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FUGAS | Público N.º 11.

488 | Sábado 9 Outubro 2021

Viagens
O que nos faz
cair de amores
por Malta?
São Martinho do Porto
Um passeio nas arribas
à procura de vestígios
de dinossauros
Vinhos
Há um novo Pêra-Manca,
o tinto que dá estatuto
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Malta

Um território não
a Malta conquista-nos à primeira
vista e é difícil explicar porquê. Talvez
seja pelo de facto de concentrar, em
tão pouco território, cerca de 7000
anos de história ou pela variedade de
culturas que foi absorvendo das várias
civilizações que por lá passaram. A

se mede aos palmos


culpa também pode ser da sua rique-
za arquitectónica e artística, das
praias ou da gastronomia. Ou da sim-
patia das suas gentes. Bem vistas as
coisas, será a soma de tudo isto que
nos leva a cair de amores por este país
plantado no meio do Mediterrâneo
– e que se estende por cinco ilhas
(Gozo, Comino, Comminotto e FilÇa,
para além de Malta) – e a sair de lá
com vontade de regressar.

Tem mais monumentos por quilómetro quadrado do que As leituras prévias já tinham deixa-
do adivinhar que as classiÆcações de

qualquer outro país e milhares de anos de história para contar. Património Mundial da UNESCO
(La Valletta, Hipogeu de Hal SaÇieni

Malta é um pequeno território com várias culturas e vivências e templos megalíticos) eram apenas
a pontinha do icebergue: “Malta tem

dentro, difícil de deixar para trás sem a vontade de regressar. mais monumentos por quilómetro
quadrado do que qualquer outro

Maria José Santana (texto) e Miguel Manso (fotos) país”, anunciava a brochura alusiva
ao destino. “Só igrejas operacionais,
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Na página ao lado, a Rotunda de Mosta


(Basílica de Nossa Senhora da Assunção)

Nesta página, de cima para baixo: templo


de Hagar Qim, gruta Azul, ruas de Mdina,
catacumbas em Rabat e as típicas dghajsa,
pequeno barco em forma de gôndola

sob o domínio da Inglaterra. No terri-


tório que estava fortemente fortiÆca-
do, preparado para se defender dos
ataques navais, a estratégia teve que
passar por, rapidamente, construir
refúgios subterrâneos. “Todos os
povoados tinham abrigos”, nota
Mayca, enquanto nos conduz através
da galeria de pedra à qual os habitan-
tes de Mosta acorriam em caso de
ataque.
Entre as muitas bombas que foram
lançadas por cima da ilha, houve uma
que atingiu a Basílica de Nossa Senho-
ra da Assunção e que, por “milagre”,
não explodiu. As marcas ainda são
visíveis no tecto do templo e a bomba,
devidamente desactivada, está expos-
ta na sacristia – anualmente, a 9 de
com actividade pelo menos uma vez Abril, a paróquia faz questão de cele-
por semana, são 591”, acrescentou, brar “o milagre da bomba”.
depois, Mayca de Antonio Fernandez, Tão ou mais impressionante é a
natural da ilha mas com mãe espa- beleza que a basílica, cuja construção
nhola, uma apaixonada por História foi iniciada em 1833, arrastando-se até
e Arqueologia que se fez, há alguns 1860, guarda no seu interior. As pare-
anos, guia turística. É ela quem nos des, carregadas de pinturas e está-
irá acompanhar na descoberta de tuas, e os altares – sim, são vários,
Malta, num roteiro que começa, pre- uma vez que a basílica concentra seis
cisamente, num dos mais belos locais capelas – merecem um olhar mais
de culto da ilha: a Basílica de Nossa prolongado. No exterior, a fachada,
Senhora da Assunção, mais conheci- com seis colunas e ladeada por duas
da como Rotunda de Mosta. torres, também reclama a nossa aten-
É tida como uma das mais belas ção. Contam-nos que, a cada 15 de
igrejas da ilha – o projecto arquitectó- Agosto, aquelas paredes se enchem
nico é uma cópia do Panteão de Roma de luzes e de cor, por conta da Festa
– e também uma das que tem mais da Assunção de Nossa Senhora.
estórias para contar. Comecemos por
estas últimas, tanto mais porque, A antiga capital
antes de entrar na basílica, há uma
e os subúrbios
pequena porta que importa abrir. O
caminho é estreito e desce abaixo do Localizada no topo de uma colina,
solo, conduzindo-nos até ao período mais ou menos a meio da ilha, Mdina
da II Guerra Mundial, conÇito que mantém uma beleza ímpar. Fundada
deixou a ilha debaixo de fogo. “Os pelos fenícios, que ali chegaram por
malteses sofreram 3340 ataques volta de 870 a.C., foi capital de Malta
aéreos”, repara a nossa guia, recuan- até 1530, chegando até aos dias de
do a esse tempo em que Malta estava hoje como uma das cidades c
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Malta

muralhadas mais bem preservadas da


Europa. Fruto das derrocadas provo-
cadas pelo terramoto de 1693, divide-
se entre o estilo medieval e o barroco.
“Parte da cidade ruiu e teve que ser
reconstruída”, relata a nossa guia,
exempliÆcando com o caso da Cate-
dral de São Paulo, um dos edifícios
mais emblemáticos de Mdina.
Vale a pena dedicar algum tempo
a percorrer as ruas estreitas da cida-
de, perdidos no emaranhado típico
das cidades árabes e atentos à quan-
tidade de santos religiosos cravejados
nas paredes. Malta é assim mesmo.
Um misto de heranças daqueles que
a ocuparam – além dos fenícios, tam-
bém os cartagineses e romanos ali
assentaram arraiais antes de Cristo – e
moldaram a história. “Os árabes esti-
veram aqui mais de 200 anos, presen-
ça que ainda está bem vincada na
nossa língua e em muitos nomes de
lugares”, acentua Mayca de Antonio
Fernandez. Igualmente marcante foi
o domínio, durante mais de 250 anos,
da Ordem dos Cavaleiros Hospitalá-
rios de São João, ordem religiosa e
militar pertencente à Igreja Católica,
bem como a anexação, em 1814 (e até Centro de La Valletta;
1964), ao império britânico – o inglês em baixo, pintura A
é a segunda língua do país e a condu- decapitação de São João
ção é feita à esquerda. Baptista e os monumentos
Fora das muralhas de Mdina – se lhe funerários dos grão-mestres
faltarem forças para continuar a cami- António Manuel de Vilhena
nhar, delicie-se com um pastizzi (um e Manuel Pinto da Fonseca
pastel folhado que se come quente) –,
encontrará outro ponto de visita obri-
gatória: Rabat, antigo subúrbio da
capital, conhecida pelas várias cata-
cumbas que os cristãos escavaram
debaixo de terra. As mais conhecidas
são as Catacumbas de São Paulo, cuja
origem remonta ao século III d.C. e
que mostram as tradições fúnebres
cristãs da época. A poucos metros, e
igualmente abertas a visitas, estão as
Catacumbas da Capela de São Catal-
do, que guardam um dos mais impor-
tantes exemplos de mesas de ágape,
usadas nos rituais funerários.

Recuar 5000 anos no tempo


Malta é um daqueles territórios que
exibe provas inquestionáveis da sua
existência milenar. São vários os
monumentos megalíticos, espalhados Qim consiste num edifício central – cavernas da zona. As embarcações pode apanhar um barco para ir até La Valletta, a capital, e toda a gran-
por vários pontos das ilhas de Malta com um grande átrio e fachada monu- saem do porto de Wied iz-Zurrieq e Salina, conhecer as suas salinas, ou diosidade que ela encerra. Mandada
e Gozo, que testemunham a ocupação mental que corresponde ao padrão cumprem uma rota de cerca de 30 para St. Peter’s Pool, uma das piscinas construir pela Ordem de São João
daquele território entre 3600 a 2500 típico dos templos pré-históricos de minutos (8 euros por pessoa). Caso naturais mais famosas da ilha – aÆnal (também conhecida por Ordem de
a.C. O nosso roteiro contemplou a Malta – e restos de pelo menos mais tenha azar, como foi o nosso caso, e de contas, Malta também é conhecida Malta) no século XVI, é hoje um ver-
visita ao templo de Hagar Qim, mas duas estruturas. Não estranhe o facto o mar não esteja de feição, resta-lhe pelas suas praias idílicas. Fica tam- dadeiro museu a céu aberto e uma
os aÆcionados da Arqueologia estão de o templo estar coberto com um apreciar a paisagem a partir do alto bém o registo, caso consiga fazer cidade vibrante. “Esta foi a primeira
mais do que convidados a contemplar abrigo: o objectivo é protegê-lo da do miradouro. coincidir a visita a Marsaxlokk com cidade planeada da Europa e prepa-
outros monumentos – ao lado, por erosão, preservando-o para as gera- É também à beira-mar que se situa um domingo: neste dia, a vila é palco rada para responder a ataques vindos
exemplo, descendo 500 metros, ções futuras. Marsaxlokk, vila piscatória que dá de um grande mercado. do mar”, introduz Mayca Fernandez,
encontrarão o templo de Mnajdra. Bem perto dali, a proposta passa abrigo a inúmeros barcos “com do alto dos jardins da Barrakka, que
“Não sabemos quantas pessoas por Æcar de olhos postos no mar e olhos”. Pequenas embarcações pin- La Valletta, oferece vistas estupendas e onde
viveram aqui, mas sabemos que seria apreciar a famosa Gruta Azul, um tadas de cores vivas e com o olho de todos os dias, ao meio-dia, é possível
um museu a céu aberto
uma sociedade muito evoluída. A for- grande arco de pedra natural planta- Osíris desenhado na proa – os pes- assistir ao disparo de uma salva de
ma como constroem estes edifícios do sobre uma água azul-turquesa. cadores acreditam que este elemento Propositadamente ou não – chegámos canhão.
em pedra demonstra-o”, evidencia a Para apreciar todo o seu esplendor, do Egipto os protege e afasta a má e partimos na condição de convida- Como qualquer capital que se pre-
nossa guia. Escavado pela primeira pode (e deve) agendar uma viagem sorte –, conhecidas pelo nome de dos –, a verdade é que o nosso roteiro ze, La Valletta reclama por uma visi-
vez em 1839, o monumento de Hagar de barco, com passagem por outras luzzu. A partir deste pequeno porto, deixou o melhor para o Æm: ta mais prolongada, de olhos c
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Malta

postos nos seus edifícios de varandas


coloridas e nos inúmeros monumen-
tos que ela tem para nos apresentar,
alguns deles com dedo português.
Efectivamente, foram vários dedos,
uma vez que houve três grão-mestres
portugueses a presidir à Ordem dos
Cavaleiros Hospitalários de São João,
dois dos quais – António Manuel
Vilhena e Manuel Pinto da Fonseca –
vão sendo, por diversas vezes, refe-
renciados pela obra que deixaram na
ilha. Por exemplo, aquela que é hoje
a residência oÆcial do primeiro-mi-
nistro de Malta, outrora Albergue de
Castela, teve o cunho de Manuel Pin-
to da Fonseca e ainda preserva, na
sua fachada, o brasão de armas do La Valletta “Três Cidades”
reino de Portugal (ao lado do de Cas-
tela e Leão). 100% mármore, colorido, e tem aqui tor Caravaggio, que chegou a residir nal de contas, é ali que se encontra tomar o rumo. Navegamos entre
A referência aos grãos-mestres por- os túmulos dos cavaleiros da ordem”, em Malta e a pertencer à ordem, e um dos mais importantes portos do La Valletta e as chamadas “Três Cida-
tugueses volta a vir à baila durante a enquadra a nossa guia. onde é possível contemplar a pintura Mediterrâneo e também não faltam des”: Birgu, Senglea e Cospicua.
visita àquele que é um dos mais Nas laterais da nave central, são A decapitação de São João Baptista, barcos, nem propostas, para cruzar Começamos por Birgu – também
emblemáticos monumentos da ilha, apresentadas oito capelas, alusivas considerada uma das suas obras-pri- as suas águas. Mais grave ainda seria referenciada como Vittoriosa –, a
a Concatedral de São João – a catedral aos reinos dos quais os cavaleiros da mas, e também um quadro dedicado não embarcar numa das suas típicas mais antiga das três, rendidos às suas
mantém-se na antiga capital, Mdina – ordem eram originários – a de Portu- a São Jerónimo. dghajsas, pequenos barcos em forma ruas e casas típicas, que anualmente
, e que por detrás de uma fachada gal preserva os monumentos funerá- de gôndola. “Foram introduzidos pela se ilumina à luz das velas por conta
austera, em pedra, esconde um inte- rios dos grão-mestres António Manuel Navegar em direcção às Ordem de São João para se moverem do Bigurfest. “É uma festa lindíssima,
rior sumptuoso, carregado de pintu- de Vilhena e Manuel Pinto da Fonseca entre portos”, conta Mayca, enquan- cheia de luz e magia”, ilustra a nossa
“Três Cidades”
ras e de elementos dourados. É –, que precedem aquele que é um dos to o timoneiro manobra os remos, a guia, a propósito do evento que cos-
impossível tirar os olhos das paredes, salões mais procurados do templo. Estar em Malta e não navegar nas suas Æm de afastar o casco do cais – o tuma ter lugar na segunda semana de
da abóbada e até mesmo do chão. “É Falamos do espaço dedicado ao pin- águas seria uma falha gravíssima. AÆ# motor só é ligado depois de o barco Outubro – a edição deste ano, tal

