Você está na página 1de 22

Capítulo 33

Aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na


modalidade cessão temporária de útero

Camila Kitazawa Cortez

Embora existam questionamentos acerca do tema, a realização da técnica de reprodu-


ção assistida com utilização de útero de substituição deve continuar sendo realizada como
uma forma de procriação, desde que haja um preparo das pessoas participantes do procedi-
mento, não bastando que assinem um documento de consentimento livre e esclarecido, mas
que verdadeiramente saibam todos os desdobramentos desta prática. Necessário também que
se dê mais atenção à mulher que emprestará o seu útero, a qual deve ser cuidadosamente
preparada para este momento.

Introdução

As técnicas de reprodução humana assistida foram desenvolvidas para viabilizar a ges-


tação de mulheres com dificuldades para engravidar, aplicadas por um médico especiali-
zado.
Berlinguer (2004) refere como fenômenos deste tema algumas conquistas que tive-
ram grande influência sobre a reprodução humana, das quais se destacam:

1. A superação do conceito (e da aceitação) da inferioridade da mulher.


2. A libertação e o controle da sexualidade e da reprodução, fenômenos que foram par-
ticularmente citados na afirmação dos direitos da mulher.
3. O surgimento da figura do paciente como sujeito moral, não mais subordinado à au-
toridade ou ao paternalismo do médico.
4. A possibilidade de retirar, conservar, transferir e utilizar, em benefício do outro, par-
tes separadas do corpo como o sangue, a medula, as células, os tecidos e os gametas
masculino e feminino fornecidos por doadores vivos.

Não só do ponto de vista científico, mas, sobretudo, no campo das ideias e dos con-
ceitos, a reprodução humana passou, nas últimas décadas, por uma revolução. Neste sen-
tido, imperioso que ocorra uma discussão aberta sobre os desdobramentos e possibilida-
des dos avanços científicos e tecnológicos sobre a reprodução humana.
362 bioética, direito e medicina

Frequentemente, os Conselhos de Medicina, órgãos que tratam da eticidade das con-


dutas e dos procedimentos médicos, são solicitados a se manifestarem sobre reprodução
humana, especialmente com relação à fertilização in vitro.
A liberdade de procriar é uma construção histórica. Qual o seu significado?
Primeiramente, ela deixa de ser um dever, ou melhor, uma obrigação derivada da “lei
natural” ou de mandamentos religiosos. No Direito Canônico, o relacionamento entre
cônjuges apresentava duas finalidades: procreatio e remedium concupiscentiae.
A igreja aceitava a abstenção das relações sexuais nos períodos férteis da mulher como
método natural de controle de natalidade. Já os métodos artificiais de controle da natali-
dade são uma importante característica contemporânea que também representam um sig-
nificativo avanço na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Patente que a liberdade procriativa implica também deveres, os quais dizem respeito
à dignidade humana dentro de um sistema de relações entre pessoas dotadas de exigên-
cias particulares, sobretudo por quem nasce.
Entre as práticas de reprodução humana assistida existentes, destaca-se a cessão tem-
porária de útero, a qual possui inúmeros desdobramentos jurídicos, éticos e bioéticos de
extrema relevância e pouco discutidos.

Desenvolvimento

Regulamentação das técnicas de reprodução humana assistida, cessão


temporária de útero, requisitos

Os autores estudados são unânimes quanto ao entendimento de que não há, hoje, na
legislação brasileira, nenhuma espécie de lei que trate do assunto reprodução humana as-
sistida. Essa inexistência se refere às leis submetidas a um processo legislativo, previsto na
Constituição Federal. Somente as leis desse tipo, editadas pelo Poder Legislativo nacional,
têm o poder de vincular todos os cidadãos e aplicar sanções em caso de desobediência.
Enquanto inexiste lei que trate do assunto, permanecem em destaque as resoluções
editadas pelo Conselho Federal de Medicina e pelos Conselhos Regionais regulamentan-
do a matéria.
As resoluções editadas por um Conselho de Ética Profissional vinculam somente aque-
les profissionais que estão sob a sua jurisdição, ou seja, se editada pelo Conselho Federal
de Medicina, gera obrigatoriedade apenas aos médicos.
No contexto da reprodução humana assistida, porém, há uma lacuna legislativa su-
prida por uma resolução do Conselho Federal de Medicina. Em que pese, regra geral, não
ser esta resolução capaz de vincular todos os cidadãos, mas apenas os médicos, conside-
rando se tratar do único parâmetro normativo existente, sua importância ganha destaque
e, ao nosso ver, suas regras devem ser observadas por todos.
A primeira resolução a tratar desta matéria foi a de n. 1.358/92, editada pelo Conselho
Federal de Medicina. Em 2010, foi editada a de n. 1.957, revogando a norma anterior. Após,
entrou em vigor a de n. 2.013, editada no ano de 2013 e que também revogou a de n. 1.957.
Em 2015, a Resolução n. 2.121/2015 foi editada e revogou a de n. 2.013. Recentemente, hou-
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 363

ve a publicação da Resolução n. 2.168/2017, em 10 de novembro de 2017, revogando a de


n. 2.013.
A fim de melhor visualizar as diferenças trazidas por estas quatro Resoluções, foram
elaboradas algumas tabelas comparativas, divididas por tópicos, a saber:

Tabela 1  Princípios gerais


Previsão Resolução Resolução Resolução Resolução Resolução
CFM n. CFM n. CFM n. CFM n. CFM n.
1.358/92 1.957/2010 2.013/2013 2.121/2015 2.168/2017
Idade máxima de Não Não Sim Sim, com Sim, com
50 anos exceções exceções
Número de Não superior Mulheres com Mulheres com Mulheres com Mulheres com
oócitos a serem a4 até 35 anos até 35 anos até 35 anos até 35 anos
implantados – até 2; – até 2; – até 2; – até 2;
mulheres mulheres mulheres mulheres
entre 36 e 39 entre 36 e 39 entre 36 e 39 entre 36 e 39
anos – até 3; anos – até 3; anos – até 3; anos – até 3;
mulheres com mulheres mulheres mulheres
40 ou mais – entre 40 e 50 entre 40 ou entre 40 ou
até 4 anos – até 4 mais – até 4 mais – até 4

A necessidade de consentimento informado, a proibição de seleção de sexo e a proi-


bição de redução embrionária foram igualmente previstas nas cinco resoluções.

Tabela 2  Pacientes das técnicas de reprodução assistida


Previsão Resolução Resolução Resolução Resolução Resolução
CFM n. CFM n. CFM n. CFM n. CFM n.
1.358/92 1.957/2010 2.013/2013 2.121/2015 2.168/2017
Participação de Não Não Sim Sim Sim
casal
homoafetivo
Gestação Não Não Não Sim Sim
compartilhada
em união
homoafetiva
feminina em que
não haja
infertilidade

A possibilidade de participação de mulher solteira foi prevista em todas as resoluções.


364 bioética, direito e medicina

Tabela 3  Doação de gametas ou embriões


Previsão Resolução Resolução Resolução Resolução Resolução
CFM n. CFM n. CFM n. CFM n. CFM n.
1.358/92 1.957/2010 2.013/2013 2.121/2015 2.168/2017
Limitação de Não Não 35 anos para 35 anos para 35 anos para
idade para mulher e 50 mulher e 50 mulher e 50
doadores anos para anos para anos para
homem homem homem

O anonimato do doador de gametas e embriões, assim como a gratuidade da doação,


foram previstos nas cinco resoluções.

