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A SOCIOLOGIA DO CONFLITO.

SISTEMA
PENAL,
REPRODUÇÃO DA REALIDADE SOCIAL
Teorias do Conflito
Antes de mais nada, vamos recordar que os teóricos do conflito partem do
pressuposto de que há força e coerção na sociedade. Somente existe ordem porque há
dominação de uns e sujeição de outros. A sociedade está sempre sujeita a processos de
mudança e cada elemento da sociedade contribui, de certa forma, para sua
desintegração. Para essas teorias, o crime faz parte da luta pelo poder.

As teorias do conflito alteram profundamente a maneira de pensar as questões


criminológicas.
Alessandro Baratta, um dos principais teóricos da Criminologia crítica, explica que a
Criminologia consensual tradicional (e o Direito Penal) sempre se baseou em duas
ideias: o princípio do interesse social e o princípio do delito natural.
Para o princípio do interesse social, o núcleo central dos delitos previstos nos códigos
representa ofensa aos principais interesses fundamentais da sociedade. A ideia de delitos
naturais defende a existência de crimes contra os quais toda sociedade civilizada se
defende, independentemente de época ou cultura. Assim, para a ideologia penal oficial e
para a Criminologia tradicional, a criminalidade é uma qualidade objetiva, ontológica de
certos comportamentos.
As provas gostam de perguntar sobre a ontologia da criminalidade. Em linhas gerais,
podemos dizer que a ontologia estuda a natureza do ser, da existência, da realidade.
Quando a Criminologia começa a debater se o crime existe ontologicamente, quer saber
se ele existe por si próprio, ou seja, se algumas condutas podem ser consideradas
essencialmente criminais, objetivamente criminais. Baratta explica que a Criminologia
tradicional, em linhas gerais, acreditava que sim. A Criminologia do conflito questiona
esse postulado, pois para ela o crime não existe ontologicamente. Ele possui natureza
definitorial: as condutas não são criminosas em si mesmas, mas são definidas como
criminosas em virtude de complexos processos de interação, dominação e seleção. Ou
seja: as condutas são consideradas criminosas porque alguém ou alguma instituição
define que elas são criminosas.

Além de acreditar na ontologia do crime, a Criminologia tradicional parte de um ideal


de homogeneidade dos valores e interesses protegidos pelo direito penal. Esses
princípios, do interesse social, do delito natural e da homogeneidade de valores, são
negados pelos teóricos do conflito. Para a Criminologia do conflito, a criminalidade
não é uma qualidade ontológica, mas um status social atribuído por meio de
processos de definição e mecanismos de reação. Ou seja, o crime não existe antes de
um sistema de reação (Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário) defini-lo como tal.
O foco das teorias criminológicas se desloca da criminalidade (já que ela não existe por
si própria) para os processos de criminalização (que definem uma conduta como
criminosa).

As teorias do conflito possuem forte tradição nos Estados Unidos, sobretudo em virtude
do contexto social de pós-guerras, em que disputas internas (raciais, de classe, de
desemprego, de marginalização, estudantis, feministas) assumiram prevalência se
comparadas a conflitos externos. Elas partem do pressuposto da existência, na
sociedade, de uma pluralidade de grupos e subgrupos que, eventualmente, apresentam
discrepâncias em seus valores. Para as teorias do conflito, portanto, a sociedade não é
monolítica, unitária. Ela está em constante mudança, cenário que é decorrente de visões
diferentes de uma mesma situação por grupos antagônicos que coexistem.
Assim, para as teorias do conflito, não é o contrato social que garante a manutenção do
sistema e que faz com que os grupos sociais evoluam. Esses papeis devem ser – e são –
atribuídos ao conflito. É, portanto, o conflito que promove as alterações necessárias para
o desenvolvimento dinâmico da sociedade. Por isso, diz-se que essas teorias são
progressistas, e não conservadoras.
Os teóricos do conflito demonstram, por exemplo, que o sistema penal trata os
suspeitos de forma diferenciada com base em sua raça, etnia ou classe social, já que
a sociedade não é hegemônica e que os agentes do controle social e outros grupos
poderosos podem impor definições de desvio que atendem a seus objetivos1.

