úlceras. 23,14-19 As festas de Israel
9,13-35 VII A chuva de pedras 23,20-33 Promessas e instruções em vista da
10,1- 22 VIII. Os gafanhotos entrada em Canaã
10,21-29 IX. As trevas
11,1-11 Anúncio da morte dos primogênitos 3. CONCLUSÃO DA ALIANÇA
12,1-14 A Páscoa 24,1-11 Conclusão da aliança
12,15-20 A Festa dos Ázimos 24,12-18 Moisés sobre a montanha
12,21-28 Prescrições sobre a Páscoa
12,29-34 A décima praga: morte dos primogênitos 4.PRESCRIÇÕES REFERENTES À CONSTRU-
12,35-36 Espoliação dos egípcios ÇÃO DO SANTUÁRIO E AOS SEUS MINISTROS
12,37-42 A partida de Israel 25,1-9 A contribuição para o santuário

25,10-22 A Tenda e sua mobília. A Arca 32,30-35 Nova oração de Moisés


25,23-30 A mesa dos pães da oblação 33,1-6 A ordem para a partida
25,31-40 O candelabro 33,7-11 A Tenda
26,1-14 A Habitação. As cortinas e os estofos 33,12-17 Oração de Moisés
26,15-30 A armação 33,18-23 Moisés sobre a montanha
26,31-37 O véu 34,1-5 Renovação da Aliança. As tábuas da Lei
27,1-8 O altar dos holocaustos 34,6-9 A aparição de Deus
27,9-19 O átrio 34,10-28 A Aliança
27,20-21 O azeite para o candelabro 34,29-35 Moisés desce da montanha
28 ,1-5 As vestimentas dos sacerdotes 6 CONSTRUÇÃO E EREÇÃO DO SANTUÁRIO
28,6-14 O efod
28,15-30 O peitoral 35,1-3 A lei do repouso sabático
28,31-35 O manto 35,4-29 Coleta dos materiais
28,36-39 O sinal da consagração 35,30-36,1 Os operários do santuário
28,40-43 Vestimentas dos sacerdotes 36,2-7 A entrega da coleta
29,1-3 Consagração de Aarão e de seus filhos.
36,8-19 A Habitação
Preparação 36,20-34 A armação
29,4-9 Purificação, investidura e unção 36,35-38 A cortina
29,10-21 Oferendas 37,1-9 A arca
29,22-30 A investidura dos sacerdotes 37,10-16 A mesa dos pães da oblação
29,31-35 Refeição sagrada 37,17-24 O candelabro
29,36-37 A consagração do altar dos holocaustos
37,25-29 O altar dos perfumes.
29,38-46 Holocausto cotidiano O óleo da unção e o perfume
30,1-10 O altar dos perfumes 38,1,7 O altar dos holocaustos
30,11-16 O tributo para o culto 38,8 A bacia
30,17-21 A bacia 38,9-20 Construção do átrio
30,22-33 O óleo da unção 38,21-31 Enumeração dos metais
30,34-38 O perfume 39,1 A vestimenta do sumo sacerdote
31,1-11 Os operários do santuário 39,2-7 O efod
31,12-17 Repouso sabático 39,8-21 O peitoral
31,18 Entrega das tábuas da lei a Moisés39,22-26 O manto
5. O BEZERRO DE OURO E A RENOVAÇÃO 39,27-29 Vestimentas sacerdotais
DA ALIANÇA 39,30-32 O sinal de consagração
39,33-43 Entrega das obras realizadas a Moisés
32,1-6 O bezerro de ouro 40,1-15 Ereção e consagração do santuário
32,7-10 Iahweh avisa Moisés 40,16-33 Realização das ordens divinas
32,8-14 Oração de Moisés 40,34-35 Iahweh toma posse do santuário
32,15-24 Moisés quebra as tábuas da Lei 40,36-38 A nuvem guia os filhos de Israel
32,25-29 O zelo dos Levitas

O ÊXODO é o segundo livro da Bíblia e do Pentateuco. Na Bíblia Hebraica recebe o título de


Shemôt, isto é, “Nomes”, de acordo com o hábito judaico de intitular os livros a partir das suas palavras
iniciais: “We’elleh shemôt” (= “É estes os nomes dos filhos de Israel que vieram para o Egito”: 1,1).
O título de ÊXODO provém da versão grega dos Setenta, que procura dar a cada livro um título de
acordo com o seu conteúdo. Neste caso, privilegia os 15 primeiros capítulos, pois é aí que propriamente
se descreve o “Êxodo”, isto é, a “saída” dos israelitas do Egito. Este léxico tem a ver prevalentemente
com os grupos recalcitrantes que Moisés “fez sair” do Egito pela “estrada do deserto”; mas, dada a
importância determinante de Moisés, dos seus grupos e das suas experiências para a constituição de Israel
e a formação da Bíblia, o seu léxico torna-se patrimônio comum, podendo expressar também as
“libertações” de outros grupos da “opressão” do domínio egípcio.

CONTEÚDO E DIVISÃO

Pode dividir-se o seu conteúdo do seguinte modo:


I. “Opressão” e “Libertação” dos filhos de Israel no Egito. Este é o tema fundamental de 1,1-15,21.
Nesta seção merecem especial relevo as peripécias no Egito (1,1-7,8), como um povo que nasce no
sofrimento. Seguem-se as pragas (7,8-12,32), como meio violento de libertação.
II. Caminhada pelo deserto (15,22-18,27) do povo, agora livre do Egito.
III. Aliança do Sinai (19,1-24,18). Esta aliança é o encontro criacional ou fundacional de Javé com os
“israelitas”, em que o Senhor se dá a si mesmo ao homem e restitui cada homem a si mesmo, e em que o
homem aceita a dádiva pessoal de Deus e se aceita a si mesmo como dom de Deus com tudo o mais que
lhe é dado: a natureza, a razão, a Lei, a História, o mundo. Por sua vez, a dádiva e a sua aceitação também
reclamam dádiva mútua e, portanto, responsabilidade. O pecado surge como possibilidade da liberdade
humana; mas Deus pode sempre recomeçar tudo de novo.
IV. Código sacerdotal, com especial relevo para a construção do santuário (25,1-31,18). A execução do
mesmo vai ser revelada em 35,1-40,33, com a correspondente organização do culto. Esta narrativa está
encerrada numa inclusão significativa: 40,34-38 descreve a descida do Senhor sobre o santuário com as
mesmas características (nuvem, glória, fogo) com que 24,12-15a descreveu a descida do Senhor sobre o
Sinai, mostrando, assim, que o santuário assumiu o papel do Sinai como lugar da manifestação de Deus. É
a presença da ideologia sacerdotal (conhecida por fonte P), que projeta retrospectivamente no Sinai a
imagem do segundo templo, do seu sacerdócio e do seu culto, em suma, o ideal da comunidade judaica
pós-exílica.
V. Renovação da Aliança do Sinai, relatada em 32,1-34,35.
VI. Código sacerdotal (35,1-40,38): execução das obras relativas ao santuário .
O texto normativo do livro do ÊXODO é sobretudo um entrançado de peças narrativas e
legislativas. Nestas últimas, destacam-se o
* “Decálogo” propriamente dito (20,1-17) e os chamados
* “Código da aliança” (20,22-23,19) e
* “Decálogo ritual” (34,12-26).
São a Lei dada por Deus, mas formulada pelo homem a partir da razão e da experiência.

As dez pragas do Egito


A praga que veio sobre o povo O efeito sobre Faraó
1. As águas do Nilo transformaram-se em sangue (Ex 7.14-25) .............. Seu "coração se endureceu" (Ex 7.22)
2. Rãs espalharam-se por toda a terra do Egito (Ex 8.1-15) ...................... Ele pediu alívio, prometeu liberdade (Ex 8.8) e, depois,
"endureceu seu coração (Ex 8.15)
3. Piolhos infestaram a terra (Ex 8.16-19) ................................................ Seu "coração se endureceu" ( Ex 8.19)
4. Enxames de moscas surgiram por toda a terra (Ex 8.20-32) ................. Barganhou (Ex 8.28), depois "endureceu 0 coração" (Ex 8.32)
5. Os rebanhos foram atingidos por uma peste (Ex 9.1-7) ........................ Seu "coração se endureceu" ( Ex 9.7)
6. Ulceras infectaram os egípcios (Ex 9.8-12) ........................................... O Senhor "endureceu" o coração de Faraó (Ex 9.12)
7. Uma chuva de pedias destruiu os campos dos egípcios, .................................. Implorou por alívio (Ex 9.27), prometeu liberdade (Ex 9.28), mas ,
mas nao a terra de Gósen (Ex 9.13-35) seu coração "estava endurecido"( Ex 9.35)
8. Hostes de gafanhotos infestaram a terra (Ex 10.1-20) ........................... Barganhou (Ex 10.11), implorou por alívio (Ex 10.17), mas
o Senhor "endureceu" o coração do Faraó (Ex 10.20)
9. A escuridão cobriu a terra (Ex 10.21-29) ............................................. Barganhou (Ex 10.24), mas o Senhor "endureceu"
o coração de Faraó (Ex 10.27)
10. Os primogénitos de todas as famílias do Egito .................................... O Faraó e os egípcios imploraram que Israel
morreram (Ex 12.29-30) saísse do Egito , (Ex 12.31-33)

Os Dez Mandamentos através das Escrituras

Mandamento Aplicação prática Referências do AT Referências do NT


1 Não terás outros deuses diante Demonstre respeito a Deus e aos Dt 5,7; 6,4.14; 13,6-10; Mt 4,10; 22,37-38; Mc 12,29-30;
de mim (Ex 20,3.23; 34,14) que ele coloca como autoridades 2Rs 17,35; SI 81,9 Lc 4,6
sobre você
2 Não farás para ti imagem de Viva uma vida de devoção Lv 19,4; 26,1; Dt 4,15-20; 5,8-10; Rm 1,22-23; 1Jo 5,21; Ap 14,9-11
escultura (Ex 20,4-6; 34,17). integral a Deus 7,25; Sl 115,4-8; Is 44,9-20
3 Não tomarás o nome do Senhor, Cuide de seu falar e esforce-se Lv 18,21; 19,12; 22,2; Mt 5,33-37; Tg 5,12
teu Deus, em vão (Ex 20,7) para se comunicar efetiva e 24,16; Dt 5,11; 6,13; Ez 39,7
respeitosamente.
4 Lembra-te do dia de sábado, para Reserve um período para Gn 2,3; Lv 19,3,30; Mc 2,27-28
o santificar (Ex 20,8-11; 16,23- meditação e para o devido Dt 5,12-15; Jr 17,21-27;
30; 31,13-16; 35,2-3). descanso e lazer. Ez 20,12
5 Honra teu pai e tua mãe Trate seus pais com respeito. Lv 19,3; Dt 5,16; 27,16; Mt 15,4-9; 19,19; Mc 7,10-13; 10,19;
(Ex 20,12; 21,17). Pv 6,20-22 Lc 18,20; Ef 6,1-3; Cl 3,20
6 Não matarás (Ex 20,13). Reconheça a soberania de Gn 9,5-6; Lv 24,17; Mt 5,21-22; 19,18; Mc 10,19;
Deus sobre a vida e a morte Dt 5,17 Lc 18,20; Rm 13,9
7 Não adulterarás (Ex 20,14). Honre seu voto de fidelidade ao Lv 18,20; 20,10; Dt 5,18; 22,22; Lc 18,20; Rm 13,9; Tg 2,11
cônjuge e a Deus. Pv 6,29,32 Mt 5,27-28; Mc 10,19;
8 Não furtarás (Ex 20,15; 21,16). Cuidado para não se apropriar do Lv 19,11.13; Dt 5,19 Mt 19,18; Rm 13,9; Ef 4,28
que não é seu
9 Não dirás falso testemunho Responda aos outros com Dt 5,20; Sl 101,5; Mt 19,18; Mc 10,19; Lc 18,20;
(Ex 20,16; 23,1.7). integridade e com respeito. Pv 6,16-19; 19,5; Zc 8,16 Rm 13,9; Ef 4,25; Cl 3,9
10 Nao cobiçarás (Ex 20,17) Satisfaça-se com suas posses e Dt 5,21; 7,25; Pv 28,16 Lc 12,15; Rm 7,7; 13,9; Ef 5,3;
recursos. Hb 13,5

Temas específicos:
- O êxodo do Egito é o evento referencial de Israel como povo. É considerado o tempo
privilegiado do encontro com Deus (Jr 2,2s; Os 11,1). Ao êxodo são referidas várias instituições: a Páscoa
(12,26s), os Ázimos ou Pães sem fermento (13,8), a oferta dos primogênitos (13,14s). A reflexão de Israel
volta sempre de novo ao êxodo e à aliança, cuja "renovação " (Js 24) constitui um ponto alto do culto em
Israel e dá origem à utopia do novo êxodo e da nova aliança " (Jr 31,31-34; Ez 16,59-63; 20,35-44; 37,20-
28; Is 40 55).

- Deus é quem age. Ele está com o povo com os profetas que são enviados ao faraó Ele elege o
povo não por ser poderoso, mas porque é oprimido. Deus opta pelos pobres e os oprimidos.

- O povo é resgatado por Deus para ser seu povo e dele receber a Instrução, o caminho da vida.
Não deve obedecer aos deuses (= os poderes, as estruturas) do Egito ou de outros povos. Por isso O
SENHOR da Aliança é "ciumento ", não permite que seu povo exclusivo vá atrás de outros poderes.

- O povo não compreende, é "duro de cabeça ", "murmura", rompe a Aliança, mas o SENHOR a
restaura e se mostra, sempre de novo, "compassivo, clemente, paciente, rico em misericórdia e fiel,
perdoando as culpas..." (Ex 34, 6s). A renovação da Aliança é fundamental na religião de Israel.

-A leitura deste livro nos convida a responder a uma pergunta básica: "O SENHOR está ou não
está no meio de nós?" (17,7; cf. 33,15-19). Com um olho nos acontecimentos de nossa vida e outro nas
páginas do Êxodo, seremos capaz de encontrar pessoalmente e em comunidade, com o Deus libertador.

- Sendo a Bíblia livro da vida, tudo o que é útil para a comunidade israelita tem nela seu lugar:
organizar e governar a sociedade (o Direito), construir o santuário (a arquitetura), executar obras de
ornamentação e manutenção do culto (a tecnologia, o artesanato)... A própria arte técnica é "sabedoria do
espírito de Deus " (31,3). Tudo isso deve, portanto, estar a serviço dele e de seu povo (também hoje).

Conteúdo geral - Êxodo


1,1-15,21 15,22-18,27 19,1-24,11 24,12-31,18 32-34 35-40

Libertação do povo Marcha dos A Aliança do Sinai: Prescrições Ruptura e Execução da


para a Aliança e a Israelitas até Manifestação de Deus, para a renovação organização
Instrução Instrução, sacrifício de construção do da Aliança do santuário
o Sinai aliança santuário

AUTOR
*************
A antiga tradição judaica, tal como a antiga tradição cristã, atribuíam a Moisés a autoria de todo o
Pentateuco e, por isso, também do livro do ÊXODO. Este modo de pensar está hoje claramente
ultrapassado. Contudo, talvez hoje se avalie também, com mais clareza do que nunca, a eventual ação
determinante de Moisés na constituição de Israel e do corpo bíblico do Pentateuco e do ÊXODO.

GÉNERO LITERÁRIO
*************************
O tecido literário deste livro resulta em parte da acostagem horizontal de temáticas por via
redacional (“teoria fragmentária”), mas fundamentalmente da complexidade dinâmica da vida de
múltiplos grupos cujas experiências no terreno vão sendo recolhidas e integradas em contextos
ideológicos mais amplos. É ainda a questão da “teoria documentária”, embora redimensionada, nas suas
componentes Javista (J), Eloísta (E), Deuteronômico-Deuteronomista (D-Dtr) e Sacerdotal (P); das
múltiplas “fichas” que recolhem e da ideologia e intenção das redações; sem esquecer, também, a redação
final.

LEITURA CRISTÃ E TEOLOGIA


***************
O acontecimento do Êxodo relata a libertação de Israel do Egito pelo Senhor, que faz com esse
povo uma Aliança. Tal acontecimento fundador foi objeto de várias releituras, já dentro da própria Bíblia,
pois toda a teologia e espiritualidade do povo de Israel ficou profundamente marcada por ela.
Assim, o Segundo e Terceiro Isaías vêem a libertação de Judá do domínio da Babilônia como um
novo Êxodo. Os primeiros discípulos de Jesus e as primeiras comunidades cristãs, que eram de origem
judaica, viram na doutrina de Jesus um "êxodo" novo e definitivo (Lc 4,16-21); e, na sua pessoa, o
verdadeiro libertador, à vista do qual o próprio Moisés era simples figura, e a Lei do Sinai mero pedagogo
para conduzir o povo até ao verdadeiro Mestre, que é Cristo (Gl 3,24).
O Novo Testamento apresenta Moisés como muito inferior a Jesus, que veio trazer a nova Lei
(Mt 5,17-48). A Carta aos Hebreus chega mesmo a dizer que Moisés já considerava os opróbrios por
Cristo superiores aos tesouros do Egito, seguindo em frente com firmeza, "como se contemplasse o
Invisível" (Hb 11,27)
Levítico
I. Ritual dos sacrifícios Lei sobre o leproso — 13,45- 46
Os holocaustos —1, 1- 17 Lepra das vestes — 13-14, 32
A oblação — 2,1 - 16 Lepra das casas — 14,33- 57
O sacrifício de comunhão — 3,1- 17 Impurezas sexuais:
O sacrifício pelo pecado: A. do homem — 15,1 -18
a) do sumo sacerdote — 4, 1- 12 B. da mulher —15, 19- 30
b) da Assembléia de Israel —4, 13- 21 Conclusão — 15,31- 33
c) de um chefe — 4,22- 26 O grande Dia das Expiações — 16,1- 34
d) de um homem do povo — 4,27- 35 IV. Lei de santidade
Casos diversos de sacrifício pelo pecado — 5,1 - 6 Imolações e sacrifícios — 17,1- 16
Sacrifício pelo pecado do homem do povo Proibições sexuais — 18,1- 30
(continuação) — 5, 7- 13 Prescrições morais e cultuais —19, 1- 37
Sacrifício de reparação — 5,14- 26 Castigos
O sacerdócio e os sacrifícios A. Faltas cultuais —20, 1- 7
A. O holocausto — 6,1- 6 B. Faltas contra a família — 20,8- 21
B. A oblação — 6,7- 16 Exortação final — 20,22- 27
C. O sacrifício pelo pecado — 6,17- 23 Santidade do sacerdócio
D. O sacrifício de reparação —7, 1- 6 A. Os sacerdotes — 21,1- 9
Direitos dos sacerdotes — 7,7- 10 B. O sumo sacerdote — 21,10 - 15
E. O sacrifício de comunhão: C. Impedimentos ao sacerdócio — 21,16- 24
a) sacrifício com louvor — 7,11- 15 Santidade na participação das ofertas sagradas
b) sacrifícios votivos ou voluntários —7, 16- 17 A. Os sacerdotes  — 22,1- 9
Regras gerais — 7,18- 27 B. Os estranhos —22, 10 -16
Parte dos sacerdotes — 7,28- 34 C. Os animais sacrificados — 22,17- 30
Conclusão — 7,35- 38 D. Exortação final — 22,31- 33
II. A investidura dos sacerdotes Ritual das festas do ano: — 23,1- 2
Ritos de consagração — 8, 1- 36 A. O sábado — 23,3- 4
Entrada dos sacerdotes em função — 9,1- 24 B. A Páscoa e os Ázimos —23, 5- 8
Regulamentação complementar. C. O primeiro feixe — 23,9- 14
A. Gravidade das irregularidades. D. A festa das Semanas — 23,15- 22
Nadab e Abiú — 10,1- 3 E. O primeiro dia do sétimo mês — 23,23- 25
B. Retirada dos corpos — 10,4- 5 F. O dia das Expiações — 23,26- 32
C. Regras especiais de luto para os sacerdotes G. A festa das Tendas — 23,33- 36
—10, 6- 7 Conclusão — 23,37- 38
D. Proibição do uso de vinho — 10,8 -11 Continuação sobre a festa das Tendas — 23,39- 44
E. A parte dos sacerdotes nas oferendas 10,12- 15 Prescrições rituais complementares
F. Regra especial referente ao sacrifício pelo A. A chama permanente — 24,1- 4
pecado — 10,16- 20 B. Os pães sobre a mesa de ouro — 24,5- 9
III. Regras referentes ao puro e ao impuro Blasfêmia e lei do talião — 24,10- 23
Animais puros e impuros. Os anos santos.
A. Animais terrestres — 11,1- 8 A. O ano sabático — 25,1- 7
B- Animais aquáticos — 11,9- 12 B. O ano do jubileu — 25,8 - 17
C- Aves — 11,13- 19 Garantia divina para o ano sabático — 25,18-22
D- Insetos alados — 11,20- 23 Resgate das propriedades — 25,23- 34
O contato com animais impuros — 11, 24- 28 Resgate de pessoas —25, 35-55
E- Animais que vivem na terra — 11,29 - 30 Conclusão — 26,1- 2
Outras regras sobre os contatos impuros 11,31- 40 Bênçãos — 26, 3- 13
Considerações doutrinais — 11,41- 45 Maldições — 26,14- 46
Conclusão — 11,46- 47 Apêndice
Purificação da mulher depois do parto —12, 1- 8 TARIFAS E AVALIAÇÕES
A lepra humana: A. Pessoas — 27,1- 8
A. Tumor, dartro e mancha — 13,1- 8 B. Animais —27, 9 - 13
B. Lepra inveterada — 13,9-17 C. Casas — 27,14 - 15
C. Úlcera — 13,18- 23 D. Campos — 27,16- 25
D. Queimadura —13, 24 - 28 Regras particulares para resgate:
E. Afecções do couro cabeludo — 13, 29 - 37 a) dos primogênitos — 27,26 - 27
F. Exantema — 13,38 -39 b) do anátema — 27,28 - 29
G. Calvície — 13,40- 44 c) dos dízimos — 27,30 - 34 
A Bíblia Hebraica intitulava o terceiro livro do Pentateuco: Wayyiqra ("E chamou"). No entanto, a
tradução grega do hebraico (Setenta) chamou-lhe LEVÍTICO, certamente pela importância da função
litúrgica nele atribuída aos levitas. Levi era um dos filhos de Jacó (Ex 1,2), cuja tribo deveria situar-se no
sul da Palestina e foi escolhida para o serviço religioso e sacerdotal do templo (Dt 10,8-9).

Este seria, pois, o livro do culto do povo da aliança.

CONTEÚDO E DIVISÃO
**************************************

Conteúdo geral
Levítico traz a "instrução” (hebr. torah) a respeito dos sacrifícios, dos sacerdotes, da pureza e das
relações comunitárias. Tudo isso é muito concreto, muito "do corpo”, da vida, e é assim que deve ser lido.
Lv ensina a todo israelita a santidade da vida e a santidade de vida, com vistas à comunhão com o Deus
vivo, meta última da vida humana.

O livro segue uma linha ascendente: depois de três blocos de leis propriamente rituais, culminando
na festa da Expiação, ou dia do Grande Perdão (caps. 1-16), expõe a grandiosa "Lei da Santidade", de
caráter ético, mostrando que a santidade ritual é a expressão da santidade da vida inteira (= dedicação a
Deus e à sua vontade, (caps. 17-26). O cap. 27 é um apêndice.