Tabela 4  Criopreservação de gametas ou embriões


Previsão Resolução Resolução Resolução Resolução Resolução
CFM n. CFM n. CFM n. CFM n. CFM
1.358/92 1.957/10 2.013/2013 2.121/2015 n.
2.168/2017
Descarte de Não Não Sim – 5 anos Sim – 5 anos Sim – 3 anos
embriões (criopreserva- (criopreserva- (criopreserva-
dos) dos) dos e
abandona-
dos)

Tabela 5  Cessão temporária de útero (gestação de substituição)


Previsão Resolução Resolução Resolução Resolução Resolução
CFM n. CFM n. CFM n. CFM n. CFM n.
1.358/92 1.957/2010 2.013/2013 2.121/2015 2.168/2017
Parentesco da Até 2º grau Até 2º grau Até 4º grau Até 4º grau Até 4º grau
doadora de útero 1º grau – mãe 1º grau
2º grau – – mãe/filha
avó/irmã 2º grau –
3º grau – tia avó/irmã
4º grau – 3º grau – tia/
prima sobrinha
Demais 4º grau –
casos devem prima
ser Demais
analisados casos devem
pelo ser
Conselho analisados
Regional de pelo
Medicina Conselho
Regional de
Medicina
Limite de 50 Não Não Sim Não Não
anos para a
cedente do útero
Reprodução Não Sim Sim Sim Sim
assistida post
mortem
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 365

Por fim, a proibição do caráter lucrativo ou comercial foi prevista em todas as resoluções.
Depreende-se desta análise certa evolução no pensamento bioético para cada edição
da Resolução, a qual procurou se adaptar ao desenvolvimento social e ético da sociedade.
Um exemplo que ilustra bem esta afirmação é a autorização concedida pela Resolução
CFM n. 2.013/2013 para que o casal homoafetivo possa usufruir das técnicas de reprodu-
ção assistida, previsão que tem como respaldo a decisão do Supremo Tribunal Federal que
reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva (ADI n. 4.277
e ADPF n. 132). Vale destacar também que a Resolução CFM n. 2.121/2015 trouxe como
novidade a possibilidade de gestação compartilhada em união homoafetiva feminina em
que não exista infertilidade.
Outro exemplo é a possibilidade da reprodução assistida post mortem, desde o ano de
2010, por meio da Resolução CFM n. 1.957/2010, sob a condição de que haja autorização
expressa do falecido.
O mesmo, no entanto, não se pode falar para a limitação de 50 anos trazida pelas Re-
soluções CFM ns. 2.013/2013, 2.121/2015 e 2.168/2017, para que uma mulher se submeta a
uma das técnicas. Considerando os conflitos decorrentes desta limitação, entende-se que
pode significar um retrocesso no que tange à consolidação do princípio da autonomia da
paciente, além de afrontar o direito constitucional à liberdade de planejamento familiar.
Nessa senda, a Resolução CFM n. 2.168/2017 prevê de maneira explícita:

I – Princípios Gerais
[...] 3. [...]
§ 2º – As exceções a esse limite serão aceitas baseadas em critérios técnicos e científi-
cos fundamentados pelo médico responsável quanto à ausência de comorbidades da mu-
lher e após esclarecimento ao(s) candidato(s) quanto aos riscos envolvidos para a paciente
e para os descendentes eventualmente gerados a partir da intervenção, respeitando-se a au-
tonomia da paciente.

Em que pese não ter sido excluída esta limitação, abriu-se a possibilidade de realiza-
ção de técnicas de reprodução assistida em mulheres com idade superior a 50 anos, sob a
responsabilidade do médico.
Na exposição de motivos da Resolução CFM n. 2.121/2015, o Conselho Federal de Me-
dicina justificou a manutenção do requisito de 50 anos sob o argumento: “manter a limi-
tação da idade das candidatas à gestação de RA até 50 anos foi primordial, com o objeti-
vo de preservar a saúde da mulher, que poderá ter uma série de complicações no período
gravídico, de acordo com a medicina baseada em evidências”.
Destaque-se que, para a cessão temporária de útero, a Resolução CFM n. 2.168/2017,
atualmente em vigor, traz um capítulo específico, estabelecendo as regras que devem ser
seguidas por aqueles que pretendem utilizar esta técnica, lembrando que esta observân-
cia se dá tanto sob a ótica do médico quanto sob a ótica dos participantes.
A primeira delas diz respeito à necessidade de existir um problema médico que im-
peça ou contraindique a gestação na doadora genética ou um caso de união homoafetiva
para que a clínica ou o centro de reprodução se valha da gestação de substituição:
366 bioética, direito e medicina

VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero)


As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para
criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um proble-
ma médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de
união homoafetiva.

Além disso, a resolução exige que as candidatas à doadora de útero pertençam à fa-
mília de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau:

VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero)


[...]
1. A cedente temporária do útero deve pertencer à família de um dos parceiros em pa-
rentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe/filha; segundo grau – irmã/
avó; terceiro grau – tia/sobrinha; quarto grau – prima). Demais casos estão sujeitos à auto-
rização do Conselho Regional de Medicina.

Para esses casos, importante pontuar que cabe ao médico analisar a presença dos re-
quisitos e atuar de maneira independente e ética, não sendo necessária a intervenção pré-
via dos Conselhos de Medicina. A Resolução CFM n. 2.168/2017 incluiu duas figuras que
anteriormente não haviam sido mencionadas: filha e sobrinha. Com isso, amplia-se o rol
de mulheres da família que podem ceder o seu útero para outras.
Neste momento imperioso destacamos duas novidades trazidas pela Resolução CFM n.
2.121/2015 e mantidas pela Resolução CFM n. 2.168/2017. A primeira delas diz respeito à ex-
clusão do limitador de 50 (cinquenta) anos de idade para a cedente do útero, o qual era pre-
visto na revogada Resolução n. 2.013/2013, consequência lógica do abrandamento do requi-
sito etário para a realização de técnica de reprodução assistida. O segundo ponto que
merece menção é o fato de a Resolução trazer, de maneira expressa, a previsão de que os de-
mais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. Conclui-se, des-
sa forma, que se a doadora temporária de útero for parente consanguínea até quarto grau
de um dos genitores, é desnecessária a autorização dos Conselhos Regionais; contrariamen-
te, se não for, fica prevista a necessidade de autorização prévia dos Conselhos.
Quanto a este segundo ponto, entende-se que o Conselho Federal de Medicina teve a
intenção de deixar ainda mais clara a competência dos Regionais para autorizar os casos
que não se enquadrem totalmente nos requisitos previstos na resolução, competência esta
que antes se justificava pela disposição final que dizia que “casos de exceção, não previs-
tos nesta resolução, dependerão da autorização do Conselho Regional de Medicina” (Re-
solução CFM n. 2.168/2017, item IX).
No mais, o limitador do parentesco tem a intenção de corroborar com a determina-
ção de que a doação temporária de útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial “a
cessão temporária de útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial” (CFM, 2017,
item VII, 2). Isso porque, tendo a doadora de útero parentesco com um dos pais biológi-
cos, tornar-se-ia menos provável o pagamento de alguma contraprestação.
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 367

Depreende-se, entretanto, que os Conselhos de Medicina não possuem meios hábeis


para este tipo de fiscalização. Embora seja louvável a boa intenção dos Conselhos de Me-
dicina em procurar estabelecer mecanismos de controle sobre a proibição do caráter lu-
crativo e/ou comercial da cessão temporária de útero, não é possível afirmar que essa ques-
tão se resolva por meio das disposições das Resoluções.
O fato é que a chamada “barriga de aluguel” é proibida no Brasil tendo em vista a pre-
visão da Constituição Federal no seguinte sentido:

A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, te-
cidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a
coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de
comercialização. (art. 199, § 4º, da Constituição Federal)

Nessa mesma linha também dispõe a Lei de Transplantes ao permitir apenas a dispo-
sição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo próprio vivo, para fins terapêuticos ou
para transplantes, a saber:

É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e par-


tes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou paren-
tes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4º deste artigo, ou em qual-
quer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea.
(art. 9º, Lei n. 9.434/97)

Facilmente a cessão temporária de útero pode se encaixar nesses dispositivos, posto


se tratar de um ato de disposição temporária do corpo.
Indo além do que está previsto em nossa legislação, destaca-se a necessidade de se
avaliar, por meio de um debate no campo da Bioética, a pertinência de se permitir a dis-
posição do próprio corpo. Pergunta-se: teria o Estado a competência de normatizar a ma-
neira pela qual cada indivíduo pode dispor de seu próprio corpo?
Nos Estados Unidos, naqueles estados em que se admite a cessão temporária de úte-
ro, esta relação tem caráter comercial, recebendo a cedente do útero uma remuneração
pelo período em que estiver gestando o bebê evitando-se, assim, que a criança tenha con-
tato com a mãe substituta. Trata-se de um contrato oneroso (ALMEIDA, 2000, p.47).
Não obstante a ausência de legislação sobre o tema, é certo, porém, que houve algu-
mas tentativas desde o ano de 1993 de tramitação de projetos de lei (PL) sobre Reprodu-
ção Assistida na Câmara dos Deputados e no Senado Federal (BOYACIYAN, 2004).
Basicamente, esses projetos podem ser resumidos em apenas dois, quais sejam, PL n.
0054/2002 e PL n. 1.184/2003, após seguidos processos de apensamentos, emendas, trami-
tações conjuntas e arquivamentos.
De acordo com informações obtidas por meio do sítio eletrônico da Câmara dos De-
putados, o PL n. 1.184/2003 continua em tramitação e está aguardando parecer do relator
na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
368 bioética, direito e medicina

Já o PL n. 0054/2002 foi arquivado em razão da revogação da Resolução CFM n.


1.358/92.
O mencionado PL n. 1.184/2003, por sua vez, possui alguns dispositivos que merecem
menção.
O que pode ser considerado de maior impacto para o presente trabalho é justamente
a proibição expressa da gestação de substituição/cessão temporária de útero: “é proibida
a gestação de substituição” (art. 3º, Projeto de Lei n. 1.184/2003). Não bastasse a proibição,
o referido projeto prevê se tratar de crime participar do procedimento de gestação de subs-
tituição, na condição de beneficiário, intermediário ou executor da técnica: “constituem
crimes: [...] III – Participar do procedimento de gestação de substituição, na condição de
beneficiário, intermediário ou executor da técnica: Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três)
anos, e multa”.
Outra disposição bastante polêmica diz respeito à possibilidade de que a pessoa nas-
cida por processo de reprodução assistida tenha acesso, a qualquer tempo, à identidade
civil de seu doador, situação esta que hoje é proibida pela Resolução CFM n. 2.168/2017 e
é prevista no Projeto de Lei da seguinte maneira:

O sigilo estabelecido no art. 8º poderá ser quebrado nos casos autorizados nesta Lei,
obrigando-se o serviço de saúde responsável pelo emprego da Reprodução Assistida a for-
necer as informações solicitadas, mantido o segredo profissional e, quando possível, o ano-
nimato.
§ 1º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida terá acesso, a qualquer tem-
po, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que manifeste sua vontade li-
vre, consciente e esclarecida, a todas as informações sobre o processo que o gerou, inclusi-
ve à identidade civil do doador, obrigando-se o serviço de saúde responsável a fornecer as
informações solicitadas, mantidos os segredos profissional e de justiça. (art. 9º, Projeto de
Lei n. 1.184/2003)

Caso este Projeto de Lei venha a ser aprovado, ele mudará substancialmente a aplica-
ção das técnicas de reprodução assistida, ocorrendo a exclusão definitiva do método da
cessão temporária de útero, o que pode significar um retrocesso dos debates sobre repro-
dução humana assistida no Brasil. A regulamentação das técnicas de reprodução assisti-
da diante do avanço tecnológico e do surgimento de diferentes técnicas eliminaria possi-
bilidades cientificamente comprovadas, e já inseridas na sociedade, constituindo ato
arbitrário e retrógrado.
Sob o ponto de vista contratual, com base na doutrina do Direito Civil, há aqueles que
defendem ser nulo o contrato de gestação de substituição, por ilicitude do seu objeto, já
que uma criança não pode ser objeto de contrato (MALUF, 2010).
Há discordância também desse ponto de vista pois parte-se do pressuposto nesse tipo
de pactuação que o ser gerado pertence aos pais biológicos ou que manifestaram interes-
se pela maternidade/paternidade, sendo a doadora de útero somente portadora deste bebê
durante os meses de gestação, não possuindo sobre ele qualquer tipo de direito. O foco
deste contrato, portanto, se é que podemos classificá-lo desta maneira, é apenas o emprés-
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 369

timo do útero para gerar a criança e não a criança em si. E sob esta ótica, qualquer pessoa
pode dispor do seu corpo da maneira que lhe aprouver, havendo apenas o limite da gra-
tuidade previsto na legislação infralegal.

Doadora de útero não parente até o quarto grau – análise da Resolução


Cremesp n. 232/2011

Além das Resoluções emanadas pelo Conselho Federal de Medicina, os Conselhos


Regionais, valendo-se de sua competência legal residual, podem elaborar suas próprias
Resoluções, desde que obedecida a hierarquia de normas.
No caso da cessão temporária de útero, o Conselho Regional de Medicina do Estado
de São Paulo, por meio da Resolução CREMESP n. 232/2011 e regulamentando a Resolu-
ção CFM n. 1.957/2010, vigente na época, estabeleceu os requisitos que devem ser atendi-
dos pelos interessados na utilização da técnica de cessão temporária de útero cuja doado-
ra não pertença à família da doadora genética, em um parentesco até o segundo grau.
Esta ainda é a Resolução utilizada pelo CREMESP como parâmetro para a concessão
de autorização, embora duas outras resoluções do CFM tenham entrado em vigor poste-
riormente (n. 2.013/2013, n. 2.121/2015 e n. 2.168/2017). Assim, devem ser feitas as adapta-
ções necessárias para o encaixe da norma à atual Resolução CFM n. 2.168/2017.
A primeira delas é a de que a autorização se dá para os casos em que a doadora não
for parente até o quarto grau e não mais segundo grau, conforme dispõe a Resolução Cre-
mesp n. 232/2011.
O segundo ponto é que o parentesco da doadora do útero deve ser avaliado tanto sob
a ótica do pai biológico como da mãe biológica e não mais apenas da mãe.
Ultrapassadas essas observações que se fazem necessárias para uma melhor contex-
tualização da norma, passaremos para a análise da Resolução Cremesp n. 232/2011 em si.
Basicamente, a referida resolução traz em seu bojo os requisitos que devem ser obser-
vados e serão analisados em um eventual pedido de autorização para a realização da téc-
nica da cessão temporária de útero quando a doadora temporária de útero não for paren-
te até quarto grau da mãe ou do pai biológico. São eles:

I – Termo de Consentimento Informado assinado pelo casal infértil e pela doadora tem-
porária do útero, consignando:
A – Os aspectos biopsicossociais envolvidos no ciclo gravídico-puerperal;
B – Os riscos inerentes à maternidade;
C – A impossibilidade de interrupção da gravidez após iniciado o processo gestacional,
salvo em casos previstos em lei ou autorizados judicialmente;
D – A garantia de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes mul-
tidisciplinares, se necessário, à mãe que doará temporariamente o útero, até o puerpério;
E – Que a doação temporária do útero não possua caráter lucrativo ou comercial, nem
mesmo em caráter de ressarcimento;
F – A garantia do registro civil da criança pelo casal infértil (pais genéticos), devendo
esta documentação ser providenciada durante a gravidez;
370 bioética, direito e medicina

II – Descrição pormenorizada pelo médico assistente, por escrito, dos aspectos envol-
vendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de Reprodução Assistida, infor-
mando dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico, bem como os resultados já
obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta;
III – Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocio-
nal da doadora temporária do útero;
IV – Se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável, deverá
apresentar, por escrito, a aprovação do cônjuge ou companheiro;
V – Contrato entre o casal infértil (pais genéticos) e a doadora temporária do útero (que
recebeu o embrião em seu útero e deu à luz), estabelecendo claramente a questão da filia-
ção da criança;
VI – Atendidas as exigências supracitadas, mediante a apresentação a este Conselho Re-
gional de Medicina da documentação assinada pelas partes envolvidas, casal infértil e doa-
dora temporária do útero, este apreciará e decidirá sobre a autorização para a utilização das
técnicas de Reprodução Assistida.

O médico responsável pela realização do procedimento ingressa com o pedido de au-


torização no Cremesp, o qual receberá um número de protocolo e será analisado com base
nos requisitos supramencionados.
Se todos os documentos forem apresentados, a autorização é concedida; se não, o pe-
dido é indeferido.
Não obstante a intenção dos Conselhos de Medicina em zelar pela boa prática médi-
ca, trata-se de uma análise formal de documentos, prévia à realização de um ato médico.
A Lei Federal n. 3.268/57, ao criar os Conselhos de Medicina, estabeleceu as atribui-
ções dos Conselhos Regionais de Medicina, em seu art. 15, dentre os quais podemos des-
tacar “fiscalizar o exercício da profissão de médico” e “promover, por todos os meios ao
seu alcance, o perfeito desempenho técnico e moral da Medicina e o prestígio e bom con-
ceito da Medicina, da profissão e dos que a exerçam”.
Considerando a complexidade dos casos, bem como a tutela ética pelo bom exercício
da profissão médica, considera-se legítima referida análise.
Assim, cabe ao médico verificar se os participantes reúnem os requisitos necessários
para que a prática da cessão temporária de útero seja realizada, sempre com base nos pa-
râmetros fornecidos pelas normas éticas que devem servir como diretrizes para que o mé-
dico decida em cada caso.
Importante destacar que essa análise prévia não é garantia de que o procedimento
ocorrerá dentro dos parâmetros éticos e técnicos estabelecidos.
Em que pese ocorrer uma autorização prévia, o médico responsável não se exime de
uma posterior fiscalização da atividade, depois de realizada a técnica, assim como são fis-
calizadas todas as demais práticas médicas.
Nesse diapasão, o médico responsável pela aplicação da técnica, sempre respaldado
nas normas existentes, realiza a técnica se entendê-la cabível no caso concreto podendo,
porém, ser submetido a uma posterior apuração ética caso não obedeça às regras.
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 371

Vale destacar que além do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, o
do Estado de Minas Gerais também regulamentou referida autorização através da Reso-
lução n. 291/2007.
É possível que se use analogicamente, no que tange especificamente à regulamenta-
ção da necessidade de autorização para a realização da técnica da cessão temporária de
útero quando a doadora temporária de útero não for parente até quarto grau da mãe ou
do pai biológico, a chamada “Lei de Transplantes” que dispõe que devem ser submetidos
à apreciação do Judiciário os casos de disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do
próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes, para pessoas não cônju-
ges e não parentes consanguíneos até quarto grau, exceto no caso de medula óssea:

É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e par-


tes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou paren-
tes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4º deste artigo, ou em qual-
quer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea.
(art. 9º, Lei n. 9.434/97)

Diante do que foi exposto, não obstante a previsão de necessidade de autorização


prévia para a realização da prática da técnica da cessão temporária de útero quando a
doadora temporária de útero não for parente até quarto grau da mãe ou do pai biológi-
co, constituindo uma ação preventiva, os Conselhos Regionais de Medicina estão auto-
rizados a realizar a fiscalização posterior destes atos, com base nas normas éticas e bioé-
ticas em vigor.

Aspectos civis – filiação

Quando se estuda reprodução humana assistida as questões sobre filiação acabam vin-
do à tona, especialmente para os casos de cessão temporária de útero, por essa razão, ve-
remos a seguir algumas das considerações mais relevantes sobre o assunto.
Em síntese, podemos definir a filiação por meio de dois conceitos: o primeiro deles
diz respeito aos filhos biológicos, oriundos do material genético dos pais, enquanto o se-
gundo engloba os filhos não biológicos, ou seja, que não carregam o material genético,
decorrendo da socioafetividade, da adoção ou da reprodução assistida com a participa-
ção de doadores.
Importante destacar que a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 não
há mais nenhuma distinção entre os chamados filhos biológicos e não biológicos, os quais
possuem tratamento isonômico garantido constitucionalmente. Essa diferenciação se dá
apenas para fins conceituais.

Como se pode observar, o atual conceito de filiação está para muito além daquele que
outrora se empregava, em que a primazia do vínculo biológico era praticamente um dog-
ma. Hoje nova abertura se deu, o que, indubitavelmente, trouxe para a discussão jurídica
outras questões que deverão permear o conceito de filiação, consubstanciadas na verdadei-
372 bioética, direito e medicina

ra experiência paterno-filial, seja ela decorrente da adoção, da reprodução assistida ou do


afeto. (SCALQUETTE, 2010, p. 31-2)

No entendimento de Maluf (2010, p. 170), a tendência é a aplicação do princípio da


socioafetividade em detrimento da parentalidade biológica levando-se em conta o bem-
-estar do menor e seu interesse.
Pela normativa trazida pelo atual Código Civil, são cinco as previsões de presunção
de filiação que têm como pressuposto a relação conjugal dos pais. Em se tratando de filho
havido fora do casamento ou qualquer outro caso que não se enquadre nessas previsões,
é possível que o reconhecimento de paternidade e/ou maternidade se dê por meio de de-
claração espontânea ou de ação judicial.
O Código Civil de 2002 inseriu três incisos (III, IV e V), além dos já contidos no de
1916, ampliando o rol de presunções de filiação. São eles que tratam especificamente da fi-
liação decorrente da reprodução assistida, podendo ser considerado um grande avanço
no tratamento que o Direito dá ao tema. No entanto, verifica-se que referidos dispositi-
vos não abarcam todas as situações que a reprodução assistida pode ocasionar. O debate
jurídico e bioético vai muito além do que o Código Civil previu, deixando algumas lacu-
nas. Senão vejamos:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:


I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência con-
jugal;
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por
morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorren-
tes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização
do marido.

