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ARTIGO 1

Professor: Antonio Sergio de Carvalho Maia

maiasergio@uol.com.br

21 99508 5944

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TRABALHO A SER ENTREGUE DIA 22/10/2020 NA PLATAFORMA TEAMS E POR E-MAIL ACIMA

INDÚSTRIA DE O&G

ESTUDO DIRIGIDO

PARTE 1

1.1 RESUMO DO ARTIGO;


1.2 APLICAÇÃO DO TEXTO NA ATIVIDADE PROFISSIONAL SE O MESMO É PERTINENTE E
QUALQUER QUE SEJA A RESPOSTA( SIM OU NÃO) JUSTIFICAR;
1.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O FUTURO DO BRASIL NA EXTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
DO O&G.

O que há de comum entre Rússia, Canadá, China, Estados Unidos da América, Brasil,
Austrália e Índia? Eles formam o grupo dos países-baleia, aqueles que possuem as maiores
extensões territoriais do mundo. Nesta segunda década do século 21, são desse grupo as
duas maiores economias (EUA e China), as duas superpotências militares (EUA e Rússia) e
uma terceira em ascensão (China). Três deles estão entre as dez maiores economias (Índia,
Brasil e Canadá) e dois muito próximos disso (Austrália e Rússia).

2Reconheça-se que atributos de país-baleia per si não são condição para seu


desenvolvimento e ascensão à posição de grande potência econômica, militar (ou ambas)
como demonstram as trajetórias de Inglaterra, Alemanha, França e Japão. Além disso, e em
atenção ao que alertam os pais-fundadores da geopolítica, como F. Ratzel, o fundamental
para a geopolítica é a coesão interna do estado-nação e do território em particular. Sob esse
aspecto crucial e em determinadas circunstâncias, a grande extensão territorial pode ao
contrário, carrear ao país severo desafio que deve ser enfrentado. Na história das nações,
essa particularidade da geografia do Estado impõe políticas territoriais e respectivos
programas e projetos de vulto direcionados para a ocupação das regiões remotas, com a
alocação de investimentos em complexas e dispendiosas infraestruturas de circulação,
enérgicas e de comunicação e em aparatos militares de vigilância e controle das fronteiras,
dentre outros.

3Afinal, a Rússia ainda hoje padece de fraca ocupação das imensas extensões de terras da
Sibéria e das estepes do Extremo-Oriente na direção do Ártico, da China e do Pacífico, e isso
apesar dos inúmeros programas da ex-URSS voltados para essas regiões. A China, por seu
turno, está firmemente empenhada em superar suas gritantes disparidades regionais
investindo pesadamente na alocação de infraestruturas voltadas para a integração e a
modernização das suas regiões remotas, sobretudo aquelas dos desertos e das estepes em
direção à Mongólia, à Rússia e à Ásia Central. No caso do Brasil, o país tem despendido
energia nesse aspecto do seu desenvolvimento, desde os anos 1960 pelo menos,
especialmente no que se refere à Amazônia (mais da metade do território nacional),
mediante políticas territoriais inspiradas em estratégia focada, ao mesmo tempo, em
objetivos de ocupação, proteção, integração e desenvolvimento.
4Apesar dessa dupla face do poder do território e seus recursos -  potencialidades e desafios
- na evolução dos estados-nações, reafirmamos nossa posição nesse debate que defende e
enfatiza que no mundo contemporâneo ele mantém-se como valor universal para os povos
de todo o mundo (Costa, 1992, 2005 e 2015).

5Ele é primordial porque, em primeiro lugar, mantém-se como o suporte material do Estado
e da nação. Também pela sua qualidade de inscrever a experiência humana e exprimi-la no
âmbito das dimensões imateriais que lhe são intrínsecas e o revalorizam, sendo uma
endógena no plano da cultura (identidade e valores nacionais) e outra no plano político-
estratégico, isto é, o poder e sua projeção nacional e internacional.

6Segundo, porque os territórios desde sempre possuem a característica de contêiner que


provê abrigo e proteção diante de potenciais ou reais ameaças externas, especialmente nas
conjunturas de tensão internacional e de conflitos armados e, sob esse aspecto, é
inescapável remeter aos célebres eventos das invasões militares seguidas pelas heroicas
resistências da Rússia. Nesse sentido, isto é, do ponto de vista clássico da geopolítica, o
seleto grupo dos países-baleia possui uma incontrastável vantagem competitiva e
estratégica, derivada da massa territorial em si, da particular configuração geopolítica e do
potencial dos recursos naturais, virtualidades que expressam o que A. Mahan vislumbrou
como poder marítimo (caso dos EUA) e H. Mackinder como poder terrestre  (caso da Rússia)
ou anfíbios  com tendências pendulares como são os casos de China, Brasil e Índia.

7Terceiro, porque os territórios e seus atributos físico-naturais ao lado daqueles construídos


pelas sociedades ao longo da história constituem patrimônio nacional geral que expressa
vantagem estratégica potencial para os projetos de futuro. Em outros termos, eles formam
uma reserva territorial (terras agricultáveis, petróleo e gás, minerais em geral, mares, rios e
lagos, florestas e flora em geral, biodiversidade, aquíferos e portos naturais) que por
contingências de natureza econômica e tecnológica, ou por manifesta política do estado
nacional, pode ou não ser plenamente aproveitada em determinadas circunstâncias
históricas. Essa decisão pode estar assentada no objetivo deliberado de pressionar eventuais
contendores como faz a Rússia ao utilizar suas reservas e redes de fornecimento de gás
natural aos europeus, ou no de poupar recursos naturais próprios, a exemplo da tradicional
política dos EUA com relação às suas reservas de petróleo. Assim também tem atuado o
Brasil, quando procura utilizar seus estoques de terras agricultáveis e reservas minerais nas
negociações internacionais de comércio envolvendo o mercado mundial de commodities, bem
como suas imensas reservas florestais e de água doce como ativo estratégico em fóruns
multilaterais nas negociações em torno dos grandes temas da agenda ambiental global.

8No atual período da economia mundial em acelerada globalização, está em curso a


revalorização estratégica dos territórios e dos recursos naturais que eles contêm,
impulsionada pelo notável alargamento dos mercados e o consequente aumento da
demanda. Além disso, essa tendência tem sido reforçada nas duas últimas décadas porque a
China e a Índia, com suas formidáveis taxas anuais de crescimento, tornaram-se as maiores
importadoras de commodities  do mundo, com destaque para o minério de ferro e o petróleo.

9Atuam também vetores de outra natureza que são determinantes para o atual dinamismo
do mercado internacional em torno desses ativos. Empreendimentos de setores
fundamentais como as explorações de petróleo, gás e de minerais metálicos e não metálicos,
bem como a indústria de bens de produção e a agricultura moderna, podem hoje contar com
as vantagens de toda ordem propiciadas pelas redes mundiais de fluxos (de informações,
bens, pessoas e capitais) em todas as escalas. Têm a seu favor ainda os formidáveis avanços
da ciência e da tecnologia que viabilizam a descoberta, o inventário e a exploração rentável
das reservas de matérias-primas e produtos primários em geral, incorporando novas regiões
produtoras ao circuito mundial de produção. É esse novo ambiente tecnológico e econômico
internacional que tem permitido aos estados nacionais e aos empreendedores privados dos
países que dispõem de grandes reservas de recursos naturais em seus territórios soberanos,
a oportunidade de alargar e intensificar como nunca atividades de prospecção e de
exploração voltadas para seu abastecimento interno e, sobretudo, para o comércio exterior.

10Da perspectiva estritamente geopolítico-militar e da Segurança & Defesa Nacional,


entretanto, a detenção e/ou domínio de reservas e de capacidade tecnológica e industrial de
exploração e produção de petróleo ainda mantêm elevado significado estratégico. E isso há
pelo menos um século, desde a Primeira Guerra Mundial, especialmente durante a Segunda
Guerra Mundial e em todos os demais conflitos armados de menor proporção. Deste então, a
balança do poder militar definido pelo jogo entre forças e fragilidades  dos reais ou potenciais
contendores tem sido fortemente influenciada pela capacidade de dominar o circuito
completo de produção, refino e distribuição de petróleo e de seus derivados. E é por isso que
grandes ou médias e antigas ou novas potências do mundo tornaram-se produtoras, criaram
suas empresas privadas ou estatais e organizaram-se para liderar as explorações em seus
territórios e em regiões e países com reservas abundantes e, desse modo, controlam
atualmente parte relevante da produção mundial.

11Em um exercício de cenário mais abrangente sobre o significado geopolítico dos territórios
neste mundo do Século 21 ou da nova Ordem Mundial, pode-se avaliar a disponibilidade de
recursos naturais e as respectivas capacidades tecnológicas e industriais dos países para
explorá-los e agregar-lhes valor, tomando-os como fatores de peso no complexo mosaico
de potencialidades e vulnerabilidades que configuram as evoluções da balança de poder ou
a geometria do poder no interior do grupo das grandes e médias potências.

12Desse ponto de vista, é indiscutível a primazia dos EUA, posto que baixíssimo seu nível de
vulnerabilidade graças às suas virtualidades territoriais  como a configuração de Ilha-
Continente, reservas abundantes e elevada capacidade de produção envolvendo todos os
recursos naturais estratégicos, incluindo o petróleo (é o maior produtor ao lado da Rússia em
2018). Ademais, dispõe de grandes extensões de terras agricultáveis e de avançado padrão
tecnológico no setor e, ao lado do Brasil, é líder mundial na produção de grãos. Ademais,
essa posição de superpotência econômica e militar não está assentada exclusivamente
nesses atributos do seu território e recursos, como sabemos. Na sua evolução desde a
independência, ressalta o amálgama formado pela configuração territorial e geopolítica, a
base material e, especialmente, os formidáveis avanços que alcançou em ciência e tecnologia
(são suas oito das 10 melhores universidades do mundo) e em atividades de Pesquisa &
Desenvolvimento que são realizadas especialmente no âmbito das empresas privadas.

13Essa é a força que impulsiona o progresso material do país, irrigando sua abrangente
estrutura produtiva com ganhos crescentes de produtividade e competitividade,
principalmente na agricultura de grande escala, nos serviços sofisticados e na indústria de
ponta, aí incluído seu poderoso complexo industrial-militar que opera em sua maioria
com tecnologias duais. Em síntese, superpotência de projeção global que atua de fato como
império na atual ordem mundial, manejando de forma combinada a diplomacia, a atuação
das grandes empresas multinacionais ou globais e o complexo financeiro e,
sistematicamente, o uso da dissuasão ou da guerra valendo-se do seu incontrastável poder
militar (quase a metade do total mundial de gastos militares em 2018).

