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Max Weber ECONOMIA E SOCIEDADE Fundamentos da sociologia compreensiva Vowume 2 Trade de Regis Barbosa ¢ Karen Elsabe Barbost Reviso enia de Gabriel Cohn one limprensaoficial ‘Sto Paulo, 2004 we Woe Retr Diretor oe Diretor Presidente Diretor Vice Presidente Diretor Intra iretor Financia e Adminisrativo ‘Nieleo de Projeas nstitucionais Projets Edtorias FUNDACKO UNIVERSIDADE DE BRASI Lauro Mey ‘Timothy Marin Mulholland orton Uvensane oF Bsn Alvan Lina Conseuno Boronia. Cons ninos ‘AlexandreLima (aria Almeida ile Dione Olvera Mourn enyk Siewirsk Sader Soares Marin Filho Ricardo Sei Bemardes Suret Vente IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SKO FAULO Huber Algutes Lie Carlos Figaro ej Tomioka Flivio Capello Emerson Bento Persia Vera Lica Wey Copyright © 199 by Edora Universidade de Brasil io orginal: Wischalt und Geselcha: Grands der vertchenden Sozilogie Imgreso no Brasil Dos xcs Rs TA LAO HLA MRT: EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SAO PAULO SCS=0.02-Bloco C=n#78-Ed. 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Bras) Weber Max, TBE TOR0 Economic sciadfndamentos deli compreesina Man Weber: ead de Reps Harbose Karen Elbe Barbu Revie nics de Gabre! Cohn Basta, DF ora Unvesidad de Bra: Sto Paul: Ingrensa Ocal do Esa de Sio Pal, 198 Sep “Tradugso de: Winachft und Gesellschaft: Grundris der verstchenden Sosilogie 1. Beonomi, 2. Sociedade 3, Assos. Til si-tz0s cpp.330 “301 Tndice para catalogs sistem 1 Eeonoms 330 2, Sociedade! Sociologia 30 Fo ft 0 dept egal a ites Nasional (Ll n° 125, de 21121907) c § 5 § 5 5 c 5 SUMARIO. Volume 2 apitulo VIL. Sociologia do Direito 1. A diferenciacio das dreas juridicas objetivas. 2. As formas de criago dos direitos subjetivos 3. O cariter formal da direito objetivo 4. Os tipos de pensamento juridico e os notiveis na justica 5. Racionalizagio formal e racionalizagaa material do direito. Direito teocravico e diteito profane 6. Diseito oficial ¢ estatuto prineipesco patrimonil [As codificagdes. 7. As qualidades formais do direito revolucionariamente criado, direita natural e seus tipos. 8. As qualidades formais do direito modemo -apitulo VIII. Comunidades Politicas 1. Natureza e “conformidade 8 lel” Cegitimidade) das associagdes politicas. Fases de desenvolvimento da relagao associatva politica © prestigio do poder e as “grandes poténcias* Os fundamentos econdmicos do imperialismo A nagio [A distribuigao do poder dentro de comunidade. Classes, estamentos, partidos Capitulo IX. Sociologia da Dominagio Segio 1 Esiruturas ¢ Funcionamento da Dominagio 1, Poder e dominagao. Formas de transica0 2. Dominagio e administragio, Natureza e limites da administragio democrética 3. Dominagao por meio de “organizagio™. Fundamentos da validade da dominaga0 4 oa 8 100 n7 133, 142 155-186 155 “7 162 161 1m, "5 187-580 187 193 196 Sego2 [Natureza, Pressupostos ¢ Desenvolvimento da Dominagio Burocrética Segio3 Dominagio Patriareal ¢ Dominagio Patsimonial Segio4 Feudalismo, "Estado Corporativo" ¢ Patrimonialismo Segio A Dominagio Carismitica ¢ sua Transformasio Natureza ¢ efeitos do carisma Nascimento ¢ transformagio da autoridade carismitica 3. 0 diseiplinamento e a objetivacio das formas de dominagao Segio6 Dominagdo Politica ¢ Hieroerstiea Sess07 A Dominagio Nfo-Legitima (Tipotogia das Cidades) Conceito ¢ categorias da cidade Accidade do Ocidente ‘A cidade de linhagens na Idade Média e na Antiguidade. ‘A cidade plebeia. Democracia na Antiguidade e na Tdade Média Segio 8 323 331 356 408 425 45 469 494 [A Instituigdo Estatal Racional ¢ os Modernos Partidos Politicos e Parlamentos, (Sociologia do Estado) 1. © nnascimento do Estado racional 2. 0 Estado racional como grupo de dominacio institucional com © monépotio da violencia legitima 3, O empreendimento estatal de dominagio como administragao. Direca0 politica e dominio dos funcionssios 4. Panidos e organizagio partdicia 5. O parlamento como Srgio do Estado © o problema da publicidade da administragao. A tarefa da selegio dos lideres 6, Parlamentarismo ¢ demoeracia 525 529 544 560 568 Capitulo VIT SOCIOLOGIA DO DIREITO § 1. A diferenciagio das areas juridicas objetivas “Diteto pablica™e “diceta privada", — “Direito ciador de pretensdes"e “regulamento"— ‘Govesno e auministragio". — “Direkt penal” “dielto civil. — "egalidade”e “delito” = Imperium, “limitacio do poder” e "divisao de poderes”.— “Diteto” e 7processo™.— AS ‘ategorias do pensamentajuidica racional, Na teoria e pritica juridicas atuais, uma das distingdes mais importantes é a entre 0 “direito publico" e 0 “direito privado". No entanto, hi discordincia quan- {o 20 principio da delimitagao. 