Uma primeira abordagem sobre a cessão temporária de útero é a possibilidade de que


esta prática traga a figura de até três mães: a biológica, a substituta e a social. Para a Reso-
lução CFM n. 2.168/2017, não há dúvidas de que a mãe social é a verdadeira mãe à luz do
Direito, à qual é conferida a prerrogativa de registro do filho. No entanto, coloca em ques-
tionamento a expressão mater semper certa est, já que a mãe gestacional não pode ser pre-
sumida como mãe.

Antigamente, poderia existir a paternidade incerta mas a maternidade era sempre cer-
ta; hoje, com os avanços da Medicina, já é possível ter maternidade e paternidade incertas
simultânea ou separadamente, como, por exemplo, na doação de embriões congelados, por
isso que é necessária uma nova ideia de filiação. (ALMEIDA, 2000, p. 33)
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 373

Analisando a legislação de outros países, verifica-se que na França é considerada mãe


aquela que dá à luz, sendo necessário que a mulher que cedeu o material genético adote
a criança para se tornar mãe. Nos demais países também prevalece a ideia de que mãe é
aquela que pariu a criança, em detrimento da definição da maternidade pelo material ge-
nético, dentre os quais podemos destacar a Alemanha, Inglaterra, Espanha e Portugal
(MALUF, 2010).
Destaque-se que nos Estados Unidos, na maioria dos Estados, é considerada mãe aque-
la que dá à luz, havendo exceções para outros, como Arkansas e Nevada, onde se consi-
dera válido atribuir a maternidade à mãe biológica (MALUF, 2010).
Outro ponto que também merece destaque e é pouco discutido diz respeito ao fato de
que, considerando que a cedente de útero, em regra, é parente de um dos pais biológicos
até o quarto grau, há o surgimento de figuras peculiares como “mãe-avó”, “mãe-tia”, “mãe-
-tia-avó” e “mãe-prima”. Não obstante hoje prevalecer a ideia da socioafetividade no am-
biente familiar, estas figuras ainda não encontram situação confortável na sociedade e são
pouco exploradas.
Se a mãe da mãe biológica, parente de primeiro grau, ou seja, avó da criança, gerar
seu neto, esta criança irá enxergá-la como mãe ou como avó? E esta avó conseguirá en-
xergar a criança como seu neto ou apenas como seu filho, já que saído de seu ventre? Como
explicar esta realidade para o ser gerado?
Essa reflexão faz concluir, em um primeiro momento, que poderia ser mais adequa-
do e menos prejudicial que a doadora de útero não fosse parente dos pais biológicos ha-
vendo vínculo entre ela e a família da criança apenas se todos estiverem de acordo e não
por uma imposição consanguínea.
Não se pode presumir que todas as famílias sejam 100% esclarecidas e capazes de con-
viver com esta realidade e, principalmente, que consigam repassar de maneira simples esta
situação a uma criança.
Após o parto, finalizado o contrato de cessão temporária de útero, deveria ser opção
da família da criança conviver com a cedente do útero ou não. Para isso, porém, indo para
o lado diametralmente oposto ao previsto na Resolução CFM n. 2.168/2017, a mãe gesta-
cional não deveria obrigatoriamente ser parente, mas sim pessoa que poderá, ou não, ter
algum tipo de vínculo com a família.
O que se quer pontuar é que a regra para a cessão temporária de útero não deveria ser
a obrigatoriedade de consanguinidade entre os pais biológicos e a doadora de útero, mas
sim a não consanguinidade, ficando a critério da família a escolha desta pessoa, dentro
dos demais parâmetros previstos na Resolução CFM n. 2.168/2017, sempre sob a supervi-
são do médico responsável.
Essa escolha a critério dos pais seria a consagração do princípio da autonomia dos pa-
cientes na realização da técnica os quais, com base nas suas convicções e estrutura fami-
liar, poderiam optar pela melhor e mais adequada doadora de útero.

Há na Medicina, a tentação de usar a autoridade do papel de médico para fomentar ou


perpetuar a dependência dos pacientes, em vez de promover sua autonomia. O cumprimen-
to da obrigação de respeitar a autonomia do paciente, entretanto, requer habilitá-lo para su-
374 bioética, direito e medicina

perar seu senso de dependência e obter o maior controle possível ou o controle que deseje.
Essas obrigações positivas do respeito à autonomia derivam em parte da relação especial-
mente fiduciária que os profissionais têm com seus pacientes, incluindo as obrigações afir-
mativas de revelar e conversar. (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2013, p. 145)

Nesse diapasão, se duas mulheres, igualmente, reunirem todas as condições físicas e


psicológicas para ceder o útero, a escolha deveria ser exclusiva dos pais, cabendo ao mé-
dico somente avaliar os critérios previstos nas normas bem como os aspectos médicos.
Dentro ainda das técnicas de reprodução assistida, questiona-se também a presunção
de paternidade trazida pelo art. 1.597, II, do Código Civil, quando dispõe que presumem
concebidos na constância do casamento os filhos nascidos nos trezentos dias subsequen-
tes à dissolução conjugal, no caso de congelamento de sêmen. Isso porque a coabitação
passa a ser desnecessária na fecundação através da inseminação artificial com a utilização
do sêmen congelado. Desta forma, por não ser aplicável a presunção de paternidade, o re-
conhecimento da filiação ocorre por meio da declaração de vontade do pai ou por meio
de ação judicial.
Em contrapartida, olhando sob a ótica do pai cujo filho foi concebido pela utilização
de sêmen doado, seria possível a contestação de paternidade, em que pese não haver pre-
visão na legislação.
Diniz (2014, p. 697) se posiciona no sentido de que a impugnação de paternidade só
é possível nos casos em que não houve anuência expressa do marido ou companheiro.
Para a autora (DINIZ, 2014, p. 697), “se se impugnar a fecundação heteróloga consentida,
estar-se-á agindo deslealmente, uma vez que houve deliberação comum dos consortes,
decidindo que o filho deveria nascer”.
França (2014, p. 367) defende que a legislação deveria prever que a morte dos benefi-
ciários não restabelece o poder parental dos pais biológicos e que o doador e seus paren-
tes não terão qualquer direito ou vínculo em relação à pessoa nascida a partir da realiza-
ção de uma técnica de reprodução assistida, salvo no que tange aos impedimentos
matrimoniais.
Sem a pretensão de trazer à baila todos os casos e desdobramentos possíveis, este item
teve apenas a intenção de ilustrar que uma regulamentação lacunosa pode deixar sem am-
paro muitas situações decorrentes da utilização da técnica de reprodução assistida que,
com o avanço da tecnologia, estão se tornando cada vez mais cotidianas.

Discussão – análise dos demais aspectos bioéticos

Segre e Cohen (2008), no artigo “Quem tem medo das (bio)tecnologias de reprodu-
ção humana assistida?”, defendem, sob o ponto de vista ético, a realização das técnicas de
reprodução assistida. Asseveram que consideram estas técnicas:

Necessárias para enfrentar problemas ligados à reprodução humana, desde que tal acei-
tação seja fruto do exercício da autonomia responsável em termos de reprodução, esteja
acompanhada pela indispensável vigilância em termos de biossegurança e haja razoável ga-
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 375

rantia de respeitar e/ou ponderar os direitos fundamentais dos sujeitos morais envolvidos.
(SEGRE; COHEN, 2008, p. 41)

O Código de Ética Médica atualmente em vigor por meio da Resolução CFM n.


