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«Ode Triunfal» (Análise - 1.

ª parte)
          A "Ode Triunfal" é o poema que marca o surgimento do heterónimo Álvaro
de Campos. Supostamente, foi elaborado em Londres, no ano de 1914, «num
jacto e à máquina de escrever, sem interrupções nem emenda», de acordo com o
próprio Fernando Pessoa, na carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro sobre a
génese dos heterónimos. Seja como for, a ode chegou junto do público através do
primeiro número do órgão do Primeiro Modernismo, a revista «Orpheu», em 1915.
          A composição, constituída por 240 versos, inclui-se na segunda fase
poética de Álvaro de Campos, a fase do futurismo e do sensacionismo, em que
deparamos com um Campos entusiasta do (seu) tempo de modernidade, de
técnica, de progresso, de velocidade, de movimento, na esteira de Marinetti e de
Walt Whitman, de quem era discípulo confesso.

          O título é bastante sugestivo do conteúdo e significado da ode. Assim, o


nome/substantivo «ode», de origem grega, remete para o cântico laudatório de
uma pessoa, instituição, ou acontecimento. No caso deste poema, significará um
canto de exaltação da civilização moderna industrial. Por sua vez, o adjectivo
«triunfal» vem hiperbolizar o significado do nome («ode»), conferindo ao texto
uma sugestão de força e exagero. No conjunto, o título traduz uma sensação de
triunfo e de monumentalidade, visto que sugere algo de grandioso, quer a nível
do conteúdo, quer da forma, o que está em conformidade com o tema da
composição poética: o canto de exaltação da modernidade, do progresso, da
técnica e dos seus excessos.

          Relativamente à estrutura interna, uma possibilidade consiste em dividir o


poema em três partes / momentos:

     » Introdução (1.ª estrofe):


 Localização do sujeito poético: engenheiro situado no interior de uma
fábrica;
 Actividade a que se dedica: escrita,  a partir da contemplação do que o
rodeia ("Tenho febre e escrevo" - v. 2;
 Estado de espírito do sujeito poético: dor, violência e febre, causadas por
sensações contraditórias: a beleza do que o rodeia é dolorosa, isto é, causa-lhe
dor, deixa-o doente ;
 Novo conceito de estética: novo conceito de beleza, "totalmente
desconhecida dos antigos" (v. 4).
     » Desenvolvimento (2.ª - penúltima estrofe):
 Associação da voz lírica do sujeito às máquinas que canta (est. 2 a 4);
 Explanação entusiástica de múltiplas imagens de vida urbana e moderna
(est. 5 a 12);
 Erotização da relação física do «eu» com a trepidante vida das cidades
(est. 13 a 15);
 Apoteose final (penúltima estrofe).
     » Conclusão (último verso):
 A busca desenfreada de sensações e de identificação com «tudo e todos»;
 A confissão de um aparente fracasso ("Ah não ser eu..." - cf. advérbio de
negação);
 Tom de ambiguidade e nostalgia ("Ah").

          Relativamente ao estado de espírito do sujeito poético, está


condicionado, ou surge marcado, pela vivência do que vê. Assim, apresenta-se
como o cantor apaixonado e exaltado da civilização moderna industrial,
espantado de novidade, louco de emoção, num estado febril ("tenho febre"), "em
fúria fora e dentro de mim", com "os lábios secos" e a "cabeça a arder". Ora,
todos estes sentimentos e emoções se devem à forma maravilhada e entusiástica
como «observa» o esplendor do progresso e da modernidade, que ama
desesperada e pervertidamente.
          Por outro lado, a ode traduz fielmente o seu espírito face ao mundo,
marcado pelo desejo de sentir tudo de todas as maneiras, numa histeria de
sensações, que passa pelaidentificação com tudo: "Ah!, poder exprimir-me todo
como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina!"; "Poder ao menos
penetrar-me fisicamente de tudo isto...".

          As realidades cantadas são diversas, desde as referentes aos avanços da


técnica (grandes lâmpadas eléctricas das fábricas, rodas, engrenagens,
maquinismos, ruídos modernos, máquinas, motores, correias de transmissão,
êmbolos, volantes, comboios, navios, guindastes, fábricas, etc. etc., etc.), ao
que é presente, falado e famoso, passando por aquilo que provoca espanto
( influências europeias, cidades, cafés, cais, gares, barcos, transportes
internacionais, bares, hotéis, lugares europeus, ruas, praças, multidão, montras,
etc.) e até às que prefiguram o lado negativo da civilização moderna(corrupções
políticas, escândalos financeiros e diplomáticos, agressões políticas, regicídios,
notícias desmentidas, desastres de comboios, naufrágios, revoluções, alterações
de constituições, guerras, invasões, injustiças, violência, etc.).

  
          Ainda nas estrofes iniciais do texto, Álvaro de Campos apresenta a sua
visão do elemento tempo. Assim, ao contrário de Marinetti, que defendia o
apagamento do passado e do presente em relação ao futuro, que seria «tudo»,
Campos reduz o passado e o futuro a um só tempo: o instante presente (vv. 1-18;
19; 21-22). No entanto, o presente só é possível porque está alicerçado no
passado, na base do qual se apoia a construção do futuro; ou seja, passado e
futuro ganham significação no presente, no Momento («todo o passado dentro do
presente»; «todo o futuro já dentro de nós» - vv. 222-223).

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