Os principais postulados da Criminologia conflitual são:


• A ordem social da sociedade industrializada não tem por base o consenso, mas sim o
conflito;
• O conflito não é patológico, senão a expressão da própria estrutura e dinâmica da
mudança social;
• Os interesses protegidos pelo direito penal não são interesses comuns a todos os
cidadãos;
• O Direito representa os valores e interesses das classes ou setores sociais dominantes;
• O crime é uma reação à desigual e injusta distribuição de poder e riqueza na
sociedade;
• A criminalidade é uma realidade social criada por meio do processo de criminalização;
• A criminalidade e o direito penal têm natureza política.

Labelling Approach
Essa é uma teoria bastante cobrada em provas. Dedique bastante atenção a ela. Ela
também é conhecida como:
• teoria da rotulação;
• teoria do etiquetamento;
• teoria da reação social;
• teoria interacionista;
• interacionismo simbólico.

O labelling se insere no grupo de teorias microssociológicas, que são aquelas que


analisam os processos individuais de socialização relacionados à criminalização. Elas
estudam a integração entre o indivíduo e a sociedade. Ou seja, elas analisam o meio
social, mas o foco principal é o modo como o indivíduo interatua nessa sociedade.

O controle social formal se consolidou como objeto da Criminologia justamente em


virtude dessa escola, que floresceu a partir dos anos de 1960, nos Estados Unidos.
Rompendo com o ideal consensual de sociedade, o labelling propugnava que estudar a
realidade social implicava estudar os processos de interação individual ocorridos no seio
da própria sociedade. Isto é, não se pode compreender o crime prescindindo do
entendimento da própria reação social. Por isso se diz que um dos postulados da teoria é
o interacionismo, ou interacionismo simbólico, ou construtivismo social. A
desviação não é uma qualidade intrínseca da conduta, mas um atributo que lhe é
conferido por meio de complexos processos de interação social. É decisivo, então, para
compreender o crime, analisar como funcionam os mecanismos sociais que
atribuem o status de delinquente a alguém.

Conforme os teóricos interacionistas, para cada uma das ações desviadas é possível
encontrar inúmeras ações similares que não serão rotuladas de criminosas, por não
serem levadas em consideração ou por não se apresentarem de maneira evidente como
desviadas. Diante de cada fato, as instituições atuam como filtros, definindo sua
natureza. Frente às condutas humanas, portanto, as agências formais de controle social
atuam como uma grande peneira, a separar quais devem ser etiquetadas como
criminosas e quais não merecem o rótulo.

Assim, o labelling approach reconhece o caráter constitutivo do controle social formal,


considerado instrumento seletivo e discriminatório. Deixa-se de questionar por que um
indivíduo comete crimes, e passa-se a indagar a razão de certa conduta ser etiquetada
com o rótulo de desviada. O labelling approach abandona o paradigma etiológico
(busca da causa do crime), substituindo a busca das causas da criminalidade pela análise
das reações das instâncias oficiais de controle social. Nesse questionamento, as agências
de controle social adquirem enorme importância e passam a ser estudadas
criteriosamente. Se hoje é comum que haja capítulos sobre a polícia, o Ministério
Público, as instituições prisionais, o sistema judiciário nos livros e manuais de
Criminologia, isso, em grande parte, deve-se ao paradigma de controle inaugurado pelo
labelling approach, que tanto valor atribuiu aos respectivos papéis na constituição do
delito.

O labelling defende que os estudiosos defendem a adoção da introspecção simpatizante,


isto é, a aproximação da realidade criminal para compreendê-la a partir do ponto de
vista do delinquente, tentando entender qual é o seu ponto de vista.