1.931/2009 dá o tratamento ético à matéria em seus arts. 15 e 16, in verbis:

Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de te-
cidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.
§ 1º No caso de procriação medicamente assistida, a fertilização não deve conduzir sis-
tematicamente à ocorrência de embriões supranumerários.
§ 2º O médico não deve realizar a procriação medicamente assistida com nenhum dos
seguintes objetivos:
I – criar seres humanos geneticamente modificados;
II – criar embriões para investigação;
III – criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbri-
dos ou quimeras.
§ 3º Praticar procedimento de procriação medicamente assistida sem que os participan-
tes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo.
Art. 16. Intervir sobre o genoma humano com vista à sua modificação, exceto na tera-
pia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que resulte na modificação
genética da descendência.

O aspecto ético é essencial para direcionar a decisão da sociedade em não utilizar os


conhecimentos obtidos pela engenharia genética para criar seres humanos geneticamen-
te modificados em suas características de fenótipo, criação de seres híbridos ou quimeras,
nem permitir que sejam produzidos embriões com a exclusiva finalidade de investigação
e pesquisa. (DANTAS; COLTRI, 2010, p. 88)
O Conselho Federal de Medicina, preocupado com a implicação dos avanços da ciên-
cia na vida das pessoas, trouxe alguns limites éticos para os médicos que optem por tra-
balhar na área da reprodução humana assistida, dentre os quais pode-se destacar a proi-
bição de criar seres humanos geneticamente modificados, de criar embriões para
investigação e de criar embriões com finalidade de escolha de sexo, eugenia ou para ori-
ginar híbridos ou quimeras.
Outra exigência do referido diploma é a necessidade de que os participantes da téc-
nica da reprodução assistida estejam esclarecidos sobre o assunto bem como de acordo,
um evidente prestígio ao princípio da autonomia.
Seguindo esta linha, um tema que merece ser abordado é o tratamento aos embriões
excedentários, entendidos como aqueles que são produzidos pela fertilização in vitro e
não utilizados no respectivo procedimento. Vale destacar que a Resolução n. 2.121/2015
dispunha que poderia ocorrer o descarte de embriões, criopreservados por mais de 5 (cin-
co) anos, desde que esta fosse a vontade dos pais:

V – Criopreservação de gametas ou embriões


376 bioética, direito e medicina

[...]
4 – Os embriões criopreservados com mais de cinco anos poderão ser descartados se
esta for a vontade dos pacientes. A utilização dos embriões em pesquisas de células-tronco
não é obrigatória, conforme previsto na Lei de Biossegurança.

A legislação pátria, através da Lei Federal n. 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), pre-


vê a possibilidade de que, para fins de pesquisa e terapia, sejam utilizadas células-tronco
embrionárias obtidas dos embriões excedentários, desde que sejam embriões inviáveis e
congelados há 3 (três) anos ou mais na data da publicação da lei ou, se já congelados na
data da publicação da lei, completarem 3 (três) anos contados a partir da data de conge-
lamento. Em qualquer situação, porém, a lei exige o consentimento dos genitores, a saber:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco em-


brionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utiliza-
dos no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta
Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três)
anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

Já a Resolução CFM n. 2.168/2017 traz duas inovações, modificando o tempo de des-


carte para 3 (três) anos e prevendo a possibilidade de descarte de embriões abandonados,
entendidos como aqueles em que os responsáveis descumpriram o contrato pré-estabele-
cido e não foram localizados pela clínica.

V – Criopreservação de gametas ou embriões


4. Os embriões criopreservados com três anos ou mais poderão ser descartados se esta
for a vontade expressa dos pacientes.
5. Os embriões criopreservados e abandonados por três anos ou mais poderão ser des-
cartados.
Parágrafo único: Embrião abandonado é aquele em que os responsáveis descumpriram
o contrato pré-estabelecido e não foram localizados pela clínica.

O Conselho Federal de Medicina, na exposição de motivos da Resolução n. 2.168/57


esclarece que a Lei de Biossegurança (Lei n. 11.105/2005) permitiu a utilização, para pes-
quisa, de embriões congelados há três anos ou mais, na data da publicação da lei (28.03.2005).
Assim, por analogia, alterou-se de cinco para três anos o período de descarte de embriões.
Destaque-se que a previsão de descarte dos embriões abandonados é bastante polê-
mica posto que por um descumprimento contratual seria legítimo o descarte? E se esta
for a única oportunidade daqueles pais de se reproduzirem?
No mais, na ausência de consentimento dos genitores para o descarte, qual o destino
que deve ser dado aos embriões viáveis, que não foram utilizados por eles? Atualmente há
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 377

uma lacuna na legislação, gerando questionamentos e dúvidas sobre qual a conduta que
deve ser tomada diante dos embriões excedentários.
França (2014, p. 369) entende que a única alternativa para os embriões excedentários
é mantê-los congelados à disposição dos pais genéticos ou disponibilizá-los para a utili-
zação de casais estéreis, desde que autorizado. Este é o entendimento da maioria dos au-
tores.
Considerando que o descarte e a destruição são vedados tanto pelas normas éticas
quanto pelas normas legais, quando não há autorização expressa dos genitores, seriam
viáveis apenas dois destinos para referidos embriões, além do uso para pesquisas: implan-
tação ou doação.
Scalquette (2010, p. 207) defende que deve ocorrer um esforço no sentido de que os
embriões sejam concebidos em número suficiente para a prática da reprodução, não ge-
rando número excedente.
Em que pese as dúvidas acerca do tema, uma coisa é unânime: qualquer que seja a de-
cisão sobre o destino dos embriões, é imprescindível a concordância expressa dos genito-
res. Os médicos, portanto, devem se precaver neste sentido, esclarecendo os interessados
sobre todas as possibilidades e obtendo autorização expressa dos mesmos para todas as
opções de cada caso.
Outro aspecto que merece análise diz respeito aos questionamentos futuros que o fru-
to da concepção pode realizar no que tange à sua identidade genética.
Atualmente, de acordo com a Resolução CFM n. 2.168/2017, doadores e receptores não
devem conhecer a identidade genética uns dos outros. Desta forma, o anonimato do doa-
dor retira da criança o direito de saber sua parentalidade biológica.
De acordo com Diniz (2014, p. 695), o direito à identidade genética “é o de saber a his-
tória da saúde dos seus parentes consanguíneos para fins de prevenção de alguma molés-
tia física ou mental ou de evitar incesto, logo não gera o direito à filiação, nem o direito
alimentar e tampouco o sucessório”.
Scalquette (2010, p. 229) defende que para os casos de reprodução assistida deve ser
dado o mesmo tratamento oferecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente nos casos
de adoção. De acordo com o art. 48 do referido diploma legal, o adotado tem o direito de
conhecer a sua identidade biológica após completar 18 anos de idade: “o adotado tem di-
reito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo
no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito)
anos” (art. 48, ECA).
Referido dispositivo deveria ser aplicado analogicamente àqueles que são fruto de re-
produção assistida e desejam conhecer sua ascendência biológica, valendo lembrar que
não se trata de um dever, mas sim de um direito.
Conclui-se, destarte, que o anonimato deve ser relativizado, garantindo-se o conhe-
cimento à identidade genética, destacando-se ser sempre necessária a intervenção judi-
cial para tanto. Imperioso que os bancos de gametas criem um controle dos doadores a
fim de possibilitar uma eventual e futura busca de seus descendentes biológicos.
Não obstante a Resolução CFM n. 2.168/2017 assim como as anteriores serem claras
no sentido de que não há impedimento para que mulheres solteiras ou até mesmo viúvas
378 bioética, direito e medicina

