Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Privado e o Público
na Vida oocial e liislórica
Nelson 8aldanha
SUMÁRIO
Nota do autor . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
GEOilG SI~I~!E L
3. "'A i\ ldcia Tnalca llçávcl", e 111 1\ncontros lnlcmaciorwis da UnB, Tirnsilin, 1080.
3. AINDA SOBRE OS ESPAÇOS NA HISTÓRIA
1. Trnd. Denise l.luLLmunn, Campinas, Siio Paulo, ~d. Unicrunp - Compnnhia das Lclrus,1988.
4. ACASA COMO TEMA HISTÓRICO
2. () I~Rcriba- Gênese do l'olitico. Tn"l. M. de Cns lro, n io dc:.Jandro, T!ctour, 1983. Lc Paradigme
perdu, lutwlur e Jw maine, Seu i I, Paris, 1973.
5. VIDA PúBLICA E VIDA PRIVADA
I. A ~ll!gia E rólim Uomana. O Amor. a l'oesia. e o Ocid.enle, Siio Paulo, Brasiliense, 1085, p. 252
c ss.
2 . Trad. Lnts . Salânicos e Visionários, Rio de J aneiro, American a , 1075.
VlD11 PÚBLTC11 E VIDA PRIVADA 33
....,.
mesmos serão os "l ivres", sendo que com isso Lomnm plena consciência do que
rept·cscnta para eles o privilégio de intervir nos negócios da comunidade'.
l. 'l'rnrlu ~i mo.s parafraoli~.;<JHH.:ntc segundo n vcr~õo francc~o <lc ~J. Coffinct., J~a T..i lX!rlá Grccque,
Pnris, Pnyol. 1050, p. 18.
2. r.e Afytlw de l'elcrnel relour, Paris, Gallimard, 197S, Cfl]l. I.
40
3. Mito e P e11-Salllmlo Clil r c o.s Gregos, Süo Paulo, Difus ão Européin do LivrcYUSP, 1973, cap. l 11.
DOS J1\ RDTNS À ORDEM PÚBLICA 41
Mas pRsscmos outra vez ao tema ela casa. A crise da casa, nas
cidades do século XX, tem sido correlata de várias outras crises, como
a da privacidade, a elo liberalismo, a ela família, a das "humanidades"
e outras mais. Talvez, crise de coisas que hoje parecem "conservado-
ras", mas que sempre tiveram o que ver com uma certa imagem ela
viela c com importantes realizações históricas.
De fato as casas se extinguem, ou, quando isto n ão ocorre
literalmente, perdem seu velho sentido ele "morada". Refiro-me à
substituição d a residência em casas pela r esidência em apartamen-
tos, a princípio preferidos por mais práticos e mais baratos, depois
por m ais seguros, e afinal impostos a quase todos pelos enormes
aumentos de população, nas décadas mais recentes. Outrora, nas
cidades, cada coisa tinha seu lugar, sem muitas mudanças, e em
cada bairro tinham seu lugar a igreja, a escola, a casa de Beltrano.
O mundo de hoje, invadido pelas comunicações que segundo Um-
bcrto Eco dividem os homens em "apocalípticos e integrados"", é
5. I lcrtwutll llcllet·, l?scrilos Po/(ticos, trad. cs p. S. de Arlechc, Madrid, 1\liunza E ditorial, 1!)85,
pp. 2•11 c ss.
DOS JA RDINS ,i ORDliM PÚJJDTCII 45
I. :vi. G. L.llammond, i\ llistoi)'O{Greece, to 322 BC, Oxford, 195!J, cap. VI, fina l.
2. M. I. l-'inlay, A Polltioo110 Mundo Antigo, Rio de Janeiro, Zahnr, J985, p. G9.
I'RIVA1'IS MO E PUBLTCJSMO 49
com rever problem as. Daí a figura do sábio solitári o vivend o fora
do mundo . Isto é, fora da cidade e de suas ilusões .