Há, portanto, uma importante quebra de paradigma na Criminologia. A Criminologia


desloca o problema do plano da ação (conduta criminosa) para o plano da reação
(controle social). Ela deixa de analisar os bad actors e passa a enfocar nos powerful
reactors. A pergunta não é mais: por que alguém comete um crime? A pergunta
passa a ser: por que algumas condutas são selecionadas como criminosas pelos
poderosos filtros de seleção do sistema criminal?

Howard Becker
Um dos principais autores do labelling approach é o norte-americano Howard Becker,
da Universidade de Chicago.
Obs.: Os interacionistas, como Becker, evitam termos tradicionais como crime,
criminoso, bandido, dada a carga valorativa pejorativa que possuem. Preferem utilizar a
nomenclatura deviance, que podemos traduzir como desviação. A conduta desviante é
criada pela sociedade, ao reagir a certas práticas, rotulando-as.
Em seu livro Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance, de 1963, Becker relata o
resultado da análise de grupos de usuários de maconha e de músicos de jazz que fez na
década de
1950. Ele explica que todos os grupos sociais constroem suas próprias regras. A pessoa
que quebras essas regras não é aceita como membro de um grupo. Ela é considerada
uma estranha,
ou melhor, é etiquetada como outsider, e começa, a partir daí, a sofrer um processo de
estigmatização.
O quanto alguém é considerado um outsider varia de caso a caso. Por exemplo: uma
pessoa que infringe as regras de trânsito é, em geral, menos outsider que um assassino
ou estuprador.

Becker demonstra que os estudos interacionistas fazem com que os sociólogos


percebam que um grupo muito maior de pessoas e eventos têm que ser levados em
consideração no estudo da desviação. Nesse sentido, a desviação é um ato coletivo. É
preciso, diz ele, estudar o acusado, mas também o acusador. É preciso considerar
que há pessoas, situações ou atos suficientemente poderosos ou legitimados a impor
definições (a colar as etiquetas). E ao fazer isso, ou seja, ao tornar os empreendedores
morais objetos de estudo, os estudos interacionistas violam a hierarquia de
credibilidade da sociedade, pois questionam o monopólio da verdade sobre a
desviação. É mais ou menos como se, pela primeira vez, a Criminologia colocasse em
dúvida a palavra da Polícia, do Ministério Público, do Poder Judiciário, da
Administração Penitenciária. Por isso, diz-se que o labelling inaugura um paradigma
novo na Criminologia, aquilo que em nossa terceira aula chamamos de Modelo da
Reação Social.

Erving Goffman
Outro nome de peso no labelling approach é o do canadense Erving Goffman, que
realizou suas pesquisas nos Estados Unidos. É autor, entre outros, de Estigma: Notas
sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada, de 1963, e Manicômios, Prisões e
Conventos, de 1961, livros em que se debruçou sobre a questão prisional.
O conceito de estigma é central em sua obra. Ele explica que, entre os gregos, o termo
estigma servia para designar sinais corporais que eram feitos nas pessoas para indicar
que havia algo ruim ou inusual no status moral de seus portadores.

Goffman explica que a sociedade categoriza as pessoas e os atributos considerados


comuns de serem encontrados dentre os membros de cada categoria. Assim, podemos
ter interações
com estranhos antecipando o que encontraremos. Nós confiamos nessas antecipações e
as convertemos em expectativas normativas, as convertemos em demandas. Em geral,
não temos consciência dessas demandas até o momento em que, concretamente, pode
ser que elas não sejam cumpridas. Quando conhecemos uma pessoa, então, atribuímos a
ela uma “identidade social virtual”, baseada nessas expectativas retrospectivas que
temos. Mas a pessoa, em realidade, possui atributos específicos, que formam a
“identidade social real”.
O estigma decorre de uma discrepância entre a identidade social virtual e a identidade
social real. É um atributo que causa profundo descrédito na relação entre seu
possuidor e outras pessoas. Mas não se trata de qualquer discrepância: é aquela que
coloca a pessoa numa categoria menos desejável. Quando nós conhecemos uma pessoa
e ela apresenta atributos indesejáveis, temos a tendência de reduzi-la a essas
características ruins, o que configura a estigmatização, sobretudo nos casos em que o
descrédito causado é muito extenso.
Existem três tipos de estigma: os corporais (ex: deficiências), as falhas de caráter
(ex: desonestidade, falta de força de vontade) e os tribais (ex: raça, nação, religião). Em
comum,
os estigmas possuem o seguinte traço sociológico: uma pessoa que poderia ter sido bem
recepcionada numa relação social possui um traço que se intromete e chama para si toda
a
atenção, fazendo com que as demais pessoas se afastem e não deixando que outros
atributos se manifestem.

