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Introdução
Não só do ponto de vista científico, mas, sobretudo, no campo das ideias e dos con-
ceitos, a reprodução humana passou, nas últimas décadas, por uma revolução. Neste sen-
tido, imperioso que ocorra uma discussão aberta sobre os desdobramentos e possibilida-
des dos avanços científicos e tecnológicos sobre a reprodução humana.
362 bioética, direito e medicina
Desenvolvimento
Os autores estudados são unânimes quanto ao entendimento de que não há, hoje, na
legislação brasileira, nenhuma espécie de lei que trate do assunto reprodução humana as-
sistida. Essa inexistência se refere às leis submetidas a um processo legislativo, previsto na
Constituição Federal. Somente as leis desse tipo, editadas pelo Poder Legislativo nacional,
têm o poder de vincular todos os cidadãos e aplicar sanções em caso de desobediência.
Enquanto inexiste lei que trate do assunto, permanecem em destaque as resoluções
editadas pelo Conselho Federal de Medicina e pelos Conselhos Regionais regulamentan-
do a matéria.
As resoluções editadas por um Conselho de Ética Profissional vinculam somente aque-
les profissionais que estão sob a sua jurisdição, ou seja, se editada pelo Conselho Federal
de Medicina, gera obrigatoriedade apenas aos médicos.
No contexto da reprodução humana assistida, porém, há uma lacuna legislativa su-
prida por uma resolução do Conselho Federal de Medicina. Em que pese, regra geral, não
ser esta resolução capaz de vincular todos os cidadãos, mas apenas os médicos, conside-
rando se tratar do único parâmetro normativo existente, sua importância ganha destaque
e, ao nosso ver, suas regras devem ser observadas por todos.
A primeira resolução a tratar desta matéria foi a de n. 1.358/92, editada pelo Conselho
Federal de Medicina. Em 2010, foi editada a de n. 1.957, revogando a norma anterior. Após,
entrou em vigor a de n. 2.013, editada no ano de 2013 e que também revogou a de n. 1.957.
Em 2015, a Resolução n. 2.121/2015 foi editada e revogou a de n. 2.013. Recentemente, hou-
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 363
Por fim, a proibição do caráter lucrativo ou comercial foi prevista em todas as resoluções.
Depreende-se desta análise certa evolução no pensamento bioético para cada edição
da Resolução, a qual procurou se adaptar ao desenvolvimento social e ético da sociedade.
Um exemplo que ilustra bem esta afirmação é a autorização concedida pela Resolução
CFM n. 2.013/2013 para que o casal homoafetivo possa usufruir das técnicas de reprodu-
ção assistida, previsão que tem como respaldo a decisão do Supremo Tribunal Federal que
reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva (ADI n. 4.277
e ADPF n. 132). Vale destacar também que a Resolução CFM n. 2.121/2015 trouxe como
novidade a possibilidade de gestação compartilhada em união homoafetiva feminina em
que não exista infertilidade.
Outro exemplo é a possibilidade da reprodução assistida post mortem, desde o ano de
2010, por meio da Resolução CFM n. 1.957/2010, sob a condição de que haja autorização
expressa do falecido.
O mesmo, no entanto, não se pode falar para a limitação de 50 anos trazida pelas Re-
soluções CFM ns. 2.013/2013, 2.121/2015 e 2.168/2017, para que uma mulher se submeta a
uma das técnicas. Considerando os conflitos decorrentes desta limitação, entende-se que
pode significar um retrocesso no que tange à consolidação do princípio da autonomia da
paciente, além de afrontar o direito constitucional à liberdade de planejamento familiar.
Nessa senda, a Resolução CFM n. 2.168/2017 prevê de maneira explícita:
I – Princípios Gerais
[...] 3. [...]
§ 2º – As exceções a esse limite serão aceitas baseadas em critérios técnicos e científi-
cos fundamentados pelo médico responsável quanto à ausência de comorbidades da mu-
lher e após esclarecimento ao(s) candidato(s) quanto aos riscos envolvidos para a paciente
e para os descendentes eventualmente gerados a partir da intervenção, respeitando-se a au-
tonomia da paciente.
Em que pese não ter sido excluída esta limitação, abriu-se a possibilidade de realiza-
ção de técnicas de reprodução assistida em mulheres com idade superior a 50 anos, sob a
responsabilidade do médico.