1-7 8-10 11-16 17-26 27


Ritual dos sacrifícios: Ritual dos Normas sobre o puro e Apêndice:
Holocausto, ministros: o impuro e prescrições “Lei da Santidade” Tarifas para o
Oferenda vegetal, Ordenação dos e ritos Aplicação prática da resgate de
sacrifício de comunhão, sacerdotes (8-9) a serem observados ofertas,
noção da santidade divina
sacrifício de reparação,
e por Israel para à vida da comunidade primogênitos
sacrifício pelo pecado,
regras para os sacerdotes
Normas para conservar a israelita; exigências de e dízimos
evitar “santidade” (11-15) ordem moral, social
Sacrilégios (10) o Dia da Expiação (17-22) e cultual (23-25);
(16) (reparação da observância, maldição e
impureza) bênção (26)

Os acontecimentos narrados pelo LEVÍTICO situam-se durante a grande viagem desde o Egito até
à terra de Israel, no ambiente geográfico e sobretudo teológico da aliança do Sinai e em estreita ligação
com o Êxodo e os Números: Os últimos capítulos do Êxodo (25-40) são litúrgicos e fazem uma ligação
perfeita com o LEVÍTICO, que é totalmente litúrgico, e a numerosa legislação deste relaciona-se
intimamente com o Êxodo (Ex 25,1-29; 31; 35-40).

Apenas algumas tradições antigas devem pertencer ao tempo histórico da travessia do Sinai, pois
toda a estrutura do culto aqui regulamentada supõe um povo sedentarizado e o culto do templo bem
organizado. Trata-se, talvez, de uma recolha feita pelos sacerdotes de Jerusalém, já depois do Exílio (séc.
VI).

O trágico acontecimento do Exílio diz bem da importância que o culto tinha para este povo. Sem
as seguranças que lhe vinham do rei, a Israel restava a Lei (proclamada agora talvez nas primeiras
sinagogas) e o sacerdócio que mantinha o culto do templo, onde o povo se reunia para as grandes festas,
que faziam reviver a sua consciência de povo de Deus.

O autor, ao situar todo este enorme conjunto de leis cultuais num único local e antes da partida do
Sinai, com a qual começa o livro dos Números, pretende atingir vários objetivos:

# primeiro, dizer que todas as leis devem ter o seu fundamento na aliança do Sinai, graciosamente
oferecida por Deus ao seu povo, e que o culto deve ser uma resposta a essa aliança;

# depois, atribuir toda esta legislação à mediação de Moisés, que foi o primeiro organizador do
povo de Deus. No entanto, quando estas leis cultuais foram codificadas aqui, já eram praticadas no culto
do templo. Isso não obsta a que algumas delas sejam tão antigas que se percam no tempo.
Mas o culto do povo da aliança não pode limitar-se apenas aos ritos litúrgicos. Daí a inserção, neste livro,
de um "Código de Santidade", que pertencia também ao ambiente dos sacerdotes-catequistas do templo.
O conteúdo do LEVÍTICO pode alinhar-se, então, em seis grandes secções, constituindo as quatro
primeiras um "Código sacerdotal". Teríamos, portanto, a seguinte divisão:

I. Código Sacerdotal (1,1-16,34): inclui as seguintes secções:


1. Ritual dos Sacrifícios (1,1-7,38): holocausto (1),
oblações (2),
sacrifício de comunhão (3),
sacrifício de expiação (4,1-5,13),
sacrifício de reparação (5,14-26),
deveres e direitos dos sacerdotes (6-7).
2. Consagração dos sacerdotes e inauguração do culto (8,1-
10,20):
Ritual da consagração de Aarão e seus filhos (8),
primeiros sacrifícios dos novos sacerdotes (9),
irregularidades e normas sobre os sacerdotes (10).

3. Código da pureza ritual (11,1-15,33):


animais puros e impuros (11),
purificação da mulher que dá à luz (12),
purificação da lepra (13-14), impureza sexual (15).

4. Dia da grande expiação (16,1-34).

II. Código de Santidade (17,1-26,46):


É um conjunto de leis introduzidas pela fórmula "Sede
santos porque Eu sou santo", que inclui
¨leis sobre a imolação de animais e leis do sangue (17),
¨leis em matéria sexual (18),
¨deveres para com o próximo (19),
¨penas pelos pecados sexuais (20),
¨santidade dos sacerdotes (21-22),
¨calendário das festas (23),
¨luzes do santuário e pães da oferenda ou da proposição (24,1-9),
¨Ano Sabático e Jubileu (25),
¨bênçãos e maldições (26).
Como se torna evidente, neste grande conjunto de leis cultuais, quase metade do livro é
constituída pelo "Código de Santidade" (17-26).

III. Apêndice (27,1-34): os votos.

ESPÉCIES DE SACRIFÍCIOS Para uma boa compreensão do LEVÍTICO é necessário


conhecer o essencial acerca das diferentes espécies de sacrifícios:

Holocausto: vem do hebraico 'olah, que significa "subir" e indica o fumo da vítima que sobe para
Deus. A sua característica essencial era a vítima ser totalmente queimada, não ficando para o sacerdote
mais do que a pele. Antes do sacrifício, o oferente colocava as mãos sobre a vítima, em sinal de que lhe
pertencia, reclamando, assim, os benefícios do seu sacrifício. Depois, ele próprio degolava a vítima, e o
sacerdote queimava-a sobre o altar. Este sacrifício pretendia reconhecer o direito absoluto de Deus sobre
todas as coisas (1,1-17; 6,1-6).

Sacrifício de comunhão (ou pacífico: zebah shelamîm): procurava a comunhão com Deus,
dando-lhe graças. Como o holocausto, incluía a imposição das mãos, a imolação da vítima e o
derramamento do seu sangue no altar (3,1-17). A parte mais gorda, considerada a melhor, pertencia a
Deus e era queimada; as outras duas partes eram distribuídas entre o sacerdote e o oferente; este comia-a
num banquete sagrado, para significar a comunhão com a divindade.

Oferta vegetal (minhah, "oferta"): era a oferta de produtos do campo, sobretudo de farinha misturada
com azeite. Este sacrifício estava ligado à oferta da primeira farinha na festa do Pentecostes, mas tornou-se
muito corrente, sendo feito juntamente com os sacrifícios de imolação de animais (ver 2,1-17).

Sacrifício pelo pecado (hata't): consistia em oferecer uma vítima por um pecado qualquer.
Variava conforme a gravidade do pecado e a importância da pessoa que pecava; para os pobres, podia
comutar-se pelos animais mais baratos: um par de rolas ou de pombas (5,7; 12,6-8; Lc 2,24). Este
sacrifício distinguia-se dos demais pela aspersão do sangue, "pois o sangue é que faz expiação porque é
vida" (17,10-11). Assumia especial importância na festa da Expiação.

Sacrifício de reparação da ofensa ('asham): era um sacrifício semelhante ao anterior (5,14-26; 7,7).

Pães da oferenda (ou da proposição, lit., "pães da face"): eram doze pães, colocados sobre uma
mesa que estava diante do Santo dos Santos. Simbolizavam a presença das doze tribos, cada semana,
diante do Deus da aliança. Eram renovados cada sábado e só os sacerdotes os podiam comer (24,5-9).

Ofertas de incenso: o incenso era considerado o perfume mais excelente e, por isso, oferecia-se a
Deus como sinal de adoração e da oração que sobe até Ele. No chamado altar do incenso, que estava
diante do Santo dos Santos, o incenso ardia todos os dias, de manhã e de tarde, em honra do Senhor
(2,1.15; 6,8; Ex 30,34-38; Mt 2,11; Lc 1,9).

Temas específicos
- O conceito central de Lv é a santidade. Porque Deus é santo, seu povo tem de ser santo também.
Mas enquanto a santidade de Deus nos faz pensar sobretudo em sua transcendência, por ser ele totalmente
outro e distinto do ser humano, a do ser humano se manifesta na ética, da qual a integridade do alto é o
símbolo (como se mostra sobretudo na Lei da Santidade, caps. 17-26). Impressionado pela grandeza e
perfeição de seu Deus, Israel procura honrá-lo com o culto mais perfeito possível (pureza ritual) e servi-lo
com a máxima fidelidade (pureza moral). Neste sentido, Lv ensina-nos a expressar no culto, o “amor a
Deus sobre todas as coisas” (19,2) e, na ética, o "amor ao próximo como a nós mesmos" (19,18).

- Em relação a isso entende-se melhor o que é pureza: é a expressão simbólico-cultual da


santidade. A pureza exigida pela presença divina é cultual. Por impureza não se entende uma culpa moral,
mas certos atos ou estados físicos (cuidar de mortos, maternidade, lepra) que, na visão sacerdotal,
impedem a participação atira no culto, o qual deve simbolizar a perfeição de Deus.

- Esse acento posto no culto tem ainda atualidade? Qual a importância de Lv para gente oprimida e
explorada como são as massas do Terceiro Mundo, que certamente, não teriam condições de prestar o
culto puro que Lv prescreve. Decerto, Lv é um livro para levitas. Mas aprendemos dele que o aspecto
cultual é relativo e que a participação na santidade se dá essencialmente no amor ao próximo, urgido pelo
Deus 'santo", 0 Deus da Vida.

- À luz do NT fica ainda mais claro que o verdadeiro "temor de Deus" é o amor ao próximo (cf.
Lv 19,18). Com sua morte na cruz, Cristo superou todos os ritos e sacrifícios da antiga Lei (Hb 10,1-10).
A crítica ao ritualismo vazio se encontra nos profetas (Os 6,6) e em Jesus (Mt 9,13): a Deus agradam mais
o amor e a misericórdia do que os sacrifícios.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ O LEVÍTICO

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Representa a resposta cultual do povo de Israel ao Deus da aliança. Os ritos descritos neste livro
são a forma humana cultual possível, nesse tempo, do povo a Deus.

Jesus Cristo não destruiu este culto (Mt 5,17-20); ele mesmo seguiu várias normas cultuais,
presentes no LEVÍTICO. No entanto, fez uma interpretação mais espiritual, apontando para um culto que
nasça do coração do crente e esteja sempre comprometido com a sua vida concreta e a do mundo que o
rodeia (Mt 5,21-48; Mc 7,1-23; Jo 4,20-21; Rm 12,1).

Hoje, continuamos a ler este livro para encontrar as raízes do culto cristão e para nos alimentarmos
com os seus temas teológicos, presentes em muitos textos do Novo Testamento. A Carta aos Hebreus é o
livro do Novo Testamento que mais explicitamente faz uma leitura cristã do Levítico.

O PRINCÍPIO DO SÁBADO
Nome Referências Época Propósito Significado
profético
Ex 20,8-11; Da noite do 1. Descansar do trabalho, honrar a
Sábado 31,12-17; sexto dia até à Deus e refletir sobre a aliança de Deus Jesus é o Senhor do
(heb. Lv 23,3; noite do dia com Israel sábado
Shabbat) Dt 15,12-15 seguinte 2. Comemorar o término da criação (Mc 2,23-28)
de Deus (Gn 2,2-3)
1. Permitir que a terra descansasse ou
Todo sétimo permanecesse sem plantio Deus nos deu
Ano sabático Ex 23,10-11; ano 2. Perdoar dívidas descanso,
Lv 25,1-7; 20-22; 3. Libertar os israelitas de sua perdão e liberdade
Dt 5,1-18 escravidão por pagamento de dívidas por meio de Jesus
Cristo (Mt 11,28;
Jo 8,36; Ef 1,7).
Ano do O 1. Proclamar liberdade para os que se Essa observância
Jubileu (lit. qüinquagésimo tornaram escravos por causa de dívidas retrata a libertação dos
"ano de soprar Lv 25,8-55; ano depois de 2. Retornar a terra a seus antigos laços da escravidão do
os chifres de 27,17-24; sete anos donos pecado que vem através
carneiro") Ez 46,17 sabáticos 3. Regozijar-se e celebrar - sem , de Cristo
plantar (Jo 8,36; Gl 5,1).
METÁFORAS FEMININAS PARA DEUS
Concebendo, carregando vida em seu útero, em trabalho de parto e dando à luz
Jó 38,3;Is 42,14; Jo 3,6
Mãe que amamenta Nm 11,12; Sl 131,1-2; Is 49,15; 1Pd 2,2-3
Mãe que cria Jó 10,10-12; Is 46,3-4; Os 11,3-4
Parteira Sl 22,9-10; Is 66,9
Serva da casa Sl 123,2
Mãe ursa Os 13,8
Mãe águia Dt 32,11-12
Lc 13,34
Mãe galinha
A Bíblia tem muitas e ricas metáforas femininas sobre Deus. Metáfora é uma figura de linguagem em que um termo ou frase
implica uma comparação entre duas coisas essencialmente diferentes, a fim de sugerir uma semelhança. Portanto, mesmo que
sejam encontradas nas Escrituras várias metáforas femininas para Deus, isso não quer dizer que o pronome masculino
escolhido por Deus para referir-se a Ele deva ser alterado ou jogado fora. No entanto, estas metáforas indicam, sim, que o
caráter de Deus se alinha e ultrapassa tanto a masculinidade como a feminilidade. Deus não é feminino nem masculino,
mesmo que tenha escolhido ligar seu papel àquilo que faz a mãe quando concebe, carrega, nutre, cria e cuida de seus filhos. A
metáfora bíblica é uma ferramenta útil para revelar a natureza de Deus e para nos comunicar seu amor e preocupação por
meio de exemplos simples, facilmente compreendidos por todas as pessoas.
Números
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I. O recenseamento 1,1-4 Violação do sábado — 15,32 - 36.
Os encarregados do recenseamento — 1,5-19 As borlas das vestes — 15,37- 41
O recenseamento — 1,20- 47 Rebelião de Coré, Datã e Abiram — 16,1- 15
Estatuto dos levitas — 1,48- 54 O castigo —16, 16 - 35
Ordem das tribos — 2,1- 34 Os incensórios — 17, 1- 5
A tribo de Levi: A intercessão de Aarão —17, 6 - 15
A. Os sacerdotes — 3,1- 4 A vara de Aarão — 17,16 - 26
B. Os levitas. Suas funções — 3,5- 10 O papel expiatório do sacerdócio — *17- 18,  1-7
C. A eleição dos levitas — 3,11- 13 A parte dos sacerdotes — 17,8 - 19
D. O recenseamento dos levitas —3, 14- 39 A parte dos levitas — 17, 20 - 24
E. Os levitas e o resgate dos primogênitos —3, 40- 51 Os dízimos — 17, 25 - 32
Os clãs dos levitas: As cinzas da novilha vermelha — 19,1- 10
A. Os caatitas — 4,1- 20 Caso de impureza — 19,11- 16
B. Os gersonitas — 4,21- 28 Ritual das águas lustrais — 19,17- 22
C. Os meraritas — 4,29- 33 VII. De Cades a Moab
Recenseamento dos levitas — 4,34- 49 As águas de Meriba — 20,1- 11
II. Leis diversas Castigo de Moisés e de Aarão — 20,12 - 13
Expulsão dos impuros — 5,1- 4 Edom recusa passagem — 20,14- 21
A restituição — 5,5 -10 Morte de Aarão — 20,22 - 29
A oferta pelo ciúme — 5,11- 31 Tomada de Horma — 21,1 - 3
O nazireato — 6,1- 21 A serpente de bronze — 21,4- 9
A fórmula da bênção —6, 22- 27 Etapas em direção à Transjordânia — 21,10- 20
III. Oferendas dos chefes e consagração dos levitas Conquista da Transjordânia — * 21-22,1
Oferenda de carros — 7,1- 9 O rei de Moab recorre a Balaão — 22,2 - 21
Oferenda da Dedicação — 7,10- 89 A jumenta de Balaão — 22,22- 35
As lâmpadas do candelabro — 8,1- 4 Balaão e Balac — *22-23, 1 - 3
Os levitas são consagrados a Iahweh — 8,5- 22 Oráculos de Balaão —* 23-24, 1- 25
O tempo de serviço dos levitas — 8,23- 26 Israel em Fegor — 25,1 -18
IV. A Páscoa e a partida VIII. Novas disposições
Data da Páscoa — 9, 1-5 O recenseamento — 26,19 - 56
Caso particular — 9,6- 14 Recenseamento dos levitas — 26,57- 65
A Nuvem — 9,15- 23 A herança das filhas — 27,1 - 11
As trombetas —10,1- 10 Josué, chefe da comunidade — 27,12 - 23
A ordem de partida —10, 11- 28 Especificações sobre os sacrifícios — 28,1- 3
Proposta de Moisés a Hobab — 10,29-32 A. Sacrifícios cotidianos —28,4- 8
A partida — 10,33- 36 B. O sábado — 28,9-10
V. Etapas no deserto C. A neomênia — 28,11 - 15
Tabera — 11,1-3 D. Os Ázimos — 28,16- 25
Cibrot-ataava. E. A festa das Semanas — 28,26 - 31
Queixas do povo — 11, 4- 9 F. A festa das Aclamações — 29,1- 6
Intercessão de Moisés — 11,10- 15 G. O dia das Expiações — 29,7 - 11
A resposta de Iahweh — 11,16 -23 H. A festa das Tendas — *29 -30,1
Efusão do Espírito — 11,24- 30 Leis sobre os votos — 30,2 - 17
As codornizes — 11,31- 35 IX. Despojos de guerra e partilha
Maria e Aarão contra Moisés — 12,1- 3 Guerra santa contra Madiã — 31, 1- 12
Resposta divina — 12,4 - 10 Massacre das mulheres e purificação dos despojos de guerra —
Intercessão de Aarão e de Moisés — 12,11- 16 31,13- 24
Exploração de Canaã — 13,1- 24 Divisão dos despojos de guerra — 31,25- 47
O relato dos enviados — 13,25- 33 As oferendas — 31,48- 54
Revolta de Israel — 14, 1- 9 Divisão da Transjordânia — 32,1 - 42
Ira de Iahweh e intercessão de Moisés — 14,10 - 19 As etapas do Êxodo — 33, 1- 49
Perdão e castigo — 14,20 - 38 Partilha de Canaã. A ordem de Deus — 33,50 - 56
Tentativa fracassada dos filhos de Israel — 14,39 - 45 Fronteiras de Canaã — 34,1 - 15
VI. Disposições sobre os sacrifícios. Os príncipes indicados para a partilha — 34,16 - 29
Poderes dos sacerdotes e dos levitas A parte dos levitas — 35,1 - 8
A oblação que acompanha os sacrifícios — 15,1 - 16 As cidades de refúgio — 35, 9- 34
As primícias do pão — 15,17- 21 A herança da mulher casada — 36,1- 12.
Expiação das faltas cometidas por inadvertência — 15,22 - Conclusão — 36,13
31
Integrado no grande bloco da Torá ou Pentateuco, o livro dos NÚMEROS recebeu este nome na
tradução grega dos Setenta, por abrir com os números do recenseamento do povo hebraico e, depois,
apresentar outros recenseamentos ao longo da narrativa (cap. 1-4 e 26). Relacionados com este título
podem estar ainda os números das ofertas dos chefes (cap. 7), das ofertas, libações e sacrifícios a oferecer
pelo povo (cap. 15 e 28-29).
Trata-se, porém, de um livro narrativo com alguns trechos legislativos, que se enlaça com o
Êxodo, do qual está literariamente separado pelo código legislativo do Levítico.

CONTEÚDO E DIVISÃO

Esquema:

1,1-10,10 10,11-19,22 20,1-21,35 22,1-36,1 3

Preparação para a partida Do Sinai a Cades: De Cades a Moab Nas planícies de Moab
do Sinai Rebeldia e castigo de
Israel

O livro, como todo o Pentateuco, apresenta-se como uma narrativa, e assim são a maioria dos
trechos que o compõem. Contém, todavia, algumas coleções de leis, antigas e novas, em parte já
apresentadas nos livros anteriores do Pentateuco, Ex e Lv, e em parte inéditas (como Nn 5,11- 6,21). Esta
composição, que mistura a narrativa da marcha aos trechos legislativos, visualiza como o povo de Israel
aprende a Torá (Instrução) durante a caminhada. (Até hoje o judaísmo chama a instrução da prática de
vida de halacá, 'procedimento" - do verbo halak, "caminhar".) Isso corresponde sem dúvida a uma
intenção didática: é mais fácil gravar leis e procedimentos em forma de história.
Assim como Gn, Ex e Lv, também Nn combina as tradições narrativas e legislativas de Israel
antigo. Ao lado das tradições javistas e eloístas, o predomínio cabe às tradições sacerdotais, que
representam mais da metade do material. O livro, tendendo a enraizar no período do deserto as
instituições do período da monarquia e mesmo do pós-exílio, apresenta Israel no deserto como um povo
bem organizado sob o ponto de vista civil e religioso. Ora, se esta imagem de Israel é antes ideal que real,
o livro mostra também as imperfeições do povo ainda em formação, a caminho da terra prometida,
sacudido por crises dramáticas (p. ex. , o envio dos exploradores a Canaã, Nm 13-14; a revolta de Coré,
Nm 16 - 17; a apostasia em Moab, Nm 25).
Na grande narrativa do Pentateuco, que vai de Gn até Dt, Nm faz a ponte entre Ex-Lv (centrados no
monte Sinai e nas primeiras etapas do deserto) e Dt, marcando o fim da travessia e localizado em Moab,
na fronteira da terra prometida. Se Nm condensa, assim, os trinta e oito anos passados no deserto depois
da proclamação da Lei no Sinai, evoca toda a caminhada de Israel até o tempo em que foi composto o
Pentateuco, na volta do exílio babilônico. Evoca a grande aprendizagem da Instrução de Deus (a Torá)
que Israel recebeu no caminho de sua história inteira. As diversas tentativas de entrar na terra prometida
prefiguram as dificuldades de restaurar o povo de Israel, em Judá, depois do exílio - tentativa que urgem
nova aprendizagem da Torá, oitocentos anos depois de Moisés.
O conteúdo deste livro abrange as peripécias ou vicissitudes da caminhada pelo deserto, desde o
Sinai até às margens do rio Jordão, fronteira oriental da Terra Prometida.
No aspecto histórico, a narrativa pode dividir-se em três grandes seqüências literárias:
I. No deserto do Sinai (1,1-10,10). Referem-se as ordens de Deus para a caminhada através do deserto
com a disposição do acampamento das tribos, os deveres dos levitas e outras leis de caráter ritual.
II. Do Sinai a Moab (10,11-21,35). Os acontecimentos mais importantes desta segunda parte estão
marcados por etapas geográficas, algumas das quais são difíceis de identificar.
Descreve-se a caminhada direta para Cadés-Barnea, mesmo na fronteira sul de Canaã e, depois, a inflexão
para oriente e a errância penosa durante quarenta anos através do deserto até à chegada a Moab, já na
fronteira da Terra Prometida.
III. Na região de Moab (22,1-36,13).
Começando com a bênção de Balaão, as narrativas desta terceira parte apresentam um novo
recenseamento dos israelitas. Descrevem a nomeação de Josué para substituir Moisés; contêm algumas
prescrições de caráter cultual; narram a luta contra os madianitas e a partilha de Canaã com a instalação
das tribos de Ruben, Gad e parte de Manassés em Galaad, na Transjordânia, e a recapitulação das etapas
do Êxodo.
Como tal, no seu encadeamento histórico, o livro dos NÚMEROS é inseparável da epopéia do Êxodo.
Mas, também nele, é preciso ter presente que as narrativas foram redigidas bastante depois dos
acontecimentos históricos, à luz da perspectiva da fé e da celebração litúrgica do templo de Jerusalém, já
na Terra Prometida.
A redação definitiva deste livro deve colocar-se em data posterior ao exílio da Babilônia. Certas leis,
sobretudo, são determinadas pela prática ritual estabelecida pelos sacerdotes após o Exílio (séc. VI-V).
De resto, só bastante tardiamente, graças a tradições orais muito antigas de proveniência diversa e a
fontes documentais variadas, transmitidas como "memória do passado histórico", é que terá sido possível
cerzir em unidade literária o conjunto das leis e a seqüência dos acontecimentos.

TEOLOGIA
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Como quer que seja, toda a narrativa está articulada dentro do binômio da fidelidade-infidelidade à
Aliança, evidenciando o movimento quaternário da História da Salvação: o povo peca, Deus castiga, o
povo arrepende-se, Deus perdoa.