14A Rússia é grande potência militar e conta com formidáveis reservas de recursos naturais
estratégicos e elevada capacidade de produção nessa área, em especial o gás e o petróleo,
dos quais o país é o maior produtor e grande exportador mundial. Comparativamente ao seu
rival ocidental, tem acentuada vulnerabilidade decorrente da baixa disponibilidade de terras
agricultáveis e graves deficiências tecnológicas na produção agrícola e, como característica
geral, padece de limitações decorrentes de uma economia pouco diversificada, pois não
dispõe de estrutura industrial de bens duráveis e não duráveis ou de serviços sofisticados e é
altamente dependente da produção e exportação de gás e petróleo.

15Apesar desses fatores limitadores do seu progresso material, é preciso atentar para os
notáveis avanços do país nos últimos quinze anos que se expressa na modernização da
estrutura produtiva como um todo. Essa recuperação conta, sobretudo, com os elevados
padrões de educação da sua população e a tradicional capacidade de pesquisa & inovação
tecnológica, produção e exportação de seu pujante complexo industrial-militar. Como
resultado desses avanços, o país também tem sido capaz de retomar a força e características
típicas de grande potência em sua projeção externa e, nesse particular aspecto, frise-se que
essa sua revigorada ação internacional não está limitada à escala do seu tradicional entorno
regional estratégico, posto que tem demonstrado apetite e disposição para a ampliar esse
horizonte. Enfim, assiste-se nos tempos em curso ao notável processo de retomada da
grande potência euroasiática a que denominamos em estudo recente de reerguimento da
Rússia (Costa, 2015).

16A China é a segunda potência econômica mundial, maior produtor e exportador de


produtos industriais e encontra-se hoje em processo de acelerada elevação da sua
capacidade militar. Além disso, dispõe de formidáveis recursos financeiros que lhe permitem
investir pesadamente em praticamente todos os setores da economia mundial abrangendo
mais de uma centena de países em todos os continentes. Mas suas vulnerabilidades também
são consideráveis e contrastam a potência na economia. Ainda que disponha de reservas e
produção de recursos naturais como minérios, petróleo e gás (o sexto maior produtor em
2017), eles são notoriamente insuficientes para suprir sua elevada demanda decorrente das
altas taxas anuais de crescimento.

17Daí porque o país é atualmente o maior importador mundial de petróleo e de minério de


ferro, além de diversas outras commodities, com destaque para os produtos agropecuários
em geral. Registre-se, a propósito, que os esforços atuais do país no abastecimento de
petróleo envolvem estratégia em pelo menos três frentes principais, como os acordos
bilaterais com os países produtores da Ásia Central e com a Rússia visando o fornecimento
contínuo mediante a implantação de gigantescos pipelines; os pesados investimentos em
prospecção e exploração em países da África Subsaariana (e mais recentemente no Brasil); e
a atual ofensiva visando ampliar a produção offshore no Mar da China em áreas que
reivindica como pertencentes à sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE), o que tem agravado o
quadro de fricções com países vizinhos do seu entorno regional como o Japão, Vietnã,
Taiwan, Tailândia, Malásia e Filipinas.

A posição do Brasil nesse cenário


18O Brasil é potência média e dispõe de grandes reservas territoriais e de recursos naturais
estratégicos, com destaque para os minérios de todo tipo, redes hidrográficas, portos
naturais e, mais recentemente, petróleo e gás natural. Como foi dito, conta também com a
maior extensão de terras agricultáveis e a disponibilidade de água doce em forma líquida
(superficial e de aquíferos) do planeta. Além de ser o maior exportador mundial de minério
de ferro, o país possui grande e diversificado parque industrial siderúrgico e metalúrgico e
capacidade instalada para atuar em toda a cadeia produtiva desses segmentos. E é nos
setores econômicos mais diretamente relacionados à exploração dessa base primordial de
riqueza material que o país apresenta seus melhores níveis de desempenho, macrotendência
que foi pioneiramente apontada no excelente estudo sobre a competitividade da indústria
brasileira de iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia, sob a coordenação de Luciano
Coutinho e João Carlos Ferraz (MCT, 1993).

19Destaque-se que essa liderança internacional tem sido obtida justamente naqueles setores
em que o país soube promover a exploração dessas riquezas mediante enorme esforço
concentrado em ciência e tecnologia e em pesquisa & desenvolvimento. São as suas
destacadas conquistas em biotecnologia tropical que alavancaram e hoje sustentam os
elevados padrões de produtividade nesses segmentos e eles se devem, sobretudo, ao
desempenho durante pelo menos quatro décadas com os bons resultados obtidos em
extensa rede nacional de instituições de pesquisas liderada pela Embrapa.

20Graças a essa estratégia, o país dispõe hoje da mais avançada agricultura tropical do
mundo e é o segundo maior produtor e exportador de grãos, o primeiro de carnes e o maior
produtor de etanol de cana de açúcar para uso automotivo. Como será visto mais de perto
em seguida, também tem sido graças aos pesados investimentos da Petrobrás em pesquisa
& desenvolvimento nas três últimas décadas, especialmente nas tecnologias de exploração
em águas profundas da Plataforma Continental que o país tem conquistado posição de
destaque na prospecção e exploração de petróleo e gás, estando praticamente toda ela
concentrada nos campos de produção offshore  e especialmente, nos últimos anos, nas
imensas reservas do Pré-Sal.

21Ocorre, porém, que justamente essa característica essencial do seu desenvolvimento, que
o qualifica como o único país-baleia e potência média em que o progresso material encontra-
se hoje fortemente ancorado no controle e uso do território e sua base de recursos naturais,
é a que embute também seu mais importante front de riscos e ameaças. Sua principal
vulnerabilidade é a Defesa Nacional, decorrente da baixa capacidade operacional das forças
armadas que se deve, sobretudo, à insuficiência de recursos e à inexistência ou
obsolescência dos sistemas de vigilância e monitoramento e do equipamento militar. São
carências que comprometem a defesa da soberania do país como um todo e especialmente
em regiões estratégicas, como as fronteiras terrestres, a Amazônia e o Atlântico Sul,
conforme enfatizado na Estratégia Nacional de Defesa.

22Outra vulnerabilidade do país, de natureza diversa, mas relevante e conectada à primeira,


é o acelerado processo de desindustrialização nas três últimas décadas, em que a
participação da indústria no PIB passou de 25% em 1990 para 14% em 2016, fenômeno
mais acentuado na Indústria de Transformação (10% do PIB) e nela, no setor de Bens de
Capital (máquinas e equipamentos). São evidências de grave retrocesso, já que o país é
afetado no hard core das forças produtivas que impulsionam seu progresso como um todo,
comprometendo a inovação tecnológica, o pleno aproveitamento dos investimentos em
educação e em pesquisa, a agregação de valor aos produtos, a competitividade nos
segmentos mais avançados da economia global e o consequente rebaixamento dos ganhos
no comércio internacional. Além do mais, a persistente tendência de declínio industrial tem
implicação político-estratégica pelo seu potencial de riscos para a defesa nacional, pois a
indústria nacional competitiva é imprescindível para alcançar e manter a autonomia
estratégica no vital setor de pesquisa & desenvolvimento e de produção do complexo
industrial-militar. Em síntese, a desindustrialização aprofunda a dependência nacional
das commodities e nos ameaça a todos com a maldição dos recursos naturais.

23É dessa perspectiva, eminentemente geopolítica e, portanto, centrada nas potencialidades


e vulnerabilidades do Brasil, face à configuração e à dinâmica da luta por influência e poder
no atual cenário político internacional, que deve ser examinado o tema do petróleo e da
Petrobrás. Desde logo, deve-se ressaltar que esse debate tem sido feito nos últimos tempos
no contexto da intensa especialização acadêmica que também tem impactado os estudos da
geopolítica, desmembrando-a em diversas partes quanto às abordagens teóricas e os
objetos, fenômeno muito bem ilustrado pela profusão de estudos nos últimos quinze anos –
em geografia, economia e relações internacionais, principalmente -, sobre meio ambiente,
recursos naturais em geral, energia e petróleo. Dentre todas as diversas geopolíticas (das
águas, dos minérios, das florestas, dos oceanos, do clima, etc.), a da energia e
principalmente a do petróleo são as que mais têm despertado a atenção dos especialistas e
da mídia, em especial a partir dos anos 2000, com o cada vez maior entrelaçamento das
questões ambientais globais, da crise energética e dos conflitos internacionais.

24No Brasil, dois estudos importantes da geografia nos oferecem uma concepção teórica
abrangente em geopolítica sobre a questão ambiental global, o primeiro examinando-a na
dinâmica atual das relações internacionais (Ribeiro, 2008) e outro destacando a importância
da Amazônia (Becker, 2009). Quanto à geopolítica da energia e do petróleo, as formidáveis
conquistas da Petrobrás na exploração e produção nos antigos campos offshore e,
principalmente, nos novos campos do Pré-Sal e a rápida ascensão do país como um dos
grandes produtores de petróleo e gás, despertou a atenção internacional e grande interesse
da comunidade acadêmica nacional sobre os impactos dessas mudanças. Dentre os diversos
estudos, também é de geógrafos a mais importante contribuição nesse debate, apresentada
em alentada coletânea de textos nos quais são expostas abordagens das antigas e novas
geopolíticas em diferentes contextos nacionais e internacionais, tendo o petróleo e seus
impactos territoriais (principalmente no Rio de Janeiro) como tema principal (Monié e
Binsztok, 2012).

25Na área dos estudos das relações internacionais também tem sido examinado o modo pelo
qual as correntes teóricas como o realismo clássico e o liberalismo podem inspirar as
diferentes posições nesse debate e a geopolítica imperialista dos EUA na questão do petróleo
(Fuser, 2008). A abordagem geopolítica sobre a importância do petróleo para a inserção
internacional do Brasil, foi igualmente objeto de estudos (Delgado, 2010). Finalmente, essa
perspectiva está ressaltada nos trabalhos que examinaram de perto as relações entre a
exploração e produção de petróleo e os desafios da projeção externa brasileira no Atlântico
Sul, com ênfase nas questões de Segurança e Defesa (Costa, 2012; Monteiro, 2016 e
Oliveira et al, 2016).

