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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE FILOSOFIA

História da Filosofia Moderna


Crítica ao humanismo; a morte de Deus, a morte do sujeito

Trabalho apresentado à
Disciplina de História da
Filosofia Moderna, do Curso
de Filosofia da Universidade
Federal do Maranhão.
Professora: Zilmara Carvalho
Aluno: Hiago Christian
Cordeiro

São Luís, MA

2018
Crítica ao humanismo; a morte de Deus, a morte do sujeito
As críticas de Nietzsche ao sujeito podem ser encontradas, de acordo com uma
determinada visão Vattimiana, já em seus comentários mais abrangentes a respeito do
humanismo, em outros termos, seus ataques a concepção de Homem considerado como
centro do universo, marcando assim o ocaso de um humanismo que por longo período
permeou o ideário moderno. Nietzsche vai ser um dos primeiros a acusar nesse ideário o
antropocentrismo. Para o nosso filosofo alemão, o intelecto humano não passa de um
breve e efêmero minuto na história universal, e que “somente seu possuidor e criador o
trata com tanta paixão, como se ele fosse o eixo em torno do qual girasse o mundo. Se
pudéssemos entender a mosca, perceberíamos que ela navega no ar animada por essa
mesma paixão e sentindo em si que voar é o centro do mundo” 1. E pontua que o mais
arrogante dentre os homens é o filósofo, pois acredita ter “os olhos do universo
focalizados, como um telescópio, sobre suas obras e seus pensamentos.”2
O ponto culminante dessas críticas seria, segundo Gianni Vattimo, o anúncio da
Morte de Deus3 e que leva consequentemente a queda de valores até então estabelecidos
como supremos. Esta relação entre a Morte de Deus e a crise do humanismo pode
parecer paradoxal em um primeiro momento, principalmente se considerarmos
exclusivamente a perspectiva comum que considera o humanismo como o movimento
cultural que ao colocar o homem no centro de tudo o afirma como senhor do ser.
Vattimo parece levar em consideração outra perspectiva, uma de origem heideggeriana:
a carta de Heidegger Uber den Humanismus (1946), onde irá descrever, segundo o
nosso filosofo italiano, um humanismo com características bem diferentes e pouco
usuais, um humanismo muito mais ligado com o desenvolvimento da metafísica
ocidental do que com a sua ruptura.
“No escrito de Heidegger, humanismo é nada menos que sinônimo de
metafísica, na medida em que somente na perspectiva de uma metafísica como
teoria geral do ser do ente, que pensa o ser em termos “objetivos” (esquecendo,
pois, a diferença ontológica), somente em tal perspectiva o homem pode
encontrar uma definição, com base na qual possa “construir-se”, educar-se,
proporcionando-se uma Bildung, inclusive no sentido das humanae litterae que
definem o humanismo como momento da história da cultura europeia.”4
Logo, de acordo com essa interpretação heideggeriana, podemos perceber que o
humanismo não é possível sem um estabelecimento metafísico como base, pois a
necessidade de um pilar ontológico de sustentação conceitual, de uma essência, é que
permite a metafísica novas condições de sobrevivência dentro do humanismo. O
pesquisador humanista, dirá Nietzsche, irá considerar “o mundo inteiro como estando
ligado aos homens, como o eco sempre deformado de uma voz primordial do homem,
como a cópia multiplicada e diversificada de uma imagem primordial do homem5”, e ao