1. Em virtade do seu cariter informal, ha dificuldades téenicas na simples efinigio, correspondent & distingio sociologiea do direto publico, por um lado, come conjunto das normas para as agdes que, segundo 0 sentido que a ordem iuridica thes deve atribuir, se referem 2 instituigho estata, isto &, que se destinam 2 conservagio, 3 expansio ou 2 execugio direta dos fins dessa instituigao, vigen- tes por estanuto ou consenso, ¢, por outro lado, do difeito privado como conjun- to das normas para as agdes que, seguado 0 sentido atribuido pela ordem jurdi- ca, ndo se referem 3 snstituicao estatal, sendo apenas reguladas por esta mediante normas. Mesmo assim, quase todas as delimitagoes entze ambas baseiam-se, em Uitima instincia, numa distingao desse tipo 2, Com frequéncia, essa distingio esté entrelagada com outra: poder-se-ia ‘dentificar © direxo “publico” com a totalidade dos “regulamentos, isto €, as normas que, segundo seu correto sentido juridico, contém apenas instrugdes para 6s Srios estatais € nao justificam direitos subjetivos adquiridos de individuos, ‘em oposicio as "padronizagoes de pretensées" em que se fundamentam tais di- Feilos subjetivos. Cabe agora compreender corretamente essa oposigio. Também rnormas do liteito publico (por exemplo, as referentes a eleigo presidencial) {que podem car direitos subjetivos e, mesmo assim,"publicos” de individuos: por ‘exemplo, 0 direto de votar. Mas esse direito piblico do individuo nao ¢ conside- rado hoje, em seu sentido juridico, um direito adquirido no mesmo sentido que, por exemplo, a propriedade; direito que, em principio, o proprio legislador juga Intocavel, e justamente por isso 0 reconhece, pois 0s direitos publicos subjetivos do individuo, em seu sentido juridico, passam, na verdade, por incumbéncias subjetivas dos individuos, no sentido de agir, para determinados fins limitados, ‘como Srgios da instiuigao estatal. Portanto, apesar da forma de ditelta subjewve que adotam, na verdade podem ser considerados como meros reflexos de um 2 ax wee regulamento © no como decorréncias de uma padronizacio objetiva de preten- ses. Também nao sto, nem de longe, direitos subjetivos “adquiridos” todas as pretensdes do direito privado, no sentido exposto (no item 1), existentes numa brdem juridica, Mesmo 0 teor estabelecido no caso concreto do direto de proprie dade pode ser considerado um “reflexo" da ordem juridica, e problema de se tum direito € “adquirido” reduz-se muitas vezes, na pritica, a. questao de se sua climinagio suscitava pretensdes 4 indenizacio. Portanto, poder-se-ia talvez afir- ‘mar que, segundo 0 sentido jurdico, todo diteito pablico seja apenas regulamen- to, mas nio que todo regulamesto crie apenas direito pablico. Em ordens jutidi= eas, pore, em que o poder gavernamental & considerado direito patrimonial adquirido de um monarea ou em que, 20 contritio, certos direitos civis subjetivos So julgados pura e simplesmente inescapaveis, no mesmo sentido que o direito privado "adquiride” (por exemplo, por tatarse de “direito natural"), nem isso 3. por fim, poder-se-ia fazer a distingio separando-se, como pemtinentes 20 “direito privado", todos os assuntos juridicas em que aparecem virias partes consideradas juridicamente “iguais", sendo o sentido juridicamente “correto” da acto do legislador, do juiz ou das préprias partes (mediante acordo juridico) o de Uelimitar as esferas juridicas dessas, dos assuntos do “direito publico", nos quais lum detentor de podleres preeminente, com poder de mando autoritirio, aparece diante de pessoas que, segundo 0 sentido juridico das normas, Ihe esto “subme= tidas”. Mas nem todo rgao do Estado tem poder de mando, e nem sempre a aco regulada pelo direito publico dos Srgios estatais é um mando. Além disso, preci- samente a regulamentagio das relagoes entre virios dygios estatas, isto & entre Getentores de poderes igualmente preeminentes, € obviamente a esfera interna propriamente dita do direito “publica”. E no apenas as relagdes diretas existen= tes entre os detentores de poderes ¢ os submetidos 20 poder, como também aquelas acdes dos submetidos ao poder que servem para nomear e controlar © ‘detentor ou os detentores preeminentes de podetes, fazem necessariamente par- te da esfera das agdes regulamentadas pelo “direto publico”. Mas uma distingo ddesse tipo retoma, em grande parte, os caminhos da anteriormente mencionada, Ela nao trata todo poder dle mando autortitio e suas relagbes com os submetidos a0 poder como assunto do diteito piblico. Evidentemente, nio o faz. com o do tempregador, porque nasce de “acordos juridicos” entre formalmente "iguais”. Mas também o poder do pai de familia ¢ tratado como autoridade baseada no direito privado, ¢ isso somente porque o Estado é considerado a tnica fonte de poder Tegitimo, , por isso, somente as agdes que, segundo 0 sentido que a ordem juridica thes deve atrbuir, se referem a conservagao da instiwigio do Estado © 2 fexecugio dos interesses de que cUida, por conla propria por assim dizer, slo consideradas relevantes no sentido do diteito “publico”. A questio de quais se~ jam, em cada caso, os interesses de que deve cuidar a prépria insttuigio do Estado, até hoje, esté sujeita a mudangas, E, sobretudo, pode acontecer que uma frea de interesses seja intencionalmente regulamentada mediante o direito esta- tuido, de tal maneira que a criagao de pretensoes privadas de individuos ¢ a de poderes de mando ou outras funcOes de drgios estatais, as vezes até referentes 2 ‘mesma questo, coexistam numa situagio de concorréncia. conots t sociepane: 3 umbém hoje, portanto, no € univoca por toda parte a delimitago das esferas do diteito publico ¢ do privado. Muito menos ainda aconteceu isso no passado, Pode até faltar completamente a possibilidade de uma distingio. Isso Acontece quando todo direito e todas as competéncias, especialmente todos os poderes de mando, tem o cariter de privilegios pessoais (na maioria