Outro conceito fundamental na obra de Goffman é o de instituição total, que são


aquelas que, como é o caso do cárcere, possuem barreiras à relação com o mundo
externo simbolizadas por portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água,
florestas ou pântanos.
Nas instituições totais, todos os aspectos da vida do condenado são realizados no
mesmo local, sob uma autoridade única e diante de um grupo de pessoas razoavelmente
grande. Há
horário, padrão e sequência para as atividades. Caso a permanência do condenado na
instituição total seja longa, começa a ter lugar um processo gradativo de
desculturamento: humilhações, rebaixamentos, degradações pessoais e profanações do
“eu”. O “eu” civil é mortificado e a pessoa começa a passar por mudanças radicais em
sua carreira moral, composta pelas progressivas mudanças que ocorrem na crença que
os outros têm a seu respeito.
Por tudo isso, as instituições totais são fatais para o eu civil do internado, diz Goffman.
Importante explicar que quando fala em instituições totais, Goffman não estava se
referindo somente a prisões, mas também a quarteis, asilos para idosos, claustros
religiosos, abrigos para órfãos, hospitais para doentes mentais, campos de concentração,
internatos e tantas outras instituições em que há barreira social com o mundo externo e
proibições à saída.
A pessoa institucionalizada é alguém inadaptada para o convívio em sociedade,
exatamente por se identificar com a instituição na qual está recolhida, e
estigmatizada. Os egressos do sistema penitenciário têm, pelo resto de suas vidas, sua
ocupação laboral e sua localização geográfica determinada pela participação na
instituição total. A estadia na prisão orienta o pertencimento ao ambiente da
comunidade do submundo, de modo que isso tem efeitos em toda a existência do ex-
interno.

Implicações Político-criminais
No plano político-criminal, as teorias interacionistas propuseram a política dos 4 Ds:
• Descriminalização: como a reação social causa mais criminalidade, é prudente deixar
de considerar certas condutas como criminosas para diminuir os problemas de
estigmatização e ingresso na carreira criminal;
• Diversão: é necessário diversificar a resposta aos problemas da sociedade, para que se
utilize menos a resposta penal, dados os males que ela causa;
• Devido processo legal: as regras do processo legal precisam ser estreitamente
respeitadas para que o indivíduo seja tratado pelos mecanismos de controle social
formal com respeito e dignidade;
• Desinstitucionalização: os presídios são instituições totalizadoras que provocam a
mutilação do “eu” e a inadaptabilidade para o convívio social, de modo que deve ser
dada preferência, quando possível, a penas alternativas à prisão.
A reforma penal brasileira de 1984, com a instituição do regime progressivo de
cumprimento da pena privativa de liberdade e a adoção de penas substitutivas, pode ser
citada com um reflexo das ideias de desinstitucionalização do labelling em nosso
ordenamento. O mesmo vale para os dispositivos da Lei de Execução Penal (Lei n.
7.210/84) que ensejam o contato do preso com o mundo exterior; e para a Lei dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei n. 9.099/95), que elimina da esfera penal
vários crimes e adota postura descarcerizadora.