Na exposição de motivos da Resolução CFM n. 2.121/2015, o Conselho Federal de Me-
dicina justificou a manutenção do requisito de 50 anos sob o argumento: “manter a limi-
tação da idade das candidatas à gestação de RA até 50 anos foi primordial, com o objeti-
vo de preservar a saúde da mulher, que poderá ter uma série de complicações no período
gravídico, de acordo com a medicina baseada em evidências”.
Destaque-se que, para a cessão temporária de útero, a Resolução CFM n. 2.168/2017,
atualmente em vigor, traz um capítulo específico, estabelecendo as regras que devem ser
seguidas por aqueles que pretendem utilizar esta técnica, lembrando que esta observân-
cia se dá tanto sob a ótica do médico quanto sob a ótica dos participantes.
A primeira delas diz respeito à necessidade de existir um problema médico que im-
peça ou contraindique a gestação na doadora genética ou um caso de união homoafetiva
para que a clínica ou o centro de reprodução se valha da gestação de substituição:
366 bioética, direito e medicina
Além disso, a resolução exige que as candidatas à doadora de útero pertençam à fa-
mília de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau:
Para esses casos, importante pontuar que cabe ao médico analisar a presença dos re-
quisitos e atuar de maneira independente e ética, não sendo necessária a intervenção pré-
via dos Conselhos de Medicina. A Resolução CFM n. 2.168/2017 incluiu duas figuras que
anteriormente não haviam sido mencionadas: filha e sobrinha. Com isso, amplia-se o rol
de mulheres da família que podem ceder o seu útero para outras.
Neste momento imperioso destacamos duas novidades trazidas pela Resolução CFM n.
2.121/2015 e mantidas pela Resolução CFM n. 2.168/2017. A primeira delas diz respeito à ex-
clusão do limitador de 50 (cinquenta) anos de idade para a cedente do útero, o qual era pre-
visto na revogada Resolução n. 2.013/2013, consequência lógica do abrandamento do requi-
sito etário para a realização de técnica de reprodução assistida. O segundo ponto que
merece menção é o fato de a Resolução trazer, de maneira expressa, a previsão de que os de-
mais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. Conclui-se, des-
sa forma, que se a doadora temporária de útero for parente consanguínea até quarto grau
de um dos genitores, é desnecessária a autorização dos Conselhos Regionais; contrariamen-
te, se não for, fica prevista a necessidade de autorização prévia dos Conselhos.
Quanto a este segundo ponto, entende-se que o Conselho Federal de Medicina teve a
intenção de deixar ainda mais clara a competência dos Regionais para autorizar os casos
que não se enquadrem totalmente nos requisitos previstos na resolução, competência esta
que antes se justificava pela disposição final que dizia que “casos de exceção, não previs-
tos nesta resolução, dependerão da autorização do Conselho Regional de Medicina” (Re-
solução CFM n. 2.168/2017, item IX).
No mais, o limitador do parentesco tem a intenção de corroborar com a determina-
ção de que a doação temporária de útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial “a
cessão temporária de útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial” (CFM, 2017,
item VII, 2). Isso porque, tendo a doadora de útero parentesco com um dos pais biológi-
cos, tornar-se-ia menos provável o pagamento de alguma contraprestação.
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 367
A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, te-
cidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a
coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de
comercialização. (art. 199, § 4º, da Constituição Federal)
Nessa mesma linha também dispõe a Lei de Transplantes ao permitir apenas a dispo-
sição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo próprio vivo, para fins terapêuticos ou
para transplantes, a saber:
O sigilo estabelecido no art. 8º poderá ser quebrado nos casos autorizados nesta Lei,
obrigando-se o serviço de saúde responsável pelo emprego da Reprodução Assistida a for-
necer as informações solicitadas, mantido o segredo profissional e, quando possível, o ano-
nimato.
§ 1º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida terá acesso, a qualquer tem-
po, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que manifeste sua vontade li-
vre, consciente e esclarecida, a todas as informações sobre o processo que o gerou, inclusi-
ve à identidade civil do doador, obrigando-se o serviço de saúde responsável a fornecer as
informações solicitadas, mantidos os segredos profissional e de justiça. (art. 9º, Projeto de
Lei n. 1.184/2003)
Caso este Projeto de Lei venha a ser aprovado, ele mudará substancialmente a aplica-
ção das técnicas de reprodução assistida, ocorrendo a exclusão definitiva do método da
cessão temporária de útero, o que pode significar um retrocesso dos debates sobre repro-
dução humana assistida no Brasil. A regulamentação das técnicas de reprodução assisti-
da diante do avanço tecnológico e do surgimento de diferentes técnicas eliminaria possi-
bilidades cientificamente comprovadas, e já inseridas na sociedade, constituindo ato
arbitrário e retrógrado.