A importância da Petrobrás na evolução


da indústria do petróleo nacional
26A lei federal de 1953 que instituiu o monopólio estatal na exploração e produção de
petróleo, seguida pela criação da Petrobrás (1954), são em si evento geopolítico por
natureza e consubstanciam antiga aspiração de militares que defenderam o controle estatal
desse setor no país - resultando na criação do Conselho Nacional do Petróleo em 1938 - e
deflagraram em 1947 a Campanha do Petróleo que mobilizou diversos segmentos da
sociedade civil em torno do lema “O Petróleo é Nosso”. A decisão de 1953 corresponde, ao
mesmo tempo, à estratégia nacional visando conquistar autonomia do país em seu projeto
de desenvolvimento somando-se a outras iniciativas do gênero como a criação do Banco de
Desenvolvimento Econômico, da Cia Siderúrgica Nacional e do Centro Tecnológico da
Aeronáutica. Com a nova empresa, o país dá início ao movimento de inserção internacional
no restrito e sensível circuito de exploração, produção e distribuição de petróleo, marcado
naquele contexto pelo crescimento da demanda mundial, as tensões da Guerra Fria, a luta
pela emancipação nacional (especialmente na África), a agressividade do cartel das
multinacionais petroleiras (principalmente norte-americanas e inglesas) e as incertezas de
um país periférico, dependente e importador, mas que decidira trilhar o caminho da
industrialização e do desenvolvimento.

27Praticamente restrita as atividades de importação, refino e distribuição até o início dos


anos 1970, a empresa deu largada à sua trajetória de exploração e produção em meados
dessa década, impulsionada em grande parte pela reação do país aos duros impactos
econômicos dos dois grandes choques mundiais do petróleo em 1973 e 1979. A descoberta
da Bacia de Campos, em 1974, e suas sucessivas conquistas tecnológicas na exploração em
águas profundas da plataforma continental permitiram-lhe aumentar a produção interna e,
em 2006, pela primeira vez na história, o país alcançou a autossuficiência em petróleo. A
década entre 1975 e 1985 registra um percurso sem paralelo em todo o mundo,
especialmente por se tratar de exploração e produção offshore em águas profundas, com
345 poços perfurados e 22 campos de petróleo, em que a produção diária passou de 160 mil
em 1977 para 546 mil barris em 1985 (Morais, 2013).

28Ao mesmo tempo, a empresa expandiu suas tradicionais atividades com novas refinarias,
terminais, redes de dutos, logística de transporte marítimo e distribuição, principalmente.
Também diversificou sua atuação, como por exemplo, nos estratégicos segmentos da
petroquímica e da bioenergia, além de posicionar-se no topo de extensa e robusta cadeia
produtiva industrial formada por empresas de diversos segmentos, aí destacadas a química
de base, metal mecânica, naval e de máquinas e equipamentos em geral. O resultado desse
percurso é que, diversamente do que muitos supõem, quando foram descobertos os campos
do Pré-Sal em 2007, a Petrobrás já era a primeira empresa do país e a sexta maior
petrolífera do mundo.

29Nesse sentido, o início da exploração e produção das reservas do Pré-Sal nas águas
ultraprofundas da Plataforma Continental (800 Km de extensão abrangendo as Bacias de
Campos e de Santos, do Espírito Santos a Santa Catarina) é evento que deve ser examinado
para além do seu significado convencional, isto é, não somente como fator de crescimento
do volume total de produção, mas especialmente pelo seu conteúdo estratégico e
geopolítico. Primeiro, porque se trata de prospecção e exploração de imensas reservas de
petróleo e gás de alta qualidade e situadas nos limites da ZEE - Zona Econômica Exclusiva,
águas jurisdicionais brasileiras reconhecidas pela ONU mediante a aplicação dos dispositivos
da Convenção sobre o Direito do Mar. Esse alargamento da projeção marítima do país foi o
resultado, sobretudo, da eficiente engenharia institucional que foi capaz de articular os
esforços do Itamaraty, da Marinha, da Petrobrás e de suas respectivas redes de apoio para
atuar simultaneamente e de forma cooperada no front interno no nível operacional e
no front externo na diplomacia. No nosso trabalho sobre a atual projeção do Brasil no
Atlântico Sul, destacamos justamente o conteúdo geopolítico dessa conquista do país:

30“Da perspectiva da estratégia nacional que está calcada, ao mesmo tempo, nos preceitos
normativos e consuetudinários do direito internacional e no realismo político, essa passagem
da projeção continental para a marítima foi o resultado da exitosa política externa do país
que nas últimas décadas perseguiu a todo custo objetivos que visaram assegurar direitos e
interesses no espaço marítimo do entorno regional estratégico, isto é, o Atlântico Sul. Essa
conquista envolveu movimentos decisivos em duas frentes principais. No front externo,
intensa movimentação diplomática junto a ONU e especificamente no âmbito da Convenção
sobre o Direito do Mar (1982) e, em seguida, com a sua ratificação em 1994.
No front interno, o esforço de pesquisa envolvendo o Programa de Avaliação do Potencial
Sustentável dos Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva Brasileira (REVIZEE) e o Plano
de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC), ambos liderados pela
Marinha, apoiados diretamente pela Petrobras e com a participação de instituições nacionais
de pesquisas oceanográficas. Essa articulação envolvendo o Itamaraty, a Marinha e
instituições de pesquisas foi responsável por duas conquistas que permitiram ao país
consolidar seus direitos e o consequente domínio legal no Atlântico Sul. Primeiro, a soberania
plena no Mar Territorial (12 milhas) e a soberania de fato na Zona Econômica Exclusiva (200
milhas). Segundo, a apresentação em 2004 à Comissão de Limites da Plataforma Continental
(CLPC) da ONU da proposta dos limites exteriores da nossa Plataforma nos casos em que ela
se estende para além da ZEE. Atualmente, o país prepara nova submissão à CLPC com vistas
a atender à solicitação de esclarecimentos envolvendo aspectos residuais dessa
reivindicação. É esse o novo espaço territorial brasileiro, abrangendo aproximadamente 4,5
milhões de Km² e batizado pela Marinha de Amazônia Azul” (Costa, 2012, p. 12-13).

31Mais adiante, o texto destaca o papel da Petrobrás nos avanços conquistados em ciência e
tecnologia e em Pesquisa & Desenvolvimento:

32“Finalmente, ressalte-se o desempenho da Petrobrás em pesquisa & desenvolvimento


aplicada às atividades de prospecção e exploração de petróleo e gás em águas profundas. O
primeiro resultado concreto delas ocorreu ainda no final dos anos 1960 no litoral de Sergipe
e meio século depois a empresa tornou-se a líder mundial nesse tipo de exploração, façanha
que se expressa nas suas mais de mil patentes nacionais e internacionais obtidas com as
tecnologias que desenvolveu nessa área. Além disso, a empresa tem sustentado com
vultosos recursos próprios uma rede de pesquisas integrando centenas de pesquisadores em
mais de meia centena de instituições no país. Ela também atua na área através do seu
próprio aparato de pesquisas - o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (CENPES) - que
conta com quase dois mil pesquisadores, além daqueles vinculados aos seus programas,
como os do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia
(COPPE/UFRJ) de reconhecida tradição na área e que se beneficia da sua localização
privilegiada (Ilha do Fundão) na cidade do Rio de Janeiro.

33Mas o grande impulso na expertise nacional em petróleo offshore deve-se principalmente


aos resultados obtidos no âmbito do Programa de Capacitação Tecnológica em Águas
profundas (PROCAP), criado pelo CENPES em 1986. Graças a ele, em duas décadas de
pesquisas ininterruptas, aumentou significativamente a identificação de novas áreas com alto
potencial de exploração, a quantidade de plataformas petrolíferas na Bacia de Campos e
mais tarde na de Santos e, ao cabo, a produção de petróleo e gás.

34Nesse sentido, o desafio da exploração do Pré-Sal, na extensa área marítima que vai do
Espírito Santo a Santa Catarina, pode ultrapassar todos os limites até então imaginados no
âmbito das tecnologias convencionais empregadas nesse setor. Afinal, trata-se agora de
exploração em profundidades de até dois mil metros de massa líquida e podendo alcançar
cinco mil metros de rochas no leito marinho, e isso em campos que, em alguns casos, estão
localizados nos limites da Zona Econômica Exclusiva, ou seja, a cerca de 350 km da costa.
Agrandir Original (png, 1,3M)

Fonte: Energy Way, 2018

35Por último, deve-se levar em conta que além dos recursos que investe no seu aparato
próprio de pesquisas, a Petrobras, por força de dispositivo legal, aplica anualmente em
projetos de Ciência & Tecnologia de instituições nacionais 1,0% do valor correspondente a
sua produção de petróleo nos poços em fase de exploração. Com isso, a empresa fornece
parte dos recursos disponíveis no sistema nacional de C&T através do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e, ao mesmo tempo, sustenta a operação
de extensa rede de pesquisas envolvendo praticamente todas as universidades do país
(especialmente as públicas). “Desse modo, a empresa vem atuando nos últimos anos, na
prática, como importante agência de fomento em ciência e tecnologia no país”. (Costa, 2012,
p. 15).

36No excelente estudo de iniciativa do 2018-03-20T10:48:00dInstituto de Pesquisas


Econômicas Aplicadas (IPEA) 2018-12-12T17:12:00Wque examina em profundidade a
trajetória tecnológica e industrial da Petrobrás (Morais, 2013), encontra-se amplamente
comprovado que o mais valioso dos patrimônios da empresa foi aquele conquistado no
campo da Pesquisa & Desenvolvimento. O passo inicial, como assinalado, foi a criação do
CENPES em 1963 seguido pela sua transferência para o Campus da UFRJ na Ilha do Fundão
em 1973 e a incorporação do setor de Engenharia Básica, neste caso uma decisão que se
mostrou fundamental para a trajetória de sucesso da empresa nas décadas seguintes:

37“Ao incorporar a Engenharia Básica às atividades de pesquisa mudou sua conexão com as
áreas operacionais, estabelecendo-se a atividade de empacotamento, que consiste na
transferência do conjunto de conhecimentos tecnológicos, em termos de desenhos,
especificações, instruções de construção, montagens e operacionalização, ou seja,
representa a organização dos conhecimentos científicos e tecnológicos que vêm à montante,
permitindo estabelecer a conexão com a produção. O processo permite, portanto,
transformar os conhecimentos do centro de pesquisas em valor. Pode-se interpretar a
Engenharia Básica como a atividade responsável pelas primeiras fases dos grandes
empreendimentos. Ao ser incorporada ao CENPES, a Engenharia Básica transformou o centro
de pesquisas em Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Engenharia (PD&E), passando a
promover vínculos entre os pesquisadores e os projetistas dos equipamentos, facilitando a
aplicação de inovações nos projetos” (Morais, 2013, p. 63).

