OS QUATRO MOMENTOS DO
PLANEJAMENTO SITUACIONAL O MOMENTO TÁTICO-OPERACIONAL
O processo de planejamento é concebido por Pode ser compreendido a partir de dois movi-
Matus através de quatro momentos fundamen- mentos básicos:
tais, os quais, é preciso que fique bem claro,
não se confundem com etapas. A idéia de • Avaliação da situação na conjuntura — instân-
momento indica instância, circunstância ou cia de conhecimento;
conjuntura de um processo contínuo que não • Decisão sobre problemas e operações —
tem nem início nem fim determinados. Nenhum instância de ação.
momento está isolado dos demais. O que ocorre
é um domínio passageiro de um momento sobre Os dois apresentam uma relação dialética
os demais ao longo do processo. São eles: o entre si que concretiza a mediação entre conhe-
explicativo, o normativo, o estratégico e o cimento e ação. O primeiro — apreciação
tático-operacional. situacional — conforme Matus (1987b), repre-
O momento explicativo é aquele onde se está senta o juízo que permite captar e avaliar a
indagando sobre as oportunidades e problemas realidade e o desenvolvimento de novos proble-
que enfrenta o ator que planeja e buscando, mas, tendo como perspectiva a análise da
antes de tudo, explicar suas origens e causas. direcionalidade do processo. O segundo — o
Relaciona-se a compreensão do que foi e do momento das decisões — volta-se para a reso-
que tende a ser a realidade. lução dos problemas e operações, constituindo-
O momento normativo corresponde ao dese- se como a via para ajustes entre o plano e a
nho de como deve ser a realidade, que, no realidade, através das decisões e ações concre-
planejamento tradicional, se confunde com todo tas.
o processo de planejamento. Significa a ope- O momento tático-operacional combina um
ração que supere os problemas cruciais (chama- processo de avaliação do que se tem feito frente
dos de nós críticos), permitindo estabelecer as aos efeitos esperados, com uma pré-avaliação
operações que, em diferentes cenários, levam à dos impactos para conduzir a decisões que
mudança da situação inicial em direção à gerem maior aproximação com os objetivos
situação objetivo. perseguidos.
O momento estratégico se relaciona à questão Dois critérios se apresentam para nortear a
da viabilidade e, portanto, aos obstáculos a condução do dia a dia: a concentração estratégi-
vencer para aproximar a realidade da situação ca e a flexibilidade tática. O primeiro implica a
eleita como objetivo. É nesse momento que concentração sobre os problemas e operações
deve se dar o cálculo para a superação dos estratégicas, ou seja, tratamentos diferenciados
obstáculos que se colocam para a efetivação de aos vários problemas e operações. O segundo
mudanças, sejam eles relativos à escassez de tem por finalidade a comparação entre o que foi
recursos econômicos, políticos ou institucionais- simulado e a realidade, tendo em vista melhorar
-organizacionais. Está centrado na identificação a qualidade dos cálculos seguintes, permitindo
do "que pode ser". uma adaptação flexível entre o plano e as
O momento tático-operacional é "o fazer" — mudanças da realidade.
é o momento decisivo do planejamento situacio- Conforme Matus, o processo de planejamento
nal. Já que o planejamento é concebido como supõe a articulação dos momentos explicativo
(apreciação situacional), normativo (direcionali- Com relação ao sistema de decisões, Matus
dade), estratégico (viabilidade) e tático-opera- (1987b) apresenta a visão de múltiplas perspec-
cional (cálculo que precede e preside a ação), tivas de análise, apresentada originalmente por
de modo a constituir um sistema oportuno e Allison como uma aproximação a uma teoria
eficaz de tomada de decisões. Essa articulação situacional da tomada de decisões. Dentre as
deve evitar a dissociação entre a ação e à múltiplas perspectivas, são destacadas a visão
estratégia, de modo que as restrições do presen- política, dominada pelo critério de negociação
te não levem a desvios da direcionalidade, nem entre forças distintas; a visão organizativa ou
que a estratégia leve ã perda de contato com a burocrática, dominada por procedimentos insti-
ação tática. tucionais, e também a visão individual, domina-
Matus (1987b) aponta ainda outros elementos, da pelas características particulares da persona-
além do domínio teórico e do cálculo formal, lidade de quem toma decisões.
como fundamentais para um sistema de planeja- Uma questão a ser enfatizada relaciona-se ao
mento maduro, que são a experiência, o prag- espaço de possibilidades no processo decisório,
matismo e a criatividade, que será sempre limitado à perspectiva situacio-
O tipo de problema a ser tratado — processos nal do ator, que estará sempre cega a outras
estruturados ou semi-estruturados — determina- soluções que poderiam ser identificadas por
rá o tipo de avaliação a desenvolver. Quando se outros atores. Desta forma, o dirigente não
enfrentar problemas estruturados, esta ocorre- elege dentre as alternativas existentes, mas sim
rá através de informação normatizada e auto- dentre as que se colocam como tal a partir de
-explicativa. Quando os problemas tiverem sua avaliação situacional.
características de processo semi-estruturado,
será necessário o juízo situacional deliberativo,
que implica enfrentá-los de modo subjetivo e CONSIDERAÇÕES FINAIS
particular.
