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DIREITOS FUNDAMENTAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Anna Carolina Rodrigues Costa¹, Daniele Sabrina da Silva², Ricardo Lemos³

RESUMO

Tendo em vista as diversas discussões sobre o uma temática mundial que é o


Covid-19 e as consequências que a pandemia trouxe para a sociedade, este
trabalho objetivou conceituar e traçar o direito fundamental à liberdade de
locomoção e a constitucionalidade das medidas tomadas em desfavor desse para
garantir outro direito fundamental, direito à saúde. Ambos são considerados direitos
de primeira dimensão, que são fruto da democratização política caracterizados no
Art 5°, inciso XV e Art 6° na Constituição Federal Brasileira. Além disso, esse artigo
buscou demonstrar a importância do Princípio da Proporcionalidade na resolução de
conflitos no Direito Brasileiro, sendo usado para decretar as melhores medidas para
evitar a propagação do vírus da Covid-19, sendo elas o isolamento e quarentena.

Palavras-chave: Direito de locomoção; Direito a saúde; Covid-19; Direitos


fundamentais; pandemia.

¹ Estudantes do terceiro período do curso de Direito da Faculdade de Viçosa (FDV)


² Professor orientador do trabalho

1
I. INTRODUÇÃO
Perante a história da humanidade, por muito se lutou para alcançar o
chamado direito à liberdade, passando por todos os modelos constitucionais desde a
Magna Carta inglesa de 1215 até a Constituição Cidadã de 88. Trata-se de um
direito fundamental de primeira dimensão, que muito significa para o modelo vigente
de Estado Democrático de Direito.
Dentro desse cenário, a pandemia do SARS-COVID-19 trouxe de volta a
discussão acerca dos limites do comumente chamado direito de “ir e vir” sendo
levianamente evocado pela população em forma de protesto contra as medidas
restritivas de locomoção impostas pelo Estado. Nesse sentido, o que se tem é uma
das claras discussões acerca dos valores dos princípios Constitucionais, e como se
da sua aplicação. Essa discussão é amplamente conhecida nos meios
constitucionais, onde uma das correntes majoritárias atua utilizando a teoria dos
“sopesamento de princípios” que perpassa pela ideia de Estabelecer o “peso
concreto” (a relevância específica) de um princípio em relação a outro que lhe seja
conflitante, levando em consideração o “peso abstrato” de cada um deles, bem como
as restrições a serem concretamente impostas a cada um deles, em caso de
realização do outro.
Dentro desse cenário, os dois valores constitucionais considerados “absolutos” são
respectivamente o direito de liberdade de locomoção (Direito fundamental de
primeira geração) e o direito à saúde (Direito social, também conhecido como de
terceira geração)

II. DIREITO DE LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO

O direito de Liberdade de Locomoção é um dos chamados direitos


fundamentais, que possuem por definição “ resultam de posições jurídicas das
pessoas enquanto tais, com eficácia no âmbito das relações com o Estado ou entre
particulares, consubstanciadas ou não na Constituição” (MORAES, 2000 apud
ARDENGHI, 2012) sendo positivado no nosso ordenamento jurídico pelo art.5,
inciso XV da CF; que preceitua: “é livre a locomoção no território nacional em tempo
de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou
sair dele com seus bens.”

2
Trata-se de um direito fundamental de primeira dimensão, que perpassa a
independência do ser humano, seu poder de autonomia e espontaneidade. No
Direito Internacional podemos ainda destacar a Declaração Universal de Direitos
Humanos o caracteriza como direito inalienável, constando em seu artigo 3º “Todo
indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Sua origem perpassa a origem do Estado Moderno, passando por 3 grandes


revoluções; a inglesa (1688), a americana (1776) e a francesa (1789) que trouxeram
o Estado liberal em sobreposição a Monarquia, que chegou ao “Etat de Droit” 1
alemão e culminando nos dias de hoje no conhecido Estado Democrático de Direito.
Hodiernamente, apesar de lapidado no Ocidente, as ideias liberais de liberdade
ainda não alçaram voo por toda a humanidade, porém, o que se nota é que nos
campos teóricos, suas máximas se mostram próximas de conclusas.
A CF brasileira prevê sob a estrutura formal de direitos, um rol de liberdades,
identificadas como liberdades públicas. Que correspondem então a espaços da
esfera individual insuscetíveis de invasão pelo Estado, todas elencadas no artigo 5º.
Dentro dessa multiplicidade de liberdades se elenca a liberdade de locomoção
(Inciso XV), ao lado de outras como a de expressão (inciso IV- manifestação de
pensamento), atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação (inciso IX) e
outras.
A manutenção de tais garantias constitucionais além de contar lastro nas
proteções do devido processo legal 2 e no modelo constitucional de processo 3. A CF
conta ainda com mecanismos de proteção a esses direitos, como devidamente
preleciona a chamada doutrina brasileira do habeas corpus, que lhe desenhou
alcance para tutelar qualquer direito afetado por abuso de poder ou ilegalidade no
direito de locomoção.