Dingli
Chão que também dá (boas) uvas
a Ainda que não tenha a fama, e mui- de perceber o que realmente está em rentes tipos de comida”, nota o cria-
to menos a escala, de alguns dos seus causa”, conta. Em simultâneo, e por- dor e grande responsável pela marca
vizinhos mediterrânicos, Malta tam- que também precisava de “vinhas Markus Divinus. Cada um dos seus
bém é terra de bom vinho e há já uns com idade”, meteu pernas a caminho vinhos é cuidadosamente baptizado.
quantos produtores a lutarem pelo e começou a seleccionar alguns pro- “Zareen, por exemplo, era o nome de
seu reconhecimento. É o caso de Mark dutores. Escolheu 12, de localizações um grande viticultor e amigo, que
Borg, um Ælho da terra de 43 anos e diferentes, o que lhe permitiu, nos faleceu há uns anos. Já Adon é o nome
que, em 2004, decidiu concentrar últimos cinco anos, criar “oito vinhos do meu Ælho”, desvenda.
todos os seus esforços na produção de diferentes”, do branco ao tinto, pas- A sua condição de nascido e criado nho pela frente. “Também é preciso de do vinho de Malta e cativar cada
vinho com identidade maltesa. Come- sando pelo rosé. em Malta leva-o a ambicionar ver os convencer os agricultores locais a vez mais apreciadores, o mentor da
çou como autodidacta, com “vinhos Mark Borg gosta de misturar as cas- seus vinhos a assumirem o papel de voltarem a plantar essas mesmas Markus Divinus faz questão de pro-
de garagem”, e, hoje, tem já uns quan- tas indígenas, Gellewza (tinta) e a “embaixadores” do país. “As castas vinhas”, acrescenta, mostrando-se mover degustações e eventos enogas-
tos rótulos dignos de registo. Ghirghentina (branca), com as inter- Gellewza e Ghirghentina eram, nor- preocupado com o facto de a maioria tronómicos na sua adega – desde
Começou por lançar a “semente” nacionais, nomeadamente Cabernet malmente, mais usadas em vinhos dos vitivinicultores estar com idades provas diárias até aos jantares com a
num terreno da avó, na zona de Dingli Sauvignon, Merlot, Syrah, Sauvignon de qualidade inferior. O que estamos próximas dos “60 anos” e sem con- participação de chefs. Também man-
(ponto mais alto de Malta). “Passei Blanc ou Chardonnay. O resultado? a fazer é tentar colocá-las no nível seguirem suscitar o interesse das tém a sua veia de vitivinilcultor, ainda
uns cinco, seis anos de volta do culti- Vinhos que conseguem corresponder que elas merecem”, argumenta, gerações mais novas. que limitado ao terreno da família.
vo destas vinhas e tive a oportunidade a vários gostos e “vão bem com dife- ciente de que ainda tem algum cami- Para ajudar a promover a identida- Mark Borg não afasta a possibilidade
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Quinta
Gozo
Mar
como a de 2020, foram canceladas Comino
Mediterrâneo
por conta da pandemia.
É também em Birgu que se encon-

Vale D. Maria
Mar
tra o Forte de Santo Ângelo, original- Mediterrâneo
mente construído no período medie- Mosta La Valletta
val e tido como a jóia da coroa da
Rabat Mdina
herança militar de Malta. É particu-
Dingli MALTA
larmente conhecido pela importância
que teve enquanto sede da Ordem
durante o Grande Cerco de Malta de
Marsaxlokk
Viver o Douro
1565, resistência que acabou por
valer-lhe um estatuto lendário que
permanece até aos dias de hoje.
Já Senglea e Cospicua, as mais
novas das três cidades – foram funda-
das pela Ordem de São João nos sécu-
los XVI e XVII, respectivamente – têm
como principais atractivos o Forte de
São Miguel e a Igreja da Imaculada
Conceição, que abriga pinturas de A Ryanair tem voos directos para
grande valor. Malta (não diários) a partir de
Se ainda lhe sobrar tempo, marque Lisboa e do Porto. Durante o
uma visita a Gozo – Æca a apenas 25 Verão, a Air Malta também opera
minutos de ferry –, a segunda maior a partir de Lisboa.
ilha do arquipélago e bem mais verde
e rural do que Malta. Não foi o nosso
caso, uma vez que em Malta os dias
parecem passar a voar, mas é (mais)
um bom pretexto para regressar. The Golden Fork
13 Triq Il-Kbira,
A Fugas viajou a convite do Ď’Attard ATD 1027, Malta
Turismo de Malta www.thegoldenfork.com.mt/
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Hammett’s Małina Restaurant
Triq Il-31 ta’ Marzu,
Xatt Juan B. Azopardo, L-Isla ISL
1040, Malta
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https://www.instagram.com/ Entrar na Quinta Vale D. Maria é viver o Douro, através dos
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Capo Crudo sentidos e nas suas múltiplas formas de expressão.
Mo Triq Il-Lanła, Il-Belt Valletta,
Malta
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capocrudo da Francisca do Rio
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capocrudo O berço, onde nasce o Quin- Ao percorrer as vinhas da O rio corre, sussurrante. Com
ta Vale D. Maria Douro tinto, Quinta Vale D. Maria, desco- atenção, percebe-se o que diz.
é embalado pelos sons da na- bre-se a melodia da sua en- O pequeno e sinuoso Rio Torto,
tureza envolvente. Ao longo volvência. Aves que cruzam que corre no sopé da Quinta
do ano, a brisa, que acaricia os céus, insetos que ritmam Vale D. Maria, partilha o que
as vinhas, assobia mais alto, a partitura dos dias, pessoas testemunha. Ao longe o mar,
Corinthia Palace Hotel
feita vento. Um sopro, por ve- que contam histórias enquan- entoado pelos Madredeus, es-
De Paule Avenue, San Anton
zes húmido, por vezes quen- to colhem o fruto. Parfums cuta. O silêncio que banha os
BZN9023, Malta d’autrefois, na voz de Liane sons. Os sons que envolvem
te. Ao som de Summer Wind,
www.corinthia.com/palace- de Frank Sinatra, recorda-se a Foly. Um charme que envol- o silêncio, através de um per-
hotel-and-spa/ estação que esteve na origem ve o Quinta Vale D. Maria Vi- ʝ
   ?  E ?
 ?
https://www.facebook.com/ dos aromas de cereja, ameixa nha da Francisca Douro tin- quase teimoso. O Quinta Vale
CorinthiaPalaceHotel e amora silvestre, típicos des- to. Fresco, como o voo de uma D. Maria Vinha do Rio Douro
https://www.instagram.com/ ʝ
Ŧ
> ŧ - andorinha. Sedutor, como o tinto torna-se inesquecível,
de comprar mais terrenos, mas, corinthiapalace centrado, harmonioso e extre- crepitar de uma lareira. como sucede com as músicas
numa ilha, a missão revela-se ainda Osborne Hotel Malta mamente elegante, como os Eʝŧťť ťīť>
mais exigente. “Seria mais fácil em 50 South St, Valletta, Malta melhores clássicos musicais.
Itália ou França. Aqui, há pouco ter- www.osbornehotel.com
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ridade, com especial enfoque na
época das vindimas.
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Passeio

São Martinho do Porto


Arribas e dinossauros
O leitor está a ler estas linhas por causa de uma série de acontecimentos veriƊcados há
milhões de anos no litoral onde se situa hoje São Martinho do Porto. Por ali, como por boa
parte da Região Oeste, andaram dinossauros e desse facto Ɗcou-nos o legado de várias
jazidas de pegadas, móbil para umas incursões pelas arribas. Humberto Lopes (texto e fotos)
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a O casario mais antigo de São Mar- pergaminhos. Os tempos trocaram cia balnear aristocrática, um tesouro gues e na zona de Salir do Porto, ofe- de Salir do Porto são também repre-
tinho do Porto Æca num recanto da as voltas ao que os coevos de então que a sua “rival” basca não possui. É recem panoramas geológicos que são sentativos. Muitos destes fenómenos
baía. A partir de um Çanco da Praça teriam porventura julgado imutável um tesouro mais ou menos oculto, mais do que manifestações estéticas serão contemporâneos das lagoas
Frederico Ulrich nasce a pedonal e dessa era não resta senão um vestígios da ocupação (ou da passa- naturais; representam também teste- que por aqui terão existido há mais
Vasco da Gama e logo a seguir a Cal- punhado de chalés. A arraia-miúda gem) da área por dinossauros. As munhos da história geológica que se de 150 milhões de anos e que terão
çada D. Pedro V começa a subir para fez da estância um Ægo. pegadas estão dispersas por jazidas repete noutros pontos da Região Oes- atraído diferentes espécies de dinos-
o núcleo mais antigo da vila. Uns Daquela espécie de adro-miradou- que a erosão vai revelando num cená- te. As pegadas dos ciclópicos bichos sauros, algumas registadas como
poucos metros adiante, à direita da ro vê-se bem a baía e os dois montes rio de esplêndidas falésias. Algumas que por ali andaram não são, pois, as autóctones. As marcas da passagem
calçada, uma ruela leva a umas esca- que guardam o acesso ao mar. Se os jazidas já conhecidas e exploradas em únicas razões que podem levar cami- ou frequência da bicharada jurássica
dinhas que ascendem a um amplo montes se chamassem Urgull e Iguel- visitas guiadas, outras ainda por reve- nheiros e curiosos aos trilhos litorâ- serão dessa altura. Sem as caracterís-
miradouro. Para o interior estende- do, estaríamos na famosa baía da lar, o que tem vindo a acontecer à neos de São Martinho do Porto. ticas do terreno onde estavam as
se a Rua Prof. Eliseu, uma porta de Concha da aristocrática estância bal- medida que a erosão as acorda do seu lagoas implantadas e os fenómenos
entrada para ruelas estreitas, largos near basca de San Sebastian. A baía sono de milénios. Fauna mastodônti- Um fantástico de instabilidade geológica, as pega-
e larguinhos e casarões, o que sobrou em forma de concha é uma similitude ca à parte, as arribas de São Martinho das que agora os passos dos cami-
cenário de arribas
da mais ou menos discreta estância entre estas duas praias, e um tesouro guardam outras seduções, as de cená- nhantes perseguem, quer nos mata-
balnear que desde Ænais do sécu- estético. Mas São Martinho do Porto rios geológicos impressivos. Com Bem cedo o caminheiro descobre, gais das encostas, quer na fímbria do
lo XIX se foi tornando pouso estival tem, para além de algum casario que algumas singularidades, os trechos portanto, que ali todos os caminhos mar, não estariam ali ou permanece-
de gente que se apresentava com ainda recorda o seu historial de estân- norte e sul da baía, na serra de Man- vão dar a fenómenos geológicos. riam soterradas para sempre.
Quem for conhecedor e assíduo do Debaixo dos pés do andarilho jaz
litoral da região, de São Martinho até um organismo vivo, convém recor-
para lá do cabo Carvoeiro, até às dar: as arribas estão sempre em per-
praias de Vale das Pombas e de Pai- manente transformação e o que hoje
mogo, não se surpreenderá. Longos se contempla não é o mesmo cenário
ou breves areais enquadrados por de há um, dois ou três anos. Um fenó-
falésias avermelhadas, enormes meno a ter em conta nestas andanças
lâminas rochosas metendo-se mar é, pois, o da erosão. As suas conse-
adentro ou polidas pelas ondas da quências incluem a instabilidade do
maré alta, reentrâncias que são como terreno e sérios riscos para quem faz
portais para mundos de variegados os caminhos das arribas em São Mar-
delírios geológicos. Alguns desses tinho do Porto. Na zona do farol, por
lugares podem ser percorridos em alturas do morro de Santo António, e
regime de visita guiada por intermé- logo após deixarmos para trás a falé-
dio das entidades parceiras do pro- sia que desce sobre a praia da Fraga,
jecto do Geoparque do Oeste: as os trilhos apresentam riscos, pelo que
falésias de Peniche, das praias da qualquer actividade realizada nestes
Consolação e de Paimogo, o litoral locais exige precaução e por tal moti-
de Porto Novo até Porto das Barcas, vo se aconselha que seja levada a cabo
na Lourinhã. na companhia de um guia local.
Toda a região reúne uma antologia
de registos geológicos, assiduamente Passos de gigantes
acompanhados por fósseis, de que os
à beira-mar
trechos litorâneos de São Martinho e
No lado sul da baía, em Salir do Porto,
o acesso a uma das jazidas de pega-
das não Æca longe da povoação. Em
direcção a sul, mal percorridas cinco
centenas de metros pela Estrada
Atlântica, surge um corte à direita e
um estradão de terra batida leva-nos
para o litoral, mais ou menos onde
começa a serra de Bouro. O trilho
sobe, primeiro, e começa depois,
muito inclinado, a descer resoluto
para o mar. Mas a orla Æca ainda dis-
tante, lá muito em baixo, e bem antes
desse hipotético encontro, entre
arbustos rasteiros a que o estio não
rouba o viço e o verde, surge o relevo
de grandes pegadas debaixo dos pés,
plasmadas sobre uma grande laje
inclinada. São, pelo menos, marcas
de andanças de duas espécies de
dinossauros. Há vestígios de algumas
pegadas de maior dimensão (noutros
locais as maiores podem chegar aos
60cm) e de outras mais pequenas,
tridáctilas, atribuíveis a dinossauros
terópodes que por ali andaram
durante o Jurássico Superior, há pelo
menos 150 milhões de anos.
A nossa guia, Ana Afonso, da Inter-
tidal, uma das organizações parcei-
ras do projecto do Geoparque do
Oeste, sintetiza algumas explicações
sobre os vestígios e sublinha c
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Passeio

