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Amiloidose Cardíaca

Definição: A doença caracteriza-se por depósito de fibrilas amiloides nos órgãos como coração,
pulmão, rins, fígado, sistema nervoso periférico. O depósito dessas fibrilas gera disfunção
orgânica e uma série de manifestações clínicas.

Fisiopatologia

O mecanismo fisiopatológico pode envolver a proliferação de imunoglobulinas de cadeia leve,


por vezes associada a mieloma múltiplo ou mutação de proteína transtirretina. Em ambos os
casos, há infiltração cardíaca por proteínas.


Tipos de Amiloidose

As principais proteínas causadoras de amiloidose cardíaca são a amiloidose de cadeia leve


(AL) e a amiloidose pela transtirretina (ATTR), que é dividida em dois subtipos: amiloidose
sistêmica senil (SSA) ou transtirretina tipo selvagem (ATTRwt) e amiloidose hereditária, em
que há mutação no gene da trasntirretina (ATTRm). A transtirretina é uma proteína produzida
no fígado, diferente das proteínas de cadeia leve produzidas por linfócitos. A amiloidose
sistêmica (AA), através da infiltração da proteína amiloide no órgão, também pode causar
cardiopatia em raros casos.

Faixas etárias de acometimento:


AL: ≥ 40 anos (pior prognóstico);

SSA ou ATTRwt: > 60 (mais comum); > 70 anos (prognóstico mais favorável);

ATTRm: Variável, mais comum entre 30-70 anos.


Apresentação Clínica

Anamnese

A apresentação clínica ocorre na forma de insuficiência cardíaca, arritmias ou angina. O


envolvimento cardíaco varia entre as apresentações da doença, e o prognóstico é pior em
pacientes com amiloidose de cadeia leve. Dada a gama variável de apresentações clínicas, o
diagnóstico geralmente é tardio.

O paciente costuma se queixar de dispneia aos esforços e edema de membros inferiores. O


edema agudo de pulmão não é comum. Pode haver queixa de síncope, tonteira, fadiga, dor
precordial.

Arritmias são incomuns na doença AL, sendo a síncope ocasionada por baixo débito na
incapacidade do coração de se encher de sangue suficiente na diástole. Por sua vez, na
doença ATTR podem ocorrer síncopes por bradiarrtimias, principalmente disfunção do nó
sinusal ou bloqueios atrioventriculares de alto grau. São infrequentes as arritmias
ventriculares.

A amiloidose, principalmente em conjunto com a fibrilação atrial, leva a alto risco


cardioembólico, aumentando a incidência de AVC na doença.

O comprometimento microvascular pode gerar púrpura, claudicação intermitente ou angina, já


o comprometimento neurológico pode gerar parestesias, sensação de pesos no membros, dor
e disautonomia. Além disso, pode haver comprometimento do pericárdio, gerando derrame
pericárdico (esse raramente causando tamponamento), e nos pacientes com AL pode haver
comprometimento renal.

Sintomas sistêmicos podem englobar fadiga, mal-estar, perda ponderal, perda de apetite,
sangramento gastrointestinal e dor característica de síndrome do túnel do carpo.

Exame Físico

Pode haver macroglossia nos casos de amiloidose AL. Outros indícios como síndrome do
túnel do carpo bilateral, ruptura atraumática do tendão do bíceps, dor neuropática não
explicada, hipotensão ortostática ou diagnóstico de miocardiopatia hipertrófica depois da 6ª
década de vida podem estar presentes no quadro clínico.

Hipertrofia ventricular esquerda (HVE) sem causa aparente ou miocardiopatia restritiva devem
levar a cogitar o diagnóstico.

O exame cardiovascular pode apresentar normo ou hipotensão, turgência jugular, edema de


membros inferiores e hepatomegalia. As válvulas, em geral, não são acometidas, entretanto
pode haver regurgitação secundária ao aumento pressórico das cavidades, gerando sopros
cardíacos.


Abordagem Diagnóstica

O diagnóstico precoce é o ponto-chave para o início do tratamento efetivo. Quadros muito


avançados respondem mal à terapêutica.

Eletrocardiograma (ECG): Pode mostrar baixa voltagem (< 1 mV nas precordiais e < 0,5 mV
nas periféricas). Esse achado, associado ao espessamento da parede ventricular em exames
de imagem, é bastante sugestivo de amiloidose. Atraso na condução, bloqueio de ramo
esquerdo e área inativa também podem ser encontrados. A baixa voltagem do QRS no ECG
não é específica de amiloidose, tão pouco sua ausência descarta o diagnóstico.