38Apesar do acerto dessa estratégia de valorização da produção endógena de conhecimento


em atividades de Pesquisa & Desenvolvimento, de novas tecnologias e de componentes e
equipamentos industriais de maior sofisticação, a natureza dos desafios representados pela
exploração e produção subsea em águas profundas (acima de 400 metros) como as do Pós-
Sal da Bacia de Campos e especialmente nas ultraprofundas do Pré-Sal, induziram mudanças
importantes nas políticas nacionais de petróleo e especialmente na estratégia de negócios da
Petrobrás. Desde a fase pioneira das explorações offshore na Bacia de Campos a empresa
apostou em estratégia que combinava prioridade ao front  interno para o desenvolvimento e
a produção, com o realismo dos negócios de multinacional do setor que recomendava buscar
parcerias para a internalização mediante a adaptação de tecnologias importadas ou
simplesmente a importação de pacotes tecnológicos fechados e de equipamentos acabados
junto aos tradicionais fornecedores do mercado internacional.

39Como é do conhecimento dos especialistas da área, as primeiras atividades de


exploração offshore de petróleo no mundo foram desenvolvidas nos anos 1950 no Golfo do
México (EUA). Em seguida nos anos 1970 no Alasca (EUA), no Mar do  Norte (Inglaterra e
Noruega) e na Costa Ocidental Africana (Nigéria e Angola) e, nos anos 1990, no Pacífico
(China, Indonésia e Malásia). Desse modo, avançou a expertise  internacional nesse tipo de
exploração e as lacunas da produção interna brasileira poderiam ser preenchidas pela maior
disponibilidade de suprimentos externos, especialmente no caso das plataformas e
equipamentos conexos desenvolvidos e testados pelas grandes empresas de tecnologia e
industriais que predominam nesse segmento.

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1 Essas parcerias envolviam arranjos específicos como o Projeto de Implementação Tecnológica (TIP)
e (...)

2 Em 1986 as reservas totais de petróleo eram de 3.6 bilhões de barris e a empresa produzia pouco
mai (...)

40Quando a Petrobrás iniciou a exploração em águas acima de 400 metros na Bacia de


Campos, no início dos anos 1980, constatou que se acentuara o gap tecnológico e
industrial nacional face ao porte dos novos desafios e a empresa viu-se na contingência de
apostar mais intensamente nas fontes externas de suprimento e nas parcerias
internacionais, sobretudo mediante contratos específicos com empresas de tecnologia de
ponta e de produção de equipamentos sofisticados. Esses arranjos envolviam joint
ventures com petroleiras como a Exxon Mobil, Shell, Texaco, Chevron e Agip, por exemplo,
para somar esforços na busca de soluções tecnológicas de diversos tipos e complexidades,
ou mesmo para a exploração conjunta em campos de petróleo e gás no Brasil ou no exterior,
caso do Golfo do México1. Destaque-se ainda que essa conjuntura era caracterizada pela
acentuada elevação dos preços internacionais do petróleo e, por conseguinte, pelo aumento
da pressão econômica e política interna sobre a Petrobrás para que esta conquistasse o
quanto antes a autossuficiência do país nesse setor 2.
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41Desse modo, formou-se a partir daí uma original e complexa correlação de fatores
estruturais na trajetória de exploração e produção de petróleo do país e da Petrobrás que
perdura até hoje. Premida pelas circunstâncias, a empresa lançou-se à batalha pelo
acelerado aumento da produção e o fez em ambiente exploratório sabidamente desafiador. À
medida que avançava das águas rasas para as profundas e ultraprofundas e cresciam os
volumes produzidos – de meados dos anos 1970 a meados de 2000 –aumentavam seus
investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento, em parcerias e em encomendas e aquisições
de suprimentos no mercado interno. Sob esse aspecto, as três etapas do PROCAP liderado
pelo CENPES (cada uma delas correspondendo a 1.000 metros de profundidade) e suas
sucessivas conquistas tecnológicas próprias e em consórcio com as redes de pesquisas
ilustram adequadamente essa correspondência ou correlação. Ao mesmo tempo, essa corrida
contra o tempo em busca da autossuficiência também compeliu a empresa a ampliar suas
encomendas e compras internacionais, especialmente no segmento de máquinas e
equipamentos de maior sofisticação tecnológica (em alguns casos sondas e plataformas
inteiras), como visto, completando-se desse modo seu perfil empresarial e modelo de
negócios predominantes.

42Além disso, pode-se conjecturar que a combinação desse ambiente de pressão econômica
e a nova conjuntura política do país de meados dos anos 1990 favoreceu o fortalecimento da
proposta de Governo que defendia a quebra do monopólio estatal do petróleo e, por
conseguinte da Petrobrás, e estimularia o Congresso a aprovar a Emenda Constitucional nº 5
em 1995 e em seguida o Projeto de Lei 9.478 em 1997 (a Lei do Petróleo). Por esses
dispositivos, abriram-se às empresas privadas nacionais e estrangeiras as atividades de
exploração e produção de petróleo e gás, mediante sistema de concessões e partilha que
deveria ser coordenado pela Agência Nacional do Petróleo, nas quais se procurou preservar a
participação obrigatória da Petrobrás sob a forma de consórcio.

43Sob esse aspecto, há relativo consenso entre os analistas da área de que o fim do
monopólio estatal favoreceu a Petrobrás e a produção nacional de petróleo, sobretudo
porque, de um lado, a empresa teria sido estimulada a aperfeiçoar seus sistemas de gestão e
operação a fim de enfrentar em seu próprio país a dura competição nesse setor e, de outro,
porque poderia capacitar-se para atuar com desenvoltura e protagonismo nas parcerias
(consórcios e joint ventures) com as petroleiras e parapetroleiras líderes do mercado
internacional, contribuindo assim para a descoberta dos campos do Pré-Sal (Morais, 2013).
Outro fator favorável desencadeado pela mudança teria sido o reforço à atuação
internacional da empresa, visto que nos anos seguintes ela ampliou consideravelmente seus
investimentos no exterior, com destaque para os países da América do Sul, incluindo a
aquisição da petroleira argentina Perez Companc em 2002 (Barros, 2013).

3 Em 2007 a Petrobrás utilizou pela primeira vez no Campo de Roncador, localizado a 1.800 m de
profun (...)

44Impulsionada pelo crescente domínio tecnológico da exploração em águas profundas 3, a


ampliação da sua projeção internacional 4 e, sobretudo, pelo explícito apoio do Governo no
período 2003-2010, a Petrobrás trilhou um caminho de sucesso que resultou na conquista de
dois troféus importantes em meados dos anos 2000, sendo o primeiro pelo alcance da
autossuficiência nacional de petróleo em 2006 e o segundo pelas descobertas do Pré-Sal em
2007. Esse apoio governamental foi decisivo, por exemplo, para promover o aporte de
capitais mediante processo de capitalização da empresa, operação que também envolveu
estratégia deliberada que visou não apenas recompor, mas elevar os níveis de controle
acionário em mãos do Estado:

45“A operação de vendas das ações da Petrobras foi lançada em 24 de setembro de 2010,
na presença do presidente da República, na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São
Paulo (BM&F Bovespa). O setor estatal entrou com o Tesouro, o BNDES e o Fundo Soberano
do Brasil (FSB). Houve emissão de lote suplementar ainda em outubro. A soma total da
operação foi de R$ 120,48 bilhões, maior emissão mundial, que colocou a Petrobras como a
quinta maior empresa do mundo em valor de mercado. Foram R$ 120,25 bilhões obtidos
com a capitalização e, com isso, o total das ações pulou de 8.774 bilhões para 13.044
bilhões, sendo estas compostas por 7.442 bilhões de ações ordinárias e por 5.602 de ações
preferenciais. O setor estatal comprou cerca de R$ 80 bilhões, o equivalente a 66,5% das
ações vendidas. Com isso, houve de fato um expressivo aumento da participação estatal,
que pulou de 39,8% para 48,3%, enquanto a parcela detida pelos estrangeiros recuou de
37,4% para 31,8%” (Barros et al., 2013, p. 40).

46A nova política governamental também focou o mercado doméstico de produção de


equipamentos e de fornecimento de suprimentos em geral para a exploração e produção de
petróleo, colocando em funcionamento, na prática, dispositivo que desde a lei de 1997
estabelecia exigências quanto à participação da produção de conteúdo local nas aquisições
das petroleiras, passando de 25% em 2003 para 75% em 2009. Essa mudança deu grande
impulso às atividades industriais localizadas no país (nacionais e estrangeiras) voltadas,
sobretudo, para a produção integral (ou de partes) de plataformas e de embarcações de
transporte e de apoio, bem como de máquinas e equipamentos em geral. Além disso, o
governo atuou diretamente para viabilizar a constituição de empresa específica – a Sete
Brasil –que deveria dedicar-se prioritariamente à produção nacional de sondas e plataformas,
cujo plano inicial previa a construção de 30 unidades.

5 Conforme divulgado pela imprensa em 2012, a estimativa da empresa era de que esses
investimentos al (...)

6 Segundo estudo organizado pelo IPEA, os novos níveis de exigência de conteúdo local e o plano de
in (...)

47Com o notável reforço de caixa propiciado pela bem sucedida operação de capitalização, a
conquista da autossuficiência em petróleo, as descobertas do Pré-Sal e o deliberado apoio
governamental aos seus projetos, a Petrobrás deu início ao mais ambicioso plano de
investimentos em toda a sua história e provavelmente o de maior porte dentre todas as
petroleiras do mundo na época5. No front da produção ou no upstream, os investimentos de
maior vulto foram principalmente os destinados à aquisição de plataformas flutuantes,
especialmente as do tipo FPSO (produz, armazena e distribui petróleo) que custam mais de
US$ 1 bilhão a unidade, além de equipamentos conexos, serviços tecnológicos e navios-
tanques requeridos para fazer frente às dispendiosas operações no Pré-Sal 6.

