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A chamada Teoria Política Feminista ocupa um lugar sui generis dentro da tradição
política em geral. Como afirma Biroli (2017, p. 174-175), esse campo se distingue de outros
por ser uma teoria feita primariamente por mulheres enquanto mulheres, ou seja, reivindicando
essa identidade como relevante para a reflexão sobre o político e problematizando a exclusão
sistemática acerca do gênero na literatura canônica, que possui claro viés masculino, branco,
heterossexual e do Norte Global.
Isso não significa que o objeto primário de uma teoria política feminista sejam as
mulheres ou mesmo as relações de gênero. Esse conjunto de autoras pretende refletir sobre os
mesmos objetos da teoria canônica (como a natureza do poder legítimo, as instituições, os
movimentos sociais, a democracia), imprimindo nessas reflexões a categoria de gênero para
problematizar as afirmações anteriormente realizadas sobre essas temáticas (BIROLI, 2017, p.
175).
Uma outra característica distintiva da teoria política feminista é a relação entre a
normatividade e a empiria. Justamente por se colocar a partir da posição de subalterna, as
teóricas feministas questionam a divisão arbitrária entre o teórico e o empírico. Para a teoria
política feminista, a prática é inseparável da teoria, e a teoria se informa pela prática. A teórica
feminista é, nessa medida, uma ativista que usa a sua experiência e a de outras mulheres para
avançar a teoria política como um todo, ressaltando que as relações de gênero são temas de
interesse e prioritários no âmbito da ciência política, que não pode negligenciar as relações de
gênero historicamente construídas ao teorizar sobre o político.
Bayes (2012) vai além do debate epistemológico sobre os pressupostos da teoria política
feminista, mapeando seu desenvolvimento histórico e analisando seus temas de interesse. Para
a autora, esse campo se interessa especialmente por quatro grandes discussões: (i) uma reflexão
desde o Sul acerca das relações entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos,
demonstrando como a economia global do conhecimento subordina os conhecimentos dessas
regiões e como isso afeta as relações de gênero; (ii) uma preocupação mais voltada para a
representação e a democracia, refletindo sobre como os espaços de decisão são também espaços
historicamente masculinos e a consequência dessa conformação para grupos subalternos; (iii)
uma reflexão interdisciplinar acerca da divisão entre o público e o privado; e (iv) uma crítica
aos conceitos e teorias clássicos da teoria política, mostrando como essas formulações guardam
em si pressupostos de gênero que inevitavelmente se refletem nas conclusões tiradas, com
notáveis consequências para a disciplina.
As teorias políticas feministas surgem a partir de três grandes avanços: (i) o próprio
desenvolvimento capitalista, com a consequente mudança no mercado de trabalho e nas
relações entre o público e o privado de maneira geral; (ii) os movimentos sociais de mulheres
nos séculos XX e XXI, que possibilitaram a emergência de novos esquemas teóricos que se
aproveitam da experiência prática; e (iii) a própria consolidação da ciência política como
disciplina autônoma, representada pela institucionalização da International Political Science
Association (IPSA).
Atualmente, as teorias políticas feministas estão representadas dentro do campo mais
amplo da ciência política em, ao menos, três comitês de pesquisa da IPSA: o Research
Committee on Sex Roles and Politics (RC-19), o Research Group on Women, Politics, and
Developing Nations (RC-7) e o recente Research Committee on Gender, Globalization and
Democratization (RC-52). Os temas trabalhados por esses comitês são altamente
interdisciplinares e, em alguns momentos, chegam a se confundir, embora cada um desses
comitês tenham uma dinâmica própria e um contexto distinto de formação.
O texto clássico de Pateman (1988) representa uma confluência de diversas tendências
dentro do campo da teoria política feminista. Em primeiro lugar, está relacionado à crítica da
divisão público-privado, representado por uma formulação em que o próprio contrato social
teorizado pelos contratualista traria em si, implícito, também um contrato sexual, que
subordinaria as mulheres ao empurrá-las para o âmbito do privado, que não teria, nessa
formulação, caráter político. A tese de Pateman, portanto, tem uma relação clara também com
as críticas feministas às teorias canônicas da ciência política, uma vez que tem por base a
demonstração de como conceitos aparentemente neutros carregam em si vieses de gênero, e
como a análise a partir dessa categoria analítica permite o aprofundamento do conhecimento
em teoria política.
Mas é também possível fazer uma leitura de Pateman de forma a ressaltar a continuidade
entre O Contrato Sexual e sua obra anterior, Participação e Teoria Democrática, o que tornaria
possível também uma leitura de sua proposição à luz dos debates feministas sobre teoria
democrática. Segundo Luiz Felipe Miguel (2017, p. 3),
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAYES, Jane H. Gender and Politics: The State of the Discipline. Barbara Budrich Publishers:
Toronto, 2012.
BIROLI, Flávia. Teorias Feministas da Política, Empiria e Normatividade. Lua Nova: Revista
de Cultura e Política, n. 102, p. 173-210, 2017.
MIGUEL, Luis Felipe. Carole Pateman e a crítica feminista do contrato. Revista Brasileira
de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 93, 2017.
MILLS. Charles W. The Racial Contract. New York: Cornell University Press, 1997.
PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
PATEMAN, Carole e MILLS, Charles. Contract and Domination. UK: Polity Press, 2007.
WELCH, Shay. A Theory of Freedom: Feminism and the Social Contract. New York,
Palgrave Macmillan Editors, 2012.