Nos interlúdios do contrastante claro-escuro que as tentações acarretam, surge o difícil papel de Moisés,
como mediador das exigências de Deus e advogado das necessidades e angústias do povo; mas, até ele
acaba por sofrer um castigo, sendo privado de entrar na Terra Prometida, já com ela à vista. É a lei da
pedagogia divina, a que até os homens de Deus têm de se sujeitar.
Afinal, o Livro dos NÚMEROS não é factualmente
histórico; apresenta uma narrativa historicizante de
acentuado valor didático-pragmático para que, no drama
dos seus antepassados através do deserto, o povo eleito,
já na Terra Prometida, soubesse enfrentar os desafios e as
esperanças do seu futuro, tal como o pagão Balaão, qual
profeta inspirado de Israel, o soube prognosticar (cap. 23-
24).

A ORDEM DA MACHA DAS TRIBOS DE ISRAEL

Dã Efraim Rubens Judá


Aser Manassés 3 Simeão 2 Issacar 1
Nafali Benjamim Gad Zabulom
1. Os levitas carregavam a arca (Js 3,3-4)
2. Os gersonitas e meraritas carregavam o tabernáculo (Nm 10,17)
3. Os coatitas carregavam os utensílios do tabernáculo (Nm 10,21)

Temas específicos
- À repetida ingratidão do povo (Nm 11-14; 16; 20), o autor sagrado contrapõe a continua
solicitude de Deus por Israel. Deus guia, castiga, perdoa, alimenta o seu povo, combate por ele e lhe dá a
vitória.
- Exalta-se também a figura do mediador Moisés (12,6-8). Ele é chefe e legislador, paciente
(12,3), sujeito ao desanimo (11,11-15) e à ira (16,15; 20,1-13), mas ao mesmo tempo generoso (11,29) e
pronto a interceder pelo povo (11,2; 12,13; 14,13-19; 21,7); um homem sempre fiel, que goza da
intimidade com Deus (12,6-8).
- Estranha-nos, neste livro, o conceito material, quase mágico, do sagrado (p.ex. o incenso de
Aarão (Nm 17), as cinzas da vaca vermelha (Nm 19) etc. Mas, ao olhar mais de perto, aparece sempre um
contexto de fé e de fidelidade a Deus e à comunidade por ele convocada. Talvez esse respeito muito
material pelo sagrado possa corrigir a tendência desbragada à profanação, que reina em nossa sociedade.
- Para os redatores de Nm, um ponto de atualidade era o registro detalhado dos nomes dos
israelitas e de suas cidades. Voltando do exílio babilônico, nos séculos 6°-5° aC, deviam reconstituir o
patrimônio que seus pais haviam recebido no tempo de Moisés e Josué. Daí as grandes semelhanças entre
Nm, por um lado e 1-2Cr, Esd e Ne por outro - todas obras fortemente marcadas pelos escribas
“sacerdotais”.
-A pedagogia divina e a rica experiência religiosa de Israel no deserto tornaram-se um modelo de
inspiração para todos os tempos Por isso, os fatos relatados neste livro foram com freqüência recordados
no AT (Mq 6,3-5, Ez 16, 20; Sl 106). O NT lembra os episódios da serpente de bronze (Jo 3,14s), da
revolte de Coré (2Tm 2,19; Jd 11), de Balaão (2Pd 2,15s; Ap 2,14), a fidelidade de Moisés e a
incompreensão do povo (Hb 3,2 - 4, 7). O apóstolo Paulo, ao referir-se às crises relatadas em Nm,
conclui: "Estas coisas lhes aconteciam, com sentido figurativo e foram escritas como advertência para
nós" (lCor 10,11).
- Para nós hoje, será exatamente a pedagogia divina a principal lição deste livro. A "Instrução" de
Deus aprende-se a caminho. Cada conflito nos faz compreender melhor o que Deus espera de nós.
"Caminhante, não há caminho; o caminho se faz caminhando”
- desde que caminhemos com nosso Deus (cf. Mq 6,8).

LEITURA CRISTÃ
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Este foi um dos livros da Bíblia que não mereceu especial atenção na tradição da Igreja. No
entanto, os modernos estudos sobre a Aliança e sobre a História da Igreja estão a fazer-lhe justiça.
Apesar de não aparecerem aqui explicitamente alguns dos grandes temas do Pentateuco (Criação,
Eleição, Promessa, Aliança, Lei), o livro dos NÚMEROS é já a realização da Aliança de Deus com o seu
povo, por meio do culto.
O tema da bênção, de que o povo é depositário nos quatro oráculos de Balaão (23-24), anuncia a
eleição da dinastia davídica (24,17).
Importante é ainda o tema da Tenda, lugar da Presença (Shekkinah) do Senhor, que caminha no
meio do seu povo. O tema do Deserto é também fundamental neste livro e foi dos que teve maior
ressonância, tanto no resto do Antigo Testamento como no Novo: o povo de Israel, peregrino pelo deserto
durante "quarenta anos", tornou-se o protótipo do novo povo de Deus, guiado por Jesus Cristo, que
também foi ao deserto (Mt 4,1-11; Mc 1,12-13; Lc 4,1-13). Jesus Cristo é, para este novo povo liberto, a
água viva (20,2-13; e Jo 4,1-26), o verdadeiro maná (11,6-9; e Jo 6,26-58), a verdadeira serpente de
bronze que salva o seu povo. (21,4-9; e Jo 3,13-15; 1Cor 10,9-11).

Deuteronômio
I. Discurso introdutório Os juízes levitas — 17,8 -13
PRIMEIRO DISCURSO DE MOISÉS Os reis —17, 14- 20
Tempo e lugar — 1,1- 5 O sacerdócio levítico —18, 1 - 8
Últimas instruções no Horeb — 1, 6 - 18 Os profetas — 18,9 - 22
Incredulidade em Cades — 1,19 - 33 O homicida e as cidades de refúgio — 19,1 - 13
Instruções de Iahweh em Cades — 1, 34 - 46 Os limites — 19,14
De Cades ao Arnon — 2, 1 - 25 As testemunhas — 19,15- 21
Conquista do reino de Seon — 2,26 - 37 O talião
Conquista do reino de Og — 3 ,1 - 11 A guerra e os soldados — 20,1 - 9
Partilha da Transjordânia — 3,12 - 17 A conquista das cidades — 20,10 - 20.
Ultimas ordens de Moisés — 3,18 - 29 Caso de homicida desconhecido — 21,1 - 9
A infidelidade de Fegor e As prisioneiras de guerra — 21,10 - 14
a verdadeira sabedoria 4,1 - 8 Direito de primogenitura — 21,15- 17
A revelação do Horeb e suas exigências 4,9 -20 O filho indócil — 21,18 - 21
Perspectivas de castigo e conversão — 4, 21- 31 Prescrições diversas — 22, 1 - 12
Grandeza da escolha divina — 4, 32- 40 Atentados à reputação de uma jovem — 22,13 - 21
As cidades de refúgio — 4,41- 43 Adultério e fornicação — *22-23, 1
SEGUNDO DISCURSO DE MOISÉS — 4,44 49 Participação nas assembléias cultuais — 23,2- 9
O Decálogo — 5,1 - 22 Pureza no acampamento — 23,10 - 15
Mediação de Moisés — 5,23 - 31 Leis sociais e cultuais — 23,16 - 26
O amor de Iahweh, essência da Lei — *5 – 6, 1- 13 O divórcio —24, 1 - 4
Apelo à fidelidade — 6,14 - 25 Medidas de proteção — *24-25, 1 - 4
Israel é um povo separado — 7,1 - 6 A lei do levirato — 25,5- 10
A eleição e o favor divino — 7,7- 16 O pudor nas brigas — 25,11 - 12
A força divina — 7, 17 - 26 Apêndice — 25,13 -19
A prova do deserto — 8,1- 6 As primícias — 26,1 -11
As tentações da Terra Prometida — 8,7- 20 O dízimo trienal — 26,12 - 15
A vitória veio graças a Iahweh, não pelas virtudes de III. Discurso conclusivo
Israel — 9, 1- 6 FIM DO SEGUNDO DISCURSO
O pecado de Israel no Horeb e a intercessão de Moisés Israel, povo de Iahweh — 26,16- 19
— 9,7 - 21 Inscrição da Lei e cerimônias cultuais 27,1- 26
Outros pecados. Oração de Moisés — 9, 22 - 29 As bênçãos prometidas — 28,1- 14
A Arca da Aliança e a escolha de Levi 10,1 -11 As maldições — 28,15- 46
A circuncisão do coração — 10,12 - 22 Perspectivas de guerra e de exílio — 28,47-69
A experiência de Israel — 11,1- 7 TERCEIRO DISCURSO
Promessa e advertências — 11,8 - 17 Recordação histórica — 29,1- 8
Conclusão — 11-12, 1 A Aliança em Moab — 29,9 - 20
II. O Código Deuteronômico Perspectivas de exílio — 29,21- 28
O lugar do culto —12, 2- 12 Volta do exílio e conversão — 30,1 - 14
Precisões sobre os sacrifícios — 12,13 - 28 Os dois caminhos —30, 15 - 20
Contra os cultos cananeus — *12-13, 1 IV. Últimos atos e morte de Moisés
Contra as seduções da idolatria — 13,2 - 19 A missão de Josué — 31,1- 8
Proibição de uma prática idolátrica — 14,1- 2 A leitura ritual da Lei — 31,9 - 13
Animais puros e impuros —14, 3- 21 Instruções de Iahweh — 31,14 - 18
O dízimo anual — 14,22- 27 O cântico testemunha — 31,19- 23
O dízimo trienal — 14,28- 29 A Lei é colocada ao lado da Arca — 31,24- 27
O ano sabático — 15,1- 11 Israel reunido para ouvir o cântico — *31 -32, 1-44
O escravo — 15,12- 18 CÂNTICO DE MOISÉS
Os primogênitos — 15,19 - 23 A Lei, fonte de vida — 32,45- 47
As festas: Páscoa e Ázimos — 16,1 - 8 Anúncio da morte de Moisés — 32,48- 52
Outras festas — 16,9 -17 As bênçãos de Moisés — 33,1- 29
Os juízes — 16,18- 20 A morte de Moisés — 34,1- 12
Desvios do culto — *16 – 17,7 1 - 7
Das cinco narrativas históricas que integram o Pentateuco, o DEUTERONÓMIO constitui a
unidade literária mais heterogênea e diferenciada. Com razão, os exegetas falam de uma nova tradição ou
fonte documental, que se distingue das outras fontes do Pentateuco por motivos de estilo e de teologia e
se prolonga até ao fim do 2.° Livro dos Reis, formando a "Fonte ou História Deuteronomística".

NOME
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"Deuteronômio" quer dizer "segunda Lei". Foi o nome dado a este livro nas traduções grega e
latina, porque se apresenta como a reedição ou síntese dos textos legislativos anteriores, enquadrada por
um estilo diferente.
Na tradição hebraica, chama-se apenas "Debarim" (Palavras), pelo modo como o texto começa:
"Estas são as Palavras". Mas a designação greco-latina sintetiza bem o conteúdo deste livro, o qual, mais
do que um final do Pentateuco, parece representar sobretudo o começo de uma nova maneira de escrever
a História do Povo Eleito.

TEXTO E CONTEXTO
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O texto deste livro teve uma história complicada.


A sua origem é geralmente colocada no Reino do Norte, antes da conquista da Samaria, em 722,
quando da invasão dos assírios. Na bagagem dos levitas do Norte terá vindo uma primeira redação do
DEUTERONÓMIO, que teria como esquema base uma celebração litúrgica da Aliança (ver a aliança de
Siquém: Js 24).
Curiosamente, um século mais tarde, foi encontrado no templo de Jerusalém o "Livro da Lei do
Senhor" ou "Livro da Aliança" (2 Rs 22,8.11; 23,2.21). O rei Josias começou imediatamente a pôr esta
Lei em prática, fazendo uma reforma do culto (2 Rs 23,3-20). A relação entre esta reforma e o
DEUTERONÓMIO encontra-se na insistência da centralização do culto em Jerusalém e na destruição dos
cultos idolátricos.Mas a Lei encontrada no templo poderá ter sido uma redação posterior ao "esquema da
aliança" que veio do Norte, onde a temática da Palavra, do profeta, da Aliança e do Sinai-Horeb se
sobrepunham à temática do culto e do sacerdócio, que prevaleciam - como era natural - em Jerusalém.
No Sul, deve ter sido feita uma primeira redação elaborada depois da falhada reforma de Ezequias,
ou seja, a meados do séc. VII aC.. A última redação deve ter acontecido quando da redação final do
Pentateuco: séc. V-IV aC. Tudo isto denota um contexto posterior e uma finalidade catequética.
É no contexto destas diferentes etapas da redação do DEUTERONÓMIO que deve entender-se o
constante vaivém do tu e do vós no discurso de Moisés, quando se dirige ao povo de Israel (ver 6,1-3).
Apesar desse tu e vós parecer por vezes ilógico, na nossa tradução preferimos respeitar o estilo do texto
original hebraico.
Conteúdo geral
Em sua forma atual, o livro se apresente como um grande discurso de despedida pronunciado por
Moisés pouco antes de morrer no fim da travessia do deserto e às vésperas da conquista da Terra
Prometida. Interpelando os ouvintes, apresenta-lhes as leis a serem observadas na Terra Prometida. Não
poupa palavras de exortação, admoestação e ameaça, apelando para o passado luminoso de Israel, para
sua missão na história e para as promessas de glória futuro. Conclama-o a ser fiel à sua eleição e à aliança
com Deus.
Para a leitura convém observar algumas peculiaridades literárias:

1- Como todo o livro é um discurso de despedida de Moisés na fronteira da Terra Prometida, a narrativa
histórica (1-4) é embutida no discurso e narrada em forma retrospectiva.
2- Convém sempre verificar de que ponto de vista o texto é formulado: do ponto de vista de Moisés,
contemplando Canaã desde o monte Nebo (na margem oriental, além do Jordão), ou do ponto de vista dos
leitores, que já vivem na terra de Canaã, do lado de cá (margem ocidental). Assim, em 3,8, o “outro lado
do Jordão" é o lado de lá, mas em 3,25; 11,30, é o lado de cá.
3 - O livro usa muito a linguagem da personalidade corporativa, ou seja, o modo de falar no qual o grupo
todo se incorpora numa pessoa única. Dai na mesma frase aparecer o “vós”, indicando os israelitas, ao
lado do "tu", que trata Israel como uma pessoa única. Este uso, estranho para nós, reforça a idéia da
solidariedade do povo.
4 - A atualização da mensagem para o leitor. Moisés usa nos seus discursos com freqüência o termo
"hoje". Isso parece dirigido aos israelitas na fronteira da terra prometida, no ano 1200 aC. Na realidade
porém dirige-se ao leitor, seis ou sete séculos depois! É o hoje de Deus.

DIVISÃO
******************************

1,1-4,43 4,44-11,32 12,1-26,19 27,1-28,68 28,69-30,20 31,1-34,12

Retrospecto Introdução à Lei A Lei Instruções para a Exortação à Despedida e


histórico e deuteronômica deuteronômica promulgação da fidelidade morte de Moisés
exortação (“Deuteronômio Lei
primitivo")

Em três grandes discursos atribuídos a Moisés. Com estilo direto, num tom exortativo e profético,
usando temas e frases estereotipadas e repetitivas, o redator final sintetiza o programa ou projeto que
torna possível fazer de Israel uma nova sociedade, segundo os ideais dos tempos puros da caminhada pelo
deserto, num "hoje" de eterno presente. Assim, temos:

I. Primeiro Discurso (1,6-4,43): de forma historicizante, recapitula o passado, desde a


planície desértica da Arabá até à entrada na Terra Prometida de Canaã.
II. Segundo Discurso (4,44-28,68): Moisés apresenta os fundamentos da Aliança e as
determinações da Lei. Código Deuteronômio: 11,29-26,15.
III. Terceiro Discurso (28,69-30,20): últimas instruções de Moisés.
IV. Apêndice (31,1-34,12): narra os últimos dias de Moisés, com cânticos e bênçãos, bem
como a sua morte.

Os exegetas apresentam ainda uma outra divisão, atendendo à estrutura da Aliança que percorre
o DEUTERONÓMIO do princípio ao fim:
Introdução: 1,1-5
1. Recordação do passado e exortação a servir o Senhor: 1,6-11,28
2. Proclamação da Lei da Aliança: 11,29-26,15
3. Compromisso mútuo entre Deus e Israel: 26,16-19
4. Bênçãos e maldições: 27,1-30,18
5. Testemunhas da Aliança: 30,19-20.
Este esquema vem confirmar que estamos perante o livro da Aliança por excelência.

Temas específicos
- Herdeiro da pregação profética, Dt insiste na fé em Deus, generoso nos seus dons e fiel nas promessas,
ciumento na exigência de fidelidade total e amor exclusivo. Ao amor demonstrado por Deus nos eventos
da história salvífica e na vida diária, deve o povo responder com o culto e com o cumprimento dos
deveres morais e sociais. Em Dt, o AT atinge assim uma de suas expressões religiosas mais sublimes..
Não admira, pois, que no tempo de Cristo, ao lado dos Salmos, o Dt tenha exercido uma influência ímpar
entre os livros do AT. O próprio Jesus cita várias passagens do Dt, tanto ao repetir a tríplice tentação (Mt
4,4-11) como ao apresentar o amor a Deus como "o maior e o primeiro mandamento” (Mt 22,35-39)
- Em razão das contínuas exortações a reconhecer a ação divina na história humana a celebrá-la na liturgia
e a responder a Deus acatando suas exigências de ordem moral e social, o Deuteronômio continua
gozando de uma atualidade permanente: o "hoje de Deus". A insistência no "hoje" faz o leitor atualizar o
que Moisés diz aos israelitas no deserto e, através deles, aos seus filhos seis séculos depois. E hoje, para
nós, que significa'
-Acento especial recebe a gratuidade do amor de Deus para com o povo que ele elegeu não por ser forte,
mas por ser fraco e para testemunhar-lhe seu amor (Dt 7,7-8). Na mesma perspectiva é acentuado o dom
da Lei (Dt 4, 5-8) e da terra "boa”, para que seja um âmbito de solidariedade fraterna e não de exploração
(Dt 15,4-11)
TEOLOGIA
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O DEUTERONÓMIO é, sem dúvida, um livro de grande riqueza doutrinal, sempre preocupado


em inculcar a fidelidade de Israel a Deus, que é chamado Pai (1,31), e a estabelecer entre os membros do
povo escolhido uma verdadeira fraternidade.

Defende a centralização do culto, dentro do princípio da aliança, que os profetas evidenciaram.


Mesmo insistindo na observância das leis, não deixa de salientar a responsabilidade da consciência
individual e o compromisso pessoal, que a fé no Deus único exige.

Apesar da visão profundamente religiosa e das preocupações teológicas mais voltadas para os
problemas institucionais e nacionais, não deixa de reclamar o amor fraterno e a justiça social,
apresentando leis verdadeiramente humanitárias.

Pela sua intenção de recapitular a Lei e repropor o conceito de aliança, e pela influência que teve
na reflexão sobre a História de Israel, o livro do DEUTERONÓMIO ocupa um lugar central dentro da
Bíblia. E é, por conseguinte, de primeira importância para qualquer tentativa de sistematização de uma
teologia bíblica.
Livros Históricos
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Os livros que chamamos “históricos”, Tem por tema principal as relações de Israel com Iahweh,
sua fidelidade ou infidelidade, sobretudo infidelidade, à palavra de Deus, cujos porta-vozes são os
profetas.
A seqüência dos livros da Bíblia tem vários traços de uma longa parábola histórica e o interesse
pela História já estava bastante presente nos livros do Pentateuco. Mas é costume chamar LIVROS
HISTÓRICOS a um conjunto que vem depois do Pentateuco.
Na verdade, só se consegue fazer uma História de Israel em sentido atual a partir da instalação do
povo em Canaã. E esse fato da atual historiografia coincide com a classificação tradicional do referido
conjunto, que inclui os livros seguintes:

Josué, que apresenta a entrada dos hebreus na terra de Canaã, como quem vai tomar solenemente
posse de uma herança que lhe fora atribuída. É uma construção simbólica, não representando inteiramente
os acontecimentos históricos reais, como se pode ver no livro dos Juízes.

Juízes, de fato, mostra-nos uma entrada bastante mais dispersa das tribos em Canaã e dominando
muito mais lentamente o conjunto do território. Por outro lado, descreve-nos as vicissitudes e a
insegurança da vida levada por essas tribos, numa época ainda distante do tempo da monarquia.

Rute é um romance histórico situado na época dos Juízes, mas sobretudo um livro contra a
xenofobia que marcou épocas mais tardias do judaísmo.A mais representativa e formal seqüência
historiográfica deste período, que já começara com Josué e Juízes, integra ainda o grande conjunto de 1.°
e 2.° de Samuel e 1.° e 2.° dos Reis.

A sua redação final parece ter-se inspirado já claramente na mentalidade deuteronomista; por isso,
costuma chamar-se-lhe a "Historiografia deuteronomista". Com ela pretendeu-se fazer o exame de
consciência da História nacional após o desastre do fim da monarquia.Mais tarde, os livros 1.° e 2.° das
Crônicas retomam toda a História de Israel desde as origens, ou por meio de genealogias e sínteses
históricas, ou relembrando alguns episódios coincidentes e outros complementares aos assuntos que
tinham aparecido narrados na História deuteronomista.

Esdras e Neemias contam alguns episódios relativos à restauração do povo de Israel e da cidade
de Jerusalém, depois do regresso da Babilônia. No entanto, a historiografia sobre esta época, marcada
pelo domínio persa, ficou bastante aquém da sua importância no aparecimento da Bíblia.

Tobias oferece-nos, com um quadro familiar notável, as dificuldades de viver a piedade em


condições sociais e políticas adversas.

Ester descreve um drama de colorido algo semelhante, mas alargado à experiência de todo o
povo, que se vê ameaçado de destruição e consegue, no fim, cantar vitória.

Judite é um romance histórico; simboliza a capacidade de resistência aos inimigos, na época da


luta contra os Selêucidas (séc. II aC.).

O 1.° e 2.° Livro dos Macabeus espelham, por meio de uma historiografia muito ao gosto da
época helenista, a luta dos judeus para conseguirem libertar-se da política opressora dos Selêucidas. São o
último bloco historiográfico dentro da Bíblia.
SUMÁRIO DA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO
*************************************************************

Ao começar a ler a Bíblia pela primeira vez, alguém pode sentir-se um pouco perdido neste
emaranhado de livros, personagens e acontecimentos diferentes, como quem chega pela primeira vez a
uma grande cidade. E assim como é útil, para se orientar nas grandes cidades, ter a referência dos
monumentos mais altos e das principais ruas e avenidas, também é bom um leitor da Bíblia começar a
reter e relacionar entre si os principais fatos e protagonistas da História da Salvação. Por isso,
apresentamos aqui alguns sumários.

Convém ler devagar estes textos, sublinhar com cores diferentes os fatos, os nomes das pessoas e
os nomes dos lugares.A pouco e pouco, veremos que vários deles se repetem e se vão tornando cada vez
mais familiares.

» Deuteronômio 26,1-10: inclui o pequeno "Credo Histórico" dos hebreus, nos v.5-9, com a
síntese dos passos principais até à sua entrada em Canaã.

» Josué 24,2-15: esta confissão de fé começa com Taré, pai de Abraão, e conclui na conquista da
Terra Prometida, com uma forte admonição de Josué, para que o povo seja fiel à Aliança jurada no
deserto do Sinai (Ex 19-20; 24,1-8; 34,10-17). Abrange, por isso, todos os Patriarcas, a epopéia do Êxodo
e da travessia do deserto, comandada por Moisés, e a conquista da Terra, comandada por Josué.
» Neemias 9,6-37: longa oração dos levitas, evocando as intervenções mais decisivas de Deus em
favor do povo de Israel e apelando à sua misericórdia para a situação naquele momento após o regresso
do Exílio.