48No front interno, ou no downstream,  eles se deram, sobretudo, na construção de grandes


refinarias de petróleo, com destaque para o COMPERJ no Rio de Janeiro, a Abreu Lima, em
Pernambuco e a Premium I (Ceará) e Premium II (Maranhão). Também foram realizados
investimentos fora do core business da empresa como a aquisição da refinaria de Pasadena
nos EUA, no setor petroquímico e em bioenergia (plantas industriais de produção de etanol e
de biodiesel), nas redes de logística e transporte em terra e no mar, na ampliação do
CENPES (cresceu aproximadamente três vezes em instalações), na sua rede de laboratórios
associados nas universidades do país, no novo polo de P&D no campus da UFRJ e em novos
centros de gestão administrativa, como os de Salvador e de Santos.

49No final de 2012 o valor de mercado da Petrobrás era de quase R$ 300 bilhões e o valor
patrimonial em torno de US$ 310 bilhões, posicionando-a no primeiro lugar das empresas
nacionais e como a 10ª maior empresa do mundo. E é nessa revigorada condição que a
empresa se lança à exploração comercial do Pré-Sal, cujas reservas totais podem ultrapassar
30 bilhões de barris e com previsão de produção anual em 2020 estimada em 6 milhões de
barris/dia. Em suma, perspectivas de notável performance que propiciam ao país alcançar a
autossuficiência e, especialmente, assumir no curto prazo posição de exportador mundial de
petróleo. Conforme os planos traçados pela empresa, a operação comercial teve início em
2013, mas problemas como a desaceleração no ritmo de investimentos sob os efeitos da
crise internacional e da forte recessão econômica do país (redução de 25% no período 2015-
2019), a violenta queda dos preços internacionais do petróleo (60% desde o início de 2014
ao final de 2015) e a deflagração da Operação Lava Lato em 2014, além do atraso na
entrega de plataformas e equipamentos, afetaram a execução do cronograma e o alcance
das metas de produção.

7 Essa queda de 21.6% do total de reservas de 2015 em relação a 2014 foi um dos impactos
negativos da (...)

8 Em 2015 o Brasil exportou quase 270 milhões de barris de petróleo, volume que representa
aumento de (...)

50Nesse ambiente econômico desfavorável, o progresso da prospecção do Pré-Sal foi


ajustado e as reservas totais de petróleo do país alcançaram 24 bilhões de barris no final de
2015 (eram 31 bilhões de barris em 2014) 7, mas a entrada em operação comercial plena de
novos campos como Lula, Sapinhoá e Jubarte alavancou fortemente a produção, com o
detalhe crucial de que a qualidade do óleo ali extraído é superior (mais leve e próprio para a
obtenção do diesel) àquele da Bacia de Campos, fator que reduz a dependência do país da
importação de óleo bruto8. Como ilustração desse impacto, no período de apenas um ano,
de fevereiro de 2016 a fevereiro de 2017, a produção do Pré-Sal cresceu 50% e atualmente,
do total de 2.6 milhões de barris/dia produzidos no país (83.5% pela Petrobrás) seus campos
fornecem por volta de 1.2 milhão de barris/dia. Destaque-se ainda o notável desempenho do
Campo de Lula que no início de 2017 produziu 690 mil barris/diários de petróleo, o que o faz
o mais produtivo do país e o recordista mundial de produção em águas ultraprofundas
(Boletim da ANP, fevereiro/2017).

51O início da exploração dos campos do Pré-Sal também coincide com a fase da maior
expansão internacional da empresa, cuja presença se estende por quase vinte países em
todos os continentes, nos quais ela tem atuado em explorações conjuntas de petróleo e gás,
refino e distribuição. As parcerias tradicionais encontram-se na América do Sul, como são os
casos da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Mais
recentemente, expandiu-se para a África, como Angola, Gabão, Nigéria e Tanzânia. Opera ou
tem agências de representação também no México, EUA, China, Japão, Singapura, Reino
Unido e Holanda.

52Na América do Sul, essa expansão está alinhada à estratégia de inserção internacional do
Brasil que, desde os anos 1990, confere prioridade ao seu entorno regional e está
consubstanciada no seu papel de liderança exercido no processo de integração da região
como um todo (MERCOSUL e UNASUL), bem como no fortalecimento dos laços de
cooperação bilateral nas suas relações de vizinhança. Nesse aspecto, a petroleira brasileira
soma-se aos papéis desempenhados pelas suas congêneres da Venezuela (PDVSA) e da
Argentina (YPF) que contribuem, ao mesmo tempo, para o adensamento das relações
fronteiriças e da infraestrutura energética regional e o posicionamento desses países e da
América do Sul como polos mundiais emergentes na exploração e produção de petróleo e gás
(Egler, C. G. e Mattos, M. C. L., 2012).
53No Continente Africano, além dos tradicionais laços de amizade com Angola que
favoreceram a atuação da petroleira, a expansão recente para os demais países corresponde
à atual estratégia externa do país de estender sua presença no Atlântico Sul e em direção a
um Continente que tem demonstrado disposição para ampliar a cooperação. Deve ser
observado, entretanto, que nessas investidas recentes a empresa tem enfrentado forte
concorrência das petroleiras americanas e europeias que têm ali atuação consolidada desde
o final dos anos 1950 e, nos anos recentes, da acelerada expansão das petroleiras chinesas
em praticamente todos os países produtores da África Subsaariana.

A crise mundial do petróleo e as crises do


Brasil e da Petrobrás
54Aspecto relevante nessa trajetória de acelerada expansão intensiva e extensiva da
Petrobrás nas duas últimas décadas é que ela ocorreu em meio a diversos episódios de
instabilidades, conflitos armados e turbulências econômicas no ambiente internacional. Cada
um deles impactou de algum modo o sempre sensível mercado internacional de petróleo e,
portanto, o Brasil e sua petroleira.

55Numa breve ilustração do poder de impacto desses quadros, no período de 2000 a 2016 a
cotação do barril de petróleo que era de aproximadamente US$ 35, caiu a US$ 20 em 2001
após os atentados de 11 de setembro, recuperou-se com a invasão do Iraque em 2003 e a
partir daí iniciou a vertiginosa curva ascendente que culminou em US$ 140 em 2008. Este foi
um período de forte expansão da economia mundial, com índices de crescimento anual em
torno de 5%, processo em grande parte impulsionado pela ascensão dos emergentes e
particularmente da China (taxas superiores a 15% a.a.) e o aquecimento da demanda de
todas as commodities e em especial do petróleo. Em julho de 2007 os pilares dessa euforia
econômica são abalados pela explosão da crise do chamado subprime no hardcore  do
mercado financeiro norte-americano que se irradiou para a economia mundial como um todo
e provocou, dentre outros desastres, a queda brusca das cotações do petróleo que chega a
US$ 40 em 2009. Na sequência, nova e curta oscilação para cima com os efeitos da chamada
Primavera Árabe que atingem quase todos os países da África do Norte (Tunísia, Argélia,
Egito e Líbia) e mantêm as cotações do produto em torno de US$ 100 até 2014.

56Esse foi o ano da virada para baixo com a violenta queda dos preços em que as cotações
variaram de US$ 22 (pico de baixa em janeiro de 2016) a US$ 50 (cotação média em 2017).
Em 2018 ocorre uma oscilação para cima no primeiro semestre (chegando a US$ 80), mas
que é seguida por nova queda no final do ano (US$ 50). Ainda que esse comportamento
possa refletir a influência da lenta recuperação da economia mundial, agravada pela
desaceleração da China em particular, o grave quadro da atual crise mundial do petróleo tem
sido atribuído pela maioria dos especialistas a causas menos típicas e episódicas como as
que caracterizaram o turbulento percurso dos últimos quinze anos. Desta feita, identificam
no cenário do mercado internacional de petróleo nítidos indicadores de que estamos no
momento diante de crise de outra natureza, isto é, sistêmica e estrutural, que combina
poderosos vetores de escala global atuando ao mesmo tempo na produção e consumo ou na
oferta e demanda.
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Fonte: Oil Change international, 2019

57No lado da oferta, os estudos sobre as perspectivas e cenários de curto, médio e longo
prazos do mercado mundial apontam para uma crise de superprodução
ou oversupply (Scenarios - World Energy Council, 2016; Outlook OPEC, 2016 e Outlook BP,
2017). Há consenso nesses estudos de que a mais importante dentre as causas do atual
quadro mundial de oferta abundante é o forte impacto da recente adição dos quase cinco
milhões de barris/dia produzidos pelos EUA nas suas extrações de óleo e gás de xisto
(shale). Além do mais, houve nos últimos anos aumento significativo da produção do grupo
de países non-OPEC – com destaque para o Brasil - que já responde por mais da metade da
oferta mundial. Ainda nesse grupo, destaque-se o ingresso adicional proveniente de antigos
e novos países produtores da África (Nigéria, Angola, Quênia, Uganda, Tanzânia e
Moçambique) e que respondem por cerca de 30% da oferta total de petróleo proveniente de
novas descobertas nos últimos cinco anos (IEA/Africa Energy Outlook, 2014). Finalmente,
EUA e Canadá continuam expandindo sua produção e existe forte preocupação com o
possível impacto do reingresso do Iran nesse mercado com a sua produção de mais de
quatro milhões de barris/dia.

58Pelo lado da demanda, além da persistência dos efeitos da recessão econômica mundial,
já apontado, há fortes evidências de que vetores de outra natureza estão atuando para
agravar o atual quadro de retração da demanda bem como para arrefecer o otimismo nos
estudos de cenários de longo prazo (2035 ou 2040). O mais importante deles é aquele
relacionado aos impactos da agenda ambiental global sobre o mercado mundial das fontes
não renováveis de energia e em especial os combustíveis fósseis (destaque para o petróleo),
um elemento de peso e sempre presente nos estudos de tendências dos últimos anos e que
tem sido registrado pela literatura internacional como environmental concerns.

59Esses estudos têm indicado, por exemplo, que a poluição atmosférica das grandes cidades
provocada, sobretudo, pela emissão veicular, deixou de ser o grande vilão dos impactos
ambientais e seu lugar tem sido ocupado pelo fenômeno do efeito estufa  de escala
planetária, causado pela emissão de CO²e os seus impactos nas mudanças climáticas
globais. As diversas Conferências da Convenção sobre as Mudanças Climáticas e
especialmente a última, a de Paris em 2015 (COP 21), estabeleceram limites específicos para
a redução dessas emissões, o que implica esforços focados em novas tecnologias envolvendo
ganhos de maior eficiência energética, redução do uso de combustíveis fósseis e
investimentos em fontes alternativas, isso é, uma transição de larga escala para uma era de
energia limpa.