se submetam a alguma técnica de reprodução assistida, há ainda questionamentos sobre


esta possibilidade sob o argumento de que a criança tem o direito do biparentesco, o qual
será suprimido desde o seu nascimento.
França (2014, p. 366) sustenta que havendo um casal homoafetivo masculino em que
um deles fornece o sêmen, o filho terá o sobrenome dos dois genitores grafados no docu-
mento como “pais”. O mesmo autor entende também não haver óbice para que uma mu-
lher solteira realize técnica de reprodução assistida, com sêmen doado, sendo que a crian-
ça terá apenas um progenitor.
Em posição diametralmente oposta, Barchifontaine (2004, p. 139) entende que as téc-
nicas de reprodução assistida devem ser aplicadas somente a casais heterossexuais, deven-
do ser excluídas também desta prática as situações em que o nascituro tenha somente pai
ou mãe, sejam por inseminação post mortem, de uma mulher isolada ou de um homem
isolado.
Segue este mesmo entendimento a autora Machado (2012, p. 123-4) quando defende
que, não obstante a Constituição Federal prever a possibilidade de famílias monoparen-
tais, em seu art. 226, § 4º – “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes” – a proteção diz respeito somente
àquelas famílias que se iniciaram biparentais porém, por situações decorrentes da vida tais
como divórcio, morte, abandono, passaram a ser constituídas por apenas um dos pais, es-
tando excluídas as situações em que a família já se inicia com apenas um deles.
Diante deste debate visualiza-se um conflito entre dois direitos fundamentais, quais
sejam, o direito à procriação e o direito à vida e à saúde da criança. Quando se trata de re-
produção assistida, muitos aspectos devem ser avaliados pelo médico e por sua equipe an-
tes de se iniciar o procedimento, inclusive os psicológicos, não sendo possível igualar to-
das as situações para criar uma regra comum e estanque.
No entanto, na sociedade atual onde se lida diariamente com os mais diversos tipos
de família os quais sempre existiram, mas eram marginalizados, não se pode conceber a
ideia de impedir a procriação por uma pessoa sozinha, seja porque é solteira ou viúva, ou
por um casal homoafetivo. Não é factível afirmar que uma criança que possui mãe e pai é
mais feliz ou mais saudável que uma que tem somente a sua mãe ou o seu pai, ou duas
mães e dois pais, valendo lembrar as inúmeras situações de desrespeito e até mesmo de
violência que existem nas famílias chamadas biparentais. Também não são raras as famí-
lias com pai e mãe em que um deles é extremamente ausente e sequer participa da educa-
ção da criança.
Nesse diapasão, o que se deseja demonstrar é que uma família constituída tradicio-
nalmente não é garantia de felicidade e saúde, razão pela qual a reprodução assistida deve
ser admitida em qualquer tipo de constituição familiar, desde que esta família contenha
condições para criar uma criança.
Ademais, adentrando a um debate mais profundo, a felicidade do ser gerado seria re-
quisito que demanda análise?
Ainda dentro do tema reprodução humana assistida há autores, como Barchifontai-
ne (2004, p. 134), que sustentam a necessidade de se avaliar um justo equilíbrio entre di-
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 379

reitos individuais e coletivos, no que tange à busca pela maternidade por qualquer meio,
tendo em vista as milhares de crianças disponíveis para a adoção.
França (2014, p. 369) é outro deles que defende:

Em vez dos formidáveis investimentos dos programas chamados “bebês de proveta”,


melhor seria uma alternativa mais solidária e mais humana em favor dos “bebês de sarjeta”
– marginalizados, sofridos e abandonados nos alagados, nos mocambos e nas palafitas e,
até, nas creches e orfanatos, à espera de uma mãe acolhedora e afetuosa.

Embora alguns valores éticos e morais sempre estejam presentes nas decisões das pes-
soas, em uma discussão bioética não pode ser levado como absoluto o princípio de que o
interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse individual. No que diz respeito espe-
cificamente à reprodução assistida, deve caber à pessoa que escolheu ser pai ou mãe defi-
nir por qual meio irá realizar seu desejo quando está diante da impossibilidade de gerar
um filho pelos meios considerados habituais, especialmente se os pais financiarem o tra-
tamento.
Sendo assim, não pode ser transferido a essas pessoas o ônus de abrandar o proble-
ma social relativo às crianças abandonadas à espera de uma adoção, sendo de sua livre es-
colha adotar ou se submeter a uma técnica de reprodução assistida.
Demais paradigmas morais e religiosos, respeitadas todas as crenças e culturas, não
podem ser subterfúgios para o retardamento da evolução científica, cabendo a cada ser
individual optar por aquilo que entende melhor para si. Segre e Cohen (2008, p. 41-2), de
forma brilhante, explicitam esta ideia:

Sob esse ponto de vista, consideramos inconsistentes os principais argumentos morais


utilizados para recusar as novas técnicas de reprodução assistida, a saber: a ilicitude de in-
tervir nos processos naturais; a “desmedida” (hybris) resultante da soberba humana que, ao
intervir e reprogramar os processos naturais, estaria “jogando o papel de Deus” (playing
God) de forma indevida; a prioridade lexical que deveria ser atribuída, em casos de inferti-
lidade, à adoção de bebês desprotegidos (órgãos, abandonados, não desejados etc.) e à re-
produção “a qualquer custo e com qualquer meio”. Tais argumentos derivam sua inconsis-
tência do pressuposto segundo o qual o ser humano não teria o direito de transformar sua
identidade biológica, que deveria ser considerada natureza inalterável, destino que o Ho-
mem deveria aceitar como é, por tratar-se de dádiva divina (pressuposto religioso) ou o pro-
duto de um processo teleonômico, guiado pelo “finalismo intrínseco” possuído por todos
os sistemas vivos (pressuposto naturalista).
Em outros termos, pode-se considerar eticamente legítimas as práticas humanas que
tentam transformar a biologia humana em prol de melhor qualidade de vida para os indi-
víduos da espécie humana, desde que isso seja feito com razoável segurança, estabelecida
pública e democraticamente por cada época e sociedade, e trouxer benefícios em termos de
saúde e de qualidade de vida para os indivíduos humanos, sem prejudicar aquelas de outros
seres humanos nem, desnecessariamente, a qualidade de vida de outros seres vivos e a qua-
lidade de ambientes naturais.
380 bioética, direito e medicina

Adentrando-se especificamente aos aspectos da cessão temporária de útero, muitos


são os debates que cercam o tema, alguns deles já abordados neste trabalho os quais, em
sua grande maioria, encontram-se ainda inconclusivos.
Além de tudo que já foi tratado, faz-se relevante destacar as questões relativas à mu-
lher que gestou a criança e que irá entregá-la para a mãe biológica. Há muitas abordagens
com relação ao desejo da mulher de ser mãe, valendo-se do útero de outra mulher para
tanto, mas pouco se fala daquela que carregou a criança nove meses em seu ventre. Não
se pode negar que a doadora de útero estabelece um vínculo com aquele bebê, já que for-
nece a ele informações nervosas, hormonais e humorais, não obstante não ser dela a car-
ga genética, razão pela qual ela merece todo o cuidado.
França (2014, p. 369) destaca esta questão nem sempre posta em discussão, sob a óti-
ca da mãe gestacional:

O processo já é viciado na sua raiz, não só pela degradação da mulher no que lhe exis-
te de mais exaltado – a maternidade –, mas, também, porque não estamos muito preocupa-
dos com a outra mulher, a mais carente, a que enfrentará o ônus físico e psicológico da gra-
videz e do parto, que sofrerá a discriminação e o repúdio da sociedade consumista.