das vezes, Tratando-se do chefe do Estado), denominados “prerrogativas". Nesse caso, a fa: culdade de pronunciar o dieito em determinada causa ou de chamar alguém as armas ou de exigir sua obedigncia noutras situagdes é tanto um direito subjetivo “adquirido” e eventualmente também objeto de um acordo juridico, de uma alie- nacio ow de uma transmissio hereditiria, quanto, por exemplo, a faculdade de aproveitar determinado pedaco de terra. Nesse caso, © poder politico, do ponto de vista juridico, no tem estrutura de instituigio, mas apresenta-se na forma de relagoes assoctativas e compromissos coneretos dos diversos detentores e preten= dentes de faculdades de mando subjetivas, Quanto a sua natureza, o poder de mando politico, o do pai de familia, o do senhor territorial ou 0 do senhor de sewos nio diferem neste caso: tata-se da situacio de "patrimonialismo”. Confor- ‘me a extensio, em cada caso, dessa estrutura do direito — e ela nunca foi re zada até as ltimas consequéneias —, tudo 0 que corsesponde a nosso direito “pablico” ¢ juridicamente objeto de um direito subjetivo de detentores de poder concretos, exatamente como uma pretensio jusidica privada Mas’ elaboragio do direto pode assumir também o cariter exatamente ‘post, faltando-the por inteiro, em amplas reas que hoje the esto sujeitas, 0 dliteito "privado” no dlkimo sentido empregado. Isso ocotte quando faltam todas fas normas que tém o cariter de direito objetivo criador de pretensoes, isto & {quando todo 0 complexo de normas tem juridicamente o cardter de “regulamen to"; quando, portanto, todos 0s interesses privados tém a possibilidade de prote- ‘io nao como direitos subjetvos garantides, mas apenas como reflexos da vig ia daqueles regulamentos, Conforme a extensio dessa situaglo — e também ela ‘nunca reinow universalmente —, todo direito reduz-se a um fim da administra- io: 0 “governo”. “Administrag20" nao é um conceito exclusivamente do direito pubblico, Existe a administragao privada (por exemplo, da unidade domiciiar pr6= pria ou de uma empresa aquisitiva) e a publica, dirigida pelos drgios institucio- ais do Estado ov por outras insttuigdes por ele legitimadas, e portanto heter: rnomas. Em seu sentido mais amplo, 0 citculo da administracao “publica” abrange ties coisas: a criagao do direito, a aplicagao do direito € aquilo que festa de atividades insttucionais publicas depois de se separar aquelas das esferas (que aqut denominamos “governo’) (© “governo” pode estar vinculado 4 normas juridicas € limitado por direitos subjetivos adquiridos. Essa qualidade cle tem em comum com a criaglo do direito € ‘com a aplicagio deste, Mas isso abrange apenas dois aspectos: 1) um positva, que € 0 fundamento da legitimidade da competéncia propria: um govemno moderno desen- volve sua atividade em virude de “competéncia”legitima, que, em Gkima instanci, concebe, do ponto de vista jurdico, sempre como baseada na autorizaco dada pelas rnormas “constitucionais’ do Estado, Além disso, resulta daquela vinculagio ao direito vigente © aos direitos adquitides; 2) como aspecto negatvo, a limitagao de sua li- 4 nasceae berdade de ago, com a qual ele deve conformarse. Mas sua natureza espectfica consiste, posivamente, no fato de ele nao ter 0 objeto Unico nio s6 de respeitar € realizar o direto objetivo vigente, uma ver que este esté em vigor e constitu o funda ‘mento de determinados direitos adquiridos, mas também o de realizar outros fins, de Cariter materia, sejam estes polticos, moras, uilitrios ou outros quaisquer. Para o “govemo’, 0 individuo e seus interesses, no sentido jurdico, sto, em principio, obje- 1s, no sujeitos jurdicos. No entanto, precisamente no Estado moderno existe 2 ‘endéncia a promover uma aproximacio formal entre a aplicacio do direto © a admi- nistago (no sentido de “governo"), pois, dentro da justia, nlo € raro que se exija do juiz atual, em parte em nome de normas juridicas positivas, em parte com base em teorias do direita, que fundamente suas decisBes em principios materiais, na moral- dade, na equidade ou na conveniéncla. E perante a "administragio", a orginizacto ‘staal atval concede ao individuo (que, em principio, ¢ apenas seu objeto) meios ‘ara proteger scus interesses. Estes, pelo menos formalmente, ém a mesma natureza aqueles da aplicagio do diteto: &“jurisdigao administrativa". Mas nem todas estas {garantias conseguem climinar a oposigio fundamental mencionada entre a aplicagio do diteto ¢ 0 "governo". 0 “governo aproxima-se da ctiagio do direto, mas quando, renunciando 2 livre decisio em cada e280, cvia regulamentos gerais pana a forma de realizar negécios tipicos, ¢ isto, em certo gray, mesmo quando no se considera ‘comprometide por estes egulamentos, pois mesino neste caso esperase dele, como ‘o normal, a aceitagao deste compromisso, e a atiude contra costuma ser censurada, pelo menos convencionalmente, como “arbitrariedade” (© portaclor original de toda “administracao” é a autoridade doméstica, Na auséncia de limitagdes que primitivamente a caracterizam, no ha direitos subje tivos dos submetidos a0 poder perante o chefe da familia, e, quanto 20 compor tamento deste diante daqueles, as normas subjetivas existem no mdximo como reflexo heterénomo das limitacdes sacras de suas ages. Em consonincia com isto, também & primitiva a coexisténcia