III. DIREITO Á SAÚDE

1
Estado de Direito
2
Trata-se de uma garantia entre as partes no processo, especialmente quando por seu intermédio
atue uma pretensão punitiva
3
O modelo constitucional do processo assenta-se no entendimento de que as normas e princípios
constitucionais resguardam o exercício da função jurisdicional. As normas devem ser aplicadas a luz
da CF
3
O direito a saúde no rol dos direitos sociais elencados pela CF brasileira foi
resultado da força dos movimentos populares no momento da redemocratização
política, no final dos anos oitenta. Através de expressiva movimentação popular, os
objetivos constitucionais foram traçados e passaram a incluir o direito a saúde, que
se encontra hoje lapidado no artigo 6 da Constituição Brasileira, ao lado de outros
direitos sociais.
Para se entender essa inovação constitucional, é preciso desvelar os sentidos
da palavra saúde, que perpassa sua dependência das condições de vida e
organização social como a noção de ausência de doenças. Conforme a OMS, em
preâmbulo de sua Constituição (1946), assim conceitua: “Saúde é o estado de
completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. A
saúde depende, então, ao mesmo tempo, de características individuais, físicas e
psicológicas, mas também, do ambiente social e econômico, tanto daquele mais
próximo das pessoas, quanto daquele que condiciona a vida dos Estados (DALLARI,
2009)
Trata-se, portanto, de uma concepção coletiva, que perpassa
necessariamente por questões sobre organização social e política, isso se ilustra
nos casos em que tratamos de doenças transmissíveis como a pandemia do covid-
19 ou ainda com a compra de medicamentos, concessão de patentes (uma
discussão árdua acerca de direitos autorais, marca e a quebra de patentes, como a
discussão que hoje perpassa pela OMS acerca da vacina do COVID-19)
É possível concluir, portanto, que tanto a noção de direito como a de saúde no
Estado contemporâneo implicam a mais ampla compreensão do ambiente em que
será realizado o direito à saúde. É preciso que o legislador, o administrador e o juiz
possam orientar-se em meio a tantas variáveis sociais, econômicas e culturais que
participam da definição do estado de saúde das pessoas. São normas jurídicas que
deverão revelar o sentido exato de saúde albergado por determinada comunidade.
(DALLARI, 2009)

IV. COMO FICOU O DIREITO DE LOCOMOÇÃO NOS TEMPOS DE PANDEMIA

O Direito de ir e vir ou Direito de locomoção apesar de ser um direito


assegurado constitucionalmente no Art 5°, inciso XV, na qual garante a todos os
cidadãos o direito à liberdade de locomoção:
4
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XV - e livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens;
Tal direito não é um direito absoluto, havendo exceções na própria
Constituição Federal, como por exemplo no Art. 139 na qual pode-se determinar de
forma generalizada que os indivíduos permaneçam em certo local ou também em
casos de prisão em flagrante como redigido no próprio Art 5°, inciso LXI.
Sendo assim, muito se discutiu acerca da constitucionalidade de vários
decretos publicados por diversos Estados do Brasil onde se limitava a circulação de
pessoas em praças, praias, parques e outros, devido à Pandemia do Covid-19. Ao
se constatar que a doença era contagiosa e poderia ser transmitida inclusive pelo ar,
várias cidades tomaram providências com o objetivo de reduzir as possibilidades de
transmissão e evitar consequências maiores, fechando comércios de atividades não-
essenciais além de restringir o número de pessoas que poderiam estar no mesmo
local.
Com isso, o direito à liberdade foi “substituído” por isolamento e quarentena
que podem ser decretados pelos agentes de saúde. O isolamento se enquadra para
pessoas que estão infectadas, sendo elas sintomáticas ou assintomáticas, com
capacidade de transmitir a doença. Já a quarentena consiste em restringir as
atividades que possuem alto risco de contaminação, sendo uma medida restritiva a
ser adotada por todos. Com a aprovação da Lei nº 13.979/2020 de fevereiro de
2020:
Art 2° Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I - isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de
bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais
afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação
do coronavírus; e
II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas
de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens,
contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de
contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a
propagação do coronavírus.