Criminologia Crítica
Também chamadas de Nova Criminologia, Criminologia Radical ou, ainda,
Criminologia Dialética, as teorias de Criminologia Crítica nascem na década de 1970
com forte apelo às ideias de Karl Marx. Para os autores críticos, há relação direta
entre o modo de produção capitalista e o funcionamento dos modos punitivos. Não se
trata mais de descobrir as razões da delinquência ou de lutar contra o crime, mas
sim de abolir as desigualdades sociais para equacionar o fenômeno delitivo.
Além de Marx, outra fonte de inspiração para os teóricos críticos é a Escola de
Frankfurt, fundada em 1924, na Universidade de Frankfurt na Alemanha. A teoria
crítica dos filósofos alemães se opõe à teoria tradicional por não ser neutra, por analisar
as condições sociopolíticas e econômicas e buscar alterá-las.
As teorias críticas são dotadas de forte práxis (atividade prática, em oposição à
mera teoria), ou seja, elas querem não apenas denunciar as situações de desigualdade,
mas também alterá-las profundamente.
Na Criminologia Crítica, a própria Criminologia, como vinha sendo desenvolvida
tradicionalmente, passa a ser objeto de estudo. A Criminologia passa a questionar
qual deve ser o objeto e qual deve ser o papel da investigação criminológica. Os
teóricos críticos não querem defender a sociedade do crime, mas sim defender os
indivíduos da sociedade capitalista.
A Criminologia Crítica surgiu nos Estados Unidos, sobretudo com o pensamento de
William Chambliss, e logo se espalhou para outros países, difundindo a ideia de realizar
uma reflexão analítica sobre o real funcionamento do poder e das instituições de
controle social. Essas teorias opõem-se ao positivismo, que focava sua análise no
delinquente, e demandam que o Estado, que até então não era objeto da Criminologia,
passe a sê-lo. Para a Criminologia Crítica, portanto, deve-se contestar a função
conservadora do status quo que a Criminologia vinha realizando até o seu surgimento.
Para as teorias marxistas, o crime é um produto histórico, patológico e contingente da
sociedade capitalista. Na ordem social, classes antagônicas se confrontam. Uma dessas
classes se sobrepõe e explora a outra, utilizando, para isso, o direito penal e a justiça.
Desse modo, o sistema legal é um instrumento a serviço da classe dominante para
oprimir a classe trabalhadora.
A justiça penal possuiria administradores: os funcionários públicos não estão lá para
lutar contra o crime, mas sim para realizar a administração do fenômeno, recrutando a
população desviada dentre as classes trabalhadoras que são sua clientela habitual. Por
isso fala-se que é necessário formular uma definição proletária de crime.
A Criminologia Crítica, em certa medida, produz um retorno ao determinismo,
mas agora não um determinismo biológico, como dos positivistas. Trata-se de um
determinismo econômico- social, que deriva do modo de produção desigual do
capitalismo. Aqui, no entanto, costuma-se dizer que não há um determinismo tão rígido
como aquele do século XIX, pois compreende-se que nem todos os marginalizados
sociais cairão na engrenagem penal. Por isso, nas provas, algumas bancas falam em
determinismo econômico e social (Cebraspe, por exemplo), enquanto outras (MPE-GO,
por exemplo) defendem que existe livre-arbítrio, ou seja que os indivíduos são livres e
escolhem o caminho da desviação como solução das contradições capitalistas.
Em resumo, para a Criminologia Crítica não é possível fazer Criminologia sem
questionar os processos de criação da lei penal de acordo com os interesses da classe
dominante (chamados processos de definição) e os processos discriminatórios de
aplicação da lei em prejuízo das classes oprimidas (chamados processos de seleção).
Do ponto de vista metodológico, a Criminologia Crítica se distancia das técnicas das
ciências sociais. Não aceitam investigações puramente empíricas. Preferem o método
histórico-analítico, em que são analisadas as agências de controle social da sociedade
capitalista. Assim, por exemplo, no lugar de pesquisas estatísticas e empíricas, nascem
pesquisas analíticas, descritivas, situacionais, que consideram a historicidade da
situação social.