da administracio, em principio totalmente ilimitada, do chefe da familia dentro da comunidade doméstica, por um lado, do procesta arbitral, baseado em acordos sobre expiacio e provas entre os clas, por outro, Somente nele se discutem "pretensdes” (direitos subjetivos, portanto) € pronuncia-se um Veredicto; somente nele encantramos — e ainda veremos por ‘que — formas fixas, prazos, regras referentes 3s provas; em suma, os inicios de lum procedimento “juridico”. O procedimento do chefe da familia no ambito de seu poder desconhece tudo isso. £ a forma primitiva do "governo", do mesmo ‘modo que aquele procedimento € a forma primitiva da aplicagao do diteito. Am- bos distinguem-se também quanto as suas esferas. A soleira da casa era ainda, incondicionalmente, o limite da jastica da Antiguidade romana, Veremos adiante ‘como o principio da autoridade doméstica foi transferido, para além de seu ambi to primilivo, a certas formas do poder politico: o principado patrimonial, © com isso também a certas formas da aplicagzo do direito. Onde quer que isso aconte- ‘ca, rompem-se os limites entre a criagio do direito, a aplicagio do direito © 0 govern. A conseqiléncia pode ser dupla. & aplicacio do direito adota formal e bjetivamente o cariter de “administraga0”, realizando-se como esta sem formas f prazos fixos, segundo critérios de conveniéncia e equidade, mediante simples comunicados ou ordens do senhor aos submetidos. Em seu pleno desenvolvi- cononts& socteD DE 5 mento, essa situagio existe apenas em casos-limite. Aproximam-se dela, no en- tanto, 0 processo "inquisitorial" e toda aplicagio do “principio da atuacio ofici al", ou, a0 contririo: a administragao adota a forma de um processo juridico — {sso ocorria em grande escala na Inglaterra , em parte, ocorte ainda hoje. O Parlamento inglés discute os private bills, isto &, atos puramente administrativos (concessdes, etc.), da mesma forma, em principio, que discute os “projetos de les", e a falta de separagao das duas esferas € propria do procedimento parlamen tar mais antigo, sendo até decisiva para a posicao do Parlamento, pois este nas- ceu como instituigio judicial c, na Franga, chegou a assumir completamente este cariter. Essa dissolugao dos limites foi condicionada por circunstincias politicas. Mas também na Alemanha trata-se 0 orgamento, um assunto administrative, como Tei", seguindorse © modelo ingles, e por motivos politicos. A oposicio entre a ‘administragio" e 0 “direito privado” também se torna indistinta quando a agio dos drgios da associagao como ais adota as mesmas formas que a relagho as sociativa entre individios, isto €, quando os érgios da associagio, em virtude de seus deveres, fazem com individuos, membros da associago ov nao, um “acor do" (contrato) sobre prestagdes e contraprestagoes entte o patrimanio da associ ago € 0 dos individuos. Nao € raro que a essas relagdes no se apliquem mais as rnormas do “direito privado", sendo elas organizadas, quanto a0 contetido © 2 natureza de sva garantia, de modo diferente e subordinadas as normas da ‘adm nistragao”. Mas as pretensoes dos individuos envolvidos, quando garantidas por possibilidades de coagio, nto deixam de ser por iss0 “direitos subjetivos". Quan 0 a isto, a distingo somente de natureza técnica. Como tal, no entanto, ela pode adquiricimportincia considerivel na pritiea, Mas sO uma interpretagio com- pletamente errGnea da estrutura global do “diteito privado” romano (da Antigui dade) permite incluir neste apenas as pretensdes realizaveis mediante um proces: s0 ordinario de jurados, na base da fex, € nto os diteitos baseados no reconheci- ‘mento do magistrado, que em determinada época tinham, na prdtica, importincia Tao livre de limitagdes estabelecidas por direitos subjetivos e normas obje- tivas quanto © poder primitivo do chefe da familia, pode ser também a autoridade de magos e profetas e, em certas circunstincias, 0 poder dos sacerdotes, desde aque sua fonte seja uma revelagio concreta. Em parte, fl falamos sobre isso, em pparte, ainda 0 faremos. Mas a crenca magica também uma das fontes originirias do “direito penal", em opesigio 20 “direito civil”. Mas nem hoje se realiza de modo plenamente inequivaco a distingio corrente, segundo a qual, por um lado, 1a justiga penal, se defende um interesse publico, de natureza moral ou wtltiria, na expiagio de uma infraclo das normas objetivas, impondo aos érgios do Esta ddo um castigo © garantindo-se a0 suspeito um procedimento regulamentado, por outro a defesa de pretensdes privadas cabe ao prejudicado € tem por consequén- cia no o castigo mas 0 restabelecimento das condigdes garantidas pela lei. A justiga primitiva nem a conhece. Ainda veremos que até em sistemas juridicos, de resto muito desenvolvidos, toda queixa era originalmente uma queixa ex delico, sendo totalmente desconhecidos 20 direito primitivo “obrigacdes" e “contratos” Num direito como 0 chinés, observam-se ainda hoje as repereussBes desse fato muito importante no desenvalvimento de todos os sistemas juridicos, Toda infra- 6 ac wee ‘Gio das pretensdes do cla, propria & inviolabilidade da pessoa ¢ da propriedade feclamada por parte de estranhos, exige, em principio, vinganca ou expiagio, € a realizagao desta € coisa do prejudicado, com 0 apoio do cla. © procedimento texpiatorio entre os clas