onde uma placa assinala a necessida-


O IC1/A8 passa a cerca de de precaução no trecho imediato.
de seis quilómetros da Logo adiante o caminheiro dará com
vila e tem uma saída a recompensa desta aventura – cujo
com indicações. São Martinho é risco pode ser atenuado contornando
uma estância balnear servida por a proximidade da falésia pelo interior
uma linha ferroviária que, apesar em certas passagens – ao avistar algu-
de manifesta decadência, mas fantásticas disposições geológi-
conserva uma antiga e bem cas: arribas coloridas, que a luz do Æm
conservada estação em pleno de tarde carrega de tons vivos, capri-
centro da vila e a poucas chosas morfologias vulcânicas e, até,
centenas de metros da baía. uma Æguração que facilmente se ima-
gina como uma gigantesca pata de
Hotel Santo António da dinossauro.
Baía
Rua dos Bombeiros Pegadas submersas
Voluntários
pela maré
Tel.: 262 185 573 /262 989 666
E-mail: Umas centenas de passos mais e as
geral@hotelstoantonio.com falésias são substituídas por um
Um três estrelas localizado a declive brando. A vegetação rasteira
pouco mais de cinco minutos do é abundante em algumas passagens
centro, é uma das melhores e destacam-se cardos estivais entre
opções em termos de relação a erva meio seca. O vento sopra sem
qualidade-preço. Bastante descanso e volta e meia traz farrapos
confortável, fica numa zona de nevoeiro. Lá em baixo as ondas
tranquila. desfazem-se nas rochas e convidam-
Hotel Concha nos a descer. Não é invulgar encon-
Largo Vitorino Fróis, 21 com ênfase a necessidade de os trar um ou outro pescador. Olhamos
Tel.: 262 098 348 caminhantes terem um papel activo para cima e contemplamos volumo-
E-mail: na conservação destas jazidas, tão sos rochedos em formas cúbicas ou
reservas@hotelconcha.com. sensíveis à erosão. E acrescenta: paralelepipédicas. Alguns asseme-
Também três estrelas, é outra “Fazemos estes percursos em dife- lham-se a lombadas de livros e outros
excelente opção, situando-se rentes épocas do ano. Às vezes cami- ao que aprouver a imaginação do
muito perto da praia – alguns nhamos por aqui com nevoeiro” caminhante.
quartos têm vista para a baía. (há-de haver, sem sombra de dúvida, Andarilha-se um pouco mais por
um encanto particular em descobrir um trilho que se insinua entre ervas
Informações pegadas de terópodes no meio do rasteiras e de súbito avistamos para
O posto de turismo fica nevoeiro). A Rota dos Dinossauros norte o extensíssimo areal que se dei-
na Rua Vasco da Gama, da Intertidal leva pequenos grupos ta até à Nazaré, meia dúzia de quiló-
8 (Tel.: 262 989 110, e-mail de caminheiros às jazidas Norte e das metros para norte. Na base deste
geral@turismodocentro.pt) e Pedras Negras no terceiro sábado de último morro jaz a praia do Salgado e
disponibiliza mapas e informação cada mês, ao longo de todo o ano. aí uma outra jazida de pegadas, que
sobre os percursos pedestres da Sobre a zona que se estende a nor- apenas se descobre aos olhos dos
região. É, todavia, fortemente te da baía, falaremos de dois percur- curiosos durante a baixa-mar. O
aconselhável que os percursos sos, o primeiro um pouco mais fácil empreendimento requer paciência e
pelas arribas e o acesso às do que o outro, mas também poten- atenção aos horários das marés.
jazidas com pegadas seja feito na cialmente mais perigoso, em virtude Não muito longe, numa base rocho-
companhia de um guia local. da instabilidade das arribas, facto sa, outro capricho geológico, uma
Informações sobre actividades que aconselha a sua realização (pru- curiosa “praia” feita de uma camada
da Intertidal (que realiza passeios dência extensível, de resto, a outros sedimentar coberta de esferas rocho-
com componentes científica, trilhos) na companhia de um guia. É, sas, o primeiro de uma série de cama-
histórica e etnográfica nos todavia, uma incursão abençoada das sedimentares de morfologia
concelhos de Alcobaça e Caldas pelo avistar contínuo de belas e diversa que se estende para sul, tes-
da Rainha) em Salir do Porto e variadas formações geológicas. temunhas de transformações e fenó-
em São Martinho podem ser Na primeira parte deste trajecto, menos geológicos ocorridos durante
obtidas no site da entidade uma derivação até à zona do farol o período Jurássico.
(www.intertidal.pt), no posto de Æcou interdita desde há algum tempo Voltamos ao topo da colina e com
turismo (que fornece também na sequência de uma derrocada. O a memória atravancada de todas
contactos de outros guias) ou caminho segue pelo morro de Santo aquelas imagens e não é difícil lem-
através do tel. 912866644 e do António até ao Miradouro do Cruzei- brar os milhões e milhões de anos que
e-mail info@intertidal.pt. ro, debruçado sobre a entrada da demorou a gestação e a transforma-
Informação sobre os percursos baía. Daí se obtém um panorama da ção destas curiosidades e compará-
pedestres referidos no texto e vila e da singular concha líquida. los com o tempo ínÆmo que dura a
realizados por outras entidades Passado o ramal para o farol, o visita ou mesmo com o de uma vida
parceiras e contactos do caminho toma rumo em direcção a humana. E com os imensos ciclos de
Geoparque do Oeste podem ser norte, seguindo ao longo do litoral. A transformação do mundo, metamor-
obtidos em https://www. uma centena de metros vemos lá em foses de matéria sequenciadas pelo
geoparqueoeste.com. O site baixo uma faixa de areia dourada. É Aconselha-se que estes listada e frágil ameaçando fragmen- que bem pode ser uma inÆnita rede
Portugal em Pedra disponibiliza a praia da Gralha, bela e selvagem, de passeios sejam feitos na tar-se. de acasos. Sobre este extraordinário
preciosa informação, de carácter mar um tanto agitado, antítese da sua companhia de um guia, dado De novo no trilho, calcorreamos, ciclo de que tudo faz parte de alguma
científico, sobre as jazidas congénere de São Martinho. Desce- que podem ser perigosos, com um trecho da serra de Mangues forma, teria Empédocles razão, aÆ#
referidas no texto. mos por um carreiro de terra e cami- em virtude da instabilidade à vista e um panorama de campos e nal, quando escreveu: “Já fui outrora
nhando ao longo do areal apequena- das arribas vales verdejantes mais para o interior, rapaz e rapariga, planta e pássaro,
mo-nos perante a vertical da falésia a vereda que vai até ao ponto crítico peixe mudo no mar.”
Sábado, 9 de Outubro de 2021 | FUGAS | 11

Crónica de um
geoparque anunciado
a A zona de São Martinho do Porto gal, a par do Naturtejo, na Beira
é apenas uma das áreas da Região Baixa, e dos localizados na serra da
Oeste que conservam numerosos Estrela, em Arouca, no Nordeste
vestígios de dinossauros. A abun- Transmontano e nos Açores. A sua
dância e expressividade dos vestí- área de “actuação” corresponde a
gios deixados por tais criaturas há um território de relevância geológi-
mais de 150 milhões de anos, tanto ca a nível internacional, tendo por
no litoral como no interior da tema central o período Jurássico
região, levou à criação de um par- Superior.
que temático na Lourinhã, o Dino À semelhança dos seus congéne-
Parque, o maior parque temático ao res, o Geoparque do Oeste aspira à
ar livre em toda a Europa, e, poste- preservação, estudo e divulgação
riormente, à ideia de um projecto do património geológico, contando
mais ambicioso, o do estabeleci- para a consecução do projecto com
mento de um geoparque reconhe- a participação de dezenas de par-
cido pela UNESCO. Este projecto ceiros, entre juntas de freguesia e
sublinha o facto de a Região Oeste instituições de ensino e entidades
contar com “um dos maiores ninhos privadas, como promotores e ani-
de dinossauros do mundo e com madores turísticos. Outro dos objec-
quatro dos ninhos de dinossauros tivos futuros do parque será a sen-
mais bem conservados e mais anti- sibilização da comunidade local
gos do mundo”. para o valor cultural do património
Vários municípios da região – Lou- geológico do território e para a
rinhã, Torres Vedras, Peniche, Óbi- importância da permanente contri-
dos e Bombarral, a que se juntaram buição das populações para a sua
mais tarde, em 2020, Cadaval e Cal- preservação.
das da Rainha – associaram-se em Na base da idealização do projecto
2017 com o objectivo da criação de do Geoparque do Oeste, que na pri-
uma entidade (a AGEO – Associação meira fase deu prioridade aos muni-
Geoparque do Oeste) mandatada cípios que reúnem um património
para organização da proposta a geológico signiÆcativo e de maior
apresentar à UNESCO, o que deverá interesse nacional e internacional,
acontecer no próximo ano. Do está o reconhecimento da presença
núcleo inicial da AGEO fazem parte na região de um importante acervo
também o Museu da Lourinhã, a de rochas datadas desde o Ænal do
Sociedade de História Natural de Triássico até ao Quaternário, com
Torres Vedras e a Universidade Nova esmagadora maioria – quase 80 %
de Lisboa.

SEJA RESPONSÁVEL BEBA COM MODERAÇÃO.