9 A Volvo, hoje controlada por um grupo chinês, acaba de anunciar que a partir de 2019 não
produzirá (...)

60Nesse cenário, seja como estratégia para fazer frente aos choques de preços do petróleo,
como em 1973 e 1979, ou enquanto alternativas de suprimentos de fontes de energia ou,
ainda, por deliberada política inspirada pela causa ambiental mundial, ou a combinação das
três, o fato é que diversos países e empresas estão investindo pesadamente em fontes
renováveis e sustentáveis de energia. São os casos do Brasil, líder mundial na produção de
etanol automotivo e energia hidrelétrica e da União Europeia, China, EUA e Brasil que têm
apostado na energia solar e eólica. Finalmente, há outros vetores que têm atuado
globalmente para frear a histórica curva ascendente da demanda de petróleo, em especial no
setor da mobilidade urbana. Os estudos de cenários preveem que a produção mundial de
automóveis para uso individual ainda crescerá até 2035, em especial nos países emergentes
da Ásia e da África. Ressaltam, entretanto, que o rumo das tendências em curso indica forte
retração nessa modalidade de transporte na Europa, Japão e Coréia do Sul e, sobretudo, nas
metrópoles e megalópoles em geral e, além disso, estimam que por volta de 35% dessa
nova frota será movida por biocombustíveis e eletricidade 9.

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Fonte: IEA – International Energy Agency, 2018

61Apesar do atual quadro de crise e dessas macrotendências não muito promissoras de


longo prazo, todos os estudos reafirmam a confiança do mercado - pelo lado dos produtores
– de que o petróleo manter-se-á no topo da matriz energética mundial pelo menos nas três
próximas décadas. Além disso, estimam que a recuperação dos preços ainda que a taxas
modestas e a retomada do equilíbrio oferta-demanda e do crescimento da produção mundial
ocorrerá a partir de 2020. Essa confiança é baseada em previsões que apontam para
tendências e cenários como a manutenção dos elevados volumes importados pela China, o
aumento do volume importado pela Índia e por outros emergentes da Ásia e da África, bem
como o crescimento da demanda de diesel no transporte de cargas e passageiros
(caminhões, navios e aviões), da gasolina para as antigas e novas frotas de automóveis -
especialmente nesses países – e dos diversos insumos para a indústria petroquímica.

62A atual conjuntura, entretanto, é de grave crise no Brasil e, como assinalado, não se
resume à recessão econômica ou aos baixos preços do petróleo, envolvendo quadro de
instabilidade política com mudanças de governo e, por conseguinte, alterações de natureza
institucional e legal que têm afetado esse e outros setores.

63Alvo principal da Operação Lava Jato, a turbulência que engolfou a Petrobrás desde o
início de 2014 a atingiu como um todo e seus reflexos na empresa e na cadeia produtiva que
lidera são de diversas ordens, abrangendo mudanças de natureza institucional, na gestão
corporativa e na política de negócios. São inúmeros os procedimentos investigatórios e
processos judiciais no país (e também no exterior) que têm como alvo as práticas de
corrupção da sua alta direção em conluio com dirigentes do governo, políticos e partidos de
amplo espectro ideológico e atuando em todas as esferas da empresa. Trata-se de
abrangente devassa nas entranhas desse sistema criminoso que tem resultado em prisões,
delações premiadas e medidas conexas que visam à punição dos responsáveis e o
ressarcimento dos cofres da empresa pelas elevadas perdas por ela sofridas. O quadro é
grave, carreia duras consequências e tem sido inescapável que recaiam sobre a empresa, a
cadeia produtiva do petróleo e o país os ônus dos incalculáveis prejuízos que demandarão
longo e penoso esforço de recuperação, porque eles não são materiais (econômicos e
financeiros) tão somente, mas também imateriais ou intangíveis  (credibilidade e prestígio
nacional e internacional).

64Os primeiros e mais fortes impactos da tempestade que se abateu sobre a empresa foram
a queda vertiginosa dos preços das suas ações na Bolsa de Valores, a drástica redução do
seu valor total de mercado e o rebaixamento do seu grau de investimento pelas agências
internacionais de rating. Do ponto de vista econômico-financeiro, a queda da rentabilidade
associada ao alto nível de endividamento para fazer face à sua ambiciosa carteira de
investimentos (chegou a US$ 380 bilhões em 2016) impôs-lhe, além de prejuízos em seus
balanços nos três anos de 2014 a 2016, a adoção de complexa estratégia de recuperação.
Esta envolve severo plano focado na retração de investimentos e em cortes de gastos e que
se traduz na interrupção, desaceleração ou cancelamento de diversos projetos e
empreendimentos (no mar e em terra) e na adoção de abrangente processo de downsizing.

65Primeiro, pela rescisão de contratos com fornecedores, empresas de construção e de


instalação de equipamentos e as prestadoras de serviços de toda natureza, resultando na
demissão de enorme contingente de trabalhadores terceirizados (cerca de 160 mil entre
2014 e 2015) em todo o país e, sobretudo, no Rio de Janeiro. Em seguida, pela redução do
quadro dos seus empregados concursados, mediante mecanismo de PDV (Programa de
Demissão Voluntária) que em duas edições (2014 e 2016) reduziu por volta de 30% o seu
quadro e atingiu principalmente pessoal administrativo, mas também operacional (21% de
técnicos e 8% de engenheiros segundo a empresa). Além disso, seu Plano Estratégico 2017-
2021 prevê políticas e ações abrangentes que deverão promover mudanças significativas nos
rumos que a empresa vinha seguindo nas últimas duas décadas. Por ele, a empresa deu
início ao seu plano de venda de extensa lista de ativos, com previsão de arrecadação de pelo
menos US$ 21 bilhões nessas operações, o que inclui campos de exploração no exterior, o
setor dos biocombustíveis (usinas de etanol e de biodiesel), empresas subsidiárias,
termoelétricas, redes de gasodutos, instalações de apoio e até refinarias inteiras.

66Uma medida de natureza corporativa e de impacto técnico explícito na trajetória


tecnológica de sucesso liderada até aqui pela empresa foi a de retirar a área de Engenharia
Básica do CENPES o que poderá comprometer o ciclo completo de Pesquisa &
Desenvolvimento de novas tecnologias. Ainda nesse escopo do desenvolvimento tecnológico
e industrial, a decisão do governo que retira a exigência do índice mínimo de conteúdo local
para a aquisição de bens e serviços pelas empresas de exploração e produção afeta
diretamente os projetos em curso e os planos de investimentos em toda a cadeia produtiva
da indústria de equipamentos e suprimentos em geral do setor de petróleo e gás. Neste
caso, a justificativa é que, sobretudo nos casos dos equipamentos de maior complexidade
como sondas e plataformas, é mais vantajoso para as petroleiras do país importá-los que os
adquirir junto à indústria local, levando em conta aspectos como preços, cumprimento de
prazos de entregas e qualidade final do produto.

67Finalmente, a aprovação pelo Senado Federal nas regras da concessão de campos de


petróleo que retira da Petrobrás a exclusividade nas explorações do Pré-Sal, o que para
muitos analistas equivale a uma segunda quebra do monopólio estatal sobre o petróleo. No
sistema que vigorou até então, a Petrobrás era a operadora exclusiva nos blocos
exploratórios contratados em regime de partilha e a participação de empresas interessadas
no empreendimento se fazia mediante consórcio com a estatal. Além disso, nos leilões para
os demais blocos a Petrobrás deveria ter participação mínima de 30%. Pelo novo marco
regulatório a estatal perde a exclusividade, ainda que a regra lhe conceda prioridade para
definir ou não seu interesse no empreendimento e, em caso negativo, este irá a leilão.
Também fica mantida sua participação mínima de 30% nos campos considerados prioritários
pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética). Para os demais campos serão
realizados leilões abertos, pelos quais uma empresa multinacional poderá assumir 100% da
sua exploração.

Quadro atual e cenário futuro:


vulnerabilidades e potencialidades
10 Segundo informações da empresa, com as recentes ampliações das suas instalações na Ilha do
Fundão, (...)
68A seguir, um breve exame das tendências que expõem alguns flancos de vulnerabilidade
nesse percurso do petróleo e da Petrobrás e suas repercussões nos rumos do país e em sua
projeção externa. Um deles está relacionado à excessiva concentração das atividades de
Pesquisa & Desenvolvimento no Rio de Janeiro, sobretudo nas duas últimas décadas. Com
relação ao grande crescimento do CENPES, a Petrobrás segue a tendência internacional das
empresas-líderes globais que atuam no desenvolvimento de tecnologias sensíveis que
exigem proteção mediante patentes10. Sob esse aspecto, é inescapável que optem por
fortalecer seus próprios centros de pesquisas e prefiram localizá-los próximos ao
seu headquarter. No caso da petroleira brasileira essa concentração espacial também se
expressa no fluxo de investimentos direcionados para as instituições de pesquisas mediante
contratos com o CENPES, casos da COPPE da UFRJ e da PUC/RJ, instituições que receberam
mais da metade do valor total desses recursos de 1992 a 2012 (Turchi et al, 2013). Além
disso, em 2012 as quatro mais importantes empresas de alta tecnologia da indústria
petroleira mundial anunciaram a instalação de laboratórios de pesquisas no novo Polo
Tecnológico do campus da UFRJ. Assim, está se consolidando na prática na cidade do Rio de
Janeiro e especialmente na Ilha do Fundão um sofisticado cluster de P & D de petróleo e gás
de padrão mundial, à semelhança de outros bem-sucedidos no Brasil e no mundo como o da
indústria aeroespacial em São José dos Campos e o de computadores e tecnologia da
informação no Silicon Valley na Califórnia.