Sob o ponto de vista contratual, com base na doutrina do Direito Civil, há aqueles que
defendem ser nulo o contrato de gestação de substituição, por ilicitude do seu objeto, já
que uma criança não pode ser objeto de contrato (MALUF, 2010).
Há discordância também desse ponto de vista pois parte-se do pressuposto nesse tipo
de pactuação que o ser gerado pertence aos pais biológicos ou que manifestaram interes-
se pela maternidade/paternidade, sendo a doadora de útero somente portadora deste bebê
durante os meses de gestação, não possuindo sobre ele qualquer tipo de direito. O foco
deste contrato, portanto, se é que podemos classificá-lo desta maneira, é apenas o emprés-
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 369
timo do útero para gerar a criança e não a criança em si. E sob esta ótica, qualquer pessoa
pode dispor do seu corpo da maneira que lhe aprouver, havendo apenas o limite da gra-
tuidade previsto na legislação infralegal.
I – Termo de Consentimento Informado assinado pelo casal infértil e pela doadora tem-
porária do útero, consignando:
A – Os aspectos biopsicossociais envolvidos no ciclo gravídico-puerperal;
B – Os riscos inerentes à maternidade;
C – A impossibilidade de interrupção da gravidez após iniciado o processo gestacional,
salvo em casos previstos em lei ou autorizados judicialmente;
D – A garantia de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes mul-
tidisciplinares, se necessário, à mãe que doará temporariamente o útero, até o puerpério;
E – Que a doação temporária do útero não possua caráter lucrativo ou comercial, nem
mesmo em caráter de ressarcimento;
F – A garantia do registro civil da criança pelo casal infértil (pais genéticos), devendo
esta documentação ser providenciada durante a gravidez;
370 bioética, direito e medicina
II – Descrição pormenorizada pelo médico assistente, por escrito, dos aspectos envol-
vendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de Reprodução Assistida, infor-
mando dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico, bem como os resultados já
obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta;
III – Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocio-
nal da doadora temporária do útero;
IV – Se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável, deverá
apresentar, por escrito, a aprovação do cônjuge ou companheiro;
V – Contrato entre o casal infértil (pais genéticos) e a doadora temporária do útero (que
recebeu o embrião em seu útero e deu à luz), estabelecendo claramente a questão da filia-
ção da criança;
VI – Atendidas as exigências supracitadas, mediante a apresentação a este Conselho Re-
gional de Medicina da documentação assinada pelas partes envolvidas, casal infértil e doa-
dora temporária do útero, este apreciará e decidirá sobre a autorização para a utilização das
técnicas de Reprodução Assistida.
Vale destacar que além do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, o
do Estado de Minas Gerais também regulamentou referida autorização através da Reso-
lução n. 291/2007.
É possível que se use analogicamente, no que tange especificamente à regulamenta-
ção da necessidade de autorização para a realização da técnica da cessão temporária de
útero quando a doadora temporária de útero não for parente até quarto grau da mãe ou
do pai biológico, a chamada “Lei de Transplantes” que dispõe que devem ser submetidos
à apreciação do Judiciário os casos de disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do
próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes, para pessoas não cônju-
ges e não parentes consanguíneos até quarto grau, exceto no caso de medula óssea:
Quando se estuda reprodução humana assistida as questões sobre filiação acabam vin-
do à tona, especialmente para os casos de cessão temporária de útero, por essa razão, ve-
remos a seguir algumas das considerações mais relevantes sobre o assunto.
Em síntese, podemos definir a filiação por meio de dois conceitos: o primeiro deles
diz respeito aos filhos biológicos, oriundos do material genético dos pais, enquanto o se-
gundo engloba os filhos não biológicos, ou seja, que não carregam o material genético,
decorrendo da socioafetividade, da adoção ou da reprodução assistida com a participa-
ção de doadores.
Importante destacar que a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 não
há mais nenhuma distinção entre os chamados filhos biológicos e não biológicos, os quais
possuem tratamento isonômico garantido constitucionalmente. Essa diferenciação se dá
apenas para fins conceituais.