A historio grafia sempre ressalto u, no meio dessas imagen s, o
estoicis mo e o epicuri smo como escolas maiore s. Do primeir o, a .
idéia sempre transm itida é uma visão global do mundo , com seu
logos e suas leis imanen tes, comple tada com a do sábio cuja
identifi cação com tais leis o torna imune ao sofrime nt o. Do segund o
sempre se destaco u a referên cia à valoriz ação do viver privado ,
como "refúgi o do sábio" diante da inutilid ade do esforço cívico ao
estilo antigo. Aos póstero s, sempre impres sionado s com o legado
político da Grécia e também com a carga de idéias gerais que o
acompa nhou, sempre pareceu mais import ante o pathos estóico,
mas na verdad e havia igualmente muito de helênic o no realism o
epicurista, que valoriz ava em cada ato uma quota de prazer vital.
De qualqu er modo pode-se dizer que, a o mesmo tempo em
que a polis, medida do existir para o homem grego, perdia sua
sobera nia e sua força normat iva, o pensam ento ético partia para
um relativ ismo muito flexíve l, que se acentu ou com as escolas
éticas c com os "proba bilistas ". Em relação a Platão, o contras te
era duplo: por um lado os relativi smos se opunha m ao modelo
absolut o em que se baseav a a teoria das idéias - Platão super·
valoriz ara o saber rigoros o, a epistem e -; por outro, a estima em
que se tinha agora a vida privad a era antagô nica ao ideal da
"Repúb lica" (Politéia), em que os pensad ores-go vernan tes prati-
camen te renunc iavam à vida privada .
No sistem a de Platão este cancela mento da vida privad a
(para os pensad ores-go vernan tes) decorri a, como conclus ão pe·
dagógi ca e admini strativ a, de um raciona lismo absolut o, quase
levado a um ponLo anti natura l, em que a total dedicaç ão àquilo
que depois se chama ria o "bem comum " reduzi a o viver do s ábio
a uma existên cia muito mais oficial e pública do que espont ânea
e privada . Talvez se possa p ensar que os relativ ismos pós-ari s-
totélico s terão sido um dos primei ros passos no sentido de uma
separaç ão entre vida intelec tual e vida política , tão juntas na
tradiçã o orienta l (China e Egito por exempl o) . Entre vida inte·
lectual e vida política as relaçõe s seriam sempre problem áticas
dali em diante, nas diversa s etapas da cultura ocident al, osci-
lando entre for mas de fusão, com o intelec tual a serviço do poder
ou coisa parecid a, e formas de contrap osição.
8. PLATÃO E O INTELECTUAL MODERNO
L Erncst 13arker, Greeh Polilical 1'heo1)'.l'lato and i ts Predecessors, Londres, 1977, cnp. X. Cf.
tambérn a scgundn pHrlc do livro de Janine Chante ur, Platon, le desir et la. cité, Paris , Sircy,
1980.
PLATÃO E O IN TELECTUA L MODERNO 53
2. The Moral anel !Tislorical Worhs of LordBacon, Londres, George 13cll, 1890, pág. 19.
3. F. Nietzsche, Lettres Choisies, Librairic S!.ock, Paris, 1931, p. 213.
PLATÃO E O INTELECTUAL MODERNO 55
1. i\nrlr(: llcrcoiT, Manuel d 'Tnslnlclion Ciuique fiOIJr Temps in/.!OUl'ernablrs, Paris, 13. CrnsHCt,
1ml5; i\lain Fil>kiclkrnut, Ln T)1i(a ile de /a J!I!IIS<Íe, cil.
60 OJARDifl.f B A PIIAÇA
l. A Cu ltura das Ciwdes. t.rad. Nci l Silva, Belo Horizont e, Itatiaia, 19Gl. pas si m..
ALGUMAS DIGJIESSÕES HTSTÓRICAS 67
3. S ociétéet Communcwté, trad. J. Lcif, Paris, PUP, HJ41, Livro !li, item XIX, p. 201.
ALGUMAS DIGRESSÕES HISTÓRICAS 69
2. c r.l\orhc r lo 13obbio, "Direi lo Privado c Dir eito Pt'oblic;o cmllcue l", C ll l ~nsa ios /':.WYllhidos, Sã o
Pnulo, Ed. Ca.rdim, 1988.
7(] O .JARDIM E A !'RAÇA
4. Cf. Zuleta P ucciro, Paradigma fiDRmrit ico y ciencin del derecho, 8d. J1.,v. du Derecho Priuoclo,
Madrid, 198 1.
82 OJAJWIM Jo: A PRAÇA
....,.