1
Verdade e Mentira no sentido extra moral. Extraído de Comum - Rio de Janeiro - v.6 - nº 17 -
jul./dez. 2001. Tradução, apresentação e notas por Noéli Correia de Melo Sobrinho., pág. 8.
2
Ibidem., pág. 8.
3
Este anúncio pode ser conferido na seção 125 de A Gaia Ciência, intitulado “o louco”.
4
VATTIMO. Gianni. O Fim da Modernidade. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 2007., pág. 18 e 19.
fazer isso cairá no equívoco de pensar o ser em termos objetivos, onde “as coisas lhe
seriam dadas imediatamente enquanto puros objetos.”6
É munido dessa concepção que Vattimo irá estabelecer a ligação da Morte de Deus
com o declínio do humanismo e que coincidiria também com o esvaziamento e
esgotamento da própria noção de Sujeito.
“Por isso, a morte de Deus - momento culminante e, ao mesmo tempo, final da
metafísica - também é, inseparavelmente, a crise do humanismo. Em outras
palavras ainda: o homem só mantém a posição de “centro” da realidade, a que
alude a concepção corrente do humanismo, por força de uma referência a um
Grund que lhe garante esse papel [...] O sujeito só afirma sua centralidade na
história do pensamento mascarando-se nos semblantes “imaginários” do
fundamento.” 7
Com Nietzsche, em sua crítica a Metafísica e, consequentemente, a queda de toda
grande certeza, a noção de sujeito desfaz-se. Nesse sentido, o que Vattimo expõe como
a crise do humanismo é nada mais que o episódio em que o sujeito moderno sustentado
pela metafísica clássica perde sua força e confiabilidade como um último fundamento.
O anuncio da Morte de Deus para além de dar visibilidade a derrocada dos fundamentos
teológicos para a vida, anunciam também a derrocada do próprio homem e do sujeito,
que até então haviam sido potencializados pelo racionalismo e pela tradição humanista.
Nesse fragmento exposto acima podemos ver também uma referência ao
mascaramento do sujeito. A ideia de máscara ou mascaramento parece perpassar toda a
obra de Nietzsche, embora não seja um conceito tão popular como vontade de potência
ou mesmo o de niilismo, contudo “a ele é possível remeter muitos outros conceitos,
como o de ficção, ilusão, verdade que se tornou fábula, geralmente empregados para
definir e discutir o problema da relação do homem com o mundo dos símbolos”8.
Vattimo aponta que fora graças a Bertram que este conceito passa a participar do
conjunto de conceitos-chaves a qual pode se resumir toda a literatura nietzschiana, o que
abre um horizonte deveras valioso para o trabalho de interpretação de sua obra. Em
termos gerais o problema da máscara pode ser descrito como o problema da relação
entre ser e aparência, sempre ligada com a invenção de artifícios ou ficções úteis para
proteger o homem de duras verdades. Ela aparece em diferentes momentos e em
diferentes roupagens dentro do pensamento de Nietzsche; ora como máscara apolínea
para salvaguardar o homem grego do caos primordial e selvageria da dimensão
dionisíaca, ou então como a invenção da ciência usada como arma de defesa e meio de
sobrevivência no mundo. Talvez o exemplo mais representativo de máscara se situe
naquilo que Nietzsche irá chamar de vontade de verdade, que está presente em todos os
filósofos, e que nasce da necessidade da postulação de um mundo verdadeiro em
oposição ao mundo sensível. Na visão de Nietzsche, toda a tradição filosófica e sistemas
5
Verdade e Mentira no sentido extra moral. Extraído de Comum - Rio de Janeiro - v.6 - nº 17 -
jul./dez. 2001. Tradução, apresentação e notas por Noéli Correia de Melo Sobrinho., pág. 15
6
Ibidem., pág. 15.
7
VATTIMO. Gianni. O Fim da Modernidade. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 2007., pág. 19.
8
VATTIMO. Gianni. O Sujeito e a Máscara: Nietzsche e o problema da libertação. Trad.
Silvana Cobucci Leite. Petrópolis, RJ: Vozes, 20017., pag. 15.
metafísicos sustentou-se sobre a criação de um outro mundo distinto do mundo que
aparece à percepção. Esse processo de polarização da realidade que culminou na criação
do “mundo verdadeiro”, por um lado, cumpria com o papel de explicar e garantir a
existência das aparências e do mundo sensível: dava-se a esse mundo verdadeiro o título
de causa sui e habitação da essência. Mas por outro lado, esse mesmo “mundo
verdadeiro” também implicava que “o mundo das aparências” não correspondia à
essência mesma das coisas, e que, portanto, deveria ter seu modo de existência negado e
desvalorizado. Disso se gera as mais variadas problemáticas relativas ao ser e parecer;
como a dissonância entre sentido e existência, forma e conteúdo, ideia e vida mesma.
De maneira simplificada, podemos dizer que a discussão do sujeito como máscara
se identifica com aquilo que é chamado de problema da libertação, ou seja, se insere em
meio aos esforços nietzschianos de pensar a possibilidade de um homem não mais
metafísico, um homem não mais adoecido pela vontade de verdade, um homem capaz
de criar um mundo cujo o significado não pareça mais transcender a existência, um
genuíno homem novo, ou melhor, um para-além-do-homem. Tais condições de
possibilidade desse homem novo se faz antes de tudo, de acordo com Vattimo, com a
“criação de um novo sujeito, capaz de desejar a eterna repetição do seu presente” 9. Para
isso Vattimo se refere ao Discurso das Três Metamorfoses, presente no início de
Zaratustra, e que vai ilustrar o percurso necessário para a renovação desse sujeito, pelas
transformações do camelo, do leão e da criança. Vattimo vai nos dizer que;
“O camelo é o sujeito submisso, o sujeito moral-metafísico tradicional; o leão,
que representa a fase da libertação de todas as venerações e sujeições, é,
contudo, apenas uma fase preparatória para uma terceira transformação, a que
faz do espírito uma criança. Enquanto o leão, incapaz de criar novos valores, cria
apenas “a liberdade para uma nova criação”, a criança é “inocência e
esquecimento, um novo começo, uma brincadeira, uma roda que gira sozinha,
um primeiro movimento, um sagrado dizer-sim [...] O sim da criança não é
fatalismo, porque nasce de um ato de liberdade, que não consiste em aceitar
conscientemente quilo de que não se pode fugir, mas em se tornar capazes de
novas criações, ou seja, de “criar valores” e não de se submeter a eles; de não
mais existir e agir em função dos valores (que transcendem a existência e a
ação), mas de produzir livremente a própria existência como coincidência
perfeita de ser e significado”10
Esta é a transformação necessária, o movimento de rompimento do casulo
metafísico. Inocência, brincadeira, esquecimento, essas são as características desse
novo sujeito, um sujeito pensado como coincidência perfeita entre existência e valor,
requisito para a libertação rumo ao além do homem. Até aqui conseguimos condensar o
que nos concerne a noção de sujeito, porém, para que aja um aprofundamento maior ao
problema da máscara, e para que as condições de possibilidade do além homem nos
apareçam mais sólidas e com mais nitidez, faz-se necessário que se aborde mais um dos
conceitos-chaves de Nietzsche, talvez o mais importante e o mais de difícil absorção,
que é o conceito de eterno retorno.

9
Ibidem., pág. 251.
10
Ibidem., pág. 252.
Referências:
- NIETZSCHE. Friedrich. Verdade e Mentira no sentido extra moral. Extraído de Comum - Rio
de Janeiro - v.6 - nº 17 - jul./dez. 2001. Tradução, apresentação e notas por Noéli Correia de
Melo Sobrinho.

- VATTIMO. Gianni. O Fim da Modernidade. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.

- VATTIMO. Gianni. O Sujeito e a Máscara: Nietzsche e o problema da libertação. Trad.


Silvana Cobucci Leite. Petrópolis, RJ: Vozes, 20017.

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