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ANÁLISE / ANALYSIS

Planejamento e Gerência no Enfoque Estrategico-Situacional de


Carlos Matus
Planning and Management in the Strategic-Situational Approach of
Carlos Matus
Creuza da S. Azevedo1

AZEVEDO, C. da S. Planning and Management in the Strategic-Situational Approach of


Carlos Matus. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 8 (2): 129-133, abr/jun, 1992.
This study addresses conceptual aspects of planning and their relationship with management, as
outlined in the strategic-situational approach of Carlos Matus.
Interest in the relationship between planning and management arises from reflection on
theoretical works in the areas of planning (particularly health planning) and administration and
management, each of which has evolved as a separate area of knowledge. Recently, however,
there has been more explicit exchange of ideas and beginnings of dialogue between these two
areas.
Contributions arising from Matus' strategic-situational approach indicate possible areas of
articulation between the perspectives of these two schools.
In order to identify specific problems and concerns which link administration and planning, this
study begins with a few brief considerations related to today's administrative impasses and
perspectives, particularly in the public sector in Latin America.
In keeping with our objective, the central axis of the adudy is the concept of planning and
management proposed by Matus, including the so-called "times for situational planning"
emphasizing tactical-operational aspects, one approach to decision-making — a key question in
management.
Keywords: Decision Making; Situation; Knowledge; Calculation; Action

INTRODUÇÃO Há uma crescente preocupação com a questão


da mudança da máquina pública, no sentido de
As preocupações mais recentes no campo da tomá-la não apenas eficiente, mas também
administração (Kliksberg, 1990) apontam, antes eficaz e passível de controle social. Incorpora-
de tudo, para a necessidade de construção de se, então, a compreensão do processo de mu-
um novo paradigma, já que as abordagens dança da máquina pública como mudança social
prescritivas das teorias tradicionais mostram-se e, para tal, a necessidade de um enfoque políti-
inapropriadas frente aos desafios que se colo- co e estratégico.
cam na atualidade. No campo da administração Nos enfoques tradicionais, a abordagem aos
pública, a ênfase na concepção apenas de problemas gerenciais encontram-se fortemente
modernização das estruturas organizacionais, ou marcados por características prescritivas, onde
seja, na mudança dos aspectos formais, não tem a realidade é um "deve ser".
levado a mudanças substanciais no seu modo de A problemática acerca da construção de um
funcionamento ou mesmo na efetividade das novo paradigma abarca a compreensão da
ações. complexidade dos processos de mudança (resis-
tências/conflitos), ressaltando as condições de
1
incerteza e mudanças constantes presentes no
Departamento de Administração e Planejamento da
Escola Nacional de Saúde Pública. Rua Leopoldo
contexto ambiental e apontando o componente
Bulhões, 1480, Rio de Janeiro, RJ, 21041-210, Brasil. político-estratégico como essencial. A compre-
ensão da gerência e do processo decisório está lidade à ação. Cálculo e ação são inseparáveis
fortemente marcada pela valorização do compo- e recorrentes. Assim, o planejamento é o
nente estratégico, bem como pelo papel da cálculo que precede e preside a ação. É o
inovação e criatividade, imprescindíveis ao cálculo para a decisão a ser tomada hoje
atual cenário de incertezas e mudanças intensas. (Matus, 1987a). Introduz a noção de que o
As organizações são compreendidas como planejamento está voltado para o presente, já
arenas permanentes de negociação e conflito. O que a única forma de construir o futuro é atuar,
componente técnico passa a ser um dos elemen- e só é possível agir no presente. Toda ação
tos do processo gerencial, que não se esgota na concreta se faz no presente, para impactar o