» Judite 5,6-24: narrativa histórica - não é, propriamente, um credo histórico - colocada na boca
de Aquior, um dos chefes do exército de Holofernes, invasor de Israel. É muito pormenorizada, no que
diz respeito ao Êxodo e travessia do deserto, e termina com o exílio da Babilônia.

» Salmo 78 (77): as lições da História, em forma de oração, para a catequese familiar entre os
israelitas.

» Salmos 105 (104), 106 (105) e 107 (106): Deus e a História de Israel, também em forma de
oração. Segundo estes modelos, temos também Ne 9,6-37.

» Salmos 135 e 136: proclamação da presença de Deus na História de Israel, inserida numa oração
de louvor. Esta presença é vista, sobretudo, no Êxodo e na conquista da Terra.

» Ben Sira 42,15-50,29: resumo de toda a História de Israel, com um juízo de valor sobre as
personagens mais importantes que nela intervieram.

» Atos 7,1-53: discurso de Estêvão diante do Sinédrio de Jerusalém antes de ser condenado à
morte, mais para convencer os responsáveis de Israel de que Jesus era o Messias anunciado pelos seus
profetas, do que para se defender a si próprio.

» Atos 13,16-41: esta confissão de fé é um discurso de Paulo na sinagoga de Antioquia de Pisídia.


Vai dos Patriarcas, sem referir os seus nomes, até Jesus Cristo, que ele pretende anunciar aos judeus
daquela cidade. O discurso tem, pois, uma parte referente ao Antigo Testamento e outra ao Novo. Esta
poderia chamar-se um "discurso querigmático" (de querigma), isto é, um resumo da vida de Jesus ou das
verdades fundamentais da fé cristã. Outros discursos querigmáticos: At 2,14-36; 3,12-26; 10,34-43.

» Hebreus 11: leitura teológica da História de Israel, em que os seus atores são vistos à luz da fé e
propostos como exemplo para os crentes de todos os tempo
Josué

I. Conquista da Terra Prometida Extermínio dos enacim — 11,21 - 23


1. PREPARATIVOS 9 RECAPITULAÇÃO
Convite a passar à Terra Prometida — 1,1- 5 Reis vencidos a leste do Jordão — 12, 1- 6
Fidelidade à Lei, condição da ajuda divina — 1,6 - 9 Reis vencidos a oeste do Jordão — 12,7 - 24
Reunião das tribos além do Jordão — 1,10 - 18 II. Partilha das terras entre as tribos
Espiões de Josué em Jericó — 2, 1- 7 Terras ainda não conquistadas — 13, 1 - 7
O pacto entre Raab e os espiões — 2,8 - 21 1. DESCRIÇÃO DAS TRIBOS TRANSJORDÂNICAS
Volta dos espiões — 2,22 - 24 Esboço de conjunto — 13,8 -14
2 A PASSAGEM DO JORDÃO A tribo de Rúben — 13,15- 23
Preliminares da passagem — 3, 1 - 6 A tribo de Gad — 13,24- 28
Últimas instruções — 3,7 - 13 A meia tribo de Manassés — 13,29 - 33
A passagem do rio — 3,14- 17 2. DESCRIÇÃO DAS TRÊS GRANDES TRIBOS A OESTE DO
As doze pedras comemorativas — 4,1- 9 JORDÃO
Final da passagem — 4,10-18 Introdução — 14, 1- 5
Chegada a Guilgal — 4,19 -24 A parte de Caleb — 14, 6 - 15
Terror das populações a oeste do Jordão – 5,1 A tribo de Judá — 15,1 -12
A circuncisão dos hebreus em Guilgal — 5,2- 9 Os calebitas ocupam o território de Hebrom — 15,13 - 20
Celebração da Páscoa —5, 10 - 12 Nomenclatura das localidades de Judá — 15,21- 63
3. A CONQUISTA DE JERICÓ A tribo de Efraim — 16,1 - 10
Prelúdio: teofania — 5,13 -15 A tribo de Manassés — 17,1 - 13
Tomada de Jericó — 6,1 -16 Reclamação dos filhos de José — 17,14 - 18
Jericó consagrada como anátema — 6,17- 21 3. DESCRIÇÃO DAS OUTRAS SETE TRIBOS
A casa de Raab é preservada — 6,22 - 25 Operação cadastral para as sete tribos — 18,1- 10
Maldição sobre quem reconstruir Jericó —6, 26- 27 A tribo de Benjamim — 18,11- 20
Violação do anátema — 7,1 Cidades de Benjamim — 18,21 - 28.
Derrota diante de Hai, sanção do sacrilégio — 7,2- 5 A tribo de Simeão — 19,1- 9
Súplica de Josué — 7,6 - 9 A tribo de Zabulon — 19,10 - 16
Resposta de Iahweh — 7,10 - 15 A tribo de Issacar — 19,17 - 23
Descoberta e castigo do culpado — 7,16 - 26 A tribo de Aser — 19,24 - 31
4. A TOMADA DE HAI A tribo de Neftali — 19, 32 - 39
Ordem dada a Josué — 8,1 - 2 A tribo de Dã — 19,40 - 51
Manobra de Josué —8, 3 - 13 4. CIDADES PRIVILEGIADAS
Tomada de Hai — 8,14 - 25 As cidades de refúgio — 20,1 -9
O anátema e a ruína — 8,26- 29 As cidades dos levitas — 21,1 - 8
5. SACRIFÍCIO E LEITURA DA LEI SOBRE O MONTE Parte dos caatitas — 21,9 -26
EBAL Parte dos filhos de Gérson — 21,27 - 33
O altar de pedras brutas — 8,30 - 31 Parte dos filhos de Merari — 21,34 - 42
Leitura da Lei — 8,32- 35 Conclusão da partilha — 21,43- 45
6. TRATADO ENTRE ISRAEL E OS GABAONITAS III. Fim da carreira de Josué
Coalizão contra Israel —9, 1 -2 1. VOLTA DAS TRIBOS ORIENTAIS.
Astúcia dos gabaonitas — 9,3 -18. A QUESTÃO DO SEU ALTAR
Estatuto dos gabaonitas —9, 19 - 27 Retorno do contingente transjordânico —22, 1 - 8
7. COALIZÃO DOS CINCO REIS AMORREUS. Ereção de um altar junto ao Jordão — 22,9 - 12
CONQUISTA DA PALESTINA MERIDIONAL Censuras dirigidas às tribos orientais — 22,13 - 20
Cinco reis fazem guerra a Gabaon —10, 1- 5 Justificação das tribos do além-Jordão — 22,21- 29
Josué socorre Gabaon —10, 6 Restabelecimento do acordo — 22,30 - 34
O socorro do céu — 10,10- 15 2. ÚLTIMO DISCURSO DE JOSUÉ
Os cinco reis na caverna de Maceda — 10,16- 27 Josué recapitula a sua obra — 23,1- 5
Conquista das cidades meridionais de Canaã — 10,28- 39 Como se comportar no meio das populações estrangeiras —
Recapitulação das conquistas do sul — 10,40 - 43 23,6 - 13
8. A CONQUISTA DO NORTE Israel escolhe Iahweh — 23,14 - 24
Coalizão dos reis do norte — 11,1- 4 A aliança de Siquém — 23,25 - 28
Vitória de Merom — 11, 5 - 9 4. APÊNDICES
Tomada de Hasor e de outras cidades do norte —11,10- 14 Morte de Josué— 23,29- 31
A ordem de Moisés executada por Josué— 11,15- 20 Os ossos de José. Morte de Eleazar — 23,32 - 33

O nome Josué quer dizer "Javé é salvaçao" (cf. Js 1,9). Josué era filho de Nun (Ex 33,11; Nm 11.28:
13,8.16). da tribo de Efraim (Nm 13.8). Distinguiu-se no combate contra os amalecitas (Ex 17,8-16).
acompanhou Moisés ao monte Sinai (Ex 24,13; 32,17): tomou parte na expedição de reconhecimento de
Canaã (Nm 13,8: 14,38). Guardou firme confiança no Senhor; por isto, Josué e Caleb foram os únicos
homens que, tendo saido do Egito, entraram na terra Prometida (Nm 14,30.38; 26,65; 32,12). Moisés
escolheu Josué como seu servidor (Ex 24,13), quando este era jovem (cf. 3,11). Quando Moisés, perto de
morrer, pediu ao Senhor que indicasse o seu sucessor, Javé designou Josué (Nm 27,15-23). Por
conseguinte, após a morte de Moisés, a chefia do povo tocou a Josué.
Josué teve que exercer árdua missão, a saber: zelar pela observância da Lei, introduzir o povo na
terra prometida, lutando contra os cananeus, e distribuir a terra entre as tribos de Israel. Estes encargos
tinham índole religiosa, pois eram etapa na organização do povo messiânico ou do povo que preparava a
vinda do Messias. Josué revelou-se um chefe enérgico e tenaz, ao mesmo tempo que prudente.
O livro de Josué. descrevendo o cumprimento da obra de Josué, quer mostrar a indefectível
fidelidade de Deus às suas promessas, fidelidade a qual o povo deve responder observando a aliança com
o Senhor. Cf Js 1,6-.9; 23s.
DIVISÃO E CONTEÚDO

Há quem considere o livro de JOSUÉ como um complemento do Pentateuco, constituindo a parte em que
se cumpre a promessa da doação da Terra Prometida: no Gênesis, Deus promete; em JOSUÉ, entrega e
cumpre a promessa.
Nesta hipótese, JOSUÉ seria constituído a partir da teoria clássica das quatro tradições: Javista,
Eloísta, Deuteronomista e Sacerdotal. Não é esta, porém, a hipótese aplaudida por muitos críticos
modernos, a quem agrada mais integrar o livro em plena História Deuteronomista, sem prejuízo de
considerarem nele, de fato, a promessa do Gênesis plenamente cumprida. É comum distribuir o conteúdo
de JOSUÉ por três partes distintas, após a introdução (1,1-18):
I. Conquista de Canaã (1,1-12,24): texto, predominantemente narrativo, conta os vários
episódios da conquista de Jericó; a batalha de Gabaon; a leitura da Lei perante a
multidão, que renova a sua promessa de fidelidade à aliança (8,29-35); a derrota das
várias coligações contra Josué, com a conseqüente submissão de todo o Sul ao sucessor
de Moisés.
II. Distribuição do território pelas tribos (13,1-21,45). Após a atribuição dos territórios
às tribos da Transjordânia e da Cisjordânia, conclui-se com uma lista das cidades
sacerdotais e de refúgio.
III. Apêndice e conclusão (22,1-24,33). Nesta parte merecem especial atenção o discurso
de despedida de Josué e a assembleia magna de Siquém, no final do livro.
A ORIGEM DE JOSUÉ
O titulo do livro não quer dizer que Josué seja o autor do mesmo, mas. sim, que o livro narra os feitos
de Josué.
A tradição dos judeus, talvez baseada em Eclo 46,1, atribuía o livro a Josué. Todavia o exame do
texto mostra que é posterior a Josué (séc. XIII aC.). Com efeito; no texto atual são narrados
acontecimentos tardios ou são consideradas situações que só se tornaram reais num período de tempo
mais ou menos longo após a morte de Josué; tenha-se em vista o seguinte:
- Js 24,29-33 narra a morte de Josué
- a fórmula “até o dia de hoje” supõe geralmente longo intervalo após os acontecimentos: Js 4,9;
5,9; 9,27; 15,63;
- Js 13,30 menciona "as aldeias de Jair”. Ora Jair era um dos juízes, posterior a Josué (cf. Jz 10,3-5).
Em conseqüência, o livro de Josué se deve a um escritor bem posterior, que utilizou e atualizou
fontes antigas.
A antigüidade e a fidelidade dessas fontes nos são confirmadas pela arqueologia: esta ensina que
Laquis foi destruida em 1230 aproximadamente (cf. Js 10,3.23-32): o mesmo se diga de Betel (Js 7,2;
17,22), Debir (Js 10,38), Hazor (Js 11,10)...
A situaçao polilica de Canaã suposta por Js é confirmada por documentos profanos, como as
tabuinhas de Tell-el-Amarna (séc. XV) e os documentos da XIX dinastia do Egito (1319-1200): assim a
descrição da região em 13,2-6; os nomes dos habitantes em 3,10; 11,3: a existência de vários pequenos
reinos em 10,1-5; 11,1-3;12,1-24. as cidades fortificadas (6,1; 10,20; 11,13), os exércitos dotados de armas,
carros e cavalos (10,2; 11,4; 17,18).
Pode-se admitir que muitos documentos-fontes tenham sido redigidos pouco depois dos
acontecimentos (cf. Js 8,32: 10,13; 18,4). Algumas descrições não foram escritas, mas ficaram na
tradição oral; eram recitadas nos santuários de Gálgata. Silo e Siquém (cf. Js 4,20-25; 18,1-10; 24,1-13).
Esse material escrito e oral foi sendo reunido aos poucos entre Davi (século XI) e Josias (século VII).
Aqueles que recolheram tais documentos e lhes deram a forma literária definitiva, tinham em vista fazer da
história uma lição para o povo de Deus: sim, queriam mostrar que a fidelidade à Lei de Deus é penhor de
bênçãos e prosperidade para Israel, ao passo que as transgressões acarretavam a desgraça e o castigo para
o povo: cf. Js 1,8; 8,30-35; 21,43-45; 22,1-6; 23,1-16.

PROBLEMAS DO LIVRO DE JOSUÉ


O herém ou anátema
Quem lê o livro de Josué, talvez se sinta impressionado pela crueldade do tratamento infligido por
Israel aos adversários vencidos na guerra: homens, mulheres e crianças eram despojados de seus bens,
reduzidos a escravidão ou mesmo passados ao fio da espada. Tal praxe era chamada "o herém” (anátema),
Cf. Js 6,27-19.21.24.26; 7,20-26; 8,24-28; 10, 28-42; 11,11s.21s.
Essa praxe era comum aos antigos povos em geral. Devia-se não só a um grau de cultura pouco
evoluída, mas também a uma concepção religiosa estranha a nos: cada povo julgava que, na guerra, a honra
dos seus deuses estava em jogo; uma derrota militar significaria desprezo para os deuses da nação vencida,
assim como a vitória seria triunfo da Divindade. Por conseguinte, os guerreiros julgavam que aos deuses do
vencedor deviam ser religiosamente imolados os homens, as famílias, as cidades, as posses do povo
vencido.
Ora esse costume foi respeitado por Deus nas suas relações com Israel; a mentalidade seria aos
poucos corrigida... Devemos mesmo dizer que, para os hebreus, o herém se tornava particularmente
necessário: este povo, o ele só, possuia a verdadeira fé para um dia transmiti-la ao mundo; por conseguinte.
era de sumo interesse que Israel não corrompesse a sua religião. Todavia, para manter incontaminada a
crença de Israel, não havia outro meio senão a absoluta separação dos hebreus de entre os demais povos; a
experiência mais de uma vez comprovou que, ao habitar pacificamente com tribos vencidas na guerra, os
judeus se deixavam seduzir pelas suas pompas religiosas. Em conseqüência, era absolutamente necessário
que a legislação de Israel apelasse para o herém, a fim de evitar danos religiosos. Apoiando-se nestas
idéias, o legislador sagrado assim recomendava o herém a Israel:
"Quanto às cidades dos povos que o Senhor teu Deus há de te dar como herança, nelas não
deixarás a vida a nenhum indivíduo que respire. Entregarás esses povos ao anátema: os heteus, os
amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus, como o Senhor teu Deus te mandou, a fim de
que não vos ensinem a imitar todas as abominações que eles cometem para com os seus deuses e não
pequeis contra o Senhor vosso Deus (Dt 20,16-18; cf. 7,2-4).
Quem leva em conta este texto, compreenderá o porque dos anatemas no livro de Josué. Eram um
estágio na evolução do povo de Israel, colocado na escola de Javé.
A queda dos muros de Jericó
Em Js 6,1-20 lé-se que, para tomar a cidade de Jericó, os guerreiros hebreus realizaram um artifício
estranho: a mando do Senhor, os soldados, juntamente com os sacerdotes, que levavam a arca, durante seis
dias seguidos deram a volta da cidade em procissão. No sétimo dia, deram sete voltas: as trombetas então
tocaram e os quarenta mil filhos de Israel soltaram um brado forte. Em conseqüência, as muralhas de Jericó
cairam e os invasores puderam penetrar na cidade.
Pergunta-se: que relação ha entre as procissões, com seus toques de trombeta, e a queda dos muros?
Muitos comentadores supõem que as procissões tinham signicado militar: teriam servido para
amedrontar os habitantes de Jericó ou para prender a atenção destes, enquanto operários israelitas cavavam
galerias debaixo das muralhas de Jericó...
Estas explicaçoes não são absurdas, mas não satisfazem plenamente. Melhor é dizer que as procissões
em torno da cidade tinham significado religioso, e não militar; é o que a epístola aos Hebreus insinua
quando diz: “Foi pela fé que os muros de Jericó desmoronaram, depois de se lhes haver dado a volta durante
sete dias" (Hb 11,30). Esta breve frase estabelece uma relação entre a fé dos israelitas e a conquista de
Jericó, foi a fé de Israel que obteve de Deus a vitória. Em conseqüência, diremos: quando Javé inculcou as
procissões aos filhos de Israel, quis exercitar sua fé; praticando aqueles artifícios, os hebreus, antes do mais,
professavam crer no auxílio de Deus, que dispensa máquinas de guerra desde que Ele queira realizar algum
desígnio. Depois de ter experimentado essa fé, o Senhor recompensou-a, dando a vitória ao seu povo.
Firme este princípio, pode-se admitir que, para entregar Jericó aos israelilas em prémio da sua fé, o
Senhor se tenha servido de causas segundas: um terremoto (como ocorreu em 1Sm 14,15), pequenos
combates (mencionados em Js 24,11), a sede, que pode ter flagelado os habitantes da cidade cercada (como
em Jt 7,6). Em suma, podemos crer que o livro de Josué não nos refere a história completa da tomada de
Jericó, mas se limita ao episódio que realçava a influência da fé naquela campanha militar.

Josué e o milagre do sol


Em Js 10,7-15 parece descrito o estacionamento do sol a pedido de Josué - episódio que muito
ocupou os estudiosos no decorrer da história. Procuravam explicar o fenômeno como se a terra tivesse parado
ou por um reflexo do sol numa nuvem situada no horizonte ou por uma chuva de meteoros (ou de corpos
celestes), ou por relâmpagos que teriam iluminado extraordinariamente a noite...
Hoje em dia estas explicações são postas de lado, pois os estudiosos verificam que há um mal-
entendido na base das mesmas: o texto sagrado não quer insinuar um milagre tão extraordinário. - Com
efeito, quem lê atentamente Js 10,7-15, toma consciência de que aí há duas narrações paralelas provenientes
de duas diversas fontes: uma em prosa, devida ao autor mesmo do livro, que abrange os vv. 7-11; e outra, em
poesia, citação transcrita de outro livro (12-13b) e ornada de breve comentário (13c-14). O versículo 15 é
comum às duas narrações.
De falo, o v. 11 refere ao leitor já o fim da batalha com a vitória de Josué; Israel foi nesta campanha
ajudado por violenta tempestade de granizo, que “o Senhor desencadeou” (o que parece insinuar uma
intervenção extraordinária de Deus). Após o v. 11, poderia seguir-se o v. 15, ou seja, a menção da volta de
Josué ao acampamento. Ora entre os vv 11 e 15 há um episódio (12- 14), que reconduz o leitor às peripécias
da batalha; vê-se que é um enxerto. Os vv 12-13a referem a oração de Josué:
"Sol, detém-te sobre Gabaon,
E tu, lua, sobre o vale de Ajalon.
13a E o sol parou, a lua se manteve imóvel
Até que o povo se tivesse vingado dos seus inimigos"' .

O v. 13b indica a fonte donde foram transcritos os versos poéticos anteriores: o Livro dos Justos,
também citado em 2Sm 1,17s; tal livro era uma coleção de cantos poéticos de Israel, que exaltavam os
grandes feidos dos heróis nacionais. Os vv. 13c e 14 são um comentário em prosa da segunda parte do
texto citado; devem-se ao autor da transcrição.
Esta análise nos mostra que os vv. 12-14 se referem a batalha descrita em 7-11, realçando em estilo
poético o que ela teve de glorioso.
Pergunta-se agora: que significa a parada do sol no estilo poético?
Os judeus julgavam que a terra era plana e recoberta por um firmamento ou uma abóbada cristalina,
sobre a qual o sol e a lua giravam. Quando fazia mau tempo ou tempestade, diziam que o sol se retirava para
sua tenda no firmamento e lá ficava escondido e imóvel durante a tempestade (ver a propósito Hab 3,11).
Por conseguinte, quando o texto sagrado diz que Josué pediu o estacionamento do sol, quer significar que
Josué pediu uma tempestade para ajudá-lo a vencer os adversários. O texto diz-nos que Josué também pediu
o estacionamento da lua...; a menção da lua ocorre unicamente para atender a lei do paralelismo poético
(quem mencionasse o sol, mencionaria também a lua, no estilo poético). A tempestade deve ter sido longa
("quase um dia inteiro”. diz o v. 13c). Tão longa tempestade terá sido especialmente permitida por Deus
para atender a Josué, que implorava auxílio na batalha.
Conforme esta interpretação, vê-se que o propalado estacionamento do sol de que fala Js, não é
senão o desencadeamento de violenta e demorada tempestade de granizo. Duas narrativas - uma em prosa,
devida ao autor de Js, e outra em poesia, citada de outra fonte e inserida no livro - referem essa
tempestade; enquanto o primeiro relato usa estilo liso, o segundo recorre a uma imagem familiar aos
antigos orientais.

GÉNERO LITERÁRIO E VALOR HISTÓRICO

Em JOSUÉ, não temos História no sentido rigoroso deste conceito, uma vez que a aglutinação das
diversas tradições foi feita em época muito posterior aos fatos. O rigor histórico das narrações é que seria,
precisamente, de admirar.
Comparando JOSUÉ com Jz 1, aquilo que em JOSUÉ se nos apresenta como campanha militar
organizada, uma espécie de coligação de todo o Israel, na verdade, parece ter sido uma iniciativa
particular de cada tribo. Trata-se, pois, de apresentações esquematizadas.
Do mesmo modo, não é de excluir a hipótese de algumas tribos terem penetrado em Canaã pelo
Sul e não por Jericó (Nm 21,1-3). Tribos houve, como as da região central, que nem sequer terão estado
no Egito, mas permaneceram em Canaã.
Outra hipótese admitida é que teria havido vários êxodos de natureza diferente: êxodo-expulsão e
êxodo-libertação; assim no-lo deixam supor as várias formas de texto, quando se fala da saída do Egito.
Nesse caso, a campanha de Josué, na reconquista épica de Canaã, revestiria a forma de síntese narrativa
como reelaboração posterior das diversas tradições.
Os acontecimentos posteriores, até à época de Davi, mostram igualmente que a campanha da
reconquista protagonizada por Josué não acabou com a posse total do território: muitos grupos de várias
etnias não judaicas mantiveram-se autônomos por muitos anos, só mais tarde acabando por ser integrados
em Israel.
De quanto ficou dito, pode-se legitimamente concluir que, em JOSUÉ, se encontram misturados
vários tipos de textos literários: a narração, a descrição, a lenda popular, a epopéia, etc.. Sacrificou-se o
rigor da História ao interesse da doutrinação teológica, realçando esta última.