11 Além da antiga presença da empresa no estado que conta com quatro refinarias e o maior terminal
mar (...)

69Tendência semelhante de concentração também ocorre com o fornecimento de bens e


serviços à Petrobrás, em que as empresas localizadas no estado do Rio de Janeiro
respondiam em 2012 por mais de 40% do valor total das compras da empresa (Amaral,
2011). Esse quadro ensejou declarações de representantes da indústria paulista na imprensa
cobrando da empresa medidas de descentralização nessas aquisições e investimentos, com o
argumento de que o estado de São Paulo concentra 40% da produção industrial do país e
quase a totalidade do segmento de máquinas e equipamentos. Em 2011 a empresa anunciou
diversos investimentos no estado, a maior parte deles para a cidade de Santos 11, tendo em
vista o deslocamento previsto em direção ao litoral paulista com a exploração dos novos
campos de petróleo e gás do Pré-Sal da Bacia de Santos. Foram projetadas e iniciadas as
obras de um complexo administrativo e de um parque tecnológico em parceria com as três
universidades paulistas, e a Escola Politécnica da USP criou um curso de engenharia de
petróleo que passou a funcionar naquele município. Com a crise de 2014 os projetos e as
obras foram interrompidos.

70Nesse particular aspecto, o da geografia política interna da indústria petroleira nacional, a


densa e espacialmente concentrada estrutura de relações da Petrobrás e o estado (e a
cidade) do Rio de Janeiro, se por um lado tem propiciado até aqui evidentes benefícios
mútuos, por outro embute potencial de riscos. Esse é o caso do momento atual em que a
profunda crise na qual estão mergulhados o estado e a empresa expõe, ao lado de outras
causas, a vulnerabilidade de uma economia excessivamente dependente da indústria do
petróleo e em especial do desempenho da Petrobrás. Enfim, um singular e prosaico cenário
que sugere a digressão de que se não o Brasil, o Rio de Janeiro padeceria hoje da
terrível maldição do petróleo.

71Outro flanco de vulnerabilidade do país, conforme destacado no início, é o acelerado


declínio da indústria nacional de bens de capital (máquinas e equipamentos). Em estudos
específicos sobre o papel indutor da indústria de petróleo nesse segmento (Araújo, 2011),
fica demonstrado que apesar dos esforços da parte do governo (como a exigência do
conteúdo local mínimo) e da Petrobrás (pelo uso do seu poder de compra), à medida que
cresciam os desafios das águas profundas e ultraprofundas e os investimentos na aquisição
de bens e serviços especializados, aumentava a participação do produto importado. Segundo
um desses estudos, nesse segmento o valor total dos contratos com empresas internacionais
é 23 vezes maior que aquele com empresas nacionais (Turchi et al, 2013).

12 A decisão dessas empresas de implantar laboratórios de P&D no polo tecnológico da Ilha do
Fundão no (...)

72Parte desse fraco desempenho explica-se pela perda de competitividade da indústria em


geral frente ao produto importado desde a abertura do mercado no início dos anos 1990, um
processo agravado nos últimos anos pelos baixos custos e preços do produto chinês. Além
disso, no caso das máquinas e equipamentos para o petróleo e o gás com requisitos de alta
tecnologia, como visto, seu mercado internacional está fortemente oligopolizado e sob o
controle de poucas empresas que são líderes globais em suas respectivas áreas (Ruas,
2011). Ocorre que o crescimento do poder de compra da Petrobrás nos últimos vinte anos,
combinado ao mecanismo governamental de proteção à produção local (não
necessariamente nacional), também favoreceu as filiais dessas empresas estrangeiras já
sediadas no país, atraiu novas e, como já mencionado, parte delas inclusive dispostas a
instalar aqui laboratórios de P & D12.

13 Apesar do atual quadro de crise, a Petrobrás tem mantido seus aportes de recursos em Pesquisa &
Des (...)

73Aspecto crucial dessa fragilidade é explicado pelo baixíssimo nível de investimentos da


indústria nacional em Pesquisa & Desenvolvimento (menos de 2% do total do país), ao lado
da tendência de buscar a inovação tecnológica em sua área mediante a adaptação da
tecnologia importada. E isso ocorre apesar do dispêndio de vultosos recursos pela Petrobrás
e do sistema nacional de C&T diretamente, mediante contratos, ou indiretamente através do
CTPetro, na ampla rede de instituições de pesquisas do país que gravitam em torno da
indústria do petróleo e do gás 13. Por razões que merecem estudo específico a respeito, o
fato é que o mais estratégico dos setores industriais do país não tem até aqui se beneficiado
dessas pesquisas.

74Última e mais importante questão deste breve exame de tendências e cenários, a


Petrobrás e a indústria de petróleo e gás por ela liderada tem potencial suficiente para
superar a grave crise atual e retomar a trajetória exitosa ao longo desses sessenta anos,
assegurando assim a posição conquistada pelo país como importante player  nessa
estratégica área da economia internacional. Afinal, além de detentor de imensas reservas, o
Brasil é hoje o 12° maior produtor de petróleo e a Petrobrás a 10ª empresa petrolífera do
mundo.

Agrandir Original (jpeg, 98k)

75Seja para a antiga ou a nova geopolítica, o essencial é que o domínio soberano de


reservas de petróleo e, sobretudo, da capacidade tecnológica, empresarial e industrial para
convertê-lo em fonte de riquezas e de reservas de poder nacional mantém-se firme como
objetivo estratégico de todas as grandes e médias potências do mundo. Afinal, não é
coincidência que os EUA e a Rússia, as duas superpotências militares da atualidade, possuem
grandes reservas e produzem hoje cerca de 10 milhões de barris/dia de petróleo cada uma e
que dentre o seleto grupo das dez maiores empresas petrolíferas globais, nove delas
pertencem a grandes potências com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
14 Além de diversos textos sobre o assunto publicados na sua Revista Brasileira de Estudos de
Defesa, (...)

76De uma perspectiva estritamente geopolítica, portanto, é na fundamental área da Defesa


Nacional que se encontra a mais grave vulnerabilidade do país, conforme apontado no início
deste texto e que tem sido reiteradamente abordado em inúmeros estudos produzidos nos
últimos anos, em especial aqueles sob os auspícios da ABED – Associação Brasileira de
Estudos de Defesa14. Neles, está enfatizado que entre os principais objetivos estratégicos da
Defesa Nacional no presente e nos cenários de futuro encontra-se o aumento da capacitação
das forças armadas e em especial da Marinha Brasileira para assegurar a salvaguarda dos
interesses nacionais soberanos em todos os mares do mundo e, sobretudo no Atlântico Sul,
conforme abordado abaixo em um desses estudos:

77“Mas se no campo das pesquisas e da diplomacia o país tem avançado a passos largos, é
flagrante sua fragilidade no segundo pilar da sua estratégia de projeção no mundo e no
Atlântico Sul em particular, isto é, o campo específico dos assuntos de Segurança & Defesa e
da capacidade operacional das forças armadas para exercer o poder de dissuasão. A
Estratégia Nacional de Defesa do país, aprovada em 2008 explicita as prioridades (a
Amazônia, as fronteiras terrestres e o Atlântico Sul), faz um amplo diagnóstico dos principais
problemas envolvendo as três forças e recomenda expressamente medidas de curto e médio
prazo para superá-los. Nelas estão enfatizadas as carências e limitações dos meios materiais
de defesa e as demandas por investimentos destinados, sobretudo, ao esforço concentrado
visando o reaparelhamento das forças armadas.

78Como é natural, ações de Segurança & Defesa no Atlântico Sul são incumbências que se
encontram prioritariamente sob a responsabilidade da Marinha brasileira. No referido
documento essa força lista seus objetivos estratégicos e táticos nessa área: “(a) defesa
proativa das plataformas petrolíferas; (b) defesa proativa das instalações navais e
portuárias, dos arquipélagos e das ilhas oceânicas nas águas jurisdicionais brasileiras; (c)
prontidão para responder a qualquer ameaça, por Estado ou por forças não convencionais ou
criminosas, às vias marítimas de comércio; (d) capacidade de participar de operações
internacionais de paz, fora do território e das águas jurisdicionais brasileiras, sob a égide das
Nações Unidas ou de organismos multilaterais da região”. Os representantes e especialistas
da área são unânimes no diagnóstico de que a Marinha está longe de possuir os meios para
assegurar, ao mesmo tempo, sua presença efetiva com prioridade para as águas
jurisdicionais – mas não apenas nelas – e ações de vigilância e monitoramento permanente e
de larga escala. Em suma, dispor de capacidade militar suficiente para a dissuasão de
potenciais ameaças e no limite, para repelir ataques de forças inimigas, o que requer meios
adequados quanto à quantidade e à sofisticação tecnológica, isto é, navios de combate,
navios-patrulha, aviação de ataque embarcada, rede de vigilância incluindo satélite próprio,
logística que pressupõe o apoio de marinha mercante e, especialmente, frota de submarinos,
neste caso com prioridade para os de propulsão nuclear. Além dos vultosos investimentos
envolvidos, há o desafio de procurar promover esse reaparelhamento com o mínimo de
dependência do equipamento importado, ou seja, priorizando atividades de Pesquisa &
Desenvolvimento e a produção final no país ou, no máximo, procurar fazê-lo em regime
de joint-venture, com transferência de tecnologia, como é o caso do atual programa de
produção de submarinos convencionais e um de propulsão nuclear em parceria com a
França” (Costa, 2012, pp 20-21).

Considerações Finais
79Sob o ponto de vista de concepções clássicas de geopolítica e teorias do desenvolvimento,
o mais valioso e estratégico patrimônio nacional construído nessa trajetória exitosa de
exploração e produção de petróleo e gás é aquele formado pelo inventário das imensas
reservas situadas na Plataforma Continental e o crescimento da sua produção total nas duas
últimas décadas, avanços que além de viabilizar a autossuficiência, posicionam o país no
mercado internacional como importante produtor e exportador.

80Ao passo em que se reconhece essas conquistas, é preciso considerar que diante das
aceleradas mudanças atuais, não devemos extrapolar em demasia seu real significado como,
por exemplo, ao reiterar a antiga correlação entre petróleo e poder nacional, como se o
presente e os cenários de futuro das nações em geral e particularmente do Brasil estivessem
inexoravelmente atrelados à agitada movimentação da indústria do petróleo  e sua singular
geopolítica.  Além de tender ao reducionismo, esse tipo de abordagem tem mais de um
século e envelheceu, ainda que a mídia internacional e alguns analistas persistam nela,
provavelmente estimulados pelas evidências de que esse recurso ainda sustenta a economia
de um pequeno grupo de países e é objeto de disputas e conflitos de diversas escalas e
intensidades.