inieialmente nao conhece, ou somente em forma rudi- mmentar, a distingdo entre o delito, que requer vinganga, ¢ 2 infracio juridica, que apenas exige restituigao. A falta de discriminacio entre a simples detesa de pr tensbes, que para nds pertence a0 “direito civil, ¢ a apresentacio de uma queixa aque exige “castigo”, no conceito tnico de “expiac20" da infracio ocorrida, en= Contra apoio em dias peculiaridades do direito € do processo juridico primiti- os: 1) na auséncia da consideragao da “culpa” ¢ também, portanto, do grau de Culpabilidade definido pela “intengao". Quem tem sede de vinganga no se pre- ‘ocupa com o motivo subjetivo, mas apenas com o resultado objetivo, que domina seus sentimentos, da agao alheia que provocou sua necessidade de vinganga. Sua Colera desencadeia-se indiferenciadamente sobre objetos mortos da natureza que Ihe causam dano imprevisto, sobre animais que o ferem inesperadamente (assim também no sentido primitiva da actio de pauperie romana — responsabilidade pelo fato de que o animal nao se comporta como deve! — e da noxae datio de Jnimais, para fins de vinganga) e sobre pessoas que o ofendem sem querer, por negligencia ou de propésito. Toda infragao é, portanto, um “delito" que reclama fexplagio, e nenhum “delito” ¢ mais que uma “infragao" que reclama expiagio. ‘Mas, além disso, 2) a natureza das "consequéncias juridicas’, da “sentenga” © da “execusio" — como diriamos haje — atua no sentido de conservar essa fata de isting2o, pois continua a mesma, wate-se de uma disputa sobre um terreno ou sobre um assassinato, Nao existe originalmente nenhuna execugaio “de offcio" da sentenga, e multas Vezes nem em procedimentos expiatdrios razoavelmente regu amentados. Espera-se do veredicto conseguido pelo emprego de oriculos e mei- (os migicos e pela invocasio, sob juramento, dos poderes migicos ou divinos {que sua autoridade, protegida pelo medo de maleficios, seja respeitada, porque a Violagto constitu: um crime gravissimo. Onde — em conseqiéncia de determina- ddos desenvolvimentos miliates que logo mencionaremos — este procedimento fexplat6rio assumi a forma de um processo jurdico tratado diante de uma assem- bleia jucicativa, participando esta como “eircunstincia" na elaboragao da senten- 2 — como era 0 ciso entre of germanos nos tempos histéricos — pode-se tam- bem supor que, com esta assistencia, nenhum dos participantes impediri a exe ccugio da sentenga uma vez pronunciada nao crticada, ou entio eriticada sem resultado, Mas, além dessa atitude passiva, a parte vitoriosa no pode esperar mnais nada, Cabe a ela e a seu cla reclamar, por iniciativa propria, a execucio da sentenga favorivel a eles quando esta demora, e, tanto entre os germanos quanto fem Roma, esta iniciativa propria — trate-se de uma disputa sobre um bem mate~ rial ow sobre um assassinato — significa, em geral, que se toma como refém a pessoa condenada, alé consumat-se 4 expiaco estabelecida pelo veredicto ov ainda a ser combinada, O imperium do principe ou do magistrado somente intr. fete, por interesse politico, na pacificagao contra aquele que impede a execugao, ameavando 0 condenado resistente com desvantagens juridicas e até com a im- possibilidade total de uma Vida pacifica e pondo, afinal, diretamente a disposica0 do prejudicado aparatos oficais para a execuga0. Mas tudo isso ocorre primeiro, sem distinglo, entre procedimentos do “direito evil” € “eriminais”. Esta primitiva falta total de discriminagao repercute ainda naqueles sistemas juridicos que, sob a influéncia de magistrados honoririos especiais para quest6es juridicas, conser: vvaram, por maior tempo, certos elementos da continuidade do desenvolvimento {que partiram da antiga justica expiatora e foram menos "burocratizados": siste- ma romano € 0 inglés, que, por exemplo, reprovam a execugio real para recupe- rar objetos concretos. Em principio, por exemplo numa acto relativa 8 proprieda- de de um terreno, 2 condenacio expressa-se numa indenizacao pecuniaria. Mas {sso nao € consequéncia de um desenvolvimento avangado do mercado, que tensinou a avaliar tudo em dinheiro, mas consequéncia do principio primitivo de que toda violagao do direito, também a posse ilegitima, reclama expiagio ¢ nada mais, tendo o individuo que responder pessoalmente. No continente, a execugio real foi estabelecida relativamente cedo, nos inicios da Idade Média, correspon endo ao crescimento acelerado do poder do imperium principesco. Em conttas te, sio conhecidas as peculiares fierdes a que recorteu 0 procedimento inglés até ‘0 tempo mais recente, para possbilit-la no caso de terrenos. Em Roma, a mini- mizagio geral da atuagio oficial — consequéncia do dominio dos magistrados hhonoriios, como veremos mais tarde — é a raza0 de conservar-se a condenagio pecunisria em ver da execugio real ‘A circunstincia de que inicialmente toda queixa pressupunha no apenas ‘umn {njustica objeuvamente existente como também um crime do acusado inf enciou também, de modo muito profundo, o direito material. Originalmente, to- {das as “obrigacdes", sem exceglo, emim provenientes dle um delito; por isso, como ainda veremos, quase todas as obrigagdes contratuais eram construidas, inicialmente, A maneita de obrigagdes provenientes de um delito, sendo formal- ‘mente vinculadas, na Inglaterra a delitos ficticios