– do período Jurássico. Deste facto
A ser acolhido pela UNESCO, o resulta a existência de 180 sítios fós-
geoparque – por ora designado seis, bem como de mais de 70 geos-
como Aspiring Geoparque do Oeste sítios relacionados com a Paleonto-
– será o sexto do género em Portu- logia, a Geomorfologia, a Dinâmica
Costeira, entre outros domínios.
Como o exemplo dos registos geoló-
gicos da zona de Salir e de São Mar-
tinho do Porto deixa perceber, o
património geológico da região está
repleto de testemunhos da relação
do continente com o Atlântico, aco-
lhendo, simultaneamente, um amplo
Este projecto acervo de fósseis.
Toda esta história geológica ali-
sublinha o facto mentou a constituição e o patrimó-
nio de museus como o da Lourinhã
de a Região e o do Dino Parque, estando projec-
tadas ainda outras unidades museo-
Oeste contar lógicas aÆns, como a do Forte de
Nossa Senhora da Consolação e a

com “um dos que será dedicada à Bacia Lusitania-


na, uma vasta bacia sedimentar

maiores ninhos situada entre Aveiro e a península


de Setúbal, que reúne inúmeros fós-
seis, entre os quais testemunhos da
de dinossauros presença de dinossauros, e que
detém enorme importância paleon-
do mundo” tológica.
12 | FUGAS | Sábado, 9 de Outubro de 2021

Hotel Valverde

a A fachada oitocentista tanto pode nor. Uma “residência” no coração de na matéria e trabalhos icónicos como e a correria que irá pela avenida aci- também do Brasil e crescentemente
chamar a atenção como, na sua quie- Lisboa, quase labiríntica, onde não a arquitectura de interiores e deco- ma e abaixo. Mesmo no pátio, onde de Portugal – o tempo da pandemia
tude, passar apenas por um piscar faltam uma pequena e atraente ração do Bairro Alto Hotel ou do uma sensação mediterrânica parece alterou as contas, dir-nos-á a direc-
de olhos na cacofonia da Avenida da (nova) piscina aquecida com vistas Vidago Palace. O “novo” Valverde, unir-se a inspirações dos jardins zen tora, fazendo com que, naturalmen-
Liberdade. Mas basta penetrarmos para o deslumbrante pátio, o jardim apesar de agora espartilhado – a – assinado pelos arquitectos João te, os portugueses encabeçassem o
no átrio, subir a escadaria, cruzar a tornado oásis, nem um (novo) res- interligação entre velho e novo faz-se Bicho e Joana Carneiro –, as árvores e ranking. Dar a conhecer o hotel a
porta para perceber que a discrição taurante que vale por si mesmo, o por um passadiço, incluindo-se vegetação criam divisões de “intimi- mais lisboetas e portugueses é tam-
e a sobriedade são aqui trabalhadas Sítio. Por entre estes pilares, vão-se coberturas ajardinadas –, mantém-se dade”. Além de que pode apreciar a bém um objectivo claro, e nada
com dedos de luxo. Passada a recep- descobrindo mil e um detalhes, da coerente na sua decoração e na bus- sombra e vista de um grande espi- melhor para isso do que a série de
ção, vamos percorrendo o hotel fabulosa janela que se abre para Lis- ca de oferecer privacidade e perso- nheiro-da-virgínia ou do feto-arbóreo- propostas para seduzir os locais, pas-
recanto a recanto, uma corrente de boa vertente Castelo na suíte Valver- nalização. A cada alojamento, a sua australiano, entre muitos exemplares sando pelo restaurante, onde se
salas intimistas, vislumbres do pátio- de às plataformas-varanda à la Nova cor e personalidade, sempre nas de arbustos e herbáceas, com Çorei- incluem brunches, um exemplar Chá
jardim, refúgios criados para ofere- Iorque que se elevam pelo edifício linhas de cores sólidas para as pare- ras a diferentes alturas para criar das Cinco ou noites especiais gastro-
cer a privacidade social possível. É que acabou de ser reconstruído e des, mobiliário escorreito, têxteis e equilíbrio. Passe-se o cliché, é mesmo musicais, e o bar, onde se destaca
que há uma familiaridade nesta hote- levou à quase duplicação das unida- obras de arte escolhidos a dedo e um oásis urbano, agora até com pla- uma carta de clássicos servida com
laria que nos coloca sem snobismos des de alojamento do hotel, às esca- apontamentos discretos de decora- cas a identiÆcar cada espécie. rigor.
na nossa casa, caso a nossa casa, cla- darias preservadas ao detalhe ou às ção. Entre as novidades, o restauran- Pelo hotel, os quartos são também
ro, fosse um edifício histórico da obras de arte originais (umas 200, e te Sítio e o bar, uma sala de estar com à medida do freguês: mantendo
Um Sítio com alma e uma
avenida central da capital. Recons- aqui incluem-se Paula Rego, Vieira varanda sobre o pátio, sobre o qual todos o mesmo apuro decorativo, há
truído ao detalhe e agora ampliado da Silva e muitos outros) que se vão se ergue agora uma pequena piscina “quartos mini”, clássicos, deluxe e chef de “cozinha espiritual”
com dois prédios adjacentes, a res- admirando pelos espaços. aquecida. A estas mais-valias juntam- suítes de várias categorias (a máxima Uma das grandes apostas do renova-
pirar traços das townhouses londri- É que, depois da inauguração, em se ginásio e sala de tratamentos é a abençoada Suíte Valverde, com do hotel é o seu novo Sítio, o restau-
nas e nova-iorquinas, repleto de 2014, surgiu a oportunidade de (aberta também a não clientes e com 55m2 e vistas de truz). Graças aos rante comandado pela chef Carla
obras de arte por entre antiguidades ampliar a unidade hoteleira através várias massagens) e, muito especial- seus pormenores chamativos, não é Sousa, uma das raras chefs de fine
e mobiliário contemporâneo imacu- da integração de dois edifícios adja- mente, uma sala de biblioteca e de de admirar que o hotel se tenha tor- dining do país e da hotelaria, para
lado, o Valverde vive numa sobrieda- centes sitos na Rua de São José, tra- sessões de cinema onde dá vontade nado uma pequena celebridade em quem a cozinha, diz-nos, sempre foi
de eÆciente, conseguindo até uma seira à Liberdade. De 25 quartos e de Æcar a preguiçar. várias revistas de viagens internacio- “uma festa”. Com ascendência cabo-
missão impossível para muitos des- suítes no prédio original, o hotel pas- Tudo está pensado para nos dar nais e listas de hotelaria obrigatória verdiana, é com um sorriso, à mesa
tes universos: não se pressente o sou para 48. Foram três anos de “espaços e momentos”, como nos diz em Lisboa – até porque é o único do seu Chá das Cinco e cercados pelo
kitsch por lado nenhum. obras de ampliação, com o resultado Adélia Carvalho – com longo currícu- hotel lisboeta integrante da rede de jardim, que recorda o que aprendeu
É dessa “elegância clássica” que a a ser inaugurado em Junho. A refor- lo na hotelaria de luxo, incluindo a luxo Relais & Chateaux. Até 2019, o com o pai e a família (não por acaso,
directora do hotel, Adélia Carvalho, mulação Æcou a cargo do atelier res- direcção do Bairro Alto Hotel por seis ano em que se poderão considerar duas irmãs também cheÆam áreas de
nos falará, na quietude do jardim, ponsável pelo projecto original, com anos e a liderança do projecto de dados não-atípicos, o hotel recebeu cozinha noutros hotéis). A carreira
mantendo sempre o foco nessa mes- assinatura de Diogo Rosa Lã e José hotelaria de Pedras Salgadas. São principalmente turistas dos Estados já a levou a trabalhar e aprender com
ma “sobriedade” apurada ao porme- Pedro Vieira, já com muito currículo “refúgios” que cortam a massiÆcação Unidos, Reino Unido, França, mas Vítor Sobral (na Cevejaria Lusitana),

No Hotel Valverde
revive-se o charme
discreto do luxo

Tem alojamentos de primeira sem kitsch à vista,


um pátio-jardim que é um verdadeiro oásis na
Avenida da Liberdade e cozinha “espiritual”.
Depois de três anos de obras de ampliação, o
Valverde quase duplicou de tamanho e tem novos
chamarizes para atrair hóspedes e residentes.
Luís J. Santos (texto) e Nuno Ferreira Santos (fotos)
Sábado, 9 de Outubro de 2021 | FUGAS | 13

acima de tudo, sem desperdícios. A sugere um creme de espargos e trufa


remodelação do Valverde deu-lhe negra, brisée de azeitona e (quei-
uma cozinha maior e uma nova sala jo) taleggio ou vieiras braseadas; no
para “fazer as pessoas felizes” com a peixe, Æcámos pela garoupa e sali-
sua comida. O espaço tem um altíssi- córnia, o tagliatelle nero com carabi-
mo pé direito, tecto em burel borda- neiro e o atum dos Açores que vem
do, painéis de madeira com ilumina- com puré de batata-doce, couve kalé
ção retro, um chão de azulejo vidra- e crocante de arroz; nas carnes, tor-
do, janelas rasgadas para o jardim nedó de novilho grelhado, o magret
(também há lugares ao ar livre) e gra- e uma barriga de leitão que cozinha
vuras do século XVIII de Piranesi. É a baixa temperatura por seis horas e
neste ambiente que se partilham as chega com molho de vinho do Porto,
propostas de Carla Sousa. acompanhado por chalota e puré de
Logo pela manhã, um festim. Há abóbora assadas. A não saltar de
para escolher uma imensa colecção maneira nenhuma, as sobremesas,
de ovos (estrelados, mexidos, escal- entre um surpreendente cheesecake
fados, Benedict, Florentine, Royal e de alfarroba e chia, o suspiro de leite-
mais), afamadas panquecas (que as creme (com pão-de-ló de canela e
há de alfarroba, matcha) e fatias dou- sorbet de citrinos) e as sedutoras tex-
radas, até acompanhamentos selec- turas de chocolate.
tos (entre eles feijão estufado em “Tudo feito aqui”, sublinha a chef,
tomate, batata rosti ou pancetta), do pão à pastelaria, comprovando-se
selecções de queijos, frutas, sumos que Carla Sousa gosta de dominar
naturais, granola caseira, pastelaria cada detalhe da sua cozinha, como
Æna ou o bolo caseiro do dia. se nota. Enquanto vamos saborean-
Ao almoço, entre entradas que do o Chá das Cinco, entre scones e
podem passar por um croquete de compotas caseiras, mini-sanduíches
quinoa, as sugestões passam pelo e bolinhos, Carla Sousa diz-nos que
Reconstruído Fausto Airoldi (Sétima Avenida) ou mas, acima de tudo, uma “cozinha risotto de espargos selvagens, lombo também gosta de trazer surpresas,
ao detalhe, o Rui Calçada (Penha Longa) e Sá Pes- portuguesa contemporânea” e, hotel de garoupa braseada ou tagliatelle todos os dias e por vezes até em dias
hotel vive numa soa (Bairro Alto Hotel). No Valverde, oblige, inspirações internacionais. negro de lulas, o magret de pato ou muito especiais: Æcámos logo a sali-
sobriedade alia o que gosta de chamar “cozinha Regras que mantém sempre, diz- o tornedó de novilho. Mas é ao jantar var por uma cachupa no jardim.
eficiente espiritual”, feita com gosto e vontade nos, são bons e sazonais ingredientes, que o ambiente do Sítio se torna mais
de partilha, à sua especialidade: sim, uma cozinha de mercado e de autora, romântico e reÆnado, disso não haja A Fugas esteve alojada a convite
raízes da cozinha cabo-verdiana, produtos únicos e de qualidade, e, dúvidas. Para dar substância, a chef do Valverde Hotel

i
Hotel Valverde
Avenida da Liberdade, 164
1250-146 Lisboa
Tel.: 21 094 03 00
E-mail: info@valverdehotel.com
www.valverdehotel.com
Facebook: facebook.com/
hotelvalverde
Instagram: instagram.com/
valverdehotel
Preços: desde cerca de 220
euros o quarto e 350 a suíte (as
de topo, Valverde e São José,
poderão chegar a rondar os
cerca de 500-700 euros). Há
vários packages, da Gourmet
Experience ao Package Lisboa
(três noites, um jantar, transfers
e tour em Lisboa). Há até a
possibilidade de passeio de
barco à vela com opção de
serviço de catering do hotel a
bordo (barco de propriedade do
hotel).
Horários: pequeno-almoço das
7h30 às 11h (37€ para
não-hóspedes), almoço das
12h30 às 15h (menus a
25-29,50€), Chá das Cinco das
17h às 19h (15€), jantar das
19h30 às 23h (pratos principais
em na faixa 19-26€).
14 | FUGAS | Sábado, 9 de Outubro de 2021