81No atual período histórico, a energia que impulsiona a acumulação de riquezas e o


desenvolvimento das nações é outra e sua fonte primordial é o domínio e a utilização
produtiva do conhecimento (educação, ciência e tecnologia), sendo este o vetor principal
dentre os que estão moldando a nova arquitetura mundial do poder econômico, político e
político-estratégico. Ademais, tem sido comprovado que além da simples posse de imensas
reservas não conferir automaticamente vantagens competitivas aos países, em terminadas
circunstâncias elas podem até mesmo acarretar-lhes drástico retrocesso, pois está
demonstrado que aqueles que optaram por atrelar seus destinos exclusivamente aos ganhos
propiciados por essa commodity têm sofrido as consequências do que ficou conhecido como
a terrível “maldição do petróleo”.

82Nesse sentido, e como enfatizado até aqui, as características peculiares da trajetória


brasileira e particularmente da Petrobrás na exploração e produção de petróleo a distinguem
daquelas da maior parte dos mais de quarenta antigos e novos países produtores em todo o
mundo. Nesse setor, e em outros cases de sucesso como o agronegócio e a indústria
aeronáutica, o país conquistou liderança internacional porque criou instituições de pesquisa,
apostou na formação de quadros de alto nível, na capacitação científica e tecnológica e na
Pesquisa & Desenvolvimento.

83Daí porque do ponto de vista da abordagem aqui adotada que enfatiza o conteúdo
propriamente estratégico do desenvolvimento nacional, o patrimônio representado pela
Petrobrás e a cadeia produtiva tecnológica e industrial por ela liderada é tão ou mais
importante que aquele das reservas de petróleo e gás. São indissociáveis, portanto, e é por
isso que devem ser valorizadas e defendidas.

84Frise-se que todas as nações ricas e industrializadas protegem suas empresas-líderes


porque sabem que elas são um dos pilares da sua vantagem competitiva internacional
(Porter, 1990). Em algumas delas, como Alemanha, França, Japão e Coréia do Sul, essa
proteção se faz inclusive pela participação direta e indireta do Estado em setores de peso da
economia como a indústria aeronáutica, automobilística e naval dentre outras. Mesmo nos
EUA, é notório o domínio que o Estado exerce sobre o poderoso complexo industrial militar,
um relevante componente do seu PIB. Na indústria do petróleo em particular, algumas
dessas empresas-líderes são privadas (EUA e Inglaterra), estatais puras (Rússia e China), ou
“paraestatais” com ações na Bolsa de Valores e o controle acionário em mãos do Estado
(Brasil e Noruega).

85Nesse sentido e em síntese, o essencial do ponto de vista do interesse nacional é que a


política de Estado nessa estratégica área vise a defesa e o fortalecimento da Petrobrás
enquanto um original e vitorioso modelo institucional, empresarial, industrial e tecnológico
que tem contribuído decisivamente para o desenvolvimento, a reafirmação da soberania e a
projeção internacional do país.

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Bibliographie

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Notes

1 Essas parcerias envolviam arranjos específicos como o Projeto de Implementação Tecnológica


(TIP) e o Joint Industry Project, voltados para o desenvolvimento de protótipos de equipamentos
de grande complexidade e de modo geral envolvendo a contratação de grupo de empresas
internacionais que são as líderes nesse setor.

2 Em 1986 as reservas totais de petróleo eram de 3.6 bilhões de barris e a empresa produzia
pouco mais de 500 mil barris/dia, aproximadamente 1/3 do consumo do país.

3 Em 2007 a Petrobrás utilizou pela primeira vez no Campo de Roncador, localizado a 1.800 m de
profundidade na Bacia de Campos, a gigantesca plataforma semissubmersível P-52 com
capacidade de produção de 180.00 barris/dia (Morais, 2013).
4

Além da forte expansão dos investimentos na América do Sul, a empresa ampliou a sua atuação
nos EUA (Golfo do México) competindo ali com as petroleiras norte-americanas e inglesas na
exploração em águas ultraprofundas, como é o caso da produção que iniciou a partir da sua
descoberta do Campo de Cascade, em 2002, com 2.500 metros de profundidade, estabelecendo
ali um recorde mundial na instalação e operação da FPSO, plataforma flutuante de produção
(Morais, 2013).

5 Conforme divulgado pela imprensa em 2012, a estimativa da empresa era de que esses
investimentos alcançariam o montante de R$ 226 bilhões até 2018.

6 Segundo estudo organizado pelo IPEA, os novos níveis de exigência de conteúdo local e o plano
de investimentos da Petrobrás no Pré-Sal impactaram fortemente a produção doméstica esses
setores:

“A demanda proveniente da indústria de petróleo e gás é, sem dúvida nenhuma, a grande


oportunidade que o Brasil possui de ter uma indústria naval competitiva. Os dados da tabela 16
mostram que em 2008 a construção naval voltada para a PETROBRAS/TRANSPETRO representa a
possibilidade de manutenção de uma escala competitiva para a indústria naval brasileira. Em
dezembro de 2008, a TRANSPETRO lançou edital para a segunda fase do Programa de
Modernização e Expansão da Frota (PROMEF II). A TRANSPETRO garantirá o afretamento por 15
anos, e as embarcações deverão entrar em operação entre 2012 e 2014. Em 2009 e 2010, a
carteira de encomendas dos estaleiros continua crescendo. Na construção de navios, estão
encomendadas 132 unidades, sendo que 52 são navios petroleiros para a TRANSPETRO, 10 são
petroleiros para a PDVSA. Existem 12 plataformas de produção de petróleo em construção, sendo
que a estimativa da PETROBRAS é a encomenda de mais 45 plataformas para atender à demanda
do pré-sal. Considerando-se que cada plataforma necessita de dois navios de apoio, isso implicaria
a construção de mais 90 navios de apoio, além dos 146 já encomendados e vinculados à cadeia
produtiva do petróleo no Brasil. Ainda vinculado à cadeia produtiva do petróleo, os estaleiros
brasileiros contam com encomendas de sondas de perfuração com a demanda anunciada pela
PETROBRAS de 28 unidades” (De Negri et al, 2011, p. 140).

7 Essa queda de 21.6% do total de reservas de 2015 em relação a 2014 foi um dos impactos
negativos da acentuada queda dos preços internacionais do petróleo no período visto que os
elevados custos de exploração de determinados campos não são cobertos pelo preço final do
produto (ANP – Anuário Estatístico, 2016).

8 Em 2015 o Brasil exportou quase 270 milhões de barris de petróleo, volume que representa
aumento de 42% em relação a 2014, sendo quase a metade disso para Ásia-Pacífico,
principalmente a China (ANP – Anuário Estatístico, 2016).

9 A Volvo, hoje controlada por um grupo chinês, acaba de anunciar que a partir de 2019 não
produzirá mais nenhum veículo movido exclusivamente por motor à combustão, isto é, toda sua
produção será composta por híbridos e elétricos.

10 Segundo informações da empresa, com as recentes ampliações das suas instalações na Ilha do
Fundão, o CENPES passou a contar com mais de 300 mil m² de área construída e em 2017 ela
alcançou o número de 2.000 patentes depositadas no país e no exterior (Petrobrás, Fatos e Dados,
set/2015).

11 Além da antiga presença da empresa no estado que conta com quatro refinarias e o maior
terminal marítimo e capacidade de tancagem de petróleo do país em São Sebastião, esses novos
investimentos abrangem, além daqueles direcionados a Santos, a ampliação das instalações da
Unidade de Tratamento de Gás Monteiro Lobato, em Caraguatatuba, com capacidade de
processamento de 20 milhões de m³/dia. Além disso, com a entrada em operação dos novos
campos do Pré-Sal, o município de Ilhabela (“município produtor”) teve expressivo aumento no
recebimento de royalties, passando de R$ 12.5 milhões em 2014 para R$ 113.5 milhões em 2015,
um valor que a situa como o 4º maior beneficiário dentre todos os municípios brasileiros (ANP,
Anuário Estatístico, 2016).

12 A decisão dessas empresas de implantar laboratórios de P&D no polo tecnológico da Ilha do
Fundão no Rio de Janeiro, além de permitir-lhe a proximidade de um cliente internacional
relevante como a Petrobrás, pode também ser motivada por estratégia de “captura” dos
conhecimentos que têm sido gerados pelo CENPES e a COPPE (IPEA, 2013), especialmente
aqueles relacionados às tecnologias de exploração e produção em águas profundas e
ultraprofundas (Ruas, 2011).

13 Apesar do atual quadro de crise, a Petrobrás tem mantido seus aportes de recursos em
Pesquisa & Desenvolvimento na média de US$ 1.1 bilhão/ano. No período 2012-2014 eles
totalizaram US$ 3.4 bilhões, valores que credenciam a empresa como uma das maiores
investidoras do mundo em P&D na área da energia. Além do CENPES, esses recursos foram
destinados a parcerias com cerca de 100 instituições de pesquisas brasileiras e 32 estrangeiras
(Petrobrás, Fatos e Dados, set/2015).

14 Além de diversos textos sobre o assunto publicados na sua Revista Brasileira de Estudos de
Defesa, o tema geral do VIII Encontro Nacional da ABED em 2014 foi o Atlântico Sul e os
principais trabalhos ali apresentados foram reunidos em coletânea e publicados em 2016: Winand,
E.C.A. et al. Defesa e Segurança do Atlântico Sul. São Cristóvão, Editora UFS – ABED, 2016.
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Crédit Fonte: IEA – International Energy Agency, 2018


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Pour citer cet article

Référence électronique
Wanderley Messias da Costa, « A Petrobrás e a indústria de petróleo no Brasil: geopolítica e
estratégia nacional de desenvolvimento », Confins [En ligne], 39 | 2019, mis en ligne le 31 mars
2019, consulté le 12 octobre 2020. URL : http://journals.openedition.org/confins/17645 ; DOI :
https://doi.org/10.4000/confins.17645
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Auteur

Wanderley Messias da Costa


Universidade de São Paulo USP, wander@usp.br

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 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova


Ordem Mundial [Texte intégral]

Paru dans Confins, 25 | 2015

 Projeção do Brasil no Atlântico Sul: geopolítica e estratégia  [Texte intégral]

Paru dans Confins, 22 | 2014

 O Brasil e a América do Sul: cenários geopolíticos e os desafios da integração  [Texte


intégral]

Paru dans Confins, 7 | 2009
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