Como se pode observar, o atual conceito de filiação está para muito além daquele que
outrora se empregava, em que a primazia do vínculo biológico era praticamente um dog-
ma. Hoje nova abertura se deu, o que, indubitavelmente, trouxe para a discussão jurídica
outras questões que deverão permear o conceito de filiação, consubstanciadas na verdadei-
372 bioética, direito e medicina
Antigamente, poderia existir a paternidade incerta mas a maternidade era sempre cer-
ta; hoje, com os avanços da Medicina, já é possível ter maternidade e paternidade incertas
simultânea ou separadamente, como, por exemplo, na doação de embriões congelados, por
isso que é necessária uma nova ideia de filiação. (ALMEIDA, 2000, p. 33)
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 373
perar seu senso de dependência e obter o maior controle possível ou o controle que deseje.
Essas obrigações positivas do respeito à autonomia derivam em parte da relação especial-
mente fiduciária que os profissionais têm com seus pacientes, incluindo as obrigações afir-
mativas de revelar e conversar. (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2013, p. 145)
Segre e Cohen (2008), no artigo “Quem tem medo das (bio)tecnologias de reprodu-
ção humana assistida?”, defendem, sob o ponto de vista ético, a realização das técnicas de
reprodução assistida. Asseveram que consideram estas técnicas:
Necessárias para enfrentar problemas ligados à reprodução humana, desde que tal acei-
tação seja fruto do exercício da autonomia responsável em termos de reprodução, esteja
acompanhada pela indispensável vigilância em termos de biossegurança e haja razoável ga-
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 375
rantia de respeitar e/ou ponderar os direitos fundamentais dos sujeitos morais envolvidos.
(SEGRE; COHEN, 2008, p. 41)
Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de te-
cidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.
§ 1º No caso de procriação medicamente assistida, a fertilização não deve conduzir sis-
tematicamente à ocorrência de embriões supranumerários.
§ 2º O médico não deve realizar a procriação medicamente assistida com nenhum dos
seguintes objetivos:
I – criar seres humanos geneticamente modificados;
II – criar embriões para investigação;
III – criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbri-
dos ou quimeras.
§ 3º Praticar procedimento de procriação medicamente assistida sem que os participan-
tes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo.
Art. 16. Intervir sobre o genoma humano com vista à sua modificação, exceto na tera-
pia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que resulte na modificação
genética da descendência.
[...]
4 – Os embriões criopreservados com mais de cinco anos poderão ser descartados se
esta for a vontade dos pacientes. A utilização dos embriões em pesquisas de células-tronco
não é obrigatória, conforme previsto na Lei de Biossegurança.
uma lacuna na legislação, gerando questionamentos e dúvidas sobre qual a conduta que
deve ser tomada diante dos embriões excedentários.
França (2014, p. 369) entende que a única alternativa para os embriões excedentários
é mantê-los congelados à disposição dos pais genéticos ou disponibilizá-los para a utili-
zação de casais estéreis, desde que autorizado. Este é o entendimento da maioria dos au-
tores.
Considerando que o descarte e a destruição são vedados tanto pelas normas éticas
quanto pelas normas legais, quando não há autorização expressa dos genitores, seriam
viáveis apenas dois destinos para referidos embriões, além do uso para pesquisas: implan-
tação ou doação.
Scalquette (2010, p. 207) defende que deve ocorrer um esforço no sentido de que os
embriões sejam concebidos em número suficiente para a prática da reprodução, não ge-
rando número excedente.
Em que pese as dúvidas acerca do tema, uma coisa é unânime: qualquer que seja a de-
cisão sobre o destino dos embriões, é imprescindível a concordância expressa dos genito-
res. Os médicos, portanto, devem se precaver neste sentido, esclarecendo os interessados
sobre todas as possibilidades e obtendo autorização expressa dos mesmos para todas as
opções de cada caso.
Outro aspecto que merece análise diz respeito aos questionamentos futuros que o fru-
to da concepção pode realizar no que tange à sua identidade genética.
Atualmente, de acordo com a Resolução CFM n. 2.168/2017, doadores e receptores não
devem conhecer a identidade genética uns dos outros. Desta forma, o anonimato do doa-
dor retira da criança o direito de saber sua parentalidade biológica.
De acordo com Diniz (2014, p. 695), o direito à identidade genética “é o de saber a his-
tória da saúde dos seus parentes consanguíneos para fins de prevenção de alguma molés-
tia física ou mental ou de evitar incesto, logo não gera o direito à filiação, nem o direito
alimentar e tampouco o sucessório”.