São considerados postulados da Criminologia crítica:


1. Fundamento conflitual da desviação: a criminalidade surge em resposta a um conflito
social;
2. Máxima relevância da desviação secundária: a consideração de que as instâncias de
controle social impulsionam processos de etiquetamento e estigmatização;
3. Justiça de classe: a justiça é seletiva e discriminatória, recrutando sua clientela dos
mais baixos estratos sociais;
4. Atitude empática em relação ao desviado: apreço em relação ao criminoso comum e
atitude hostil e beligerante com o delinquente poderoso;
5. Abolicionismo: descrença no papel desempenhado pelas instâncias de controle social
formal.

William Chambliss
William Chambliss é o principal nome da Criminologia Crítica nos Estados Unidos.
Autor de Law, Order and Power, de 1971, foi ao mesmo tempo pioneiro e
sistematizador da Criminologia Crítica em seu país. Resumidamente, Chambliss explica
que as ciências sociais são dominadas por duas grandes perspectivas de trabalho: o
modelo funcional, ligado ao trabalho de Durkheim, e o modelo dialético, derivado da
obra de Karl Marx.
Para a visão funcionalista, o crime ofende a moralidade do povo, mas é útil porque
une e concentra as consciências íntegras. Assim, o crime estabelece e preserva os
limites morais da comunidade. É o típico pensamento de Durkheim.
Para a visão dialética, os atos são criminosos porque é do interesse da classe
dominante assim defini-los. A rotulação de pessoas como criminosas serve aos
interesses da classe dominante.
É o típico pensamento derivado de Karl Marx.
Para compreender qual modelo explica mais corretamente a distribuição do
comportamento criminoso, Chambliss analisa e compara a aplicação de leis criminais na
Nigéria e nos Estados Unidos, países que herdaram o direito consuetudinário britânico.
Ele utiliza o método de observação participante e de aplicação de entrevistas de
informantes de todo os aspectos do direito criminal: criminosos, prostitutas, policiais,
empresários, servidores públicos, etc.
Analisando especificamente dados de Ibadan (Nigéria) e Seattle (EUA), ele percebe que
em ambos os países muitas leis são sistematicamente violadas impunemente por aqueles
que detêm os recursos políticos e econômicos da sociedade.

Chambliss conlui, então, que o modelo dialético explica bem o fenômeno:


A mais óbvia conclusão é que esses sistemas de aplicação da lei não eram organizados para
reduzir o crime ou para reforçar a moralidade pública. Eles eram antes organizados para dirigir o
crime pela cooperação com os grupos mais criminosos e aplicando as leis contra aqueles cujos
crimes eram uma ameaça mínima para a sociedade. Fazendo isto, os aplicadores da lei acabam
como produtores do crime. Por prometer lucros e segurança àqueles criminosos que se envolvem
em atividades criminosas organizadas, das quais os sistemas políticos e legais podem se
beneficiar, as práticas da aplicação da lei produzem o crime por selecionar e encorajar a
perpetuação das carreiras criminosas.

Taylor, Walton e Young


Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young, em seus livros A nova Criminologia, de 1973, e
Criminologia crítica, de 1975, criticam as posturas tradicionais da Criminologia do
consenso. Defendem que o fenômeno criminal depende do modo de produção
capitalista: a lei penal nada mais é do que uma superestrutura dependente da
infraestrutura do sistema de produção. O direito não é uma ciência, mas uma
ideologia que deve ser analisada no contexto de luta de classes.
Aceitar a definição burguesa de crime equivale a aceitar a ficção da neutralidade do
direito.
A sociedade criminaliza atividades desenvolvidas a partir das contradições de sua
economia política. Por isso, é necessário superar a Criminologia Fabiana, ou o
Fabianismo da Criminologia.
A Criminologia Crítica, por sua vez, é uma tentativa de realçar os excessos do sistema
de controle social que substitui cuidado por punição. Não se trata, nesse novo enfoque,
de dar condições de igualdade para jogar o jogo meritocrático. O enfoque radical é um
enfoque materialista, ou seja, de uma Criminologia que esteja normativamente
comprometida com a abolição de desigualdades em riqueza e poder e de uma sociedade
em que não se criminalize tudo aquilo que é diferente. É preciso questionar não
somente as causas dos crimes, mas também as causas das normas. Ser radical,
explicam eles, é compreender as coisas pela raiz, e o homem é inseparável da sociedade
em que vive.
É central, na Criminologia Crítica, parar de aceitar o sistema legal sem
questionamentos. É fundamental compreender como as autoridades se tornam
autoridades e como elas transformam legitimidade em legalidade.