simples aplicação de instrumentos técnicos, futuro desejado. Assim, a decisão sobre o que
strictu sensu. fazer hoje será eficaz ou não para a construção
O debate acerca da administração pública do futuro desejado.
aponta para a integração necessária da esfera da Matus aponta como produto último do plano,
política, do planejamento e da administração. o cálculo que precede e preside a ação hoje.
Todo cálculo sobre o amanhã aparece como
produto intermediário. O presente é o ponto de
A CONCEPÇÃO DE PLANEJAMENTO EM encontro entre governo e planejamento.
MATUS O planejamento situacional se apresenta como
cálculo que permite governar em situações de
A concepção de planejamento presente na conflito e poder compartilhado e parte da
obra de Matus parte da articulação planejamen- premissa de que não é possível predizer o
to e governo. Pretende resgatar o planejamento futuro, mas sim fazer previsões de possibilida-
como método de governo, como ferramenta útil, des para projetar ações e portanto, ser oportuno
flexível e eficaz para lidar com as necessidades e eficaz na ação.
da direção em cada lugar da administração O planejamento situacional aponta o fracasso
pública. Governo, em Matus, se refere ao do planejamento enquanto livro-plano, ou seja,
comando de um processo, não apenas do Esta- enquanto documento normativo, enquanto um
do, mas também de um ministério, sindicato ou futuro que "deve ser". Como a realidade muda
unidade de saúde, por exemplo. Neste sentido, constantemente, é preciso que o planejamento
nos diz Matus (1985: 29), La planificación seja a mediação entre o conhecimento e a ação,
estrategica redefine y identifica, en buenas sendo assim continuamente construído. Em
cuentas, dirección con planificación, no hace síntese, o planejamento, no enfoque estratégico-
una separación tajante entre ambas. -situacional, nem se refere ao futuro como coisa
A tomada de decisões é responsabilidade de essencial nem é apenas um desenho. Este é
quem governa, de quem conduz. Conforme apenas parte do processo de planejamento.
Matus (1985), planeja quem governa, quem tem Cabe ainda explicar o conceito de situação,
a capacidade de decidir, de conduzir. Matus que se encontra atrelado à compreensão do
(1985: 36) é tão enfático a este respeito que a planejamento em situações de conflito. O
terceira das oito considerações apresentadas planejamento tradicional não considera, além do
sobre planejamento situacional em um de seus Estado, outras forças sociais que também plane-
trabalhos é a de que La planificación es inse- jam. Restringe-se ao planejamento econômico,
parable de la gerencia. Para ele, a única forma não incorporando a dimensão política na cons-
para que o planejamento funcione é responden- trução do plano. No enfoque de Matus, o ator
do às necessidades de quem gerencia. Assim, o está inserido em uma realidade concreta onde
planejamento situacional é compreendido como existem outros atores, inclusive oponentes, que
uma forma de organização para a ação, e esta também planejam. Assim, no enfoque situacio-
seria sua diferença fundamental em relação ao nal, o planejamento é realizado por atores que
planejamento tradicional. têm interesses específicos, explicações diferen-
No planejamento situacional, a ênfase é tes da realidade, e cada perspectiva estará
colocada no momento da ação e usa a explo- marcada, condicionada, limitada pela inserção
ração do futuro como recurso para dar raciona- particular de cada ator. Dessa forma, o planeja-
mento tem que incorporar a perspectiva política cálculo que precede e preside a ação, as possi-
como forma de lidar com as resistências de bilidades ou o alcance do processo de planeja-
outras forças presentes na realidade. Torna-se mento se darão pela capacidade desse cálculo
imprescindível considerar, além dos recursos alterar, conduzir, orientar as ações presentes. É
econômicos, os recursos de poder existentes o momento tático-operacional que articula o
para criar viabilidade ao processo de mudança. planejamento situacional de conjuntura com o
planejamento de situações-perspectivas.