Ecocardiograma: O aumento na espessura das paredes ventriculares e a presença de


restrição diastólica são os principais achados no ecocardiograma, o diagnóstico deve ser
suspeitado quando não há explicação para hipertrofia ventricular (lesão valvar, hipertensão).
Aumento da espessura da parede do VD e derrame pericárdico também podem ser
encontrados, mas são inespecíficos. Uma técnica do ecocardiograma chamada Apical Sparing
of Longitudinal Strain é capaz de distinguir amiloidose cardíaca de outras causas de HVE.
Ressonância magnética (RM) do coração: O depósito de fibrilas amiloides aumenta o
espaço extracelular do miocárdio. Como o gadolínio (contraste usado na RM) não penetra na
célula, o realce tardio é maior em pacientes com amiloidose, sendo esse um sinal
característico e marcador de pior prognóstico na doença.

Exames laboratoriais: Apesar de não serem específicos, exames como BNP, NT-pró-BNP
elevados e a eletroforese de proteínas mostrando um pico monoclonal de paraproteína (AL)
podem complementar o diagnóstico em casos suspeitos.

Biópsia endomiocárdica: Somente a biópsia pode confirmar o diagnóstico de amiloidose


quando se cora a peça com o vermelho congo. A biópsia não é capaz de confirmar o subtipo
de amiloidose, confirmação essa necessária. A amiloidose AL é confirmada por meio de
pesquisa sérica de cadeias leves e eletroforese / imunofixação de proteínas plasmáticas e
urinárias. Já a amiloidose ATTR necessita de avaliação do DNA para identificação da proteína
mutante. Cintilografias ósseas com 99mTC-pirofosfato (PYP) ou 99m3,3 difosfono-1,2 ácido
propanodicarboxílico (DPD) podem identificar de forma específica complexos amiloides ATTR.

Biópsia de outros tecidos: Biópsias da gordura abdominal, do reto ou do rim podem trazer o
diagnóstico de maneira menos invasiva. O acúmulo de conteúdo hialino, amorfo e corado pelo
vermelho congo é a marca da doença.


Diagnóstico Diferencial

Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada; * INFO


Miocardiopatia hipertrófica; * INFO
Endomiocardiofibrose; * INFO
Sarcoidose; * INFO
Pericardite constritiva. * INFO

Abordagem Terapêutica

O tratamento da insuficiência cardíaca na doença é um desafio pelo distúrbio autonômico e a


insuficiência renal muitas vezes presentes nestes pacientes. IECA/BRA e betabloqueadores
podem ser prejudiciais e não mostram benefício no tratamento deste tipo de doente, por isso a
importância do diagnóstico correto. Os bloqueadores dos canais de cálcio úteis no tratamento
da insuficiência cardíaca de fração de ejeção normal são contraindicados na doença. A terapia
visa aliviar os sintomas com diuréticos de alça ou antagonistas da aldosterona.

Os dispositivos de assistência ventricular apresentam um desafio em seu uso, devido ao


tamanho da cavidade ventricular. O benefício do cardiodesfibrilador implantável é questionável
na doença, mesmo em pacientes com indicações clássicas do implante.
Em pacientes que apresentem fibrilação atrial, a anticoagulação é indicada,
independentemente do escore de CHADSVasc Z CALC . Alguns pacientes com amiloidose
podem ter maior risco de sangramento, portanto uma avaliação criteriosa deve ser realizada
antes de iniciar a anticoagulação. Apesar dos dados limitados, parece não haver mais
sangramento em pacientes que usam varfarina ou anticoagulantes orais diretos. Para
pacientes em ritmo sinusal, a anticoagulação deve ser empregada caso haja evidência de
trombos ou remora em apêndice atrial.

Ainda na fibrilação atrial, pacientes com alta resposta ventricular podem se beneficiar do uso
da Digoxina. É sempre bom levar em conta que há maior risco de intoxicação digitálica * INFO
pela relação da Digoxina e das proteínas envolvidas na amiloidose. A Amiodarona é
geralmente bem tolerada na doença.

Tratamentos Específicos

Amiloidose de cadeia leve: Em pacientes com amiloidose AL, o diagnóstico precoce é a


chave para um melhor prognóstico. O tratamento específico é realizado com quimioterápicos
e/ou transplante autólogo de medula óssea. Este último está contraindicado em pacientes
com cardiopatia avançada (NYHA III e IV). O tratamento específico é mais abordado em
tópico próprio, para mais informações, acesse Doença de Depósito de Cadeia Leve. * INFO
Amiloidose pela transtirretina: Nesses pacientes, o tratamento específico é feito com o
Tafamidis. O medicamento é capaz de reduzir a mortalidade cardiovascular, além de melhorar
a qualidade de vida e reduzir internações pela doença. Pacientes com ATTRm podem se
beneficiar do transplante hepático, sendo inclusive, por vezes, uma terapia curativa. Pacientes
com ATTRwt não se beneficiam dessa terapêutica.

Guia de Prescrição 

Autoria

Autor(a) principal: Gabriel Quintino Lopes (Clínica Médica e Cardiologia).

Equipe adjunta:

Marcos Paulo Lacerda (Cardiologia e Ecocardiografia);

Eraldo Moraes (Cardiologia, Eletrofisiologia, com especialização em Marca-passo).


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