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Parágrafo único. As definições estabelecidas pelo Artigo 1 do Regulamento
Sanitário Internacional, constante do Anexo ao Decreto nº 10.212, de 30 de
janeiro de 2020, aplicam-se ao disposto nesta Lei, no que couber.

Torna-se de observância obrigatória, fazendo-se cumprir todas as medidas


adotadas pelo Estado Brasileiro, podendo ser punido penalmente o infrator que
descumprir tais determinações pelo artigo 268 do Código Penal.

V. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DIREITO A LIBERDADE AFIM DE


CONSERVAR O DIREITO Á SAÚDE

A Constituição Federal defende que os direitos garantidos por ela devem estar
em conformidade, ou seja, nenhum direito deve passar por cima do outro e sim
coexistir entre si. Porém, durante o período de pandemia, dois direitos fundamentais
entraram em conflito quanto a garantia guardada por eles, o da saúde e liberdade.
Diante desse conflito, o Estado teve que intervir para que pudessem ser resolvidos
de forma justa para toda a sociedade, fazendo com que ambos os direitos sejam
preservados da melhor forma possível.
Com isso, entra em voga o princípio da proporcionalidade, que é a forma com
que o Estado irá avaliar as medidas que podem ser tomadas diante da situação
atual, levando em consideração três elementos: adequação, necessidade e
proporcionalidade. Para que assim, a decisão tomada atinja todos os objetivos,
sendo menos abusiva e restritiva possível.
Deve-se então levar em consideração que as vacinas não estão
disponibilizadas para todos e além disso os EPI’s apropriados são escassos, mas
ainda assim, seu uso não é de fácil acesso a todos, logo, outras medidas devem ser
tomadas para que a saúde de todos possa ser preservada, pois é função da União
dar essa garantia a todos os indivíduos.
Dessa forma, tendo em vista outros países que já estavam vivendo a
pandemia, com hospitais não suportando a demanda, o Sistema de Saúde brasileiro,
incluindo redes públicas e privadas, não teriam recursos suficientes para lidar com
uma contaminação em massa. Com isso outras providências deveriam ser tomadas
procurando evitar a disseminação do vírus, que consequentemente iria levar a uma
crise na saúde e em outras áreas como a economia.

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Portanto, utilizando do princípio da proporcionalidade, o isolamento e
quarentena parece ser o melhor método para tenta diminuir os efeitos do vírus na
sociedade. Pois, engloba todos os três elementos do princípio, prevenindo
aglomerações e afastando as pessoas, sendo adequada; são necessárias, visando
que não existe cura ou prevenção; além de se tratarem de medidas temporárias, ou
seja, o seu cumprimento e observância obrigatória são apenas por um período
destinado a duração da pandemia, assim, o direito à liberdade irá ceder para que o
direito a saúde prevaleça, não sendo algo eterno e sim com “prazo de validade”,
para que pós pandemia os dois direitos possam voltar a coexistir em concordância.

VI. CONCLUSÃO

Diante de tudo o que foi exposto, constata-se que a própria Constituição


Federal defende que para a preservação de alguns direitos fundamentais é
necessária que tenha uma intervenção do Estado na busca da resolução dos
conflitos, utilizando princípios como o Princípio da Proporcionalidade. Sendo assim,
pode-se concluir que mesmo os direitos sendo fundamentais, ser absoluto não é
uma característica fundamental de tais direitos, vistos que dependendo da situação
seus pesos são diferentes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 BARROSO, Luís Roberto. Eficácia e efetividade do direito à liberdade.


Disponível em: <
http://www.revistaaec.com/index.php/revistaaec/article/view/773 >. Acesso em
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< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso
em: 20/05/2021;

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direito constitucional de ir e vir. Disponível em: <
https://www.migalhas.com.br/depeso/325170/tempos-de-pandemia-e-o-
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Coronavírus e as perspectivas de acesso nas redes assistenciais
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https://www.indexlaw.org/index.php/revistadssps/article/view/6509/pdf >.
Acesso em: 20/05/2021.

 SANTOS, Bruna Luisa. Direito de ir e vir - liberdade de locomoção.


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 SARAIVA, Rodrigo Pereira Costa. O direito à saúde em tempos de


Pandemia. Das possíveis soluções para a Calamidade Pública
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https://jus.com.br/artigos/81195/o-direito-a-saude-em-tempos-de-pandemia-

8
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covid-19 >. Acesso em: 20/05/2021.

 VIANA, João Pedro Teixeira de Faria. JÚNIOR, José Kleider Franco Torres.
Conflito entre o direito de acesso à saúde e liberdade de locomoção e
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http://ojs.toledo.br/index.php/direito/article/view/3701 >. Acesso em:
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