Alessandro Baratta
Alessandro Baratta foi um filósofo, sociólogo e jurista italiano. Seu pensamento, em
grande parte desenvolvido na Alemanha, onde recepcionou a teoria o labelling
approach, é central para a Criminologia Crítica e, posteriormente, para as teorias de
direito penal mínimo. Em 1982, publicou Criminologia Crítica e Crítica do Direito
Penal.
Nesse livro, ele defende que o processo de criminalização é o mais poderoso mecanismo
de reprodução das relações de desigualdade do capitalismo. Para ele, a luta por uma
sociedade democrática e igualitária passa pela superação do sistema penal.
Ele retoma a ideia de que a história do sistema punitivo é a história das relações entre
ricos e pobres. Na sociedade capitalista, há uma drástica repartição desigual de acesso
aos recursose às chances sociais. A mobilidade social é um mito: raramente as pessoas
das classes mais baixas conseguem ascender.
Sistema Penal e Reprodução da Realidade Social
Para Baratta, o sistema escolar – assim como o sistema penal – ajuda a refletir a
estrutura vertical e hierarquizada da sociedade. As sanções escolares negativas, tais
como repetição de anos, notas baixas em provas, expulsões, etc., são muito maiores
quando se desce aos níveis inferiores da escala social. E aí, diante dessas dificuldades,
advêm sanções negativas que refletem o quanto a escola é um instrumento de
transmissão da cultura dominante.
Voltando aos pressupostos do Labelling, Baratta usa a ideia de que as instâncias de
controle social formal criam a criminalidade, constituem o delito e que, nesse
processo, selecionam a população carcerária nos estratos mais baixos da
população. A desigual distribuição de definições criminais – muito maior entre os
pobres e muito menor entre os ricos – ocorre não de maneira fortuita, mas seguindo
regras próprias, que Baratta chama de “second code”. Esse segundo código social,
portanto, revela que o Direito Penal desenvolve um importante papel de reprodução das
relações sociais, especialmente na circunscrição e marginalização de uma população
criminosa recrutada nos setores mais débeis do proletariado.
O sistema penal age, então, de forma bastante similar à escola, reproduzindo a
estratificação e operando no sentido de mantê-la. Dessa similaridade decorrem, segundo
Baratta, os mecanismos de internação de menores delinquentes e o intercâmbio entre
internos dessas instituições e dos presídios. São a mesma população, submetem-se à
mesma lógica. Apesar de as instituições de internação de menores infratores
pretenderem ressocializar, não é isso que ocorre. A cada sucessiva passagem do menor
por uma instituição de assistência corresponde um aumento, em lugar de diminuição,
das chances de ser selecionado para uma carreira criminal.
Essas ideias questionam a neutralidade do Direito, demonstram a importância que a
estigmatização produz no indivíduo e colocam em xeque a função educativa da pena.
Cárcere e Marginalidade Social
Baratta é absolutamente crítico do cárcere. Ele diz que têm se mostrado infrutíferas
as tentativas de socialização e de reinserção através dessas instituições. Os institutos de
detenção são o momento culminante do mecanismo de marginalização. Neles, chamam
a atenção o constante regime de privações a que são submetidos os condenados e o
processo negativo de socialização. Trata-se de um processo de socialização em que há:
• desculturação, isto é, desadaptação às condições necessárias para a vida em
liberdade;
e
• aculturação ou prisionalização, que é a assunção de atitudes e modelos de
comportamento típicos da subcultura carcerária. Na prisionalização, que também pode
ser chamada de prisionização, o condenado é educado tanto para ser um criminoso
(copiando os criminosos com forte orientação antissocial) como para ser um bom preso,
passivo, conformista e oportunista.
A educação para ser um bom preso acaba se tornando o verdadeiro objetivo da
instituição, enquanto a função educativa real é excluída desse processo.
Na prática, portanto, as prisões produzem efeitos contrários à reeducação e à reinserção
do condenado, e, logo, favoráveis à sua estável permanência na população criminosa.
Por tudo isso, Baratta defende a adoção de uma política criminal alternativa, que não
pode ser confundida com política penal alternativa. Seu desejo não é apenas de melhorar
o Direito
Penal, mas de substituí-lo por algo melhor que o Direito Penal, parafraseando Radbruch.
Na política criminal alternativa haveria a diferenciação da criminalidade pela posição
social do autor.
A criminalidade de rua, dos pobres – respostas individuais às adversidades do
capitalismo – seria despenalizada, ou seja, seria equacionada por controles sociais não-
estigmatizantes, tais como sanções administrativas ou civis. A criminalidade dos
poderosos e a criminalidade organizada – expressão da relação funcional entre
processos políticos e mecanismos legais e ilegais de acumulação de capital – seriam
destinatárias da ampliação do sistema punitivo, pois isso significaria proteção de
interesses comunitários tais como saúde, segurança no trabalho e integridade ecológica.
No limite, o objetivo último dessa reforma é a abolição da instituição carcerária,
em função da consciência do fracasso histórico da instituição. Para se chegar ao objetivo
final, talvez seja necessário passar por algumas etapas, como a ampliação do sistema de
penas alternativas; o alargamento das hipóteses de livramento condicional, suspensão
condicional da pena e sistema de progressão de regime; aumento das permissões de
saída; reavaliação do trabalho carcerário; e, especialmente, a abertura do cárcere para a
sociedade.
Criminalização primária e secundária
Baratta utiliza os conceitos de criminalização primária e secundária para explicar o
processo seletivo de criminalização. A criminalização primária é o ato de aprovar ou
sancionar uma lei penal que tipifica condutas. A criminalização secundária (punição
no caso concreto) é a ação punitiva exercida pelo sistema de justiça criminal sobre
pessoas concretas: é a aplicação da pena os processos de criminalização secundária –
punição no caso concreto – desenrolam- se com base em preconceitos e estereótipos.
Policiais, delegados, promotores e juízes procuram a verdadeira criminalidade naqueles
estratos sociais em que é normal encontrá-la.
A pessoa etiquetada com o rótulo de criminosa tem a sua identidade social alterada. Ele
não é visto mais da mesma maneira e nem se vê mais do mesmo modo. Fica muito fácil
que se instale, então, a delinquência secundária (reincidência) e que nasça uma carreira
criminal.