COMPARATIVO ENTRE DUAS COMITIVAS


Espias de Moisés (Nm 13) Espias de Josué (Js 2)

NÚMERO Foram escolhidos 12 homens Dois homens foram ajudados e talvez


inspirados por uma mulher - Raab
IDENTIFICAÇÃO os espias foram nomeados por Moisés os espias foram escolhidos por Josué
PRESTAÇÃO DE CONTAS Os espias reportavam-se Os espias reportavam-se
diretamente ao povo diretamente a Josué
O inimigo é “maior do que nós” “Deus é maior”
RELATÓRIO do que qualquer inimigo
VOTAÇÃO DA COMISSÃO 10 entre os dozes concordaram com o 100% de aprovação do relatório
relatório
CONCLUSÃO Missão impossível Vamos em frente

ATITUDE TOMADA Votação do povo O povo entrou em ação

RESULTADO O povo vagou durante 40 anos no deserto O povo entrou na Terra Prometida

TEOLOGIA
Como já foi dito, JOSUÉ pretende mostrar que Javé é fiel à sua palavra: se prometeu, cumpre (Gn
12,1-3; 13,14-17; 15,7-21; 17,1-8). Como prometeu dar uma terra ao povo, tudo fará, mesmo milagres,
para os opositores de Israel serem derrotados e as suas terras entregues ao "povo de Javé". Daí a
freqüência da ação miraculosa da intervenção direta de Deus e dos seus anjos no decorrer das várias ações
militares, bem como a idealização do herói, qual novo Moisés: tudo lhe é atribuído, participa em todas as
batalhas e sobre ele se estende incessantemente a mão poderosa e protetora do Senhor.

Para isso concorre enormemente a importância do fator 'Terra' na trama da aliança: Javé faz um pacto
com um povo nômade, a quem promete entregar uma terra que vai ser o cenário dos fatos dessa aliança.
Sem uma terra sua, o povo carece de raízes para a sua subsistência real. Foi assim que todo o israelita
aprendeu a considerar a 'Terra Prometida' como um dom do Senhor.
Neste quadro, a guerra santa e a crueldade para com o vencido são um louvor a Javé, em cujo
nome são praticadas. O empolamento das ações, até se fazer delas milagres assombrosos, está plenamente
justificado, uma vez que interessa, acima de tudo, exaltar Javé e engrandecer Josué, figura central da
presente epopéia.

Esquema:
I. A conquista da terra (1.1 - 12.24) `
A. A preparação para a conquista (1.1 - 5.15)
1. A preparação de Josué (1.1-g)
2. A preparação dos líderes (1.10-18)
3. A preparação da estratégia (2.1-24)
4. A preparação da abordagem (3.1 4.24)
5. A preparação do povo (5.1-15)
B. A conquista da terra (6.1 - 12.24)
1. A conquista de Jericó (6.1-27)
2. A conquista de Ai (7.1 - 8.29)
3. A renovação da aliança (8.30-35)
4. O tratado com os gibeonitas (9.1-27)
5. A conquista do Sul de Canaã (10.1-43)
6. A conquista do Norte de Canaã (11.1-15)
7. Um resumo da conquista (11.16 - 12.24)
II. A divisão da terra (13.1 - 21.45)
A. A atribuição de terra para cada tribo (13.1 - 19.51)
1. Instruções de Josué (13.1-7)
2. Fronteiras para as tribos do Leste (13.8-33)
3. Fronteiras para as tribos do Oeste (14.1 - 19.51)
b. A designação de cidades especiais (20.1 - 21.45)
1. As cidades de refúgio (20.1-9)
2. As cidades dos levitas (21.1-45)
III. O assentamento na terra (22.1 - 24.33)
A. O assentamento das tribos do Leste (22.1-34)
1. A mensagem de Josué para as tribos do Leste (22.1-9)
2. A construção de um altar pelas tribos do Leste (22.10-34)

B. O assentamento das tribos do Oeste (23.1 - 24.24)


1. O discurso de despedida de Josué para todo o Israel
2. A aliança em Siquém (24.25-28)
3. A morte e enterro de líderes justos (24.29-33)
TENTAÇÃO: A ANÁLISE DE UMA ARMADILHA BEM SUCEDIDA
Satanás Eva Acã Davi
Um querubim ungido e perfeito A criação perfeita de Deus Membro da tribo de Judá Rei de Israel (2Sm 12,7)
(Ez 28,12s) (Gn 2,18.22s) (Js 7,1) ↓
↓ ↓ ↓ Viu uma mulher(2Sm 11,2)
Viu a glória de Deus Viu o fruto (Gn 3,6) Viu os tesouros (Js 7,21) ↓
(Ez 28,13) ↓ ↓ Desejou a mulher de outro
↓ Desejou ser como Deus Cobiçou aquilo que Deus havia homem (2Sm 11,2)
Desejou ser como Ele (Gn 3,6) declarado ser dEle (Js 7,21) ↓
(Is 14,13-14) ↓ ↓ Tomou-a para si
↓ Tomou o fruto (Gn 3,6) Tomou os despojos da batalha (2Sm 11,2-5.26s)
Tomou aquilo que desejava ↓ (Js 7,1.21) ↓
(Is 14,14; Ez 28,6) Deu o fruto para Adão comer ↓ Mentiu desencadeando uma
↓ (Gn 3,6) Escondeu os objetos valiosos série de enganos
Tornou-se inimigo de Deus ↓ (Js 7,21) (2Sm 11,6-15)
(Is 14,15; Ez 28,9) fez entrar o pecado no mundo ↓ ↓
(Gn 3,7.11-13.16) Causou a derrota de Israel Causou a morte de Urias
↓ (Js 7,12) (2Sm 11,16-17.21)
Foi expulsa do jardim do Édem ↓ ↓
(Gn 3,23s) Destrui a si mesmo Rompeu a comunhão com
e sua família Deus (Gn 12,7-12)
(Js 7,11.15.24s)

Juízes
**************************************
O Livro dos JUÍZES foi assim chamado pelo grande relevo que nele têm os chefes a quem se deu
tal nome (chofetîm). Praticamente o livro é constituído por doze histórias correspondentes aos doze juízes
que nele desfilam aos olhos do leitor.

Primeira introdução Apólogo de Joatão — 9,7-21


NARRATIVA SUMÁRIA DA INSTALAÇÃO EM CANAÃ Revolta dos siquemitas contra Abimelec — 9,22 -41
Instalação de Judá, de Simeão, de Caleb e dos quenitas — 1,1 Destruição de Siquém e tomada de Magdol-Siquém — 9,42 -
-21 29
Tomada de Betel — 1,22 - 26 Cerco de Tebes e morte de Abimelec — 9,50- 57
As tribos setentrionais — 1,27 - 36 JEFTÉ E OS "JUÍZES MENORES"
O anjo de Iahweh anuncia desgraças a Israel — 2,1- 5 6. TOLA — 10, 1- 2
7. JAIR — 10,3- 5
Segunda introdução 8. JEFTÉ
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O PERÍODO DOS Opressão dos amonitas — 10, 6 - 18
JUÍZES Jefté impõe suas condições — 11,1- 11
Termo da vida de Josué — 2,6- 10 Conferências entre Jefté e os amonitas — 11,12- 28
Interpretação religiosa do período dos Juízes —2, 11- 19 O voto de Jefté e a sua vitória — 11,29- 40
Razão da permanência das nações estrangeiras — *2-3, 1- 6 Guerra entre Efraim e Galaad. Morte de Jefté — 12,1- 7
História dos Juízes 9 . ABESÃ — 12,8- 10.
1. OTONIEL — 1,7- 11 10. ELON — 11,11-12
2. AOD — 2,12- 30 11. ABDON —11,13- 15
3. SAMGAR— 3,31 12. SANSÃO
4. DÉBORA E BARAC Anúncio do nascimento de Sansão — 13,1- 7
Israel oprimido pelos cananeus —4, 1- 3 Segunda aparição do Anjo — 13,8 - 25.
Débora — 4,4 -10 O casamento de Sansão — 14,1-11
Héber, o quenita — 4,11 O enigma de Sansão — 14,12 - 20
Derrota de Sisara — 4,12 - 16 Sansão incendeia as searas dos filisteus — 15,1-8
Morte de Sisara — 4,17 - 22 A queixada do jumento — 15,9 - 20
A libertação de Israel — 4,23 - 24 O episódio da porta de Gaza — 16,1 -3
CÂNTICO DE DÉBORA E DE BARAC 5,1 - 31 Sansão é traído por Dalila — 16,4- 21
5. GEDEÃO E ABIMELEC Vingança e morte de Sansão — 16,22 - 31
A. VOCAÇÃO DE GEDEÃO
Israel oprimido pelos madianitas — 6,1 - 6 Apêndices
Intervenção de um profeta — 6,7 - 10
Aparição do Anjo de Iahweh a Gedeão— 6,11 - 24 1. O SANTUÁRIO DE MICAS E O SANTUÁRIO DE DÃ
Gedeão contra Baal — 6,25- 32 O santuário particular de Micas — 17,1-13
A convocação às armas — 6,33 - 35 Os danitas à procura de território — 18,1-10
A prova do velo —6, 36 -40 A migração dos danitas — 18,11- 26
B. CAMPANHA DE GEDEÃO A OESTE DO JORDÃO Conquista de Lais. Fundação de Dã e de seu santuário —
Iahweh reduz o exército de Gedeão — 7,1 - 15 18,27-31
A surpresa — 7,16 - 22
A perseguição — 7,23- 25 2. O CRIME DE GABAÁ E A GUERRA CONTRA
Reclamações dos efraimitas — 8,1- 3 BENJAMIM
C. A CAMPANHA DE GEDEÃO NA TRANSJORDÃNIA O levita de Efraim e a sua concubina — 19,1- 10
E O FIM DE GEDEÃO O crime do povo de Gabaá — 19,11- 30
Gedeão persegue o inimigo até além do Jordão — 8,4 - 9 Os filhos de Israel se comprometem a vingar o crime de
Derrota de Zebá e de Sálmana — 8,10 - 12 Gabaá — 20, 1-11
As vinganças de Gedeão — 8,13- 21 Obstinação dos benjaminitas — 20,12-13
O fim da vida de Gedeão — 8,22 -32 Primeiros choques — 20,14-28
Nova queda de Israel — 8,33 - 35 Derrota de Benjamim — 20,29- 48
D. A REALEZA DE ABIMELEC 9, 1 - 6 Remorso dos israelitas —21, 1- 7
As virgens de Jabes dadas aos benjaminitas — 21,8- 14
O rapto das filhas de Silo — 21,15- 25

CONTEXTO HISTÓRICO

Depois da sua chegada a Canaã e do seu estabelecimento no território, como está descrito em Josué,
as doze tribos ficaram um pouco à mercê dos povos que ainda ocupavam a terra. Cananeus e filisteus
continuavam a sua luta para expulsar as tribos israelitas que se tinham infiltrado em algumas parcelas do
seu território; e a conquista total da terra e o conseqüente predomínio dos israelitas sobre os povos locais
ficará para mais tarde, no tempo de Davi (séc. X aC.).
Depois da morte de Josué, por volta de 1200 aC. (Js 24), as tribos ficaram sem um chefe que
aglutinasse todas as forças para se defenderem dos inimigos estrangeiros. A única autoridade constituída
era a dos anciãos de cada tribo. Além disso, estas pequenas tribos eram muito independentes entre si, e
não era fácil congregá-las. Ficavam, assim, mais expostas aos ataques de filisteus, cananeus, madianitas,
amonitas, moabitas, todos inimigos históricos de Israel.

QUEM SÃO OS JUÍZES

Não são chefes constituídos oficialmente, mas homens e mulheres carismáticos, atentos ao Espírito
do Senhor, pessoas marcadas por uma forte personalidade, capazes de se imporem moralmente perante as
outras tribos. Depois de terminarem a sua obra, não tinham continuidade nem dinastia; também não
promulgavam leis nem impunham tributos. Os juízes são testemunho vivo de que O Senhor nunca
abandonou o seu povo, mas foi dirigindo a história deste até mesmo dispensando carismas (ou dons)
extraordinários.
Deste modo, quando alguma tribo era atacada, o Juiz congregava as outras para irem em socorro da
tribo irmã. Uma outra função que lhes poderia ser atribuída era a de julgar (da raiz chaphat, que significa
"administrar a justiça", "proteger"), em casos especiais, função que terá estado na origem do nome de
"Juízes".
O tempo dos Juízes é, pois, o tempo da consolidação das tribos no seu território, perante os
inimigos estrangeiros, e o tempo das primeiras tentativas de federação entre as várias tribos com
diferentes origens (ver Js 24).

DIVISÃO E CONTEÚDO
#
Introdução Os juízes (* = “juízes maiores”, = “juízes menores”) Episódios finais

1,1-2,5: A conquista 3,7-31: 4-5: 6-8: 10,6-12,7: 13-16: 17-18: A migração


Parcial de Canaã Otoniel*, Barac* Gedeão* Jefté* Sansão*, dos danitas
2,6-3,6: consideração Aod* e ea 9: Abimelec 12: Absã#, o danita 19-21: Crime e castigo
Teológica do tempo Samgar# profetisa x Joatão Elon# e De Benjamin
dos juízes. Débora 10,1-5: Tola# Abdon#
e Jair#

Na falta de escrita, as histórias e os feitos dos JUÍZES passaram pelas tradições orais locais,
sobretudo nos santuários, antes de fazerem parte da memória coletiva de Israel.
Com o aparecimento da monarquia e a conseqüente organização política, social e religiosa, todo
este material de caráter histórico, mítico, poético e etiológico entrou no espólio coletivo de Israel, sendo
posteriormente organizado por blocos literários mais amplos. É costume dividir o livro dos JUÍZES em
dois grandes blocos literários:

I. Tradições sobre a conquista de Canaã (1,1-3,6).

II. História dos Juízes (3,7-16,31).

Nestes, é costume distinguir:

O livro dos Juizes nos refere as façanhas de doze Juizes. Destes, seis são tidos como

"Juízes Maiores" porque apresentados com mais minúcias, tais são: Otoniel - da tribo de Judá, (3,7-
11), Aod – da tribo de Benjamin (3,12-30), Débora e Barac – da tribo de Zabulon e Neftali (4,1-5,32),
Gedeão – da tribo de Manassés (6,11-8,35), Jefté – da tribo de Galaad (11,1-40) e Sansão – da tribo de Dã
(13,1-16,31); Cujos atos são contados de um modo mais ou menos detalhados.Os juízes maiores são
heróis libertadores; sua origem, seu caráter, suas ações variam muito, mas têm um traço comum:
receberam uma graça especial, um carisma, foram especialmente escolhidos por Deus para uma missão
salvífica.

"Juízes Menores", são ditos "menores', porque poucas noticias há a respeito deles: tais são: Samgar
(3,31), Tola – da tribo de Issacar (10,1-2), Jair – da tribo de Galaad (10,3-5), Abesã – da tribo de Zabulon
(12,8-10), Elon – da tribo de Zabulon (12,11-12) e Abdon – da tribo de Efraim (12,13-15).

Muito possivelmente existiram mais juizes nessa fase da história, mas o autor sagrado quis apresentar
precisamente um de cada tribo. Os principais são, sem dúvida. Gedeão (Jz 6-8), Jefté (Jz 11s) e Sansão (Jz 13-16).
Os 21 capitulos de Jz cobrem um período de quase 200 anos, que vai aproximadamente de 1200 a 1050 aC.. ou seja,
da morte de Josué até o primeiro rei de Israel, Saul.
A história de cada juiz maior é apresentada dentro de um esquema que põe em relevo a teologia ou o sentido
religioso dos acontecimentos. Esse esquema é claramente proposto no inicio do livro (2, 11-19) o compreende
quatro tempos:
“Os filhos do Israel fizeram o mal aos olhos de Javé (caíram na idolatria)”; cf. 2,11; 3, 7.12; 4, 1; 6, 1.

"Então acendeu-se contra Israel a ira do Senhor, que os entregou às mãos dos saqueadores"; cf. 2, 14; 3,
8.12; 4, 2: 6, 1; 10,7...

“Os filhos de Israel, em grande angústia, clamaram ao Senhor”: cf. 2, 15; 3, 9-15; 4,3; 6,7...

“O Senhor lhes suscitou um juiz ou salvador: cf. 2,16; 3,9-15; 4, 23s... Este liberta do domínio estrangeiro
a sua gente.

Geralmente acrescenta-se o número do anos de paz que se seguiram à façanha vitoriosa do juiz. Tal número
é esquemático ou arredondado (20, 40 ou 80 anos), indicando um período definido, ora mais, ora menos longo; cf.
3, 11.30; 5, 31; 8,28; 10,2s...
Mediante este esquema, o autor sagrado quer incutir o principio que já o livro de Josué recomendava: a
infidelidade à Lei do Senhor é penhor de desgraças e ruina material para Israel, ao passo que o arrependimento e a
fidelidade são penhor de bênção divina, concretizada em vitória sobre os inimigos e prosperidade material. Este modo
de pensar é chamado pragmático ou também deuteronômico, porque se acha claramente exposto em Dt 11, 26-32;
28,1-68. Deriva-se do fato de que os judeus antigos não tinham noção de uma vida póstuma consciente, capaz de
receber a sanção de Deus (recompensa ou punição); os israelitas, por isto, julgavam que a retribuição do bem e do
mal ocorria nesta vida mesma, antes da morte; conseqüentemente identificavam saúde, vida longa, dinheiro, vitória
sobre os inimigos como prémios de uma vida virtuosa, e doença, vida breve, pobreza, derrotas como punição de
infidelidade à Lei de Deus.

Eis, em síntese. o conteúdo de Jz:


Introdução: os filhos de Israel não expulsaram os cananeus (1, 1-3,6).
Corpo do livro: história dos dozes Juizes (3,7 – 16,31).
Dois apêndices:
a idolatria de Dã (17,1-18,31)
a luxúria dos benjaminitas (19,1-21,24).

Notemos alguns problemas de redação:

- a breve noticia sobre Samgar (3,31) interrompe o relato que vai de 3,30 a 4,1.
- a história de Débora e Barac é relatada em poesia (5, 1- 31), que parece mais presa aos acontecimentos,
e em prosa (4, 1-24), que põe mais em relevo o sentido religioso da história.
- as histórias de Abimelec (9,1-57) e de Jofté (10,6-12,7) têm caráter antimonárquico, dando a ver as
hesitações do povo, que também aspirava à monarquia (17, 6; 18, 1; 19,1; 21,24s).
Julga-se que o livro dos Juizes assim redigido resulta da compilação de documentos diversos feita no decorrer
de séculos e terminada em sua forma atual na época de Esdras (séc. V aC.). Nesta fase da história era muito
oportuno lembrar ao povo que voltava do exílio para sua terra: a infidelidade é penhor de desgraças; não existe
vantagem em adotar costumes pagãos; o Senhor é sempre fiel às suas promessas e não abandona o seu povo;
mesmo quando este O esquece.

Deste modo se formou o "Livro dos doze Juízes de Israel" (3,7-16,31).

III. Apêndices: 17-18, sobre a tribo de Dan, e 19-21, sobre a de Benjamim.


Posteriormente foram acrescentadas duas introduções:
 1,1-2,5, que apresenta a situação geral das tribos depois da morte de Josué (1,1), apontando que a
conquista de Canaã ficou incompleta, com os problemas que isso acarreta “até hoje” (2,1-5);
 2,6-3,6 volta um passo atrás e retoma a morte de Josué (2,6-10), para, a partir daí, desenvolver
uma visão teológica da História de Israel como uma "História Sagrada": pecado do povo - castigo
de Deus - perdão de Deus. É a concepção deuteronomista da História de Israel , em cujo contexto
teológico deverá situar-se este livro.
O livro contém igualmente dois apêndices: os capítulos 17-18, que narram a migração da tribo de
Dan do Sul para a nascente do Jordão, no Norte; e os capítulos 19-21, que narram o crime dos habitantes
de Gabaá, da tribo de Benjamim, tribo que será destruída.
Todas estas tradições, que andavam de boca em boca, juntamente com as de outros heróis
nacionais, entram numa coleção comum depois da queda da Samaria (722/721 aC.).
Mas só durante ou mesmo depois do exílio da Babilônia é que o livro foi integrado na grande
História de Israel, concluída pelos redatores deuteronomistas e composta pelos seguintes livros: Dt, Js, Jz,
1 Sm, 2 Sm, 1 Rs e 2 Rs.
A estes redatores se devem, certamente, as introduções gerais já mencionadas (Jz 1,1-3,6), assim
como a introdução a cada um dos Juízes. Esta redação deuteronomista conferiu uma unidade teológica a
todo o livro, que passou de amálgama de histórias locais a um livro de caráter nacional.

A cabeleira de Sansão
A história de Sansão (Jz 13-17) nos diz que, enquanto Sansão tinha longa cabeleira, vencia seus
inimigos; mas, desde que lhe cortaram os cabelos, perdeu a sua força extraordinária. Esta história é, à
primeira vista, fabulosa. Todavia pode ser entendida dentro do quadro religioso de Israel.
Os israelitas praticavam o voto de nazireato, que significava total consagração a Javé. Esta
implicava que nem os cabelos do indivíduo poderiam ser cortados porque pertenciam ao Senhor; o nazireu
não poderia tomar vinho, nem suco de uvas nem comer uvas; não devia tocar cadáveres... Cf. Nm 6, 1-21.
Ora Sansão foi consagrado a Deus como nazireu; cf. Jz 13, 3-5. Enquanto ele foi fiel à sua consagração e
tinha a cabeleira longa, o Senhor lhe dava força para vencer qualquer inimigo; o seu poder lhe vinha de
Deus e não dos cabelos (estes eram apenas um sinal da fidelidade de Sansão a Javé). Eis, porem, que Sansão
foi moralmente fraco e revelou o segredo da sua fortaleza a Dalila, mulher estrangeira, à qual se entregou
indevidamente; Dalila então lhe cortou a cabeleira, o que era sinal da infidelidade interior de Sansão a Javé.
Em conseqüência, o Senhor já não deu ao herói a força necessária para o combate, de modo que Sansão foi
vítima de seus inimigos filisteus. Vê-se, pois, que a história do Sansão nada tem de mitológico ou infantil.
É verdade que ela vem descrita com um tanto de humor ou sátira: Sansão incendeia os campos acendendo
tochas presas às caudas de raposas ligadas em pares (Jz 15,1-6): Sansão arranca e carrega sobre os
ombros as portas da cidade de Gaza (Jz 16,1-3)...
Com outras palavras: o episódio de Sansão comprova as palavras de São Paulo: 'A força de Deus se
manifesta plenamente na fraqueza do homem que se lhe confia' (2Cor 12, 9).

TEMAS PRINCIPAIS

- A conquista incompleta da terra resultou na necessidade de conviver com povos não-israelitas "até
hoje", como uma espécie de teste da fidelidade de Israel a seu Deus salvador. Isso não se refere somente à
época dos Juízes (por volta de 1100 aC), mas ganha atualidade no tempo em que o livro é redigido,
quando pesam as conseqüências da colonização assíria na Samaria (722 aC) e do exílio babilônico de
Judá (586-538). O tema tem atualidade também para nós, vivendo numa sociedade pluricultural e
plurirreligiosa.
- Os líderes participam das imperfeições do povo. Há espertos como Aod e ingênuos como Jefté.
Gedeão é valoroso, mas não seguro quanto ao culto, o que causa a ruína de sua casa. Sansão tem força nos
braços, mas é fraco de cabeça e de coração, além de desrespeitar seu voto de deixar intactos os cabelos.
- O papel do profeta é visualizado em Débora e em Joatão - a primeira mostrando a presença e a
vontade de Deus ao medroso juiz Barac, o segundo denunciando a usurpação de Abimelec. Joatão é
precursor da critica aos reis, chave dos livros Samuel-Reis, que dão continuação a Jz. A critica de Joatão
(Jz 9, 7-15) não perdeu nada de sua atualidade. - Se o livro da mostras cruas de machismo, as figuras das
mulheres Débora e Jael são marcantes. Num contexto sociocultural que pressupõe a supremacia do
homem, esta se revela relativa, podendo ser superada pela mulher, e isso, de acordo com a vontade de
Deus (p.ex., Jz 4,9)
- “Os israelitas cometeram o que é mau aos olhos do Senhor" (3,7.12; 4,1; 6,1; 10,6; 13,1): cada
seção da história dos juízes começa com esta frase, típica da teologia deuteronomista. Os líderes
suscitados por Deus devem salvar o povo da opressão que é conseqüência do “mal” que é essencialmente
a adesão às práticas religiosas de Canaã, a "prostituição” em vez da fidelidade ao Senhor.
- "Não havia rei em Israel": este refrão (17,6; 18,1;19,1; 21,25) revela a convicção dos redatores
deuteronomistas de que o reinado, com todos os perigos que acarreta (Jz 9,1-15; 1Sm8,1-18), é necessário
e abençoado por Deus, desde que o rei seja alguém do próprio povo e fiel à sua missão em prol do povo
(Dt 17,14-20; Sl 72).