ainda na Idade Média. Explica- se por essa circunstancia, e pela auséncia geral da idéia de um “direito de suces sto", que, originalmente, as dividas no passavam para o “herdeiro" como tal, € somente por via da responsabilidade solidiria pela injustica das membros do ci, primeiro, e depois dos membros da comunidad doméstica e dos submetidos 26 poder ou dos seus detentores, foi construida a responsabilidade do herdeiro por dividas provenientes de contratos,¢ isto, como veremos, com resultados bastante dliversos. Um principio jurfdico como “uma mao cuida da outra", supostamente Indispensivel no comércio atual e que significa a protegio do adquirente de boa Fé de objetos contra a intervencao do proprietisi, originalmente resuliou, de modo direto, do principio de haver queixas, somente ex delicto, contra 0 ladra0 ‘ou 0 receptador. Mais tarde, porém, sofreu, nos diversos sistemas juridicos, des- tinos muito distintos, com o desenvolvimento das queixas baseadas em contratos ‘© disting2o entre queixas “materiais" € “pessoais". Assim, este principio foi eli- minado em favor da vindicag2o, tanto no direito romano da Antiguidade quanto 1no inglés € no indiano, que, em oposigao a0 chinés, desenvolvera um cardter relativamente racional, e somente foi recriado nos timos dois, agora de forma racional, no interesse da seguranga do comércio, em favor da compra no mercado bento. 0 fato de cle nao ter vigéncia no direito romano e no inglés, em oposicio ‘0 direito alemio, ¢ mais um exemplo da possibilidade de se adaptarem os inte- resses comerciais a sistemas de direito material muito diversos e do alto gra em 5 ax wun que 0 desenvolvimento jurdico segue suas proprias leis. Também o malo ordine tenes da queixa relativa a tertas, nas férmulas francas, foi interpretado, com ou sem ra70, no sentido da exigéncia «le um delito para o processo. Em todo caso, 2 vindicagio bilateral dos romanos e a diadicasia dos helenos, bem como 2s {queixas relativas a terras dos germanos, construidas de modo totalmente diferen- te, permitem a conclusio de que nesses casos, em que se tratava originalmente de queixas de status, sto é, da questao da pentinéncia ® comunidade das pessoas ‘com plenos direitos em virtude da posse de terras fundus significa *companhei- 10°, Kléros, participagio de companheito), regiam principios juridicos especiais. ‘Assim como no existe originalmente uma execuglo realmente oficial de sentengas, tampouco ha uma perseguicio “de oficio” de delitos. No ambito do~ rméstico, todo castigo ocorze em virtude do poder doméstico do senhor. Conflitos entre os membros de um cla sio resolvidos pelos ancitos. Mas, uma vez que em todos estes casos a forma e 0 grav do castigo dependem do arbirio dos detento- res do poder, nio hi nenhum “direito penal”. Este se desenvolveu, primitiva- ‘mente, fora do ambito daméstico, a saber: onde a agio de um individuo prejudi- fava 2 folalidade dos membros da associagio de vizinhos, de cla ou politica 3 qual este pertencia. Isso podia acontecer, sobretudo, com dois tipos de agdes: © crime religioso e o militar. Primeiro, portanto, com a violagio de uma norma ‘magica considerada tabu, por exemplo, pela qual a ira dos poderes méigicos, tespinitos ou deuses recafa, em forma de maleficio, nio apenas sobre o proprio Infrator, como também sobre a comunidade que o tolerava em seu meio, Nesses ‘casos, os campanheicos, induzidos pelos magos ou sacerdotes, reagiam com ex- pulsto (perda da paz), linchamento (como, por exemplo, o apedrejamento entre 6 judeus) ou um processo religioso de expiagi0. O crime religioso era, portanto, ‘uma das fontes principais do “castigo interno", como se pode denominar este procedimento, em oposigio & “vinganga”, que acontece entre os elis. A outra Fonte principal do castigo “interno” era de origem politica, isto é, primitivamente, de origem militar. Quem ameagava a seguranca da associacio militar, por traiga0 ‘ou quando jf existia © combate disciplinado, por falta & disciplina ou covardia, texpunha-se & reagao punitiva do comandante ¢ do exército, depois de uma averi- ‘guagio geralmente muito sumdsia dos fatos. Pariu, prineipalmente, da vinganga um caminho que conduziu diretamente um “processo criminal", 9 qual — veremos ainda por que razdes — estava Sujeito a formas e regras fixas. A reagao do chefe da familia, a religiosa ea milltar, contra infracdes nada conhece, em principio, de formas ¢ regras. No caso do poder patriarcal, essa situacio continua, em geral, a mesma. Apesar de eventuais limitagbes, pela intervengao de outros poderes — primeiro, 0 poder do cla, mais tarde, 0 religioso o militar —, dentro de seu Ambito, este poder est vinculado, apenas em casos muito isolados, a regras juriicas. AO contritio, os primitivos poderes extradomésticos, inclusive o poder de tipo doméstico que se transfere telagdes nao-domésticas (poder “patrimonial” do principe), todos aqueles pode~ res mio-intradomésticas, que vamos subsumir sob a denominagio comum de Imperium, acabaram, ainda que em grau diferente, vinculados a determinadas regras. Adiamos o exame da proveniéncia dessas regras ¢ da extensio em que conouts# socteDAne ° cram estabelecidas pelo portador do imperium, em seu interesse proprio, ou tinham que ser estabelecidas, em face dos limites efetivos da obediéncia, o¥ the ram impostas por