Scalquette (2010, p. 229) defende que para os casos de reprodução assistida deve ser
dado o mesmo tratamento oferecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente nos casos
de adoção. De acordo com o art. 48 do referido diploma legal, o adotado tem o direito de
conhecer a sua identidade biológica após completar 18 anos de idade: “o adotado tem di-
reito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo
no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito)
anos” (art. 48, ECA).
Referido dispositivo deveria ser aplicado analogicamente àqueles que são fruto de re-
produção assistida e desejam conhecer sua ascendência biológica, valendo lembrar que
não se trata de um dever, mas sim de um direito.
Conclui-se, destarte, que o anonimato deve ser relativizado, garantindo-se o conhe-
cimento à identidade genética, destacando-se ser sempre necessária a intervenção judi-
cial para tanto. Imperioso que os bancos de gametas criem um controle dos doadores a
fim de possibilitar uma eventual e futura busca de seus descendentes biológicos.
Não obstante a Resolução CFM n. 2.168/2017 assim como as anteriores serem claras
no sentido de que não há impedimento para que mulheres solteiras ou até mesmo viúvas
378 bioética, direito e medicina
reitos individuais e coletivos, no que tange à busca pela maternidade por qualquer meio,
tendo em vista as milhares de crianças disponíveis para a adoção.
França (2014, p. 369) é outro deles que defende:
Embora alguns valores éticos e morais sempre estejam presentes nas decisões das pes-
soas, em uma discussão bioética não pode ser levado como absoluto o princípio de que o
interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse individual. No que diz respeito espe-
cificamente à reprodução assistida, deve caber à pessoa que escolheu ser pai ou mãe defi-
nir por qual meio irá realizar seu desejo quando está diante da impossibilidade de gerar
um filho pelos meios considerados habituais, especialmente se os pais financiarem o tra-
tamento.
Sendo assim, não pode ser transferido a essas pessoas o ônus de abrandar o proble-
ma social relativo às crianças abandonadas à espera de uma adoção, sendo de sua livre es-
colha adotar ou se submeter a uma técnica de reprodução assistida.
Demais paradigmas morais e religiosos, respeitadas todas as crenças e culturas, não
podem ser subterfúgios para o retardamento da evolução científica, cabendo a cada ser
individual optar por aquilo que entende melhor para si. Segre e Cohen (2008, p. 41-2), de
forma brilhante, explicitam esta ideia:
O processo já é viciado na sua raiz, não só pela degradação da mulher no que lhe exis-
te de mais exaltado – a maternidade –, mas, também, porque não estamos muito preocupa-
dos com a outra mulher, a mais carente, a que enfrentará o ônus físico e psicológico da gra-
videz e do parto, que sofrerá a discriminação e o repúdio da sociedade consumista.
Muitas são as dúvidas que pairam sobre este procedimento, não sendo possível ainda
avaliar qual o tipo de relação que a cedente do útero estabelece com o bebê, nem qual é o
padrão de comportamento desta mulher após o parto. Entretanto, não deve ser afastada
de maneira preliminar a possibilidade de realização desta prática enquanto ela não esti-
ver totalmente inserida na sociedade, devendo ser feitas as adequações e mudanças ne-
cessárias conforme o amadurecimento do tema. A análise e a discussão periódicas devem
ocorrer.
Importante destacar que, embora existam todos esses questionamentos acerca do tema,
a realização da técnica de reprodução assistida com utilização de útero de substituição
deve continuar sendo realizada como uma forma de procriação, desde que haja um pre-
paro das pessoas participantes do procedimento, não bastando que assinem um docu-
mento de consentimento livre e esclarecido mas que, verdadeiramente, saibam todos os
desdobramentos desta prática. É necessário também dar mais atenção à mulher que em-
prestará o seu útero, a qual deve ser cuidadosamente preparada para este momento.
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e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos – tornando-se o dispositivo deontológico a ser se-
guido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM n. 2.013/2013, publicada no DOU de 9
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mas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoa-
mento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudam a trazer maior segu-
rança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos – tornando-se o dispositivo deontológico a
ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM n. 2.021/2015, publicada no DOU
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des que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho
Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CT-
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sitos que devem ser atendidos pelos interessados na utilização das técnicas de reprodução assistida,
de “doadoras temporárias de útero” que não pertencem à família da doadora genética, num parentes-
co até o segundo grau, para fins de autorização do Conselho Regional de Medicina do estado de São
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ser atendidos pelos interessados na utilização das técnicas de reprodução assistida, de “doadoras tem-
porárias de útero” que não pertencem à família da mulher infértil para fins de autorização do Conse-
lho Regional de Medicina do estado de São Paulo. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/
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