VALOR HISTÓRICO

O livro dos JUÍZES é um dos chamados "Livros Históricos" da Bíblia, mas é histórico segundo o
modo de escrever História no seu tempo. Nesse gênero literário cabiam não apenas os fatos e os
documentos, como acontece na historiografia moderna, mas também o mito, discursos (veja-se o belo
apólogo de Joatão: 9,7-20), etiologias, pequenos fatos do dia a dia, etc.
Este livro fornece-nos um quadro geral único do modo de vida das tribos de Israel, depois da
instalação em Canaã, no que toca à vida política, social e religiosa. É também interessante o fato de nos
falar já do difícil relacionamento entre algumas tribos, que irá ter o seu desenlace na separação entre o
Norte e o Sul, depois de Salomão.
O tempo dos JUÍZES corresponde a mais de dois séculos de História, o que lhe confere um valor
especial, embora a contagem dos anos fornecidos pelo texto nos dê exatamente 410 anos. Este fato é
certamente devido ao uso corrente do número simbólico 40, que significa uma geração, isto é, a vida de
uma pessoa. Esta indicação diz-nos bem do caráter aproximativo dos dados cronológicos do livro.
A cronologia real da época dos JUÍZES nunca poderá afastar-se muito do período entre 1200 e 1030.
TEOLOGIA

Como qualquer livro da Bíblia, também o dos JUÍZES não foi escrito para nos fornecer
simplesmente a História fatual das tribos de Israel. Antes de mais, foi escrito para manifestar como Deus
acompanha o seu povo na sua história concreta, mesmo no meio dos mais graves acontecimentos, como
as guerras contra os povos inimigos.
A sua teologia fundamental é proposta pelos redatores deuteronomistas nas Introduções (1,1-3,6),
em que aparecem fórmulas características como "os filhos de Israel fizeram o que era mau aos olhos do
Senhor" (2,11; 3,7.12; 4,1; 6,1; 10,6; 13,1). Desta infidelidade do povo ao Deus fiel da Aliança segue-se o
castigo, que aparece nas derrotas perante os povos estrangeiros; e depois, a vitória, mediante os
intermediários do Senhor, os Juízes "salvadores" (3,31; 6,15; 10,1).
A idéia teológica que ressalta deste livro é, pois, a imagem que um povo livre tem de Deus, que o
acompanha para libertá-lo. Não nos devem escandalizar os "pecados" destes Juízes, homens rudes que
precisamos de situar no seu tempo e que procedem segundo a moral de então. Caso paradigmático é a
história de Sansão. Teremos que tentar, antes, descobrir o que há neles de positivo: a ação de Deus, que os
anima com o seu espírito para conduzir o povo de Deus (3,10; 6,34; 11,29; 13,25). Neste sentido, eles
foram uma antecipação dos reis de Israel.
TRADIÇÃO JAVISTA (JAVÉ)
Origem: Reino de Judá — Sul
Conteúdo: Origem do mundo, da humanidade e de Israel. Patriarcas; Êxodo; Caminhada pelo
deserto e termina com a morte de Moisés. Linguagem: concreta e imaginativa
Deus: E familiar, próximo e aparece com formas humanas (Gn 2-3)

TRADIÇÃO ELOISTA (ELOHIM)


Origem: Reino do Norte — Israel
Conteúdo: História dos Patriarcas; Exodo do Egito; Peregrinação pelo deserto; Teofania do Sinai
e conclui com a morte de Moisés.
Deus: Distante. Precisa de intermediários para comunicar-se com ele: anjos, sonhos, mensageiros.

TRADIÇÃO SACERDORAL
SACERDOTES E LEVITAS — TEMPLO Origem: Exílio — Babilônia
Conteúdo: Genealogias; cronologias; números. Presente em todo Pentateuco mas predomina no
Levítico.
Linguagem: Repetitiva, monótona.
Deus: Transcendente e ao mesmo tempo presente na criação (Gn 1)

TRADIÇÃO DEUTERONOMISTA
DEUTERONOMIO Origem: núcleo do Reino de Israel, Norte
Reino de Judá — Sul
Escola Deuteronomista: completou Dt e redigiu: Js; Jz; Sm; Rs Estilo; retórico; expressões
típicas "ouve Israel"; "O Senhor teu Deus"...
Deus: Santo, cultuado no templo de Jerusalém. Elegeu gratuitamente o seu povo,
Israel e o ama.

PINTAR COM LÁPIS DE COR E NÃO COM LÁPIS DE CERA.


Demarcar com a mesma cor o texto e depois pinta-lo.
Pintar cada tradição com uma cor:
J = Javista: Vermelha
E = Eloísta: Verde
P = Sacerdotal: Marron
Dtr.= Não precisa pintar porque corresponde aos livros: Dt .1-30; Js.; z.; I -II Sm.; I –II Rs
(Dtr. = + = mistura de tradições ou parte de vv.: preto.

PROSPECTO SINÓTICO DAS TRÊS GRANDES FONTES DO HEXATEUCO


J, E, P ( Gn 1- Jz 1, exceto Dt 1-30)

O autor dessa classificação dos textos segundo as tradições ou fontes do Hexateuco (6 livros) tem
consciência de ser uma hipótese, sobretudo, em relação à tradição eloísta ( E ) que é contestada por alguns
estudiosos da Bíblia. Esses classificam muitos textos que seguem a linha do eloísta, mas que
provavelmente são acréscimos posteriores, considerados deuteronomísticos. Por isso, as citações são
colocadas entre parêntesis, muito próximas da fonte E quanto, ao tempo, do que do deuteronomista.
Com o avançar dos estudos houve tentativas de subdividir a tradição J em (J1; J2; J3) ou como
fontes quenitas, de Seir, normádica. O que acontece na verdade é que o autor percebe que há textos mais
antigos que ele atribui ao J (patriarcas) e textos mais recentes ao E (Moisés).
Há textos que não são classificáveis segundo estas tradições, como por exemplo, Gn 14 e Ex 15,1-8,
ou ainda, acréscimos posteriores, de cunho deuteronomístico como Dt. 32,1-43.
Os textos de P., colocados entre parêntesis, são de origem sacerdotal, mas provavelmente não
faziam parte do núcleo inicial de P., isso vale especialmente para as citações em itálico.
As letras a, b, correspondem à partes de um versículo e o sinal + indica mistura de fontes ou parte
de versículos. Pequenas frações de versículos não foram consideradas, neste elenco de textos.
Rute
*********************************

RUTE E NOEMI — 1,1-22


RUTE NOS CAMPOS DE BOOZ —2, 1- 23
A NOITE NA EIRA —3, 1-18
BOOZ CASA-SE COM RUTE— 4, 1-17
Genealogia de Davi — 4,18-22

Na Bíblia Hebraica, a história de RUTE vem colocada entre os Escritos (Ketuvim). A tradição grega e
latina apresentam outra ordem: recuam-na para junto do livro dos Juízes,e a ele prende pelas suas palavras
iniciais: 'No tempo em que os Juízes governavam, houve uma fome no pais". Há comentadores que o
consideram como o terceiro apêndice de Jz.
1. Conta-nos a seguinte história:
Numa época de fome, um homem de Belém de Judá chamado Elimelec abandonou sua cidade,
juntamente com sua esposa Noemi e seus filhos Maalon e Quelion; foi para a terra de Moab. Nesta
Elimelec faleceu e, pouco depois, faleceram também os dois filhos, que tinham esposado as moabitas
Orpa e Rute. Noemi então decidiu voltar à Belém: as duas noras quiseram acompanhá-la, mas a sogra as
dissuadiu. Orpa acabou retirando-se, mas Rute fez questão de seguir Noemi até Belém (c. 1).
Em Belém. Rute, querendo atender ás necessidade da sogra, foi colher espigas num campo: soube
mais tarde que tal campo pertencia a um parente próximo de Elimelec, chamado Booz. Este se interessou
fortemente pela moabita (c. 2). Noemi viu que poderia suscitar uma descendência legal de Elimelec e
Maalon se recorresse à lei do levirato (esta mandava que, quando um homem morresse sem filhos, o
parente mais próximo devia esposar a viúva para dar uma descendência legal ao falecido: cf. Dl 25,5-10).
Por isto mandou que Rute informasse Booz a respeito do dever de esposar a moabita; Booz
aceitou a idéia, mas observou que havia um parente ainda mais próximo, cujo direito era prioritário (c. 3).
Este, porém. renunciou solenemente, de modo que Booz esposou Rute: desta união nasceu um filho, que
legalmente era filho e herdeiro de Elimelec. Noemi, mãe legal da criança, deu-lhe o nome de Obed e
encarregou-se de criá-lo: Obed tornou-se o pai de Jessé (ou Isaí), pai do rei Davi (c. 4).
A principal finalidade do livro é transmitir uma história edificante referente ás origens da familia de Davi.
Este teve entre os seus antepassados uma moabita, isto é, um membro de um povo que por séculos se
mostrou hostil a Israel (cf. Gn 19, 30-37: 2Rs 3, 4-27): o livro, portanto, se opõe a um nacionalismo
exagerado que sempre marcou os filhos de Israel: ensina a universalidade da salvação preparada por Deus
para todos os homens (cf. Rt 2, 12), f azendo parelha assim com o livro de Jonas, que é outra obra prima
do universalismo da salvação- Mateus, ao descrever a genealogia de Jesus, filho de Davi, fez questão de
mencionar Rute entre os antepassados do Messias (cf. Mt 1, 5), para significar que este não é filho apenas
de israelitas, mas tem sangue de não israelitas e, por conseguinte, é o Salvador não só dos judeus, mas de
todos os homens.

2. Notemos a delicadeza dos personagens que entram no enredo:


* Elimelec, para salvar da fome a família, refugia-se em terra estrangeira (Rt 1,1);
* Noemi, esquecendo seus interesses, preocupa-se com o futuro das noras (1, 8-13);
* Rute, para acompanhar a sogra, resolve abandonar a própria família, a pátria e a religião (1, 14-18):
* Booz está disposto a cumprir a lei do levirato, ama Rute, mas quer, antes do mais, respeitar o direito de
um parente mais próximo (4, 1-6).
A narração é de grande valor literário: está marcada por quadro antitéticos:
a tristeza do começo (1,1-5) e a grande alegria do fim (4, 11-17);
a instabilidade de Orpa (1, 14) e a fidelidade de Rute (1, 14-17);
o egoísmo do próximo parente (3,12;4,4-6) e a magnanimidade de Booz (4, 9).
Noemi é o símbolo da solicitude; Rute, o da docilidade; e Booz, o da dedicação à família.

3 - Quanto a historicidade do livro, observemos:


Os nomes dos personagens são, em parte, simbólicos:
Maalon significa enfermidade;
Quelion, aniquilamento;
Orpa, aquela que volta as costas;
Noemi, minha doçura ou minha graciosa;
Rute, amiga ou companheira.
Isto leva alguns estudiosos a crer que se trata de personagens imaginários, não históricos. Todavia é
preciso reconhecer que estes significados não são absolutamente certos; além disto, entre os semitas os
nomes próprios têm quase sempre valor simbólico.
Em favor da historicidade do livro, pode-se citar, entre outras coisas, o fato de que Davi, perseguido,
pediu asilo ao rei de Moab em favor de seus genitores (cf. 1Sm 22,3). Isto leva a supor especial
relacionamento de Davi com os moabitas. Em 1Cr 2,12-15, Booz é apresentado como bisavó de Davi,
notícia esta que se pode derivar de uma tradição independente do livro de Rute. É muito pouco provável
que um autor posterior tenha imaginado uma mulher moabita entre os antepassados de Davi, pois havia
hostilidade entre judeus e moabitas e a figura de Davi seria desvalorizada por tal parentesco. Donde se
depreende que o livro de Rute se refere a verdadeiros fatos históricos.

DIVISÃO

A narração desenvolve-se numa harmonia notável de quatro cenas:


Narrativa exemplar (situada no ano 1100aC) Mensagem para a restauração de Israel (ano
400 aC)
I: A judia Noemi, depois da morte de seu A questão étnica é superada pelo valor da
marido e filhos na terra de Moab, regressa à “bondade” que orienta a vida de Rute. Por
1,1-22
terra de Israel, acompanhada de sua nora causa dessa bondade, e independentemente de
viúva, a moabita, e a faz entrar no povo de formalidades civis ou religiosas, a sogra Noemi
Israel. faz Rute entrar na terra e na comunidade de
Israel.
II: Seguindo o conselho de Noemi,Rute vai A bondade de Booz ilustra a aplicação da
encontrar Booz, parente próximo, no campo, legislação social de Israel à situação concreta
2,1-23
no tempo da colheita. daquela época, para infundir no povo o
sentimento de lealdade e generosidade para
com os pobres.
III: Rute encontra Booz no terreiro (eira) de O problema dos casamentos com mulheres
debulhar o trigo e confia-se a ele. estrangeiras. A solução não está na
3,1-18
discriminação contra as estrangeiras (como em
Esd 9-10 e Ne 13), mas na integração no povo
eleito.
IV: Booz assume o “levirato” e resgata a O direito matrimonial e a aplicação combinada
propriedade familiar de Noemi e Rute, ao de duas instituições: o “levirato” (=casamento
4,1-17
casar-se com ela, tornando-se assim ancestral da viúva com o afim próximo, Dt 25) e o resgate
de Davi. da propriedade (Lv 25).
Transparece a expectativa do Messias,
descendente de Davi.
4,18-22 É uma nota que, juntamente com 1,1a, constitui oenquadramento histórico

Mostra como a aplicação da Lei de Deus, na terra de Israel, significa proteção para os fracos, no
caso a velha Noemi e sua nora viúva e estrangeira, Rute: os antigos costumes comunitários ensinados pela
Lei é que garantem a verdadeira restauração do povo depois da volta do exílio.
Mais do que no amor, o livro de RUTE centra o seu enredo no motivo legal do levirato e do
resgate: quando um homem morre, sem deixar descendência, o irmão ou o parente mais próximo deve
receber a viúva e gerar filhos, que perpetuarão a memória do defunto; e deve ter igual atenção em relação
aos bens patrimoniais. Assim se cumpria a lealdade familiar no quadro da legislação antiga (Dt 25,5-10).
É esta lealdade que torna exemplar, mesmo admirável, o livro de RUTE.

TEOLOGIA

RUTE é uma história bíblica em que Deus se faz presente, não através de acontecimentos
extraordinários, mas no cumprimento das normas sociais mais comuns. Este Deus discreto, quase
silencioso, não é, porém, menos atuante e surpreendente na manifestação da sua fidelidade.
Em linguagem aparentemente inofensiva, o livro parece conter um protesto muito hábil contra o rigor
exagerado da época de Esdras e Neemias, relativamente aos casamentos mistos (Esd 9-10; Ne 13,1-3.23-
27). Na história de RUTE pode ver-se como o Deus de Israel, que permitiu a uma moabita entrar na
genealogia de Davi (e por isso mesmo, na do próprio Jesus Cristo: Mt 1,5-17), não podia ser tão rigoroso
que excluísse as estrangeiras do seu povo

1/2 Samuel
Primeiro Samuel

I. Samuel Guerra santa contra os amalecitas — 15,1-9


1. A INFÂNCIA DE SAMUEL Saul é rejeitado por Iahweh — 15,10-23
A peregrinação a Silo — 1,1-8 Saul implora inutilmente o seu perdão — 15,24-31
A oração de Ana — 1,9-18. Morte de Agag e partida de Samuel — 15,32-35
Nascimento e consagração de Samuel — 1,19-28
Cântico de Ana — 2,1-11 III. Saul e Davi
Os filhos de Eli — 2,12- 17 1. DAVI NA CORTE
Samuel em Silo — 2,18- 21 Unção de Davi — 16,1-13
Ainda os filhos de Eli — 2,22-26 Davi entra a serviço de Saul — 16,14-23
Anúncio do castigo — 2,27-36 Golias desafia o exército israelita — 17,1-11
Deus chama a Samuel — 3,1-21 Davi chega ao campo de batalha — 17,12-31
2. A ARCA NAS MÃOS DOS FILISTEUS Davi se apresenta para aceitar o desafio — 17,32-39
Derrota dos filhos de Israel e captura da Arca 4,2- 11
O combate singular — 17,40-54
A morte de Eli — 4,12-18 Davi vencedor é apresentado a Saul — 17,55-18,5
Morte da mulher de Finéias — 4,19-22 Origem da inveja de Saul — 18,6-16
Aborrecimentos dos filisteus com a Arca — 5,1-12 Casamento de Davi — 18,17 - 30
Devolução da Arca —6, 1-12 Jônatas intercede por Davi — 19,1-10
A Arca em Bet-Sames — 6,13 - 19 2. FUGA DE DAVI
A Arca em Cariat-Iarim — 6,20-7,1 Atentado de Saul contra Davi— 19, 8 - 10
Samuel, juiz e libertador — 7,2-17 Davi é salvo por Micol — 19, 11-17
Saul e Davi com Samuel — 19,18 -24
II. Samuel e Saul Jônatas facilita a partida de Davi — 20,1- 42
1. INSTITUIÇÃO DA REALEZA A parada em Nob — 21,2-10
O povo pede um rei — 8,1- 9 Davi entre os filisteus— 21,11-16
Os inconvenientes da realeza — 8,10-22 3. DAVI, CHEFE DE BANDO
Saul e as jumentas de seu pai — 9,1-10 Davi começa a sua vida errante — 22,1- 5
Saul se encontra com Samuel — 9,11-26 Massacre dos sacerdotes de Nob —22, 6 - 23
A sagração de Saul — 9,26b-10,8 Davi em Ceila — 23,1-14
A volta de Saul — 10,9 -16 Davi em Horesa. Visita de Jônatas — 23,15-18
Saul é designado rei por sorteio — 10,17-27 Davi escapa de Saul por pouco — 23,19-28
Vitória contra os amonitas — 11,1-11 Davi poupa Saul — 24,1-23
Saul é proclamado rei — 11,12-15 Morte de Samuel — História de Nabal e de Abigail
Samuel se retira perante Saul — 12,1-25 — 25,1-44
2. COMEÇO DO REINADO DE SAUL Davi poupa a vida de Saul — 26,1- 25
Revolta contra os filisteus — 13,1-7 4. DAVI ENTRE OS FILISTEUS
Ruptura entre Samuel e Saul 13,8-15 Davi refugia-se em Gat — 27,1-4
Preparativos para o combate — 13,16-23 Davi, vassalo dos filisteus — 27,5-12
Jonatas ataca o posto avançado — 14,1 - 14 Os filisteus fazem guerra contra Israel — 28,1-2
Batalha geral — 14,15-23 Saul e a feiticeira de Endor — 28,3-25
Uma proibição de Saul violada por Jônatas 14,24-30 Davi é despedido pelos chefes filisteus — 29,1-11
Falta ritual cometida pelo povo — 14,31-35 Campanha contra os amalecitas — 30,1-31
Jônatas, reconhecido como culpado, é salvo pelo Batalha de Gelboé. Morte de Saul — 31,1-13
povo — 14,36-46
Resumo do reinado de Saul —14, 47-52
SEGUNDO SAMUEL
Davi toma conhecimento da morte de Saul 1,1-16 Absalão manda assassinar Amnon e foge 13,23-37
Elegia de Davi sobre Saul e Jônatas — 1,17-27 Joab negocia a volta de Absalão — 13,38--14,24
Alguns dados sobre Absalão —14, 25-27
IV. Davi Absalão obtém o perdão —14, 28-33
1. DAVI, REI DE JUDÁ As intrigas de Absalão — 15,1- 6
Sagração de Davi em Hebron — 2,1-4 Revolta de Absalão — 15,7-12
Mensagem ao povo de Jabes — 2, 5-7 Fuga de Davi — 15,13- 23
Abner impõe Isbaal como rei de Israel — 2,8-11 O destino da Arca — 15,24 - 29
Guerra entre Judá e Israel. Batalha de Gabaon — Davi se certifica da colaboração de Cusai - 15, 30 - 37
Davi e Siba — 16,1- 4
2,12-3, 1
Semei maldiz a Davi — 16,5 - 14
Filhos de Davi nascidos em Hebron — 3,2-5
Cusai une-se a Absalão — 16,15 - 19
Rompimento entre Abner e Isbaal — 3,6-11
Absalão e as concubinas de Davi — 16,20 - 23
Abner negocia com Davi — 3,12-21 Cusai desfaz os planos de Aquitofel — 17,1-16
Assassínio de Abner — 3,22-39 Davi, avisado, atravessa o Jordão — 17,17 - 23
Assassínio de Isbaal — 4,1-12 Absalão atravessa o Jordão. Davi em Maanaim —
2. DAVI, REI DE JUDÁ E DE ISRAEL 17,24- 29
Coroação de Davi como rei de Israel — 5,1-5 Derrota do exército de Absalão — 18,1- 8
Conquista de Jerusalém —5, 6-12 A morte de Absalão — 18,9 - 18
Filhos de Davi nascidos em Jerusalém — 5,13-16 A noticia é levada a Davi — 18,19 - 32
Vitórias sobre os filisteus — 5,17-25 O sofrimento de Davi —19, 1 - 9
A Arca em Jerusalém — 6,1-23 Preparação para a volta de Davi — 19, 10 - 15
Profecia de Natã — 7,1-17 Episódios da volta: Semei — 19,16 - 24
Oração de Davi — 7,18-29 Meribaal — 19,25-31
As guerras de Davi — 8,1-14 Berzelai — 19,32 - 40
A administração do reino — 8,15-18 Judá e Israel disputam o rei — 19,41-44
3. A FAMÍLIA DE DAVI E AS INTRIGAS PELA Revolta de Seba — 20,1-3
SUCESSÃO Assassínio de Amasa — 20,4-13
A. MEFIBAAL Fim da revolta — 20,14 - 22
Bondade de Davi para com o filho de Jônatas — Os altos oficiais de Davi — 20,23-25
9,1-13 V. Apêndices
B. A GUERRA AMONITA. A grande fome e a execução dos descendentes de
NASCIMENTO DE SALOMÃO Saul — 21,1-14
Insulto aos embaixadores de Davi — 10,1-5 Feitos heróicos contra os filisteus — 21,15- 21
Salmos de Davi — 22,1- 23
Primeira expedição militar amonita —10, 6 - 14
As últimas palavras de Davi — 23,1-7
Vitória sobre os arameus — 10,15-19
Os valentes de Davi — 23,8 -39
Segunda campanha amonita. O pecado de Davi —
O recenseamento do povo — 24,1-9
11, 1-27 A peste e o perdão divino — 24,10- 17
Natã repreende Davi. Arrependimento de Davi — A construção de um altar — 24,18- 25
12,1-15
Morte do filho de Betsabéia. Nascimento de
Salomão —12,16 - 25
Conquista de Rabá — 12,26-31
C. HISTÓRIA DE ABSALÃO
Amnon ultraja sua irmã Tamar — 13,1- 22

Na Bíblia Hebraica, os livros de SAMUEL fazem parte dos chamados "profetas anteriores"
(juntamente com Josué, Juízes e Reis). A sua atribuição a SAMUEL talvez provenha de uma antiga
tradição rabínica (Baba Bathra, 14b) baseada numa incorreta interpretação de 1 Cr 29,29. Na realidade, a
presença de SAMUEL fica circunscrita à primeira parte do primeiro livro, sendo Saul e Davi os
protagonistas do resto da obra.
Originariamente, os livros de SAMUEL eram uma só obra. A divisão em duas tem origem na
versão grega dos Setenta (séc. III-II aC.); e esta divisão terminou por impor-se, mesmo na Bíblia
Hebraica, a partir do séc. XV. Os tradutores gregos uniram os dois livros de SAMUEL aos dos Reis
(também divididos em dois) para formar os quatro "Livros dos Reis", correspondendo os dois primeiros a
1 e 2 Sm.
A tradução latina da Vulgata respeitou esta divisão em quatro livros e chamou-lhes "Livros dos
Reis". E assim, na Vulgata, 1 e 2 Reis equivalem aos nossos 1 e 2 SAMUEL; 3 e 4 Reis equivalem aos
nossos 1 e 2 Reis.
Três figuras principais de 1/2Samuel
Samuel
Uma mulher estéril, chamada Ana (= graça), sofria por não ter filhos, ou por não poder colaborar
para a vinda do Messias, prometido à linhagem de Abraão. Isto lhe parecia uma maldição de Deus. Tendo
rezado, obteve um filho Samuel (= Deus ouviu). Na Biblia, o filho dado a uma mulher estéril tem sempre
uma missão particular (ver Isaac Gn 18, 1-15; Sansão Jz 13,1-25; João Batista Lc 1, 5-17); assim também
Samuel.
De fato, Deus chamou Samuel enquanto dormia e confiou-lhe a chefia do povo em lugar de Eli, o juiz
fraco que governava o povo. Compare a vocação de Samuel em 1Sm 3,1-18 com a de Abraão em Gn 12,1-
3, a de Moisés em Ex 3,1-12, a de Isaias em Is 6,1-13, a de Jeremias em Jr 1,4-10, a de Ezequiel em Ez 3,
1-11, a do Servidor de Javé em Is 49,1-9, a de Amós em Am 7,14s. Eli, sabendo que Deus rejeitara sua
descendência, morreu triste aos 98 anos de idade (lSm 4,12-18) . Os filisteus então infligiram tremenda
derrota a Israel, capturando a arca da Aliança em Afec (1Sm 4,1-11; 5,1-12). mas resolveram devolvê-la (1
Sm 6,1-7,1).