outros poderes: estas questées pertencem a0 exame da domi- nacio. O poder de castigar, especialmente o de vencer a desobediéncia no ape has por violéncia direta mas também pela ameaca de desvantagens, constitui um componente normal de todo imperium — mais, alvez, no passado do que hoje Pode dirigirse contra outros "érRa0s" do imperium, subordinades a0 detentor (poder disciplinario), ou contra os “stditos” (poder penitenciério). Nesse ponto, © “direito pablico" rem contato direto com o “direito penal”. Em todo caso, po- 1ém, 0 “diteito piblico’, 0 “direito penal", 0 “direito processval penal” e 0 "diei- to sicro”, como objetos especiais de consideragoes cientificas, mesmo em germe, somente surgem onde possam ser encontradas semelhantes regras que formem tum complexo de normas consideradas efetivamente vigentes. Estas normas cons tituem sempre outras tantas restrigdes para o respective imperium, ainda que nem toda restrglo a ele tenha cariter de “norma”. A natureza dessas restrgbes ode apresentar dois aspectos: 1) limitagao do poder, © 2) divisao de poderes Ocorre que um imperium concreto, em viride de wma tradigio considerada sa- sgrada ou de um estatuto, depara com os diteitos subjetivos dos stiditos: que a0 dletentor do poder cabe apenas dar ordens de determinado tipo ou de todos os Uipos, mas com algumas excecdes ¢ apenas em certas condigdes, sendo Portanto, legitimas e vilidas apenas nestes casos. Para a questio de se se trata de luma restrigao “jridica" ou “convencional” ou apenas “consuetudinaria”, € decisi= va a circunstincia de se um aparato coative garante, de algum modo, @ observa: $0 destes limites, por mais precirios que possam ser os meios de coaglo, Ov se isso ocorre apenas pela desaprovacio convencional of se, por fim, falta comple: tamente uma delimitag3o consensual. Pode ser também que (2) 0 imperium de- pare com outro imperium, de poder igual ou até superior em determinados as- pectos, cuja vigéncia Ihe impoe limites. Ambas as cireunstancias podem coincidir, nesta combinagio fundamenta-se 2 peculiaridade da insticuigao do Estado mo- demo como articulada segundo as “competéncias". Quanto A sta natureza, © Estado moderno € uma relagio associativa iistitucional dos portadores de deter ‘minados imperia, selecionados segundo determinadas regras, ¢ delimitados exte- rlormente por regras gerais de divisao de poderes e ainda afetadlos todos eles, em virtude de uma restrigio estatuida dos poderes, por limitagdes internas da legii- imidade de seu poder de mando. Ambas, tanto a divisto quanto a limitagao de ppoderes, podem, no entanto, ter uma estrutura muito diferente daquela que cara- {eriza a forma do Estado moderno. Isso vale especialmente part a divisto de poderes. No direito de intercessio romano da Antiguidade, da par majorve potes: tas, € na organizagao politica patrimonial, estamental ¢ feudal, ela apresenta for: ‘mas absolutamente diversas, como veremos mais tarde, Mas, de modo geral, se compreendida corretamente, vale a tese de Montesquieu: que somente a divisio de poderes torna possivel a conceprio de um “direito publica", embora nio nnecessariamente uma concepgio da mesma natureza do que ele acreditava, ‘encontrar na Inglaterra, Entretanto nem toda forma de divisto de poderes jd on gem idéia de um dieito pablico, mas somente a espectica do Fstado racional. Uma \doutrina cientifica do direito publico foi desenvolvida apenas no Ocidente, porque 10 seem somente nele a associaso poltica assumiu totalmente o cariter de uma insttuiso ‘com competéncias racionalmente ariculadas © divisia de poderes. A Antiguidade conhecia o diteito piblico na estrta medida em que existia uma divisio de pode- tes racional: a ciGneia ocupava-se da doutrina do imperium de cada funcionseio romano, Todo 0 testo era essencialmente filosofia do Estado, nao direito publico. A Idade Média conheeia a divisto de poderes apenas como concorréncia entre diteitos subjeivos (Privilégios ou pretensdes feudais), e, por isso, ninguém se ‘ocupava especialmente do direito publico. O que existia no sentido deste encon- twavasse dentro do “direito feudal” e de “servigo”. Somente a combinacio de vi trios elementos: no mundo dos fatos, o desenvolvimento da relagio associativa dos privlegiados em diregao a uma corporagao publica no Estado estamental, {que combina, de maneira crescente, a limitagao € a divisto de poderes com uma cesrutura institucional; ¢, no mundo das teotias, o conceito romano de corpora- ‘Glo, oditeito natural ¢, por fim, a douteina francesa criaram as concepg0es juridi- Gas decisivas do direito pablico moderno. Do desenvolvimento deste, na medida ‘em que nos interessar, falaremos ao tratar da dominagio, Por iss0, a Segui tata temos principalmente da criagao e da aplicagio do direita nas areas de importa. cia econémica direta ¢ que hoje caem no dominio do “direito privado* © do *processo civil” Para nossas concepgoes juridicas atuals, a atividade das associagoes publ ‘as na drea do “direito” apresenta dois aspectos: a “criagao do direito” a sua “aplicagio", que, por sua ver, tem sua continuagao puramente Iéenica na “exec 20". Por *criagio do direito” entendemos atvalmente o estabelecimento de nor- ‘mas gerais estatwidas, das quais cada uma, na linguagem dos jurstas, assume 0 carter de uma ou varias “disposigdes juridicas’ racionais. A “aplieacio do direi- to" significa para nds a wtlizacio daquclts normas estatufdas e das respectivas “disposigaes juridieas” (a serem deduzidas das primeiras pelo esforgo do pensa- mento juridico) a “fates” concretos que sio a elas “subsumidos", Mas nem todas as épocas da histéria do direito pensaram assim, A diferenga entre a criaga0 do diteito, a criagio de “normas juridicas’ ¢ aplicagio do direito, a aplicagao" ddelas 20 aso concreto, munca existe onde a jursdigio nada mais é que uma administrago” livre, qule decide caso por ¢aS0, Faltam neste caso tanto a norma juridica quanto o direito subjeivo 2 sua “aplicagao". Mas aquela diferenca tam- ‘bem nao existe onde o direito objetivo € considerado um “privilégio" subjetivo, 6, portanto, nio se coneebew a idéia de uma vaplicagio” de normas juridica ‘objetivas coma fundamentos das pretensbes jurdicas subjetivas. Além disso, essa idiferenga no existe onde ¢ na medida em que a aplicagao do direito ndo se realiza como aplicacto de normas juridicas gerais a0 caso concreto, isto é, pela subsungio deste 8 norma, Iss0 acorte em toda aplicagao irsacional do direito, Esa, como veremos, constitui a forma primitiva de toda aplicagao do direito & que, como também veremos, fora do ambito de aplicagio do dieito romano, ‘dominava em todo o passado, as vezes totalmente, a8 vezes pelo menos de modo rudimentar. Também a distingaa entre as normas do direito (a ser aplicado medi- ante decisoes juridicas) © as normas que regulam estas decisdes juridicas nem sempre € tio clara quanto € hoje a distingao entre o dlireito material e o diteito processual. Por exemplo, onde 0 procedimento juridico se baseia na influéncia 1eONOMIA & SOCIEDADE u do imperium sobre a instrugao do proceso, como ocorre no direito romano mais antigo e, de forma tecnicamente muito diferente, no direito inglés, tende-se a ‘onsiderar idénticos a pretensio juridica material € o direito 8 iilizagao de deter- ‘minado esquema de queixa processual: a actlo romana ou 0 suri ingles. De fato, 2 sistemética juridica romana mais antiga no distingue da mesma maneira que 16s 0 direito processual e o direito privado. Por raz0es formais totalmente dife fentes, uma mistura pelo menos semelhante de questdes do direito processual e do material — segundo nossos conceitos — podia surgir onde a aplicagao do direito se fundamentava em meios de prova irracionais: no juramento e no apoio a este e sua primitiva signficacio magica ou em ordilios. Nesse caso, o diteto ou ‘0 dever de realizar este ato magicamente significative aparecem como parte da pretensao juridica material ou facilmente como idénticos a esta. Nao obstante, 3 dlistingdo entre as normas para o procedimento juridico e as normas jusidicas ‘materiais, ainda que diferente, € tao clara em sua forma peculiar, na separaca0 do ‘cédigo processval (Richisteige) dos livros de direito, quanto na sistematica romana mais antiga, ‘Como mostram as consideragbes jf feitas, 0 processo de diferenciacio das concepgdes fundamentais de esferasjuridicas, hoje correntes, depende, em alto ‘rau, de fatores técnico-juridicos e também, em parte, da estrurura da associacto politica. Em consequéncia, pode ser considerado, apenas indiretamente, condicio- ‘nado pela economi, Fatores econémicos desempenhiaram um papel, na medida fem que a racionalizagio da economia, na base da relacao associativa de mereado «dos contratos livres (e, com isso, a complexidade cada vez maior dos confitos de interesses 2 serem resolvidos pela criag20 e aplicagio do direito), promoveu fontemente tanto 0 desenvolvimento dla racionalizacao especifia do direito como tal quanto o desenvolvimento do cariter institucional da associacio politica, como reiteradamente veremos. Todas as demais influéncias puramente econémicas es- tio condicionadas por situages concretas e, por isto, nao podem ser expressas em regras gerais. Veremos também, seguidamente, que as qualidades do direito, {que Sto condicionadas por fatores técnico-juridicos internos e por fatores politi- 0s, repercutem fortemente na forma assumida pela economia. Em seguida expo- remos, de forma resumida, apenas as mais importantes das circunstincias que influenciam as qualidades formais gerais do diteto, da criagao do direito e da sua aplicagio, Considerando estas qualidades, importamo-nos especialmente com 0 frau e'a natureza da ractonalidade do direito, sobretudo, como € claro, do dicei= to economicamente relevante (0 atual “direito privado”). ‘Um direito pode ser “racional’ em sentido muito diverso, dependendo do rumo que toma 4 racionalizac20 no desenvolvimento do pensamento juridico Por um lado, no sentido da manipulagio intelectual (aparentemente) mais ele~ rmentar: a generalizagdo. 1sso significa, nesse caso, a redugdo das razdes que determinam a decisio, no caso concreto, a um ov a Varios “principios", que so as “disposigbes juridicas’. Esta reducio esti geralmente condicionada ‘por uma analise prévia ou paralela dos fatos, a fim de encontrar os elementos que interes- sam 20 ajuizamento juridico, Por outo lado, o apuramento de “disposigdes ju ‘cas’ cada vez mais amplas a partic destes elementos reflete-se na determinac20 ‘das caracteristicas singulares, possivelmente relevantes, dos fatos: tem seu Funda-

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