Segundo Matus, as visões conflitivas no O planejamento de matriz cepalina se desen-
interior do governo impõem, para que uma boa volveu a partir da preocupação com as raciona-
decisão seja tomada, que exista uma convincen- lidades técnica e, especialmente, econômica na
te argumentação e defesa dos distintos pontos alocação de recursos, atrelando-se à compre-
de vista. O autor aponta, entre outros, os se- ensão do planejamento como instrumento para
guintes planos onde o conflito pode ocorrer: acelerar, dar velocidade ao processo de desen-
eficácia econômica versus eficácia política; volvimento (Matus, 1972).
critérios de curto prazo versus programa de O planejamento era pensado de modo inde-
governo e estratégia de longo prazo; tendências pendente da administração. A administração era
ideológicas e éticas contrapostas que incidem "o depois", a simples implementação do que foi
sobre a decisão. planejado.
Enfim, a mediação entre conhecimento e ação No campo da administração, as formulações
a realizar-se na conjuntura exige uma série de teóricas partiram da preocupação com o micro,
articulações, sendo importante destacar: com a organização — especialmente a empresa
privada, com o processo de trabalho e, poste-
1 - Articulação entre o cálculo estratégico e o riormente, com o processo administrativo, onde
processo permanente de tomada de deci- o planejamento aparece como uma entre as suas
sões, o que implica conceber o planejamen- demais funções básicas (Terry, 1967).
to como processo permanente, onde sempre As reflexões mais recentes, que procuram
há um plano sendo feito e, ao mesmo uma saída para a crise de eficácia tanto na área
tempo, sempre há um plano para apoiar as de planejamento quanto na de administração,
decisões. apontam de imediato, como ponto comum, a
2 - Articulação entre direção, planejamento e identificação da realidade como complexa e
gestão, sob o princípio de que em todos os mutante e do elemento político e de poder
níveis se dirige e se opera, ainda que com como recurso crítico a ser considerado.
diferentes níveis de complexidade. Matus (1982) não só incorpora as dimensões
acima destacadas, como também nos apresenta considerações sobre os impasses e
uma concepção mais holística da realidade perspectivas da administração hoje,
social e da produção de conhecimentos científi- especialmente no setor público latino-
cos, de modo a existir uma integração entre americano, a fim de possibilitar a
economia, política, gerência, teoria da lingua- identificação do campo de problemas e
gem e outros campos. preocupações que articulam a administração
Outro aspecto importante relaciona-se à ao planejamento.
incorporação do conhecimento intuitivo, senso- Dado o objeto do trabalho, teremos como eixo
rial, como forma de lidar com circunstâncias as concepções de planejamento e gerência
onde a previsão não é possível. Esta abordagem presentes em Matus, enfocando também os
significa um avanço com relação ao modelo chamados Momentos do Planejamento
positivista de ciência. Na administração, vem Situacional, com ênfase no tático-operacional,
sendo destacado o papel de elementos intuitivos que trata do processo de tomada de decisões
ou ológicos presentes no processo decisório — questão central para a gerência.
(Motta, 1988). Palavras-Chave: Tomada de Decisão;
Um último comentário diz respeito ao concei- Situação; Conhecimento; Cálculo; Ação
to de situação, que aponta a singularidade da
explicação de cada ator, que, segundo a sua
inserção, dará significados, interpretações REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
particulares à realidade. Dessa forma, a realida-
de é concebida como sendo sempre construída, KLIKISBERG, B., 1990. A gerência na década de
produzida, e não como um dado a ser incorpo- 90. Revista de Administração Pública, 22: 59-85.
rado. MATUS, C., 1972. Estratégia y Plan. Santiago:
Editorial Universitária.
, 1982. Política y Plan. Caracas: Publi-
caciones Iveplan.
RESUMO
, 1985. Planificación, Liberdad y Confli-
to. Caracas: Ediciones Iveplan.
AZEVEDO, C. da S. Planejamento e , 1987a. Adios, Señor Presidente. Cara-
Gerência no Enfoque Estratégico- cas: Editorial Pomaire.
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Públ., Rio de Janeiro, 8 (2): 129-133, abr/jun, bierno. Washington: Borrador.
1992. MOTTA, P. R., 1988. Razão e Intuição: Recuperan-
Este trabalho pretende abordar a concepção de do o ilógico na teoria da decisão gerencial.
planejamento e sua articulação com a Revista de Administração Pública, 23: 77-94.
RIVERA, J. U. (Coord.), 1989. Planejamento Pro-
gerência, presente no enfoque estratégico
gramação em Saúde — um enfoque estratégico.
situacional de Carlos Matus.
Rio de Janeiro: Cortez/Abrasco.
O interesse pela articulação TERRY, G., 1967. Princípios de Administración.
planejamento/gerência se apresenta a partir de México: Companhia Editorial Continental.
reflexões sobre a produção teórica tanto na
área de planejamento (em especial
planejamento em saúde) como na de adminis-
tração/gerência, que têm se desenvolvido
como campos de conhecimento distintos, mas
que, na atualidade, já indicam interseções e
indícios de diálogo mais explícito.
As contribuições advindas do pensamento
estratégico-situacional de Matus apontam
possibilidades de articulação entre as
perspectivas oriundas destes dois campos.
Inicialmente, serão feitas algumas rápidas