Muitas são as dúvidas que pairam sobre este procedimento, não sendo possível ainda
avaliar qual o tipo de relação que a cedente do útero estabelece com o bebê, nem qual é o
padrão de comportamento desta mulher após o parto. Entretanto, não deve ser afastada
de maneira preliminar a possibilidade de realização desta prática enquanto ela não esti-
ver totalmente inserida na sociedade, devendo ser feitas as adequações e mudanças ne-
cessárias conforme o amadurecimento do tema. A análise e a discussão periódicas devem
ocorrer.
Importante destacar que, embora existam todos esses questionamentos acerca do tema,
a realização da técnica de reprodução assistida com utilização de útero de substituição
deve continuar sendo realizada como uma forma de procriação, desde que haja um pre-
paro das pessoas participantes do procedimento, não bastando que assinem um docu-
mento de consentimento livre e esclarecido mas que, verdadeiramente, saibam todos os
desdobramentos desta prática. É necessário também dar mais atenção à mulher que em-
prestará o seu útero, a qual deve ser cuidadosamente preparada para este momento.

Referências bibliográficas
1. ALMEDIA, A.M. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
2. BARCHIFONTAINE, C.P. Bioética e início da vida: alguns desafios. Aparecida: Ideias e Letras/Centro
Universitário São Camilo, 2004.
3. BEAUCHAMP, T.L.; CHILDRESS, J.F. Princípios de ética biomédica. 3.ed. São Paulo: Loyola, 2013.
4. BERLINGUER, G. Bioética cotidiana. Brasília: Universidade de Brasília, 2004.
5. BOYACIYAN, K. (coord.). Ética em ginecologia e obstetrícia. 3.ed. São Paulo: Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo, 2004.
6. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 1.184/2003. Dispõe sobre a Reprodução assistida.
Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=118275.
Acesso em: 2 dez. 2017.
aspectos bioéticos da reprodução humana assistida na modalidade cessãotemporária de útero 381

7. ______. Congresso. Senado. Projeto de Lei n. 0054/2002. Institui normas para a utilização de técni-
cas de reprodução assistida. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/ma-
teria/50564. Acesso em: 2 dez. 2017.
8. ______. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.246, de 8 de janeiro de 1988. Dispõe sobre o
Código de Ética Médica. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/ver-
sao_impressao.php?id=2940. Acesso em: 2 dez. 2014.
9. ______. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.358, de 11 de novembro de 1992. Adota as Nor-
mas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida, anexas à presente Resolução como
dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/li-
brary/modulos/legislacao/versao_impressao.php?id=2970. Acesso em: 2 dez. 2014.
10. ______. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.931, de 17 de setembro de 2009. Dispõe sobre
o Código de Ética Médica. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/ver-
sao_impressao.php?id=8822. Acesso em: 2 dez. 2014.
11. ______. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.957, de 15 de dezembro de 2010. Adota as Nor-
mas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida, anexas à presente Resolução como
dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/li-
brary/modulos/legislacao/versao_impressao.php?id=9769. Acesso em: 2 dez. 2014.
12. ______. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 2.013, de 16 de abril de 2013. Adota as Normas
Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida, anexas à presente Resolução como dis-
positivo deontológico a ser seguido pelos médicos. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/
modulos/legislacao/versao_impressao.php?id=11185. Acesso em: 2 dez 2014.
13. ______. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 2.121, de 16 de julho de 2015. Adota as normas
éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoamento
das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudarão a trazer maior segurança
e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos – tornando-se o dispositivo deontológico a ser se-
guido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM n. 2.013/2013, publicada no DOU de 9
de maio de 2013, Seção I, p. 119. Disponível em: https://www.cremesp.org.br/library/modulos/legisla-
cao/versao_impressao.php?id=13408. Acesso em: 18 out. 2015.
14. ______. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 2.168, de 21 de setembro de 2017. Adota as nor-
mas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoa-
mento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudam a trazer maior segu-
rança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos – tornando-se o dispositivo deontológico a
ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM n. 2.021/2015, publicada no DOU
de 24 de setembro de 2015, Seção I, p. 117. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/modu-
los/legislacao/versao_impressao.php?id=14759. Acesso em: 26 nov. 2017.
15. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 2 dez. 2014.
16. ______. Lei Federal n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 2 dez. 2014.
17. ______. Lei Federal n. 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art.
225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de ativida-
des que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho
Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CT-
NBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei n. 8.974, de 5 de janeiro
de 1995, e a Brasil. Medida Provisória n. 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10
e 16 da Lei n. 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm. Acesso em: 18 dez. 2017.
18. ______. Lei Federal n. 3.268 de 30 de setembro de 1957. Dispõe sobre os Conselhos de Medicina e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3268.htm. Acesso em:
7 nov. 2015.
19. ______. Lei Federal n. 9.434 de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e
partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9434.htm. Acesso em: 19 jan. 2015.
20. ______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277. Protocolado em
22/07/2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?inci-
dente=11872. Acesso em: 2 dez. 2017.
382 bioética, direito e medicina

21. ______. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132.
Protocolado em 27.02.2008. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAnda-
mento.asp?incidente=2598238. Acesso em: 2 dez. 2017.
22. DANTAS, E.; COLTRI, M. Comentários ao Código de Ética Médica. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2010.
23. DINIZ, M.H. O estado atual do Biodireito. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
24. FRANÇA, G.V. Comentários ao Código de Ética Médica. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.
25. ______. Direito médico. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
26. MACHADO, M.H. Reprodução humana assistida: aspectos éticos e jurídicos. Curitiba: Juruá, 2012.
27. MALUF, A.C.R.F.D. Curso de Bioética e Biodireito. São Paulo: Atlas, 2010.
28. MINAS GERAIS (Estado). Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais. Resolução n.
291/2007, de 24 de abril de 2008. Dispõe sobre a substituição uterina e dá outras providências. Dispo-
nível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CRMMG/resolucoes/2007/291_2007.pdf. Aces-
so em: 18 out. 2015.
29. SÃO PAULO (Estado). Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Resolução n. 232, de
4 de outubro de 2011. Estabelece, com base na Resolução CFM n. 1.957/10, Inciso VII, item 1, os requi-
sitos que devem ser atendidos pelos interessados na utilização das técnicas de reprodução assistida,
de “doadoras temporárias de útero” que não pertencem à família da doadora genética, num parentes-
co até o segundo grau, para fins de autorização do Conselho Regional de Medicina do estado de São
Paulo. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/versao_impressao.
php?id=10284. Acesso em: 2 dez. 2014.
30. ______. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Resolução n. 165, de 10 de julho de
2007. Estabelece, com base na Resolução CFM n. 1.358/92, Inciso VII, item 1, os requisitos que devem
ser atendidos pelos interessados na utilização das técnicas de reprodução assistida, de “doadoras tem-
porárias de útero” que não pertencem à família da mulher infértil para fins de autorização do Conse-
lho Regional de Medicina do estado de São Paulo. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/library/
modulos/legislacao/versao_impressao.php?id=7345. Acesso em: 2 dez. 2014.
31. SCALQUETTI, A.C.S. Estatuto da Reprodução Assistida. São Paulo: Saraiva, 2010.
32. SEGRE, M.; COHEN, C. Bioética. 3.ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

Você também pode gostar