OS QUATRO MOMENTOS DO
PLANEJAMENTO SITUACIONAL O MOMENTO TÁTICO-OPERACIONAL

O processo de planejamento é concebido por Pode ser compreendido a partir de dois movi-
Matus através de quatro momentos fundamen- mentos básicos:
tais, os quais, é preciso que fique bem claro,
não se confundem com etapas. A idéia de • Avaliação da situação na conjuntura — instân-
momento indica instância, circunstância ou cia de conhecimento;
conjuntura de um processo contínuo que não • Decisão sobre problemas e operações —
tem nem início nem fim determinados. Nenhum instância de ação.
momento está isolado dos demais. O que ocorre
é um domínio passageiro de um momento sobre Os dois apresentam uma relação dialética
os demais ao longo do processo. São eles: o entre si que concretiza a mediação entre conhe-
explicativo, o normativo, o estratégico e o cimento e ação. O primeiro — apreciação
tático-operacional. situacional — conforme Matus (1987b), repre-
O momento explicativo é aquele onde se está senta o juízo que permite captar e avaliar a
indagando sobre as oportunidades e problemas realidade e o desenvolvimento de novos proble-
que enfrenta o ator que planeja e buscando, mas, tendo como perspectiva a análise da
antes de tudo, explicar suas origens e causas. direcionalidade do processo. O segundo — o
Relaciona-se a compreensão do que foi e do momento das decisões — volta-se para a reso-
que tende a ser a realidade. lução dos problemas e operações, constituindo-
O momento normativo corresponde ao dese- se como a via para ajustes entre o plano e a
nho de como deve ser a realidade, que, no realidade, através das decisões e ações concre-
planejamento tradicional, se confunde com todo tas.
o processo de planejamento. Significa a ope- O momento tático-operacional combina um
ração que supere os problemas cruciais (chama- processo de avaliação do que se tem feito frente
dos de nós críticos), permitindo estabelecer as aos efeitos esperados, com uma pré-avaliação
operações que, em diferentes cenários, levam à dos impactos para conduzir a decisões que
mudança da situação inicial em direção à gerem maior aproximação com os objetivos
situação objetivo. perseguidos.
O momento estratégico se relaciona à questão Dois critérios se apresentam para nortear a
da viabilidade e, portanto, aos obstáculos a condução do dia a dia: a concentração estratégi-
vencer para aproximar a realidade da situação ca e a flexibilidade tática. O primeiro implica a
eleita como objetivo. É nesse momento que concentração sobre os problemas e operações
deve se dar o cálculo para a superação dos estratégicas, ou seja, tratamentos diferenciados
obstáculos que se colocam para a efetivação de aos vários problemas e operações. O segundo
mudanças, sejam eles relativos à escassez de tem por finalidade a comparação entre o que foi
recursos econômicos, políticos ou institucionais- simulado e a realidade, tendo em vista melhorar
-organizacionais. Está centrado na identificação a qualidade dos cálculos seguintes, permitindo
do "que pode ser". uma adaptação flexível entre o plano e as
O momento tático-operacional é "o fazer" — mudanças da realidade.
é o momento decisivo do planejamento situacio- Conforme Matus, o processo de planejamento
nal. Já que o planejamento é concebido como supõe a articulação dos momentos explicativo
(apreciação situacional), normativo (direcionali- Com relação ao sistema de decisões, Matus
dade), estratégico (viabilidade) e tático-opera- (1987b) apresenta a visão de múltiplas perspec-
cional (cálculo que precede e preside a ação), tivas de análise, apresentada originalmente por
de modo a constituir um sistema oportuno e Allison como uma aproximação a uma teoria
eficaz de tomada de decisões. Essa articulação situacional da tomada de decisões. Dentre as
deve evitar a dissociação entre a ação e à múltiplas perspectivas, são destacadas a visão
estratégia, de modo que as restrições do presen- política, dominada pelo critério de negociação
te não levem a desvios da direcionalidade, nem entre forças distintas; a visão organizativa ou
que a estratégia leve ã perda de contato com a burocrática, dominada por procedimentos insti-
ação tática. tucionais, e também a visão individual, domina-
Matus (1987b) aponta ainda outros elementos, da pelas características particulares da persona-
além do domínio teórico e do cálculo formal, lidade de quem toma decisões.
como fundamentais para um sistema de planeja- Uma questão a ser enfatizada relaciona-se ao
mento maduro, que são a experiência, o prag- espaço de possibilidades no processo decisório,
matismo e a criatividade, que será sempre limitado à perspectiva situacio-
O tipo de problema a ser tratado — processos nal do ator, que estará sempre cega a outras
estruturados ou semi-estruturados — determina- soluções que poderiam ser identificadas por
rá o tipo de avaliação a desenvolver. Quando se outros atores. Desta forma, o dirigente não
enfrentar problemas estruturados, esta ocorre- elege dentre as alternativas existentes, mas sim
rá através de informação normatizada e auto- dentre as que se colocam como tal a partir de
-explicativa. Quando os problemas tiverem sua avaliação situacional.
características de processo semi-estruturado,
será necessário o juízo situacional deliberativo,
que implica enfrentá-los de modo subjetivo e CONSIDERAÇÕES FINAIS
particular.
Segundo Matus, as visões conflitivas no O planejamento de matriz cepalina se desen-