Saul
Dada a insegurança das tribos em seus territórios, os anciãos do Israel pediram a Samuel um rei, o
Senhor, consultado por Samuel, quis atender ao pedido, fazendo ver que o rei poderia extorquir os bens dos
filhos de Israel (1Sm 8,1-22). Foi escolhido, por revelação do próprio Deus, o jovem Saul, da tribo de
Benjamin, que Samuel ungiu como rei (1Sm 9, 1-10,16).
Desde o começo do seu reinado, Saul teve que enfrentar os inimigos estrangeiros: venceu os amonitas
(1Sm 11, 1-11). Mas foi rejeitado por Deus, pois transgrediu preceitos do Senhor (1Sm 13,7-15:15, 1-31).
O resto da vida de Saul é descrito em 1Sm 16-31; consta de perseguição a Davi, que Deus escolhera
para lhe suceder (Saul parece ter sofrido de doença psíquica, que lhe tirava a paz e a capacidade de
conviver; cf. lSm 18,1-16); batalhas (1Sm 14, 52: "enquanto viveu Saul, houve encarniçada guerra contra
os filisteus"), derrota final e morte em Gelboé (1Sm 31,1-13).

Davi
Tendo rejeitado Saul, Deus mandou que Samuel procurasse o seu sucessor: seria Davi, o mais novo
dos filhos de Isaias ou Jessé, que Samuel ungiu rei (1Sm 16, 1-13): "O Espirito do Senhor se derramou
sobre Davi" (16, 13).
Tocador de harpa, Davi foi chamado por Saul para suavizar o seu mau humor, passando assim para a
corte real (1Sm 16, 14-23). Os filisteus desafiavam Israel, representados pelo gigante Golias; Davi se
apresentou então para enfrentar e combater Golias, obtendo, por graça de Deus, maravilhosa vitória (1Sm
17,1-58). esta aumentou muito o prestígio de Davi. O jovem guerreiro tornou-se grande amigo de Jônatas,
filho de Saul, que passou a enciumar-se do seu rival e procurou ferir mortalmente Davi (1Sm 18,1-19,17);
Davi teve que fugir, mas antes celebrou uma aliança com Jônatas (20,1-21, 1) Começou então a via dolorosa
de Davi, que vivia em cavernas (1Sm 22, 1-23) e no deserto (1Sm 23,1-24,23). Apesar da malvadez de
Saul. Davi soube ser generoso para com o rei, que ele podia ter assassinado (lSm 26,1-25).
O segundo livro de Samuel é inteiramente consagrado a Davi, visto que a princípio constituia uma só
e mesma obra com o precedente. Notemos que 2Sm tem seu paralelo em1Cr 11-29: é interessante ler este
outro livro depois de 2Sm para se perceberem as diferenças de enfoque: o 2Cr omite as faltas de Davi,
procurando pôr em relevo a figura do rei "segundo o coração de Deus".
Em 2Sm merecem atenção o cap. 7, com a sua profecia messiânica (7, 5-17), os cc. 11 e 12, que
falam do pecado e do arrependimenlo de Davi (o rei procedeu corno um homem sensual e cruel, mas soube
reconhecer Natã o enviado de Deus), o c. 24, que narra outro pecado de Davi, do qual o rei se arrependeu.
Diz S. Ambrósio que pecar é comum a todos os homens, mas arrepender-se é próprio dos santos.

ORIGEM E HISTORICIDADE
Quem lê 1/2Sm com atenção, verifica que não foram escritos de uma vez nem pelo mesmo autor,
mas que são obras de compilação. Com efeito ai se encontram numerosas repetições:
Em 1Sm 16,14-23; 17,1-11.32-39, Davi é introduzido na corte como músico que acalma o espirito
atormentado do rei. Mas em 1Sm 17,12-31.40-58: 18,1-5 Davi aparece como jovem pastor que
casualmente entra no acampamento dos israelitas e é admitido à corte de Saul depois de ter derrotado
Golias (1 Sm 17,12-31.40-58; 18, 1-5).
Ha dois atentados contra a vida de Davi: 1Sm 18,10s e 19,9s. Há duas narrações da instituição da
monarquia: uma favorável à monarquia (9,1-10, 16; 11,1-15), outra desfavorável (8,1-22; 10, 17-25; 12,1-
25).
Duas vezes são narrados o sucesso e a popularidade de Davi, 1Sm 18, 12-16 e 25-30.
Duas vezes ocorre a promessa de dar como mulher a Davi uma f ilha de Saul: 1Sm 18,17-19 e 2O-
27.
Duas vezes Jônatas intervém em favor de Davi: 1Sm 19, 1-7 e 20, 1-10.18-39.
Duas vezes é narrada a fuga de Davi: 1Sm 19,10-17 e 20,1-21,1.
Duas vezes Davi poupa a vida de Saul: 1Sm 24 e 26.
Duas vezes é relatada a morte de Saul: 1Sm 31,1-6; 2Sm 1,1-16.
Por conseguinte, Samuel não é autor de 1/2Sm, mas uma das suas principais figuras. Estamos diante
de uma obra que tem vários autores desconhecidos, que elaboraram paulalinamente a narração na base de
documentos e fontes (cf. 2Sm 1,18: o livro do Justo é citado). Deram-lhe a forma final possivelmente no
séc. VII aC.
A fidelidade histórica de 1/2Sm se deduz das seguintes considerações:
as fontes usadas pelos redatores são assaz antigas, como reconhecem os pesquisadores. Em parte,
trata-se de narrações confeccionadas na corte mesma do rei Davi, que tinha seus escribas ou cronistas. Os
acontecimentos relativos a Saul foram consignados por escrito pouco depois de ocorridos (ver
especialmente 1Sm 9,1-10,16). O chamado "ciclo da arca" (1Sm 4-6: 2Sm 6) deve derivar-se do colégio
de sacerdotes do tempo de Davi e Salomão.
os livros de 1/2Sm descrevem com imparcialidade as fraquezas e desgraças pessoais e familiares
não só dos personagens menos importantes como Eli e seus filhos (1Sm 2,12-17.27-36; 3, 11-18; 4,12-18),
mas também de Samuel (1Sm 8,1-14), de Saul (1Sm 13; 15) e Davi (2Sm 11, 1-12, 23).
Essa maneira objetiva de apresentar personagens históricos é pouco habitual nas crônicas da
antiguidade oriental, que se caracterizam por histórias fabulosas (no Egito) ou por secos anais (Assíria e
Babilônia). Somente os historiadores gregos possuiam tal senso de objetividade. Aliás,somente em Israel e
na Grécia a história foi, na época pré-crista, cultivada com seriedade. Em Israel, o fato se explica pelo
conceito que os israelitas tinham de história: consideravam-na revelação de Deus, discurso do Senhor que
se dava a conhecer através de fatos históricos e de palavras proféticas; as palavras explicavam e
interpretavam os fatos, estes confirmavam e ilustravam as palavras. Na verdade, o judaismo e o cristianismo
são religiões baseadas na história, que é altamente estimada pelas duas tradições.
Do ponto de vista religioso.,1/2Sm têm especial importância por apresentarem a figura de Davi, "o
homem conforme o coração de Deus" (1Sm 16,14). Sem dúvida, Davi foi homem sensual, violento, fraco
em relação aos filhos. Mas também foi penitente e piedoso. Tinha confiança no auxilio de Deus (1Sm, 45-
47), zelava pelo culto de Deus (2Sm 6,1-22; 7,1s); ouvia reverente as palavras do Senhor (1Sm 30, 8s; 2S
1,1s; 12,13): sabia ser grato pelos benefícios da Providência (2Sm 7,18-29; 22,1-51); orava e adorava a
Deus com fervor (2Sm 12, 20; 15,25s)... Recebeu do profeta Natã a promessa de um trono perpétuo, sobre O
qual se sentaria seu Filho por excelência, o Messias Jesus (2Sm. 7,1-17, especialmente 12-16), por isto, a
partir de Davi a esperança messiânica em Israel e nas Escrituras está associada a Davi. Os profetas. ao
anunciarem o Messias, propõem-no como Filho de Davi. cf. Jr 23,5s; Ez 34,23s; Is 9, 1-6; 11,1-9; Am
9,11; Os 3, 5. Mesmo depois que em Judá a monarquia caiu, persistiu a fé nas promessas de Deus em
favor de Davi. cf. SI 68 (69), 20-52; Jr 33,14-26: Is 55, 3s.
Por isto também os Evangelhos apresentam Jesus como Filho de Davi: Mt 1,1; 2,5s; Jo 7, 42; Mc 10,
47s; 11, 1. O reino, porém, do Messias não é simplesmenle a continuação do reino terrestre de Davi, não é
reino deste mundo (Jo 18, 36).
CONTEÚDO E DIVISÃO
O que melhor se nota, ao determinar a estrutura dos livros de SAMUEL, é que os cap. 1-12
apresentam claras afinidades com o livro dos Juízes e que os cap. 1-2 de 1Rs parecem o prolongamento
lógico de 2Sm 9-20. A atual divisão interna corta o relato da morte de Saul (1Sm 31; 2Sm 1) e, sobretudo,
a unidade mais ampla da "subida de Davi ao trono" (1Sm 16; 2Sm 5). Apesar disso, a obra apresenta-se
como uma unidade literária, histórica e teológica, ligada por três protagonistas: Samuel, Saul e Davi.

O seu conteúdo poderá ser dividido nas seções que apresentamos seguidamente:

1Sm 1 - 7 1Sm 8 -15 1Sm 16 - 31 2Sm 1-5 2Sm 6 -8 2Sm 9 -20 2Sm 21-24
Infância de Samuel e Saul; Ascensão de Ascensão de Davi no A sucessão de (suplementos:
Samuel, a arca O povo pede Davi ao Davi ao trono trono, em Davi (I): a “casa a guerra,
da aliança, Um rei trono(I):Saul, (II):Davi rei de Jerusalém; de Davi”; despedida
os filisteus E Samuel Davi, Jônatas Israel e de Judá transferência Absalão de Davi,
Indica Saul da arca; (continuação: os valentes,
profecia 2Rs 1-2) a peste)
de Natã.

FONTES
A crítica literária detectou a existência de fontes documentais e tradicionais diversas, as quais,
unidas a elementos redacionais de origem deuteronomista, seriam os materiais dos livros de SAMUEL.
Relativamente à sua antiguidade, há concordância quanto a reconhecer-lhes uma aproximação aos fatos,
embora no estado atual já sejam resultado de diversos retoques sofridos na época salomônica e, inclusive,
exílica.
Entre as unidades mais importantes e antigas estariam os relatos da sucessão de Davi (2Sm 9-20) e
da sua ascensão ao trono (1Sm 16,1-13; 2Sm 5,5; 8,1-18), ainda que este apresente maiores problemas: há
duas versões da entrada de Davi ao serviço de Saul (1Sm 16,14-23; 17,55-58), e dos relatos do atentado
falhado de Saul contra Davi (1Sm 18,10-11; 19,9-10), da intervenção de Jônatas a favor de Davi (1Sm
19,4-7; 20,1-42), da chegada de Davi à terra filistéia (1Sm 21,11-16; 27,1-12), do perdão de Davi a Saul
(1Sm 24 e 26) e das denúncias dos habitantes de Zif (1Sm 23,19; 26,1).
Na mesma linha, poderiam situar-se as tradições favoráveis a Saul (1Sm 9-11; 13-14; 31), a história
da Arca (1Sm 4-6; 2Sm 6) e o núcleo inicial da profecia de Natã (2Sm 7).
Pode também considerar-se como fontes a documentação oficial da corte, de que seriam reflexo as
listas dos filhos de Davi (2Sm 3,2-5; 5,13-16), dos oficiais de Davi (2Sm 8,16-18; 20,23-26), dos heróis
de Davi (2Sm 23,8-39) e dos gigantes filisteus, a quem venceram (2Sm 21,15-22), os resumos das
campanhas de Davi e Saul (1Sm 14,47-52; 2Sm 5,17-25; 8,1-14), o recenseamento do povo e a compra da
eira de Araúna (2Sm 24,16-23).
A estas unidades se teriam juntado, por volta do séc. VIII, novos materiais aparecidos em círculos
proféticos. Podem colocar-se neste período as tradições sobre a infância de Samuel (1Sm 1-3), a rejeição
de Saul (1Sm 13,7b-15a; 15), a unção de Davi (1Sm 16,1-13), o combate entre Davi e Golias (1Sm 17) e
o relato da vidente de Endor (1Sm 28,3-25). Outras unidades menores isoladas, como dois salmos (1Sm
2,1-10; 2Sm 22), duas lamentações de Davi (2Sm 1,19-27; 3,33-34) e um oráculo (2Sm 23,1-7) foram
sendo integradas na obra, ao longo do seu processo de formação.
MENSAGEM TEOLÓGICA

Os livros de SAMUEL fazem parte de um grande projeto teológico, conhecido como "História
Deuteronomista". Designa-se assim o trabalho de reflexão histórico-teológico realizado cerca do ano 550
aC. por um grupo de teólogos, guiados ideologicamente pelos princípios da teologia do Deuteronômio, a
partir de fontes plurais e heterogêneas preexistentes, orais e escritas. O seu propósito não era apresentar
uma "exposição neutral" da História, mas afirmar a sua "importância teológica" a partir da dolorosa
experiência do desterro na Babilônia (586 aC.).
Esta história está estruturada em quatro grandes etapas:
* conquista da terra (Josué),
* confederação tribal (Juízes),
* instituição da monarquia (SAMUEL),
* desenvolvimento e final dramático da monarquia (Reis).
Trata-se de uma "releitura histórica" destes acontecimentos. Os elementos redacionais, ainda que
mais perceptíveis em Juízes e Reis, não estão ausentes nos livros de SAMUEL (1Sm 2,22-36; 4,18; 7; 8;
10,17-27; 2Sm 2,10-11; 5,4-5; 7).
Dentro deste projeto teológico, os livros de SAMUEL sublinham três aspectos:
1. Origem, natureza e exigências da monarquia israelita: a introdução da monarquia em Israel, como
forma de governo, não esteve isenta de reticências e ambigüidades: podia supor um afastamento de Javé,
o único e verdadeiro Senhor. Além disso, os modelos monárquicos existentes em redor de Israel
implicavam certa divinização do rei, e adotá-los supunha um risco acrescentado por causa das estruturas
da religião javista. O equívoco desfaz-se porque o próprio Senhor dá a sua aprovação. No entanto,
permanece claro que a monarquia israelita não é democrática nem autocrática, mas teocrática. Tanto Saul
como Davi (e Salomão) são "ungidos" de Deus e "obrigados" a manterem-se submissos à sua vontade,
pois Deus é o verdadeiro rei do povo.
2. Importância do profeta (como intérprete e mediador de Deus): o profeta aparece como contraponto
do poder monárquico; é a memória constante do senhorio de Deus. Face à tendência institucional
(2Sm 7), significa o elemento carismático; e, perante a pretensão absolutista do poder, assegura a
consciência crítica (2Sm 12). Samuel e Natan encarnam, de maneira especial, essas funções. A História,
em todas as suas instâncias (políticas, sociais, religiosas), deve estar aberta ao juízo de Deus; e o profeta é
o instrumento de que Deus se serve para isso.
3. Centralidade de Jerusalém: convertida por Deus em capital política e religiosa, Jerusalém passa a ser
um dos sinais de identidade mais importantes do judaísmo. Embora a sua importância política tenha
decaído, a sua estrutura religiosa adquiriu grande desenvolvimento. A teologia de Sião, expressa nos
chamados "Cantos de Sião" (Sl 46; 48; 76; 87) e em grande parte da pregação de Isaías, é uma prova disso.
Os livros de SAMUEL sublinham intencionalmente estes aspectos (2Sm 5; 6; 24,18-25). Por isso,
Jerusalém será também o centro de todas as instituições teológicas de Israel até ao Apocalipse (Ap 21-22).

Temas específicos
-Davi, o modelo de rei. Certamente, Davi serve de modelo real, não idealizado (como nos livros
Crônicas). Apesar de todas as suas fraquezas e pecados, ele é modelo porque foi fiel a Javé e observou a
aliança e, portanto, também a Lei (de Moisés). Ora, isso era uma garantia para que as regras da justiça não
se perdessem na arbitrariedade do regime político. A Lei está acima do rei e seu regime. Por isso, à
diferença dos déspotas do Oriente, o rei de Israel está ligado ao “não matar” e ao “não cometer adultério”:
é isso que o profeta Natã ensina a Davi, depois que este pecou com a mulher de Urias, ao qual mandou
matar (2Sm 11-12)..
- A amizade leal. No centro destes livros encontra-se a amizade de Davi e Jônatas, filho do rei Saul.
Jônatas protege Davi contra o ciúme mortal de Saul. É uma amizade que supera os interesses políticos.
Mesmo quando tem de exterminar os inimigos do regime para proteger seu poder, Davi deixa com vida o
descendente de Jônatas, Mefiboset (Meribaal). Somente depois da morte de Davi, seu filho Salomão, não
ligado pelo pacto de Jônatas, passará a espada no clã de Saul.