Motores

Peugeot 3008
Hybrid4
Selvagem nas
performances,
dócil nos
consumos
Apesar do sucesso de há cinco
anos, a marca do leão sabe que a
concorrência é feroz e que não
pode relaxar. Por isso, melhorou o
3008 em vários aspectos. A
começar pela inclusão de sistemas
híbridos de ligar à corrente.
Carla B. Ribeiro
a Há cinco anos, a Peugeot iniciou mais voltadas para a dinâmica da de fugir para o asfalto. carregador 7,4 kW e se recorra a uma tro rodas, o que beneÆcia a seguran-
uma nova vida no corpo do 3008. Na própria condução. No entanto, é em alcatrão que o wallbox – nesse caso, o tempo estima- ça e permite segurar o carro mesmo
época, para Portugal, a marca anun- Poder-se-ia até pensar que não leão desperta melhor. Até porque, no do para ter a bateria pronta para mais em situações em que a aderência
ciou como objectivo ser número dois havia motivo algum para mexer num caso do carro ensaiado, dá cartas o quase 60km é de apenas 1h45. esteja comprometida, como num
do subsegmento dos C-SUV onde rei- automóvel que, volvidos quatro anos, conjunto propulsor mais potente da Mas voltemos ao facto de estarmos piso molhado, com lama ou gravilha.
nava o Qashqai. Um desígnio extre- continuava a dar cartas e não acusava gama, graças ao facto de unir um blo- com o 3008 mais potente: em conjun- Aliás, nem é preciso segurar o carro.
mamente ambicioso, mas que não cansaço. Mas, quando se olha para o co a gasolina a uma potente veia eléc- to, há 300cv e um binário máximo de A verdade é que o veículo trata disso
tardou a atingir, ao mesmo tempo que actual 3008 e se coloca o veículo ao trica. Ou seja, ao Puretech 1.6 a debi- 520 Nm, o suÆciente para acelerar de sozinho e de forma muito competen-
convencia a imprensa da especialida- lado do lançado em 2016, depressa se tar 200cv, a Peugeot juntou dois 0 a 100 km/h em 5,9 segundos – o fac- te – o que é notório para quem segue
de, mesmo a mais crítica: conquistou percebe que houve muita sabedoria módulos eléctricos: um, à frente, to, dado o automóvel que é, não fará a bordo é a ausência de incómodos:
prémios atrás de prémios (Carro do no que foi mexido e mantido. capaz de gerar 81,2 kW de potência ninguém ter vontade de andar em mesmo em situações atribuladas,
Ano em diversos países, Portugal Continua a apresentar uma frente (110cv) e 320 Nm de binário máximo, corridas, mas a capacidade de acele- parece que no habitáculo tudo se
incluído, Car Of The Year europeu, vertical, ainda que os elementos ago- e outro, na traseira, a debitar 83 kW ração (e a rapidez com que dispara) é mantém sereno.
entre muitos outros). ra sejam conjugados para lhe garantir (113cv), ainda que mais modesto no uma enorme aliada em situações mais Mas há mais elementos que propor-
Mas o 3008 foi mais do que um maior imponência. Ou seja, em vez binário (166 Nm). apertadas, seja por ser necessária uma cionam segurança acrescida. Como
modelo; foi uma nova ÆlosoÆa que das lâminas verticais, a sensação de Estes dois motores eléctricos são ultrapassagem numa curta distância a inclusão do opcional Night Vision,
se espraiou por toda a casa nascida altura é transmitida pelas luzes de alimentados por uma bateria de iões ou para fugir a um qualquer obstácu- em que o automóvel detecta a exis-
em Sochaux, região Borgonha-Fran- dia, em forma de presas de tigre, de lítio de 13,2 kWh, com uma auto- lo. E, por falar em segurança, se em tência de peões, ciclistas, gente de
co-Condado, a um passo da Suíça. A enquanto a grelha surge como que nomia estimada de 59 quilómetros, 2016 o Euro NCAP não hesitou em dar trotinete, lançando um aviso bem
partir do 3008, deu a sensação que rasgada e a entrar pela carroçaria (até segundo a homologação em ciclo as cinco estrelas com o equipamento audível e exibindo no painel de ins-
a marca do leão encontrou o seu parece que o leão chegou ali e arra- WLTP. Para ter a bateria carregada é base, actualmente, apesar de não ter trumentação o que se desenha à nos-
caminho para os anos seguintes, nhou a chapa), o que nos leva a pen- necessário um tempo de sete horas sido submetido a novos testes, é mui- sa frente e que, pelo facto de haver
apostando em visuais atraentes e sar que o carro está muito mais largo. numa tomada doméstica de oito to provável que as mantenha. pouca visibilidade, nos poderia ter
inconformados, ao mesmo tempo A linha de cintura mantém-se elevada amperes e quatro horas numa de 16A. Até porque, nesta versão híbrida passado despercebido. Depois, as
que apostou numa evolução tecno- e as protecções nas zonas inferiores No entanto, há possibilidade de ter plug-in, quando os dois motores eléc- ajudas à condução, nomeadamente
lógica, nos campos da conectividade garantem prestações em terrenos maior velocidade de carregamento, tricos são chamados à acção, o 3008 o cruise control adaptativo, com fun-
e segurança, mas também nas áreas acidentados sem que se sinta vontade caso se opte por dotar o carro de um passa a contar com tracção nas qua- ção de paragem e arranque automá-
Sábado, 9 de Outubro de 2021 | FUGAS | 15

FOTOS: DR
ticos, podem transformar-se em exce-
lentes aliados para combater o cansa-
ço e tornar a condução mais serena.
Na tecnologia, é relevante ainda
destacar o salto qualitativo na
conectividade, com compatibilida-
de com Apple CarPlay e Android
Auto e um sistema que nos parece
responder ligeiramente mais rápido
que o anterior. O painel de instru-
mentação é digital e totalmente
personalizável, surgindo agora
maior e mais funcional: passou a
assentar num ecrã de 12,3 polega-
das, que passou a incluir informa-
ção sobre o estado das baterias e a
autonomia eléctrica disponível.
Claro que esta autonomia em muito
dependerá do modo de condução
escolhido. Há quatro à escolha: Elec-
tric (desliga o motor térmico), Hybrid
(gere os três motores de forma auto-
mática), 4WD (para forçar as quatro
rodas motrizes) e Sport (que vai privi-
legiar a dinâmica em detrimento da
eÆciência e poupança – ou seja, vai
extrair o máximo que o carro tem para
dar). Como acontece actualmente
com a maioria dos PHEV, o 3008 tam-
bém traz a funcionalidade de reservar
energia eléctrica: algo que em Portu-
gal ainda não se justiÆca, mas que em
determinadas regiões, com zonas
livres de emissões, se torna essencial
para prosseguir a viagem.
Mas nem só de energia e dinâmica
se faz esta viagem. Por dentro, o
Peugeot 3008 já nascera com vonta-
de de se destacar no mar dos gene-
ralistas, mas agora nota-se uma
melhoria nos detalhes e nos mate-
riais usados, sobretudo nos níveis
mais equipados, com bancos em
pele, apontamentos em materiais
macios e um ambiente que prima
pela sobriedade requintada.
No que toca à habitabilidade dos
ocupantes, a inclusão do sistema
híbrido nem sequer a beliscou. O
i mesmo não se pode dizer da volume-
tria da mala: nos modelos a combus-
tão é de bons 520 litros, enquanto as
Peugeot 3008 Hybrid4 versões híbridas não vão além de 395
Motor: PHEV litros, o que obriga a alguma ginástica
(Gasolina + Eléctrico) na hora de ir de férias com a família.
Tracção: Integral Claro que nem tudo são espinhos.
Potência combinada: É que o que rouba em espaço devolve
221 kW (300cv) à carteira: com as baterias carrega-
Aceleração 0 a 100 km/h: das, o consumo médio homologado
5,9 segundos é de 1,3 l/100 km e, mesmo que tenha-
Velocidade máxima: 235 km/h mos marcado um pouco mais (2,1
Consumo: 1,3 l/100 km * l/100 km), isto é algo a ter em conta
Autonomia eléctrica: 59km* quando o preço do litro da gasolina
Lugares: 5 parece não parar de aumentar – em
Bagageira: 395 litros 2020, o preço médio da gasolina sem
Preço: 52.475€ chumbo 95 simples saldou-se em
(desde, para particulares) 1,44€; no terceiro trimestre deste ano,
*WLTP, em circuito combinado a média rondou os 1,75€. Claro que
esta poupança também sai cara,
sobretudo se se tratar de um particu-
lar (as empresas poderão retirar
alguns benefícios Æscais graças às
características do veículo): o 3008
Hybrid4 de 300cv comercializa-se a
partir de 52.475€.
16 | FUGAS | Sábado, 9 de Outubro de 2021

Dahlia
FOTOS: DR
Quatro amigos de
diferentes
nacionalidades
abriram em Lisboa
um bar de vinhos,
comidas, cocktails
com um sistema de
som que é a jóia da
coroa. O segredo do
sucesso? Uma equipa
que faz a festa

O novo listening
a Podemos falar do sistema de som funk, soul, jazz, disco, música brasi- vindo do 100 Maneiras, e que sur-
xpto, da colecção de vinis, da comida, leira.” Mas tinham igualmente inte- preendeu de tal forma Adam com os
da carta de vinhos naturais, dos resse em vinhos naturais e sabiam cocktails que criou que, apesar de
cocktails, mas há uma outra coisa, que queriam servir comida. Pediram isso não estar nos planos iniciais,

bar do Cais
menos palpável, que faz a boa vibe do a Adam que entrevistasse dois candi- passou a haver uma carta de cocktails
Dahlia. Sentimo-lo da primeira vez datos a cozinheiros, Vítor Oliveira, – e foi uma decisão acertadíssima a
que vamos ao novo espaço, aberto antigo chef do Damas, na Voz do Ope- julgar pelo Grilled Pineapple Smash
em Julho na Travessa do Carvalho, rário, em Lisboa, e Gabriel Rivera. que bebemos, com um toque de

do Sodré tem
nas traseiras do Mercado da Ribeira, Adam faz as conversas por zoom a picante a puxar pela vontade de
em Lisboa. Mas só na segunda visita, partir de Berlim e deu uma resposta pedir mais um prato para acompa-
e em conversa com o gerente, Adam inesperada. “Disse que contrataria os nhar a bebida.
Purnell, é que a conseguimos identi- dois. São superapaixonados, muito Dividida em espumantes, brancos,
Æcar: toda a equipa parece genuina- criativos e muito empenhados, e isso rosés e laranjas e tintos, a carta de

vinhos naturais, mente feliz por trabalhar aqui. E isso


faz toda a diferença.
Foi essa sensação de que existia um
entendimento que passa não apenas
não é fácil de encontrar.” Foram os
dois contratados.

A carta de cocktails
vinhos naturais foi inicialmente ela-
borada com a ajuda de um amigo mas
está agora a ser trabalhada por Adam,
que vai escolhendo novas referências

vinis e boa onda


pelo trabalho mas por interesses em quando as anteriores acabam. Não é
comum, sejam eles a música, o cine- A partir daí, as coisas foram-se encai- muito longa, mas como está em cons-
ma, a arquitectura, ou simplesmente xando de forma muito orgânica. Na tante mutação permite sempre des-
a forma de olhar o mundo, que levou cozinha, os dois chefs começaram a cobertas novas, não só de vinhos
Adam a decidir trocar Berlim por Lis- trabalhar como uma dupla, sem hie- portugueses – “soberbos”, na avalia-
boa, juntando-se como gerente ao rarquia, e a criar em conjunto pratos ção de Adam, encantado, por exem-
projecto de quatro sócios: David que não se encerram num conceito, plo, com o Ciste da Menina d’Uva, de
Wolstencroft, Hamish Seears, Tiago assumindo uma inspiração do Médio Trás-os-Montes, e estranhando que
Oudman e Harrison Iuliano. Oriente, entre outras, e baseando-se estes vinhos “não se vejam mais no
Tudo aconteceu durante os conÆ# sempre em produtos locais e frescos. resto da Europa” – mas também de
namentos. Adam veio a Lisboa, conhe- O resultado pode ser beterraba cura- França, Espanha e Nova Zelândia.
ceu “os rapazes” e, socorrendo-se da da com laranja e vinagrete de pistá- Na nossa primeira visita, bebemos
sua experiência à frente de um espaço cios (6,50€), abóbora com cenoura a última garrafa do austríaco Gruner
de restauração em Berlim, deu alguns fermentada e compota de citrinos Veltliner Purbach, Scheiefer, do Bur-
conselhos, como amigo. Os quatro (7,50€), tahini (9€), couve-Çor cara- genland. Quando regressámos, este
sócios sabiam que queriam fazer algo melizada com chimichurri e um ópti- já não existia, mas, em contraparti-
inspirado nos “listening bars”, um mo creme de amêndoas (8,50€) ou da, tinha entrado na carta uma refe-
caso de sucesso que começou no cogumelos com molho de pêssego e rência de um produtor que Adam
i Japão na década de 1970, espalhan-
do-se depois pelo mundo. A fórmula
dashi (7,50€).
Para quem quiser peixe ou carne,
admite ser o seu favorito neste
momento, o 7 Fuentes, Suertes del
é simples, explica Adam: “Um som de as opções são camarão selado com Marques, de Tenerife, Espanha. Há,
Dahlia grande qualidade, não por ser muito chili, bisque e kimchi (10,50€), lula dentro deste perÆl de vinhos, opções
Travessa do Carvalho, 13, Lisboa alto como numa discoteca, mas por frita com arroz frito com tinta de lula mais funky e outras mais tradicionais
Horário: de terça a sábado das ser muito puro. É por isso que a apa- e aioli (13€), frango frito com molho – é uma questão de falar com a equi-
18h30 à 1h relhagem que temos vale mais do que de sésamo picante (10€) ou cachaço pa, pedir uma sugestão e estar aber-
(cozinha encerra às 23h). qualquer outra coisa aqui.” de porco preto com abacaxi grelhado to à descoberta, deixando espaço
Reservas no website www. Com os vinis que coleccionavam há e tomate fermentado (13,50€). para, no início ou no Ænal da noite,
dahlialisboa.com ou pelo email décadas, música não lhes faltava. No bar surgiu, entretanto, uma experimentar um dos cocktails de
adam@dahlialisboa.com “Temos grandes colecções de discos, nova personagem, Rony Hernandez, Rony. Alexandra Prado Coelho
Sábado, 9 de Outubro de 2021 | FUGAS | 17