interior do governo impõem, para que uma boa volveu a partir da preocupação com as raciona-
decisão seja tomada, que exista uma convincen- lidades técnica e, especialmente, econômica na
te argumentação e defesa dos distintos pontos alocação de recursos, atrelando-se à compre-
de vista. O autor aponta, entre outros, os se- ensão do planejamento como instrumento para
guintes planos onde o conflito pode ocorrer: acelerar, dar velocidade ao processo de desen-
eficácia econômica versus eficácia política; volvimento (Matus, 1972).
critérios de curto prazo versus programa de O planejamento era pensado de modo inde-
governo e estratégia de longo prazo; tendências pendente da administração. A administração era
ideológicas e éticas contrapostas que incidem "o depois", a simples implementação do que foi
sobre a decisão. planejado.
Enfim, a mediação entre conhecimento e ação No campo da administração, as formulações
a realizar-se na conjuntura exige uma série de teóricas partiram da preocupação com o micro,
articulações, sendo importante destacar: com a organização — especialmente a empresa
privada, com o processo de trabalho e, poste-
1 - Articulação entre o cálculo estratégico e o riormente, com o processo administrativo, onde
processo permanente de tomada de deci- o planejamento aparece como uma entre as suas
sões, o que implica conceber o planejamen- demais funções básicas (Terry, 1967).
to como processo permanente, onde sempre As reflexões mais recentes, que procuram
há um plano sendo feito e, ao mesmo uma saída para a crise de eficácia tanto na área
tempo, sempre há um plano para apoiar as de planejamento quanto na de administração,
decisões. apontam de imediato, como ponto comum, a
2 - Articulação entre direção, planejamento e identificação da realidade como complexa e
gestão, sob o princípio de que em todos os mutante e do elemento político e de poder
níveis se dirige e se opera, ainda que com como recurso crítico a ser considerado.
diferentes níveis de complexidade. Matus (1982) não só incorpora as dimensões
acima destacadas, como também nos apresenta considerações sobre os impasses e
uma concepção mais holística da realidade perspectivas da administração hoje,
social e da produção de conhecimentos científi- especialmente no setor público latino-
cos, de modo a existir uma integração entre americano, a fim de possibilitar a
economia, política, gerência, teoria da lingua- identificação do campo de problemas e
gem e outros campos. preocupações que articulam a administração
Outro aspecto importante relaciona-se à ao planejamento.
incorporação do conhecimento intuitivo, senso- Dado o objeto do trabalho, teremos como eixo
rial, como forma de lidar com circunstâncias as concepções de planejamento e gerência
onde a previsão não é possível. Esta abordagem presentes em Matus, enfocando também os
significa um avanço com relação ao modelo chamados Momentos do Planejamento
positivista de ciência. Na administração, vem Situacional, com ênfase no tático-operacional,
sendo destacado o papel de elementos intuitivos que trata do processo de tomada de decisões
ou ológicos presentes no processo decisório — questão central para a gerência.
(Motta, 1988). Palavras-Chave: Tomada de Decisão;
Um último comentário diz respeito ao concei- Situação; Conhecimento; Cálculo; Ação
to de situação, que aponta a singularidade da
explicação de cada ator, que, segundo a sua
inserção, dará significados, interpretações REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
particulares à realidade. Dessa forma, a realida-
de é concebida como sendo sempre construída, KLIKISBERG, B., 1990. A gerência na década de
produzida, e não como um dado a ser incorpo- 90. Revista de Administração Pública, 22: 59-85.
rado. MATUS, C., 1972. Estratégia y Plan. Santiago:
Editorial Universitária.
, 1982. Política y Plan. Caracas: Publi-
caciones Iveplan.
RESUMO
, 1985. Planificación, Liberdad y Confli-
to. Caracas: Ediciones Iveplan.
AZEVEDO, C. da S. Planejamento e , 1987a. Adios, Señor Presidente. Cara-
Gerência no Enfoque Estratégico- cas: Editorial Pomaire.
Situacional de Carlos Matus. Cad. Saúde , 1987b. Política, Planificación y Go-
Públ., Rio de Janeiro, 8 (2): 129-133, abr/jun, bierno. Washington: Borrador.
1992. MOTTA, P. R., 1988. Razão e Intuição: Recuperan-
Este trabalho pretende abordar a concepção de do o ilógico na teoria da decisão gerencial.
planejamento e sua articulação com a Revista de Administração Pública, 23: 77-94.
RIVERA, J. U. (Coord.), 1989. Planejamento Pro-
gerência, presente no enfoque estratégico
gramação em Saúde — um enfoque estratégico.
situacional de Carlos Matus.
Rio de Janeiro: Cortez/Abrasco.
O interesse pela articulação TERRY, G., 1967. Princípios de Administración.
planejamento/gerência se apresenta a partir de México: Companhia Editorial Continental.
reflexões sobre a produção teórica tanto na
área de planejamento (em especial
planejamento em saúde) como na de adminis-
tração/gerência, que têm se desenvolvido
como campos de conhecimento distintos, mas
que, na atualidade, já indicam interseções e
indícios de diálogo mais explícito.
As contribuições advindas do pensamento
estratégico-situacional de Matus apontam
possibilidades de articulação entre as
perspectivas oriundas destes dois campos.
Inicialmente, serão feitas algumas rápidas

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