1/2 Reis
PRIMEIRO REIS
I. A SUCESSÃO DE DAVI III. O CISMA POLÍTICO E RELIGIOSO
Velhice de Davi e conspiração de Adonias — 1,1- 10 A assembléia de Siquém — 12,1 -19
Intriga de Natã e de Betsabéia — 1,11- 27 O cisma político —12, 20 -25
Salomão, designado por Davi, é sagrado rei 1,28 - 40 O cisma religioso — 12,26- 33
O medo de Adonias — 1,41 - 53 Condenação do altar de Betel — 13,1-10
Testamento e morte de Davi —2, 1-11 O homem de Deus e o profeta — 13,11- 34
Morte de Adonias — 2,12 - 25
O destino de Abiatar e de Joab — 2,26-35 IV. OS DOIS REINOS ATÉ ELIAS
Desobediência e morte de Semei — 2,36 - 46 Cont. do reinado de Jeroboão I (931-910) — 14,1- 20
Reinado de Roboão (931-913) — 14,21- 31
II. HISTÓRIA DE SALOMÃO, O MAGNÍFICO Reinado de Abiam em Judá (913-911) — 15,1- 8
1. SALOMÃO, O SÁBIO Reinado de Asa em Judá (911-870) — 15,9- 24
Introdução — 3,1- 3 Reinado de Nadab em Israel (910-909) —15, 25 -32
O sonho de Gabaon — 3,4- 15 Reinado de Baasa em Israel (909-886) — 16, 1- 7
O julgamento de Salomão — 3,16- 28 Reinado de Ela em Israel (886-885) — 16,8 - 14
4 Os principais chefes de Salomão — 4,1- 6 Reinado de Zambri em Israel (885) — 16,15 - 22
Os prefeitos de Salomão — *4-5, 1- 8 Reinado de Amri em Israel (885-874) — 16,23- 28
A fama de Salomão — 5,9-14 Introdução ao reinado de Acab (874-853) 16,29-34
2. SALOMÃO, O CONSTRUTOR
Preparativos para a construção do Templo 5,15 - 32 V. O CICLO DE ELIAS
A construção do Templo — 6,1 - 14 1. A GRANDE SECA
A decoração interna. O Santo dos Santos — 6,15 - 22 Anúncio do castigo — 17, 1
Os querubins — 6,23- 30 Na torrente de Carit — 17,2- 6
As portas. O pátio —6, 31- 36 Em Sarepta. O milagre da farinha e do óleo 17,7 - 16
Datas — 6,37 A ressurreição do filho da viúva — 17,17 - 24
O palácio de Salomão — 7,1- 12 Encontro de Elias com Abdias — 18,1 - 15.
O bronzista Hiran — 7,13- 14 Elias e Acab — 18,16-19
As colunas de bronze — 7,15- 22 O sacrifício no Carmelo — 18,20 - 40
O Mar de bronze — 7,23- 26 O fim da seca — 18,41 - 46
As bases e as bacias de bronze —7, 27- 39 2. ELIAS NO HOREB
A mobília do Templo. Resumo — 7,40 - 51 A caminho do Horeb — 19,1-8
Trasladação da Arca da Aliança — 8,9 -8b O encontro com Deus — 19,9- 18
Deus toma posse do seu Templo — 8,10 - 13 Vocação de Eliseu — 19,19 - 21
Discurso de Salomão ao povo — 8,14 - 21 3. GUERRAS CONTRA OS ARAMEUS
Oração pessoal de Salomão — 8,22 - 29 Samaria é sitiada —20, 1- 12
Oração pelo povo — 8,30- 40 Vitória israelita —20, 13-21
Suplementos — 8,41 - 51 Entreato — 20,22- 25
Conclusão da prece e bênção do povo — 8,52 - 61 Vitória de Afec — 20, 34
Os sacrifícios da Festa da Dedicação — 8,62- 66 Um profeta condena a atitude de Acab — 20,35-43
Nova aparição divina — 9,1- 9 4. A VINHA DE NABOT
Contrato com Hiram — 9,10- 14 Nabot recusa-se a ceder sua vinha — 21,1-3
Trabalhos forçados para as construções — 9,15- 24 Acab e Jezabel — 21,4-7
O serviço do Templo — 9,25 Assassínio de Nabot —21, 8 - 16
3. SALOMÃO, O COMERCIANTE Elias fulmina a condenação divinal — 21,17- 26
Salomão armador — 9,26 - 28 Arrependimento de Acab — 21,27-29
Visita da rainha de Sabá — 10,1- 13 5. OUTRA GUERRA CONTRA OS ARAMEUS
A riqueza de Salomão — 10,14 - 25 Acab faz uma expedição a Ramot de Galaad 22,1-4
Os carros de Salomão — 10,26- 29 Os falsos profetas predizem a vitória — 22,5 - 12
4. AS SOMBRAS DO REINADO O profeta Miquéias prediz o fracasso — 22,13 - 28
As mulheres de Salomão — 11,1- 13 Morte de Acab em Ramot de Galaad — 22,29 - 38
Os inimigos externos de Salomão — 11,14- 25 6. DEPOIS DA MORTE DE ACAB
Revolta de Jeroboão — 11,26- 40 Conclusão do reinado de Acab — 22,39-40
Fim do reinado — 11,41- 43 Reinado de Josafá em Judá (870-848) —22,41- 51
O rei Ocozias (853-852) e o profeta Elias 22-1, 1-18
SEGUNDO REIS
VI. O CICLO DE ELISEU Reinado de Selum em Israel (743) — 15,13-16
1. INÍCIOS Reinado de Manaém em Israel (743-738) — 15,17- 22
Elias é arrebatado ao céu e Eliseu lhe sucede — 2,1- 18 Reinado de Facéias em Israel (738-737) — 15,23-26
Dois milagres de Eliseu —2,19-25 Reinado de Facéias em Israel (737-732) — 15,27-31
2. A GUERRA MOABITA Reinado de Joatão em Judá (740-736) — 15,32-38
Reinado de Jorão em Israel (852-841) — 3,1- 3 Reinado de Acaz em Judá (736-716)— 16,1-20
Expedição de Israel e de Judá contra Moab —3,4 - 27 Reinado de Oséias em Israel (732-724) — 17,1-4
3. ALGUNS MILAGRES DE ELISEU Tomada de Samaria (721) — 17,5-6
O óleo da viúva — 4,1-7 Reflexões sobre a ruína do reino de Israel — 17,7-23
Eliseu, a sunamita e seu filho — 4,8- 37 Origem dos samaritanos — 17,24-41
A panela envenenada — 4,38-41
A multiplicação dos pães — 4,42 - 44 VIII. FIM DO REINO DE JUDÁ
A cura de Naamã — 5,1-27 1. EZEQUIAS, O PROFETA ISAÍAS E A ASSÍRIA
O machado perdido e encontrado — 6,1-7 Introdução ao reinado de Ezequias (716-687) — 18,1-8
4. GUERRAS CONTRA OS ARAMEUS Relembrando a queda de Samaria — 18,9-12
Eliseu captura todo um batalhão arameu — 6,8-23 Invasão de Senaquerib — 18,13-16
A fome durante o cerco de Samaria — 6,24-31 Missão do copeiro-mor —18,17-37
Eliseu anuncia o fim iminente da provação — 6,8-7,2 Apelo ao profeta Isaías —19, 1- 7
Descoberta do acampamento arameu abandonado — 7,3-8 Partida do copeiro-mor —19, 8- 9
Fim do cerco e da fome — 7,9-20 Carta de Senaquerib a Ezequias — 19,10-19
Epilogo da história da sunamita — 8,1-6 Intervenção de Isaías — 19,20-34
Eliseu e Hazael de Damasco — 8,7-15 Fracasso e morte de Senaquerib — 19,35-37
Reinado de Jorão em Judá (848-841) — 8,16-24 Doença e cura de Ezequias — 20,1-11
Reinado de Ocozias em Judá (841) — 8,25,29 Embaixada de Merodac-Baladã — 20,12-19
5. HISTÓRIA DE JEÚ Conclusão do remado de Ezequias — 20,20-21
Um discípulo de Eliseu confere a unção real a Jeú — 9,1-10 2. DOIS REIS ÍMPIOS
Jeú é proclamado rei — 9,11-13 Reinado de Manassés em Judá (687-642) —21,1-18
Jeú prepara a usurpação do poder — 9,14-21 Reinado de Amon em Judá (642-640) — 21,19-26
Assassínio de Jorão — 9,22-26 3. JOSIAS E A REFORMA RELIGIOSA
Assassínio de Ocozias — 9,27- 29 Introdução ao reinado de Josias (640-609) — 22,1-2
Assassínio de Jezabel — 9,30-37 Descoberta do livro da Lei — 22,3-10
Massacre da família real de Israel —10, 1-11 Consulta à profetisa Hulda — 22,11-20
Massacre dos príncipes de Judá — 10,12- 17 Leitura solene da Lei — 23,1-3
Massacre dos fiéis de Baal e destruição do seu templo 10,18-27 Reforma religiosa em Judá — 23,4-14
Reinado de Jeú em Israel (841-814) — 10,28-36 A reforma se estende ao antigo reino do norte — 23,15-20
6. DO REINADO DE ATALIA À MORTE DE ELISEU Celebração da Páscoa —23,21-23
História de Atalia (841-835) — 11,1-20 Conclusão sobre a reforma religiosa — 23,24-27
Reinado de Joás em Judá (835-796) —12, 1-22 Fim do reinado de Josias — 23,28-30
Reinado de Joacaz em Israel (814-798) — 13,1-9 4. A RUÍNA DE JERUSALÉM
Reinado de Joás em Israel (798-783) — 13,10-13 Reinado de Joacaz em Judá (609) — 23,31- 35
Morte de Eliseu — 13,14-21 Reinado de Joaquim em Judá (609-598) — *23-24, 1-7
Vitória sobre os arameus — 13,22-25 Introdução ao reinado de Joaquin (598) — 24,8-9
Primeira deportação —24, 10 -17
VII OS DOIS REINOS ATÉ A TOMADA DE SAMARIA Introdução ao reinado de Sedecias em Judá (598-587) 24,18-20
Reinado de Amasias em Judá (796-781) — 14,1-22 Cerco de Jerusalém — 25, 1-7
Reinado de Jeroboão II em Israel (783-743) — 14,23-29 Saque de Jerusalém e segunda deportação — 25,8-21
Reinado de Ozias em Judá (781-740) — 15,1-7 Godolias, governador de Judá — 25,22-26
Reinado de Zacarias em Israel (743) — 15,8-12 Perdão para o rei Joaquin — 25,27- 30

HISTORICIDADE

A atual redação dos LIVROS DOS REIS não pretende apresentar uma simples e despretensiosa
historiografia da monarquia hebraica. Apesar disso, os dados históricos referidos e os seus contextos
concordam bem, no geral, com a imagem quer dos dados da Arqueologia quer das numerosas fontes
extra-bíblicas que hoje se podem aproveitar e comparar. O quadro internacional em que se desenvolve
esta História, à sombra da sucessiva hegemonia do Egito, da Assíria e da Babilônia como impérios
dominantes e condicionantes, corresponde fielmente à imagem real que a História do Próximo Oriente
Antigo nos oferece. No entanto, mantêm-se em aberto alguns complexos problemas de cronologia
relativamente aos dois reinos.
HISTÓRIA LITERÁRIA
Os LIVROS DOS REIS são parte nuclear de uma das unidades literárias mais influentes na
Bíblia, além do Pentateuco: a História Deuteronomista, empreendimento de grande vulto e enorme
repercussão em Israel. Por isso, a questão histórica da sua redação fica envolvida na complexidade das
hipóteses levantadas e muito discutidas sobre autores, lugares e datas daquela História.

Entre as muitas hipóteses propostas, é consensual considerar-se que os principais momentos de


redação dos LIVROS DOS REIS se devem situar entre a parte final da monarquia, sobretudo depois do
reinado de Josias, e algumas dezenas de anos depois de terminado o Exílio. Em suma, o choque do Exílio
e os tempos de cativeiro na Babilônia foram muito marcantes no processo da redação destes livros.

Para essa redação foram utilizadas fontes escritas relativas à História dos reis das monarquias hebraicas,
nomeadamente a História de Salomão (1Rs 11,41), a Crônica da Sucessão de Davi (1Rs 1-2), o livro dos
Anais dos Reis de Israel e de Judá, freqüentemente citados no texto atual, além de outras fontes
documentais neles referidas, mas hoje desconhecidas (1Rs 5,7-8). Outras narrativas, como as de Elias e
Eliseu, provavelmente, já existiam também antes de serem integradas na redação deuteronomista

TÍTULO, CONTEÚDO E DIVISÃO

Os dois livros constituem, a principio, uma só obra: foi desdobrada em duas pelos tradutores
alexandrinos (LXX), a fim de facilitar o uso dos manuscritos; essa divisão se tornou comum a todas as
edições da Bíblia. A Vulgata latina intitula esses escritos “3º. e 4º. dos Reis", pois considera 1º. e 2Sm
como se fossem o 1º. e 2º. dos Reis. Tal nomenclatura da Vulgata já não é utilizada em nossos dias.
1/2Rs narram a história de Israel desde Salomão até o exílio babilônico (587-538 aC.). Começa com
os últimos dias de Davi (972) e termina com a libertação de Jeconias, rei de Judá, que estava detido na
Babilônia (561); abrange, pois, cerca de quatrocentos anos de história, que contém os elementos mais
significativos da história de Israel: o apogeu da monarquia sob Salomão, sua divisão em dois reinos rivais
(o de Samaria e o de Judá), a queda de ambos (em 722 e 587 respectivamente), a destruição da cidade
santa de Jerusalém e o exílio na Babilônia (ponto importantíssimo da história do povo hebreu). Tal é
também a época dos grandes profetas (Elias, Eliseu, Amós, Oséias, Isaías, Jeremias, Ezequiel...).
1/2Rs se dividem em três partes, de proporções desiguais: a mais extensa é a segunda, que cobre
dois séculos e duas séries de reinados:

1) Reinado de Salomão, esplendor e decadência: 1 Rs 1,1 -11,43;


2) Separação e história dos dois reinos separados: o de Israel (Samaria ou Efraim) ao norte, e o de
Judá ao sul, até a queda de Samaria e a deportação dos habitantes desta: 1 Rs 12, 1 -2Rs 17, 41. Esta
divisão do povo entre setentrionais e meridionais não era algo de novo, mas sim o cume de antigas
rivalidades; basta lembrar que, após a morte de Saul, Davi só conseguiu ser reconhecido pelas tribos do
Norte após mais de sete anos.
3) História do reino de Judá até a destruição de Jerusalém e o exílio babilônico, com alusão final à
libertação de Jeconias: 2Rs 18,1 -25, 30.

Na primeira parte (1 Rs 1 -11, 43), distinguimos dois períodos:


- os preliminares do reinado de Salomão: sucessão a Davi e morte deste (1, 1-2, 12); a eliminação
dos adversários políticos pelo novo rei (2,13-46).
- o governo do "rei-sol" (3,1 -11,43), no qual também distinguimos dois períodos: a glória de
Salomão, rei sábio e construtor (3,1 -10, 29); os insucessos de Salomão como castigo de seus Recados,
especialmente a admissão de cultos pagãos por condescendência com mulheres estrangeiras (11,1-43).

A segunda parte é uma galeria de reis que ocupam sucessivamente o trono de Judá e o da
Samaria. Doze reis se sucedem em Judá, todos da mesma dinastia davídica; esta é posta em perigo, mais
de uma vez, por revoluções, mas o Senhor a preserva providencialmente a fim de cumprir a promessa
feita a Davi (cf. 2Sm 7, 14-16). Ao contrário, na Samaria reinam sucessivamente dezenove monarcas,
pertencestes a um conjunto de nove dinastias; perdeu-se ai a sucessão dentro da linhagem de Davi. Eis os
episódios mais notáveis desse segmento da história (930-721):

Jeroboão proclama a separação das dez tribos do Norte; constitui os santuários de Betel e Dã, onde
colocou bezerros de ouro, símbolos da Divindade (1 Rs 12,1 -13,34); para que o povo não descesse a
Jerusalém, o rei criou santuários próprios, cismáticos;
- o ciclo do profeta Elias, que ficou sendo muito popular e caro a Israel (1 Rs 17,1 -2Rs 1 17). Tem-
se aqui uma figura corajosa, que enfrenta reis e falsos profetas para defender a causa do único Deus. A
leitura de tais episódios é agradável por seus pormenores muito vivazes. Ver em Eclo 48,1 -11 como Elias
foi posteriormente apreciado;
- o ciclo Eliseu, discípulo de Elias, também muito popular e autor de milagres (1 Rs 19,19-21; 2Rs
2,1 -25; 3-9; 13). Ver em Eclo 48,12-14 a imagem que de Eliseu faziam os pósteros;
- o golpe de estado de Jeú, da Samaria (2Rs 9,1 -10, 36);
- façanhas de Joás de Judá (2Rs 11,1 -12,22). salvo de um morticínio que atingiu todos os seus
irmãos, foi escondido por sua tia no Templo do Senhor, onde permaneceu seis anos com sua ama. Quando
subiu ao trono após a morte de Atalia, sua perseguidora, resolveu restaurar o templo de Jerusalém;
- o reinado de Acaz de Judá (736-716). Deve-se levar em conta que a Terra Santa ficava entre os
poderosos impérios da Mesopotâmia (Assíria e Babilônia) e do Egito; estes disputavam entre si o domínio
sobre os povos da Palestina, da Síria e vizinhanças. Isto obrigava os filhos de Israel a procurar apoiar-se
sobre um dos dois contendestes: ora, sobre o Egito para se defender da Assíria ou da Babilônia, ora sobre
os mesopotâmios para se defender do Egito (ver mapa do próximo oriente no fim de sua edição da
Bíblia). Esta política de alianças com estrangeiros era espontânea aos filhos de Israel, mas proibida pelo
Senhor Deus, que queria evitar o perigo de contaminação religiosa do povo santo. Muitas vezes os
profetas se insurgiram contra as alianças com povos pagãos; ver is 30,1 -7; 31,1 -3, Jr 2,18; também is
36,4-10. - Ora, sob o rei Salomão as relações de Israel com o Egito eram muito boas, como se percebe das
uniões conjugais de Salomão (1 Rs 3,1; 9, 1 5s); os egípcios deram asilo a Jeroboão, que se rebolara
contra Salomão (1 Rs 11,40; 14,25-27). Mas no século IX aC., com o rei Assur-nasir-apal (884-859), os
assírios se fortaleceram e passaram a se impor no cenário da Palestina. Foi precisamente então que Acaz
de Judá (2Rs 16, 7-19) resolveu pedir auxilio a Tiglat-pileser III da Assíria contra os reis de Samaria e da
Síria, que ameaçavam Judá (2Rs 16,7-10). Nesse período desenvolveu-se parte da atividade do profeta
Isaias; este interveio junto ao rei Acaz para lhe recomendar a confiança em Javé, e não no auxilio dos
estrangeiros; cf. Is 7,1 -1 7;
- o rei Oséias da Samaria tentou emancipar-se do tributo que os assírios Lhe haviam imposto. Em
conseqüência, Salmanassar V cercou a Samaria, que capitulou em 722. Deu-se então o fim do reino de
Israel ou Samaria, com a deportação dos israelitas mais capacitados para Hala, na Mesopotâmia do Norte
(2Rs 17,1 -6; cf. Is 28,1 -6). A queda de Samaria levou o autor sagrado a uma meditação sobre o triste
acontecimento; segundo a mentalidade deutoronomista, ele atribui a ruína do reino setentrional ao pecado
e à infidelidade da Samaria à Lei do Senhor. É muito típica da corrente deuteronomista a reflexão posta
em 2Rs 1 7, 7-23. - Em lugar dos israelitas deportados, os assírios enviaram colonos para a Samaria; estes
se mesclaram com os israelitas remanescentes no pais, dando origem a um povo bastardo, os samaritanos,
que os judeus não toleravam, porque resultavam de matrimônios ilícitos; cf. Jo 4, 9; Lc 9, 53; 10, 33; At 8, 5.

A terceira parte (2Rs 18,1 -25, 30) descreve a história do reino de Judá desde 721 até a sua
queda em 587. Foi este um período de declínio religioso, em que se destacaram duas figuras de reis
reformadores: Ezequias (717-687) e Josias (649-609).
Ezequias (2Rs 18, 1-20, 21) foi um rei piedoso, que eliminou todas as formas de culto pagão,
inclusive o culto dos bosques e nas colinas (reminiscência do culto pagão dos cananeus). Sob Ezequias
desenvolveu-se intensa atividade literária; foram recolhidos provérbios preferidos por Salomão (cf. Pr
25,1), assim como leis e histórias do povo eleito.
Josias (2Rs 22,1 -23,30) foi outro entusiasta reformador do culto de Javé. Durante as obras de
restauração do Templo, foi encontrado um exemplar da Lei do Senhor (2Rs 22,3-23), o chamado
"Deuteronômio" (ao menos o núcleo central; Dt 12-26); em conseqüência, foram eliminados os cultos
idolátricos e celebrada solenemente a Páscoa. Infelizmente Josias morreu em expedição contra Necao, o
faraó do Egito, na batalha de Meggido (2Rs 23, 29s). Sob Josias teve inicio a atividade profética de
Jeremias.
. A MENTALIDADE DE 1/2RS
Os livros 1/2Rs são a expressão de mentalidade profundamente religiosa, muito inspirada pelos
princípios deutoronomistas. Notemos, por exemplo, os seguintes traços:
1) Biografia dos reis
Cada rei é apresentado dentro de um esquema bem definido:
Introdução: sincronismo de um rei com o contemporâneo do outro reino, anos de reinado e, para
os reis de Judá, idade que tinham quando subiram ao trono, muitas vezes também o nome da mãe.
Corpo: juízo sumário sobre o rei, preferido na base da sua atitude frente à Lei do Senhor. Os reis da
Samaria são condenados em bloco por terem seguido o modelo do cismático Jeroboão (cf. 1Rs 14, 7-9;
16, 26-28; 2Rs 15, 9.18.24.28...). Os reis de Judá são julgados em relação a Davi, "o rei segundo o
coração de Deus"; o autor os distribui em três categorias:
- reis maus, por terem permitido ou praticada a idolatria; assim Abdias,1 Rs 15,3-5; Acaz, 2Rs 16,
2-4; Manassés, 2Rs 21, 2-9; Joacaz, 2Rs 23, 32;
- reis bons, por terem combatidos a idolatria, embora tenham deixado subsistir o culto a Javé nos
bosques e nas colinas, à semelhança dos cananeus; assim Asa, 1 Rs 15,11 -13; Josafá, 1 Rs 22, 43-47;
Joas, 2Rs 12, 2-3; Amasias, 14, 4, Azarias 15, 3s; Joatam, 15, 34;
- reis ótimos, por terem combatido a idolatria e também o culto nas colinas; assim Ezequias, 2Rs
18,3-5, e Josias,2Rs 22,2; 23,25. Entre os reis da Samaria, os pecados se foram sucedendo na escala de
crescente gravidade: Jeroboão proclamou a ruptura de Samaria com Judá e construiu dois santuários
cismáticos em Betel e Dã respectivamente (1 Rs 12, 20-33); Baasa e seu filho Elá introduziram a idolatria
(1 Rs 16, 1 2s; cf. 21. 22); Omri e seu filho Acab "superaram os seus antecessores", chegando ao culto
oficial do deus fenício Baal (1 Rs 16,25.30-33).
2) inspiração deuteronômica
Os dois livros dos Reis não tencionam narrar a história pela história, mas, sim, para realçar que os
acontecimentos humanos são orientados por Javé, para cumprimento do seu plano de salvação.
Especialmente os golpes e reveses sofridos pelo povo eleito são vistos como sinais da justiça divina, que
assim quer chamar os infiéis à consciência do seu pecado e à conversão. O leitor de 1/2Rs, segundo o
autor sagrado, deve reconhecer as culpas dos antepassados e suas próprias culpas, que são resposta
inadequada aos benefícios recebidos do Senhor; em conseqüência, procure voltar a Deus, que o pecado
menospreza. A tese teológico do livro se encontra em 2Rs 17,7: "Isto aconteceu, porque os filhos de Israel
tinham pecado contra Javé seu Deus, que os tirara da terra do Egito".
Muito sabiamente comenta o exegeta contemporâneo S. Garofalo:
"O hagiógrafo... repensou a história da própria nação, de modo a destacar a providência daquele
Deus que governa os acontecimentos humanos. Estes, aos olhos míopes do observador naturalista, ficam
muitas vezes desligados entre si ou parecem devido à pura trama de política humana e de exigências
econômicas... No fundo, a história do livro dos Reis é a história vista com os olhos de Deus".
1Rs 1-2 1Rs 3-11 1Rs 12-16 1Rs 17-22 2Rs 1-17 2Rs 18-21 2Rs 22-25
A sucessão de Reinado Divisão No tempo História Ezequias e De Josias até
Davi (II): de Salomão; do Reino; da guerra sincrônica sucessores a queda de
Salomão construção Primeiros reis Siro- dos Jerusalém
prevalece do Templo; de Judá efraimita, dois reinos
Profecia e de Israel o rei Acab até a queda
De Aías de Samaria

Versando sobre a história dinástica de Israel, o conteúdo dos LIVROS DOS REIS divide-se em três
fases principais:
Em 1Rs 1-11 descreve-se o reinado de Salomão: com alguma pompa e pormenor, narram-se as
vicissitudes e os jogos de corte, por ocasião da sua designação para a sucessão, na dinastia de Davi, a
grandeza do seu reinado, a sua sabedoria e riquezas.
No final, e quase em ar de transição, como quem abandona um recinto de festa, são-lhe feitas
algumas críticas, apresentadas como causas do desmoronamento da realeza única, levando à separação
dos dois reinos antes unificados.

De 1Rs 12 a 2Rs17 decorre a parte mais longa deste conjunto, que apresenta a História paralela
dos dois reinos separados: o do Norte, também chamado de Israel ou da Samaria, e o do Sul, também
referido como de Judá ou de Jerusalém. O fio condutor desta História é a exposição paralela das duas
séries de reis que personificavam, a cada momento, as dinastias dos Hebreus.
O esquema de apresentação é uniforme para quase todos, traduzindo o essencial da sua biografia
política e, muito particularmente, a qualificação de bom ou mau rei, segundo os critérios religiosos de
valor sistematicamente aplicados.
Algumas das mais significativas interrupções deste esquema rígido acontecem com o aparecimento
de personagens especiais, sobretudo Elias (1Rs 17-19 e 21; 2Rs 1) e Eliseu (2Rs 2-9). As suas histórias
tratam não apenas dos dois profetas mais prestigiados desta primeira parte da monarquia, mas de duas
personagens cuja atividade profética influenciou as opções tomadas por alguns reis, condicionando o
destino da própria monarquia hebraica.
A parte final (2Rs 18-25) constitui quase um epílogo sobre a ameaçada sobrevivência da dinastia
davídica de Jerusalém e a sua dramática destruição. É intensa e dramática, tanto pelos efeitos imediatos
do cataclismo da Samaria, como pelas necessidades de reforma que constituíram uma reação a médio
prazo às mesmas preocupações, e pelos sinais cada vez mais claros da próxima destruição de Jerusalém,
cujos sinais se tornavam cada vez mais evidentes.
A lógica que une essas matérias é a seguinte: Deus fez com Israel uma aliança. Os profetas são os
guardiães dessa aliança. Os Reis, chamados por Deus mesmo (Davi é o modelo) e intimamente unidos ao
“povo” (= os cidadãos israelitas) são responsáveis, pela observância da aliança; se a observarem, reinarão
da Samaria (2Rs 17) e a queda de Jerusalém (2Rs 25).
Mas esse castigo é pedagógico, é uma “correção”. Não é a última palavra. O conjunto Samuel/Reis
termina, por isso, na reabilitação do rei Jeconias em pleno exílio babilônico.existe esperança, um
recomeço é possível. Por isso, o lugar central é ocupado pela promessa de que a dinastia davídica estará
firme para sempre
Dentre os reis Davi é a figura central.ele é pintado como pecador, mas...fiel à aliança! Salomão é
destacado por causa da construção do Templo,anunciada na profecia de Natã. Os reis Ezequias e Josias
são destacados porque, ao modelo de Davi, foram fiéis observantes da aliança.
Assim, teríamos nestes dois livros as partes seguintes:
I. Fim do reinado de Davi e reino de Salomão: 1Rs 1,1-11,43;
II. Divisão do Reino. Reis de Israel: 1Rs 12,1-22,54;
III. Fim da História Sincrônica de Israel e Judá: 2Rs 1,1-17,41;
IV. Fim do reino de Judá: 2Rs 18,1-25,30.

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