Vinhos

É o tinto que dá estatuto, funciona como presente, celebra negócios e é desejado por
consumidores brasileiros – eis o Pêra-Manca. A colheita de 2015 bateu o recorde de produção,
vende-se por 275€ na adega e apresenta-se com um perƊl mais clássico. Edgardo Pacheco

O Pêra-Manca é um adereço
numa coreograƊa de luxo
a Seja pela história, pela raridade, Manuel Janeiro, da Garrafeira Vene- de uma está um Pêra-Manca. “O que quando tem de fechar um negócio é O vinho mais viajado
pela qualidade fora de série ou pelo za (Algarve), julga que a “maioria das eu me divirto quando alguns clientes sempre na companhia de Pêra-Man-
preço, há marcas que são objecto de pessoas que recebe uma garrafa de dizem que o Pêra-Manca é um vinho ca. “Sei que não é o seu vinho prefe- Esta questão do vinho como oferta e
desejo. No caso do Pêra-Manca, há Pêra-Manca não pagou por ela: foi-lhe que custa três vezes menos. Tenho rido, mas ele quer a marca porque ícone no mercado brasileiro levanta
outro ingrediente estratégico: a fama oferecida”. Na sua casa, o grosso dos apreço pelo trabalho da Fundação esta dá estatuto, porque impressiona uma questão. É que, das 44 mil garra-
que começou em 1990, que continua clientes que pede o vinho são brasi- Eugénio de Almeida (FEA), mas sabe- quem está à mesa.” fas da colheita de 2015, apresentado
a dar um ciclo de vida longo ao tinto leiros, angolanos e chineses. Depois, mos que é às cegas que se avaliam No fundo, o Pêra-Manca é como a 1 de Outubro, cerca de 6800 estão
alentejano. Nas últimas décadas nas- há um nicho de portugueses que ora bem os vinhos.” um fato de bom corte ou um vestido alocadas para o Brasil, com um stock
ceram marcas que se posicionam no pedem para abrir uma garrafa ora Escanção do JNcQuoi, Ricardo elegante, aquela jóia que chama a de reserva de outras 1200 garrafas (a
patamar do Pêra-Manca, mas, no ima- compram uma garrafa para oferecer Morais tem um cliente português que atenção ou até a própria pose de inÇação é o que é no Brasil e o Pêra-
ginário dos consumidores, o vinho da a um amigo ou a um familiar. quem está à mesa: um adereço numa Manca nunca custa menos de 2000
Cartuxa continua a ser um ícone. Manuel tem por hábito fazer provas coreograÆa de luxo. Fica sempre reais). Ou seja, a reserva destinada ao
Aliás, a fama do Pêra-Manca é tal cegas, e, por vezes, avisa que no meio bem. Brasil é escassa face à procura. Como
que a qualidade do vinho em si não é se dá a volta ao problema? Através das
o impulso de compra. Não se coloca malas dos passageiros que viajam de
em causa essa qualidade - claro -, mas Portugal para o Brasil. Atendendo às
é difícil encontrar um consumidor questões Æscais, o Pêra-Manca deverá
que diga que comprou uma colheita ser o vinho que mais viaja na mala dos
de Pêra-Manca porque o vinho estava passageiros. Belo negócio.
mais elegante ou mais concentrado, Brasil à parte, o aumento de produ-
ou porque viu numa revista da espe- ção desta colheita vai permitir, garan-
cialidade uma nota próxima de um te João Teixeira, director comercial
20. Compra-se o Pêra-Manca porque da Cartuxa, apostar em mercados
o Pêra-Manca é o Pêra-Manca. Na como o Reino Unido e os Estados Uni-
gíria, chama-se a isso comprar e beber dos, e reforçar a presença em Macau
rótulos. – destino histórico para a marca.
A tese de que são os brasileiros, Quanto à nova colheita, de 2015, é
angolanos e chineses que consomem sempre inevitável, para vinhos desta
Pêra-Manca na restauração e nas gar- natureza, fazermos comparações
rafeiras não requer contraditório. “Os com colheitas anteriores. Assim, se
brasileiros chegam cá com essa refe- em 2014 houve um peso maior da
rência e nem vale a pena falar de casta Trincadeira, em 2015 o Arago-
outras marcas. Querem o Pêra-Manca nês foi dominante. Donde, estamos
e pronto”, diz-nos Maria Pinto Coe- perante um vinho profundo, pujante
lho, responsável do grupo de restau- e cheio de força, com destaque para
ração Monte Mar (Cascais, Lisboa e as notas aromáticas de frutos pretos
Tróia). “E quando são portugueses a (ameixa e cereja), compotas e folha
pedir o vinho, isso é porque estão a de tabaco. Na boca, sentimos um
celebrar um evento familiar impor- vinho com muita estrutura, mas as
tante”, enfatiza. Como curiosidade, notas vegetais da Trincadeira e o bom
o Pêra-Manca 2014 está na carta dos balanço da acidez acabam por dar
restaurantes Monte Mar a 380€, valor vivacidade ao vinho. Ainda assim, um
próximo daquele que é praticado nal- tinto concentrado.
gumas garrafeiras. Preferimos a colheita de 2014,
Tiago Paula, da garrafeira Estado com o domínio da Trincadeira, mas
d’Alma, em Lisboa, tem uma interpre- isso é só o nosso gosto. Que pouco
tação peculiar sobre o vinho. “Tenho importa porque o vinho vende-se
clientes brasileiros que compram bem e dá bons proveitos à FEA. Veja-
vinhos caros, entre eles o Pêra-Manca. mos, 44 mil garrafas vezes 180€ (pre-
Acontece que esses mesmos clientes ço médio tendo em conta todos os
costumam repetir algumas marcas, mercados: para os revendedores de
mas não tenho memória de algum ter Portugal, Brasil ou Macau os preços
repetido o Pêra-Manca. Às vezes faço à saída da adega são diferentes) dá
uma pergunta ou outra e eles dizem cerca de 7,9 milhões de euros. É uma
que o Pêra-Manca foi para oferecer, pena não haver mais Pêras-Mancas
não para ser bebido por eles.” em Portugal.
18 | FUGAS | Sábado, 9 de Outubro de 2021

Vinhos

No próximo Ɗm-de-semana, decorre em Lisboa a Feira Vinhos & Sabores, organizada em


parceria pela revista Grandes Escolhas e pelo PÚBLICO. Durante o evento da FIL, no Parque
das Nações, há provas com diferentes formatos. Entre as chamadas provas especiais
destacamos, no dia 17, o desaƊo da equipa da Sogevinus para a feitura de um lote de Vinho do
Porto branco Kopke 20 anos. E como nos calhou, por estes dias, participar na feitura um
Porto branco Kopke 50 anos, Ɗca aqui o relato a experiência. Edgardo Pacheco

O Douro e Gaia
em frascos
de perfume
a No regresso a casa depois de pro- um blend que vai agora ser submetido tacou a necessidade de procurarmos
vas de tudo e mais alguma coisa vem- à câmara de provadores do IVDP. o equilíbrio entre aromas, sabores e
nos muitas vezes à memória uma Nestes dias Ænais de vindima, Car- frescura e rematou: “Cada um tem
velha ideia de enfrascar os aromas los Alves, o master blender do grupo três tentativas para chegar ao vinho
identitários de determinadas fatias do para as marcas Kopke, Cálem, Barros Ænal.”. Ah, mas sem que tivéssemos
país (sim, cada território tem a sua e Burmester, sentou jornalistas e autorização de, inicialmente, cheirar
paisagem aromática). Quando tivés- escanções numa mesa imponente na e provar o Kopke 50 anos (mauzinho,
semos saudades do Barroso, de São Quinta de São Luiz (entre a Régua e este Carlos Alves).
Jorge, do barrocal algarvio, da serra o Pinhão). Cada um tinha uma amos- A sala onde decorreu o exercício
de São Mamede ou da praia da Arri- tra do vinho Ænal (o Kopke 50 anos), tem um pé direito que não acaba,
fana resolvia-se o problema com os seis vinhos base com diferentes ida- mas mal se abriram os frascos com
frascos em formato de perfume. des, uma proveta e um frasco os vinhos base o espaço transfor-
Mas se isso não passa de um sonho, Erlenmeyer (recipiente que serve mou-se numa perfumaria com toda
a ideia de enfrascar os aromas ele- para harmonizar líquidos). O enólo- a panóplia de cheiros que encontra-
mentares dos vinhos de uma região go deu umas indicações gerais, des- mos num Tawny velho (aromas de
vitícola em kits bonitos já nos parece citrinos, frutos secos, vinagrinhos,
exequível, didáctica, e até interes- madeiras exóticas, especiarias e
sante como negócio (em modo de outras coisas indeÆnidas). Com tan-
presente para os amigos ditos gour- to aroma, só por milagre acertaría-
met). mos no vinho testemunha.
Foi o que nos ocorreu quando, Era evidente que entre o frasco A e
recentemente, nos armámos em mas- o frasco E o tempo de vida dos vinhos
ter blender de Porto para tentarmos
recriar aquele que será a grande novi-
No universo disparava entre os dez e os 60 anos,
pelo que lá se tentou fazer um lote
dade no universo dos tawnies: o Por-
to branco Kopke 50 anos. Tentar é a
do vinho do com todos os vinhos. Uma pinga
daqui e outra dali (tudo isso vezes
expressão correcta porque, ao Æm de
três lotes (e apesar dos progressos),
Porto diz-se que seis) e o resultado foi um tiro muito
ao lado do porta-aviões.
não se chegou lá. Mas lá que tivemos
muito gozo em cheirar e provar seis
o Porto Vintage Na segunda tentativa deixou-se de
fora o vinho A (muito cítrico). O lote
vinhos base que estavam em frascos
de perfume, lá isso tivemos. É impres-
é uma dádiva melhorou qualquer coisa, mas foi
mesmo só isso. Desobedecendo às
sionante o que se aprende num exer-
cício destes. Problema: isto pode da natureza, ordens do professor, provou-se o
vinho Ænal. Caramba, agora sim, esta-
tornar-se um vício.
O IVDP criou a nova categoria de enquanto va no papo. Este vinho só poderia ser
feito com as amostras dos três últimos
Tawny datado de 50 anos (até agora
o imite era a categoria 40 anos). E a o Tawny é uma lotes. E assim era – descobriu-se mais
tarde –, mas qual seria a percentagem
Kopke, do grupo Sogevinus, que pos- certa de cada um no lote? O sarilho
sui um património considerável de dádiva do estava aqui.
vinhos brancos velhos e é a empresa Embora, aromaticamente, o ter-
mais antiga de vinho do Porto, criou homem ceiro lote se aproximasse do vinho
Sábado, 9 de Outubro de 2021 | FUGAS | 19

Mais atenção aos


Um master blender necessita
espumantes da
Bairrada, por favor
de quatro requisitos: bons
vinhos base, memória de
elefante, ritmo de prova intenso
e capacidade de gestão dos
stocks das caves
FOTOS: DR