5. À l'ombre des majorilés si/endeuses, ou: la {indu social, lrad. bras., São Pnulo, IJrasiliense,
1985.
SOBRE i\S UTOPIAS 87
G. \Vomall i11 lhe Past_ Preselll Glui Future, trnd. A. Walther, 3• ed., Londres W. Rccves, s. ri., p.
221.
13. ABURGUESIA, OLIBERALISMO E
0 PROBLEMA DO EQUILÍBRIO ...
#'
1. Séncqnc, Lcllres à Lucillius, trad. F. c P. Richa rei, cd. hilingiic, Paris, Carnicr, s.d., passim; P.
Cluwron, De la Sabidurla, lrad. Elza Fabcrnig, D. i\ ires, Losadn, 19~8, caps. L c LI.
A 13URGUESJA, O LIBERALISM O... 91
2. "Vie publique- Vie privéc", con Diogéne, Paris, n. G!.l, jan.-mar., 1.970.
A BURGUESIA, O LllJERJ\LISMO. .. 93
5. 'l'rad. 11. J . Ribeiro, São Pau lo, Companhi" da~ Lctrns , ID88, p. 311. Sobre Hegel, v. também
,José Guilherme Mcrquior, O Argumento L iberal, Hio dc J nnciro, Nova Fronteira, Hl83,passím.
ll BURGUESIA, O LTDERALTSMO... 97
6. D.ll. Lawrence, uus pti.ginus sobre sua vingCln o os s ítios arqueológicos de Ccrvctcrl, observou
quo os romanos tcrio m sido urna espécie de "prussiAnos" da nntigüidade, a os quais desagradava
(com o aos h istoriadores tipo Mommscn) a vida "vício.n" dos etruscos: D. II. Laummcc a11dituly,
Pcnguin Books, 1972, parte 3, " J,;trnsctln Placcs"
!18 O JARDIM e A PIIAÇA
nial pelos espaços públicos, pelo que não fosse o específico recinto
da casa de moradia e suas adjacências imediatas: inclusive no
plano da higiene, vez que o lixo - inclusive algumas formas
terríveis de lixo - era jogado à rua (ou ao rio) sem nenhuma
cerimônia e sem nenhum respeito ao que fosse público, comunal,
de todos. No capítulo II de Sobrados e Mocambos, o grande
escritor caracterizou entretanto o lento trifundo da praça, no
sentido ela viela urbana, sobre o engenho ou sobre a viela ele
engenho. O triunfo da praça, isto é, da vida urbana, foi correla-
iivamente o d a rua, isto é, da viela em espaço público: a rua teria
inexistido dentro do engenho, isto é, dentro da área específica de
dominação da família patriarcaL A este fenômeno, próprio do
século XIX, teria porém corresponcliclo, segundo Gilberto Freyre,
a existência (em contrapartida) de um viver mais de casa do que
de rua no sentido da concentração ele elementos culturais pecu-
liares.
O tema é vasto, e com ele navegaríamos por águas antropo-
lógicas, sócio-históricas, histórico-políticas. Imaginamos a figu-
ra dos heróis fundamentais ele outros contextos, inclusive os
fundadores de cidades- ou ele comunidades nacionais- e encai-
xamos sobre o modelo nossos figurantes históricos, a ver se
resulta algo no sentido clássico de transcender a privacidade. O
combate contra a concepção elo "herói na história", empreendido
por certos entusiastas elo coletivismo, despercebeo fato de que o
herói, n este sentido "fundante" (como Numa, como Meroveu,
como Bolívar), se identifica justamente com os traços mais gené-
ricos e mais "públicos" ela comunidade. E por isso mesmo não
exclui o lado social, grupal, do processo histórico; antes existe
com ele.
Pois encaixamos sobre esses modelos clássicos, carregados
de exemplaridade, os nossos Bonifácios e os nossos Canecas: eles
são certamente admiráveis, mas não convencem de todo como
criadores de um ethos político, porque o palco é vasto demais (um
país enorme e heterogêneo) e porque o movimento cênico é
excessivamente desigual em ritmos e em direções.
1. l .éon Homo, Nome Império,/~ ~t l'urlmnisme rlons l'nntiquité, Paris, AlLiu :\1ichcl, 1071, p. 400.
2. Lc.:-ou 1Tomo, op. cit., passim.
112 OJARDJM E A PRAÇ1l