a A Bairrada está a celebrar os 130 sa matéria), mas o salto deu-se com


anos de história na criação de espu- a melhoria da qualidade das uvas. E
mantes e 30 anos de certiÆcação essa qualidade traduz-se em mostos
deste vinho. Na feira Vinhos & Sabo- com baixo teor alcoólico, boa estru-
res haverá uma prova com 13 espu- tura e acidez considerável, tudo o
mantes (colheitas entre 1991 e 2019), que é necessário para fazer um bom
que vai mostrar a evolução e a rique- espumante.”
za do perÆl dos espumantes bairra- Uma vez feita a espumantização
dinos. (a segunda fermentação), será o
A prova de espumantes que decor- tempo a dar complexidade aos
rerá na manhã do dia 18 de Outubro espumantes, “o que signiÆca que
- o chamado dia dos proÆssionais -, quanto mais tempo o vinho estiver
será orientada por Pedro Soares, em contacto com as leveduras maior
presidente da Comissão Vitivinícola riqueza de aromas e sabores vamos
da Bairrada, e Luís Lopes, director ter, com a textura cremosa a realçar-
da revista Grandes Escolhas, o que se”, destaca Luís Lopes, sem esque-
signiÆca que os participantes estarão cer “a questão das temperaturas
diante dois proÆssionais que acom- constantes ao longo de todo esse
panham de perto a evolução quali- processo e que só as caves subterrâ-
tativa dos espumantes bairradinos. neas oferecem”.
teste, na boca era outro tiro na água. E é por isso que Carlos Alves fala da A principal causa desta revolução
Faltava-lhe frescura. E por mais que necessidade do ritmo de prova diário tem a ver com os vinhos base que se O dinamismo da região
carregássemos com a amostra C, para a feitura dos vinhos das quatro destinam aos espumantes. Noutros
nada melhorava. A dada altura, e marcas. “Existe arte em todo o pro- tempos, refere Pedro Soares, ia para Uma vez lançado no mercado, o
quando parecíamos o druida Pano- cesso, mas é uma arte que se adquire espumante muito do que não servia espumante está pronto a ser consu-
ramix a tentar recriar a poção mági- com muita dedicação na prova. Pro- para dar um bom vinho branco ou mido. Não vale a pena comprar
ca depois de ter levado com um var, provar, provar e provar sempre. tinto. “Hoje, nada disso se veriÆca, espumantes e guardá-los em casa
menir na cabeça, desistimos. Não Provar na sala de prova e provar regu- diz-nos Pedro Soares. “Pelo contrá- para aquelas cerimónias que nunca
valia a pena, só estávamos a estragar larmente o que temos em stock nas rio, um espumante começa a ser chegam ou são eternamente adiadas
vinhos do Porto que demoraram caves”, eis o segredo. planeado na vinha, sendo que já porque corremos o risco, nessas
décadas a chegar até nós. Daqui seguimos para a questão temos produtores que instalam alturas, de abrir garrafas cujo gás
Quando toda a gente se cansou, Ænal, que é a gestão de stocks. Quando vinhas em determinados solos só Æcou pelo caminho. O que é pena.
Carlos Alves revelou as percentagens uma casa cria uma categoria que exi- para obterem os melhores vinhos Numa prova recente que Æzemos
certas. Ou seja, a base, com 60%, era ge vinhos base com diferentes idades, base.” na Bairrada registou-se que, quali-
o vinho D (48 anos de idade). Seguia- o master blender tem de conhecer Luís Lopes segue o mesmo racio- dade à parte, há diversidade no per-
se o vinho E, com 30% (à volta de 60 com o rigor de uma folha de Excel os cínio. “A espumantização em si, na Æl dos espumantes, o que mostra o
anos) e, por Æm, o vinho C, com 10% quantitativos desses vinhos nas caves adega, não tem grandes segredos. É dinamismo da região. Tanto encon-
(20 anos). Coisa simples para quem e gerir as vindimas futuras para pro- certo que a técnica de prensagem tramos espumantes de castas bran-
anda nesta vida desde 2007. duções destinadas ao curto, médio e cuidada das uvas para a obtenção cas nacionais e internacionais como
No universo do vinho do Porto diz- longo prazo, por forma a que o tal de um bom mosto é um factor críti- espumantes rosés (sempre interes-
se que o Porto Vintage é uma dádiva perÆl não se altere de lote para lote. co (e houve muitos progressos nes- santes à mesa) ou espumantes só de
da natureza, enquanto o Tawny é Se multiplicarmos isso por quatro Baga para a categoria Baga-Bairra-
uma dádiva do homem. Do homem marcas de vinho do Porto, a vida de da, que tem vindo a crescer em ter-
que soube fazer e cuidar dos vinhos Carlos Alves tem que se lhe diga. mos de certiÆcação. Temos espu-
base, para mais tarde revelar mistério Há riscos de enganos nestas maté- mantes com pouco tempo de cave
e complexidade por via do lote. rias? “Engano, engano, não porque a ou espumantes complexos e bem
Carlos Alves diz-nos que um master feitura do lote é algo que fazemos com vivos com dez anos de vida. Prova-
blender necessita de quatro requisi- bastante tempo. Não é como essa pro- ram-se espumantes feitos para
tos: bons vinhos base, memória de va que vocês Æzeram. Nós fazemos os comidas gordas (que não apenas o
elefante, ritmo de prova intenso e lotes, deixamo-los em repouso dias, leitão à Bairrada) como outros que
capacidade de gestão dos stocks das voltamos a provar e, depois, o vinho parecem ter nascido para a compa-
caves. Sobre a qualidade dos vinhos Ænal estagia ainda em volume maior nhia de sobremesas. E, em muitos
base, não vale a pena dissertar. Já a durante um mês (em cascaria ou casos, com preços que nos recor-
memória é uma questão determinan- não). Só depois é que engarrafamos. dam o pregão de um vendedor de
te porque cada blender é o guardião Agora, às vezes tenho dúvidas. E cerejas nas ruas de Lisboa: “Não sei
do perÆl de uma determinada marca, quando isso acontece levo vinho para se estou a dar ou se estou a vender.”
sendo que as casas do vinho do Porto casa para a minha mulher provar e Quando, por exemplo, um Bical
fazem gala na manutenção dessa indi- dar a sua opinião”. Mal saberia o Reserva Bruto 2015, das Caves Pri-
vidualidade. E como a Sogevinus tem senhor Fernando Nicolau de Almeida mavera, custa menos de 7€, está
quatro marcas de Porto, é fácil de que, com o seu Barca Velha, haveria tudo dito. Já é tempo de darmos
imaginar a diÆculdade que será fazer de deixar escola nos processos de mais atenção aos espumantes por-
os tais lotes personalizados. decisão Ænal dos vinhos. tugueses.
20 | FUGAS | Sábado, 9 de Outubro de 2021

Vinhos
NUNO FERREIRA SANTOS

O adeus elegante de
Miguel Sousa Tavares
ao jornalismo e o
vinho-espectáculo
Vale do Côa como meras
Elogio do vinho “garatujas”).
Na passada segunda-feira, Miguel
Sousa Tavares fez a sua última
entrevista (ao Presidente da
República), despedindo-se da
proÆssão de jornalista com estas
palavras: “Muito obrigado a quem
esteve comigo ao longo destes 45
anos de jornalismo.” Imagino o
Pedro Garcias aperto que terá sentido. Foi uma
despedida sem ruído e elegante,
a “O que é uma casta?”, que terá deixado muitos
perguntou-me Miguel Sousa telespectadores, como foi o meu
Tavares. Apanhado de surpresa com caso, com um nó na garganta,
a singeleza da pergunta, não soube porque não deve ser fácil dizer
responder o óbvio. Em vez de dizer adeus ao jornalismo.
que é uma variedade especíÆca de A partir de agora, Miguel Sousa
uva, meti-me num lamaçal ao tentar Tavares vai poder dedicar-se mais
ir mais longe na resposta, ao campo e ao vinho. Sim, o
procurando explicar que nem todas jornalista comprou uma
as uvas são boas para vinho e que propriedade no Algarve e já
aquelas que mais usamos hoje têm estabeleceu uma parceria com uma
origem em videiras que foram companhia do sector para instalar
enxertadas em pés mães de origem uma vinha e fazer um vinho. Só
americana, o chamado espero que no dia em que lançar o
porta-enxerto, um auxiliar apenas. seu primeiro vinho mostre a mesma
A casta, criada artiÆcialmente ou contenção e elegância que revelou
por cruzamento natural, no Ænal da sua última entrevista.
corresponde ao garfo (um troço de O vinho não tem que ser um
videira de uma variedade especíÆca) assunto demasiado formal, e muito
que é enxertado nesse menos chato, mas, que diacho!,
porta-enxerto e que vai dar origem a também não tem que ser uma feira,
uma videira nova. Acabei na um espectáculo permanente em
Æloxera, sem explicar nada de jeito, que conta mais a forma do que o
e com a consciência de que quanto conteúdo, como acontece cada vez
mais falasse mais me enterrava, mais por cá. Vale tudo para
porque em televisão não há tempo aparecer e ser falado. Por exemplo,
para remediar o erro e o ridículo. na noite em que Miguel Sousa
Foi então que Miguel Sousa Tavares, Tavares se despedia do jornalismo, simpático chef Diogo Rocha, que nome do vinho é mesmo este. de fazer ‘tick’ nos termos do Ænal do
vendo-me em apuros, me lançou a SIC anunciava que o ex-jogador acaba de dar o nome a um novo Compraram-no a produtores de seu ato de compra”. São Ænos, estes
uma corda, mudando de assunto. Maniche (BenÆca e F.C.Porto) se vinho da Quinta de Lemos, no Dão. uma qualquer região nacional e manos. A arte não obedece a leis
O jornalista durão, conhecido por tinha transformado em vinicultor E até tem graça ver o crescente lançaram edições de mil garrafas de (embora seja risível chamar arte a
ser implacável nas entrevistas, no Douro. A reportagem apresentou fétiche da Revista de Vinhos, a mais tinto, branco e rosé, ao preço de 15 isto). Um belo estratagema para
mostrou nos bastidores e na Maniche e os acompanhantes antiga publicação nacional euros cada. Melhor, 999 garrafas a 15 quem andou a vender um vinho
entrevista que me fez há uns meses vestidos com a fatiota chique de dedicada ao sector, com as fotos de euros e a última a 999 euros. O ilegal, porque nem o nome foi
na TVI sobre o vinho em Portugal vindima e a comer sardinhas logo às capa muito fora, muito sexy, muito último vinho lançado, um rosé de aprovado pelo Instituto Nacional de
uma complacência e uma simpatia oito da manhã, como “manda a crazy, tipo enólogos engravatados 2020, vem até acompanhado de um Propriedade Industrial, nem o
cativantes. Apesar de só o ter tradição”; depois, vai-se a ver, e a a serem inundados de vinho. Algo insulto: “Que se foda - Toda a gente”. próprio vinho foi sujeito a qualquer
conhecido pessoalmente nessa condição de vinicultor deriva do nos antípodas das capas da Aproveitando a onda, os dois aprovação. Por isso, nem impostos
noite, cresci a lê-lo e a vê-lo na simples facto de Maniche ter magníÆca revista francesa amigos já vendem canecas a 10 devem ter pago.
televisão. Emocionei-me a ler o seu lançado um vinho, com o nome Vigneron, que, desde a primeira euros (“Não há copos lavados? Que Atenção, caros marujos do tal
livro Equador, logo após uma Dezoito, feito a partir de um lote de edição, continua a apostar em se foda”) e t-shirts (“Uma merda vinho: isto não é uma denúncia às
viagem a São Tomé, e tenho a vinho produzido pela Quinta da imagens sérias e verdadeiras de qualquer” e “Outra merda Finanças. Foi só um lampejo
certeza de que o meu gosto pelo Pacheca. produtores no meio das vinhas ou qualquer”), entre outros objectos. artístico para o texto ter mais likes.
jornalismo também foi inÇuenciado Tudo bem, é só sainete. Também da adega. No site, avisam: “Admiráveis clientes Não acreditam? Que se f…. O
pelas suas inúmeras crónicas e não vem mal nenhum ao mundo Bem pior é a “esperteza” de dois que compram Que se foda: os itens problema é vosso. Sabem ao menos
reportagens, apesar de nem sempre que se lancem vinhos com o nome jovens designers que, aproveitando que se encontram à venda são arte. o que é uma casta?
me rever na sua opinião (lembro-me de chefs de cozinha, até mesmo se o a alienação das redes sociais, Assim, e caso não aceite o produto
de lhe ter cortado na casaca quando chef trabalha no restaurante do lançaram um vinho chamado Que se enquanto arte, não deverá avançar Jornalista e produtor
classiÆcou as gravuras rupestres do próprio produtor, como é o caso do foda. Desculpem o palavrão, mas o na sua compra. Para o aceitar terá de vinho no Douro
Sábado, 9 de Outubro de 2021 | FUGAS | 21

Vinhos
Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente
ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo
com os seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada:
Fugas — Vinhos em Prova, Rua Júlio Dinis, n.º 270, bloco A, 3.º 4050-318 Porto

55 a 70 71 a 85 86 a 94 95 a 100

94 Uma singela 89 90
Quinta da Boavista
homenagem Quinta da Chocapalha Falua Reserva Unoaked
Reserva 2017
Sogevinus, Vila Nova de Gaia
ao Barão Sauvignon Blanc 2020
Quinta da Chocapalha, Aldeia
2018
Falua, Sociedade de Vinhos, SA,
Castas: Touriga Nacional, Galega da Messejana Almeirim
Touriga Franca, Tinto Cão, Região: Regional Lisboa Castas: Touriga Nacional
Vinhas Velhas a Num vale cheio de história, a Graduação: 12,5% vol. Região: Tejo
Região: Douro Quinta da Boavista partilha esse Preço: 10,50€ Graduação: 14,5% vol.
Graduação: 14% vol. património colectivo e acrescenta- Preço: 14,49€ (em adegga.com)
Preço: 45€ lhe as suas próprias memórias. No Este Sauvignon Blanc parecia ter
(em uvawineshop.com) caso, as memórias do Barão de For- tudo para atingir um tal nível de Liberta do efeito da madeira, a
rester, que a replantou depois do maturação que os seus aromas Touriga Nacional revela neste
Çagelo do oídio na década de 1850 de fruta tropical acabariam por tinto uma curiosa adaptação ao
e a usou como base para as suas dominar a prova, solo e clima do Tejo: as suas
deambulações topográÆcas (e comprometendo o seu balanço. tradicionais notas de violeta
outras) pelo Douro. Como várias Mas as opções dos seus estão presentes e marcam o seu
propriedades do vale, a Boavista criadores encontraram um aroma, mas a sensação de
passou por muitas mãos (as caminho que nem sempre volume ou uma maior tensão do
da Sogrape, que a adquiriu via funciona: fizeram a vindima de tanino geram uma harmonia
Oëey, ou da Lima&Smith, da Quin- modo a que o volume alcoólico distinta e curiosa. Um tinto que
ta da Covela), até acabar nas da se situasse nos 12,5%. Ficámos se presta a ser bebido jovem,
Sogevinus, no ano passado. então numa zona de conforto, com carnes ou queijos intensos,
Tudo naquela quinta é soberbo, sem o risco que tantos com boa fruta e garra, que tanto
Proposta seja o que se encontra nos seus limi- produtores correm hoje ao seguir satisfaz os apreciadores de
da semana tes originais, seja nas vinhas da esta via. A Sauvignon Blanc vinhos modernos como os que
Cachucha e do Ujo que foram anexa- mostra a sua riqueza e não prescindem de alguma
das posteriormente. Os socalcos, as intensidade aromática sem que o rusticidade. M.C.
exposições, as variações de altitude vinho perca frescor, vibração e
permitem todas as ambições. Agora, profundidade. M.C.
como é óbvio, já não dedicadas em
exclusivo ao vinho do Porto – foi ali
que a Oëey fez vintages memorá-
89
veis, como o de 1983. A Sogevinus
segue a aposta da Lima&Smith e pro- Bodas Reais Síria
duz, com a consultoria do enólogo Grande Escolha 2019
Jean-Claude Berrouet e o trabalho de
campo da enóloga Carla Tiago, um
89 Cooperativa Agrícola Beira
Serra
leque de tintos soberbos. Como que Vila Franca das Naves
a homenagear Forrester, que se Aveleda Loureiro 2020 Castas: Síria
bateu, e perdeu, em favor do vinho Penafiel Região: Beira Interior
do Porto mais seco. Castas: Aveleda Graduação: 13% vol.
No topo da pirâmide temos os Região: Vinhos Verdes Preço: 6,5€
fabulosos Vinha do Oratório e Vinha Graduação: 11,5% vol.
do Ujo (125 euros). Depois, há expe- Preço: 4,85€ Branco de Síria, a casta mais
riências com as castas Donzelinho representativa da Beira Interior
Tinto, Alicante Bouschet e Touriga Há castas que valem quase só (equivale à Roupeiro do Alentejo e
Nacional (28 euros). E algures a meio, pelo seu aroma exuberante e à Códega do Douro). Os seus
o Reserva, que está na base desta distintivo. A Moscatel Galego, por bagos são gordos, como o cacho,
crítica. exemplo, é uma delas. A Loureiro e os grandes brancos, tais como
Se é verdade que o maior azar de é outra variedade que nos os tintos, são feitos quase sempre
um grande vinho é ser provado ao cativa logo pelo seu perfume com uvas de bago pequeno. A
lado de um ainda maior, essa verda- “verde” e cítrico. Mas na boca, Síria tem também a fraca fama de
de comprova-se quando o Reserva quando bom, também é muito originar vinhos que oxidam muito
se bate com os extraordinários Ora- sedutor. Entra como um foguete depressa. Mas nem sempre a
tório ou Ujo. Estes, estão claramente rasante que só explode no final, realidade é assim tão linear. Na
no topo dos tintos durienses contem- mostrando toda a sua última década, têm surgido no
porâneos, o que é dizer muito. Mas, extraordinária frescura. Este mercado belíssimos brancos de
como prova de fogo do potencial da Aveleda é um bom exemplo. P.G. Síria de altitude que nos obrigam
Boavista, o Reserva sai-se muito bem. a olhar de outra forma para esta
Notas de terra, fruta contida mas de casta. Este Bodas Reais,
grande qualidade, um trabalho com proveniente de Vila Franca das
a barrica primoroso, amplo, solene, Naves, Trancoso, é também muito
longo e complexo. É um tinto de agradável. Contido de aroma, é
classe superior. Já está polido, mas um branco de bom volume e
uns anos de guarda vão melhorá-lo. estrutura, saboroso e com uma
Manuel Carvalho frescura bem balanceada. P.G.
22 | FUGAS | Sábado, 9 de Outubro de 2021

Fugas dos leitores


Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto,
devem ser enviados para fugas@publico.pt.
Os relatos devem ter cerca de 3000 caracteres.
Mais informações em www.publico.pt/fugas

Sevilha, instaFugas
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Use as hashtags #FugasPorPortugal ou #FugadoViajante.
Vamos seleccionar as melhores.

a Nas ruas de Sevilha, a seguir ao esta era uma cidade pedonal. Li um


castelhano, a língua que mais se ouve comentário que resume bem este
falar é o português. A proximidade incómodo de transportar malas pela
geográÆca, principalmente com o calçada, que dizia qualquer coisa
Sul do país, torna a cidade um atrac- como “não é um percurso fácil, é
tivo destino para português ver. Esta exequível, mas depois vale a pena”.
portuguesa em particular não é E se vale!
excepção, rumou várias vezes a Sevi- Sevilha é tudo o que promete, uma
lha, mas se por um lado as memórias cidade de pátios incríveis, cheia de
em criança se resumem ao complexo vida e edifícios monumentais. A visi-
da Isla Mágica e aos seus atractivos, ta integrada à Catedral e torre de
por outro, mais tarde, este era ape- Giralda, assim como ao Real Alcazár,
nas um ponto de passagem para são sem dúvida alguma obrigatórias.
outros destinos mais longínquos. Os bilhetes podem ser comprados
Como tal, ao longo dos anos, foi-se online com antecedência de forma a
tornando um sítio a ir. evitar Ælas. As Setas de Sevilla e o seu
Confesso que o meu imaginário de miradouro oferecem outra vista pri-
Sevilha oscilava entre as inúmeras vilegiada da cidade. A Plaza de España
fotograÆas de amigos e conhecidos a e os seus jardins envolventes também
posarem na famosa Plaza de España, merecem uma visita.
as imagens de uma cena de flamenco No entanto, o que vale mesmo a
na Missão Impossível em que partici- pena é viver Sevilha. Uma cidade
Sevilha é tudo pam o Tom Cruise e a Thandie
Newton e, por Æm, das mais recentes
tórrida, com dias quentes e noites
de Verão. Sevilha é feita de esplana-
o que promete, Ælmagens de Guerra dos Tronos no
Alcázar. Com a excessiva conÆança
das em cada canto e recanto, com
restaurantes bem cuidados e de
uma cidade de de quem vai ao país de nuestros her-
manos, pouca ou nenhuma pesquisa
múltiplas ofertas, onde se pode des-
frutar o dia ou a noite, a apreciar a
pátios incríveis, também Æz. Não tinha quaisquer
expectativas. O que devia ter sido um
sua gastronomia. Sevilha é andar
muito e perdermo-nos em ruas sem @emeciii #fugadoviajante: Um clássico do Verão.
cheia de vida e bom prenúncio, pois não é assim que
começam as viagens memoráveis?
carros, no incrível Bairro de Santa
Cruz, e à noite passar a ponte e o rio
Através deste postal, Mário Carmo leva-nos até
Albufeira, no Algarve.
edifícios Foi apenas com o hotel marcado
no centro e a indicação para estacio-
para Triana. Sevilha tem um pulsar
diferente, de uma cidade de pes-
monumentais. nar num parque ainda distante, que
surgiram os primeiros indícios que
soas, feita para pessoas. É uma cida-
de incrível! Filipa Bernardo
FILIPA BERNARDO

@susanabaptistaleal #fugadoviajante: A paisagem


verdejante do Poço da Ribeira do Ferreiro, na ilha das
Flores, nos Açores. Fotografia de Susana Leal.
Sábado, 9 de Outubro de 2021 | FUGAS | 23

O gato das botas

Chegar ao céu da pastelaria nas asas de Fabian Nguyen


lhes faltar uma delícia para mastigar possa lanchar no Ritz e comer as facilitada e simpliÆcada que é a
enquanto falavam com a noiva - que sanduíches e os bolos sublimes que pastelaria portuguesa praticada
demoliram com pura gula, com ele executou. Ou, caso não possa ir nas nossas pastelarias.
excesso de egoísmo, o bolo favorito ao Ritz, há o Ritz Delicatessen, É natural, por isso, que Æquemos
da Maria João, especialmente feito onde pode encomendar outras deslumbrados com a perfeição
por Fabian Nguyen.
Quando Æzemos 21 anos de
criações dele.
Todos os chefs de pastelaria são
A primeira deliciosa da crème anglaise feita por
Fabian: o fosso que a separa da
Miguel Esteves Cardoso casados fomos lanchar ao Ritz,
onde o Fabian Nguyen é o chef de
perfeccionistas. A pastelaria é uma
arte rigorosa, que exige medições
coisa que se versão portuguesa (a que
chamamos grosseiramente creme

a Quando me casei com a Maria


pastelaria, e ele fez-nos o enorme
favor de fazer duas charlottes de
implacáveis, habilidade técnica,
paciência, humildade e pensa quando de pasteleiro) é tão profundo que
nos enche de pasmo...e de
João, no Outono de 2000, correu
tudo muito bem excepto o incidente
morango - uma para cada um, para
não haver incursões inimigas - para
perseverança.
É por isso que é tão difícil criar se prova um dos vergonha.
A primeira coisa que se pensa
desagradável com o bolo de
casamento, do qual ainda hoje se
levarmos para casa. Escusado será
dizer que chorámos. Mas grande
em pastelaria: os clássicos são
diÆcílimos de executar e ocupam bolos de Fabian quando se prova um dos bolos de
Fabian é “somos uns brutos”.
fala em vozes altas, com trocas de parte desse choro era por prazer. todo o tempo que se tenha. Fabian Mas Fabian é único no seu génio
acusações e protestos de inocência
que se recusam a esmorecer, apesar
É incrível que Fabian Nguyen Nguyen é um chef criativo mas essa é “somos uns e vai muito além do classicismo da
esteja no Ritz desde 2013. Não só é o criatividade baseia-se na perfeição pastelaria francesa. Como todos os
dos 21 anos que passaram.
Casámos no Guincho, no
melhor hotel que conheço, é o
único que se recusa a baixar a
técnica com que executa os
clássicos mais melindrosos e
brutos” grandes chefs, ele também é um
educador, um formador de gostos.
encanto do Guincho e do Hotel guarda, mantendo os padrões exigentes da pastelaria francesa. Vou precisar de mais uma página
Fortaleza do Guincho e, em vez de impossíveis de conforto e de serviço Ora, nós em Portugal não para precisar o que ele tem para
um almoço ou de um jantar, que levam ao luxo da calma e da percebemos nada da grande nos ensinar.
decidimos fazer um lanche. Uma beleza. pastelaria francesa mas Fica para a semana!
das razões para escolher um lanche É incrível que por 25 anos se conhecemos bem a versão popular, (Continua)
era Fabian Nguyen, o DR
extraordinariamente talentoso chef
de pastelaria que Antoine
Westerman tinha convencido a vir
para Portugal para mostrar aos
portugueses aonde tinha chegado a
excelência técnica, o rigor
cientíÆco e a absoluta elegância
gustativa da melhor e mais
moderna pastelaria francesa.
Foi Fabian Nguyen que fez o
lanche. Só havia três sanduíches:
de pepino, de ovo cozido e de
Æambre. E só havia um bolo: uma
charlotte de morango. Para beber
só havia chá e Champagne.
As sanduíches, feitas num pão de
forma especialmente concebido
para não ter peso e fugir das mãos,
Çutuando pelas janelas para o mar,
desapareceram tão depressa que a
equipa de pasteleiros passou a
tarde toda a fazer novas remessas.
“Não consigo parar de comer” era
a desculpa dada pelos
devoradores.
Aconteceu o mesmo com a
charlotte. Apesar de gigantesca,
esfumou-se num instante,
transformando faladores e pessoas
que diziam que não gostavam de
bolos em estátuas caladas em que o
único movimento é o das
mandíbulas.
Com tudo isto, aconteceu o pior:
o bolo da noiva acabou antes de a
noiva poder prová-lo. Tantas vezes
foram repetir a dose os membros
das nossas duas famílias - para não

FUGAS N.º 1107 FICHA TÉCNICA Foto da capa: Miguel Manso Direcção Manuel Carvalho Edição Sandra Silva Costa Edição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Joana Lima e José Soares
Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, José Alves e Francisco Lopes Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Rua Júlio Dinis, nº270, Bloco A, 3º, 2, 4050-318 Porto. Tel.: 226151000. E-mail: fugas@publico.pt. www.publico.pt/fugas
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