Georg Rusche e Otto Kirchheimer


Eles demonstraram que, no século XV, com mão de obra abundante, o sistema penal se
dirigia contra as massas empobrecidas, com execuções, mutilações e açoitamentos.
No mercantilismo dos séculos XVI e XVII, nasce a exploração da mão de obra na
prisão, pois havia escassez de trabalhadores. Nascem leis que punem a vadiagem e que
tornam úteis os camponeses expulsos das terras. A pena de degredo auxilia países na
colonização de terras “descobertas” e a pena de galés (trabalho forçado)
demonstra grande funcionalidade. As casas de correção começam a ser lucrativas,
pois conjugam nenhum ou baixos salários ao adestramento de trabalhadores
desqualificados.
Com a Revolução Industrial do século XVIII, surge o processo de acumulação de
capital, caracterizado por exploração intensa de mão de obra e miséria da classe
trabalhadora. O capitalismo gera um exército de reserva e o mercado se encarrega de
oprimir as pessoas.
No século XIX, com o crescimento da rebeldia popular, das revoluções e dos delitos
contra a propriedade, a prisão se converte na pena mais importante de todo o mundo
ocidental. Rusche e Kirchheimer demonstram que as prisões são uma forma
especificamente burguesa de punição, que se disseminam com a passagem para o
capitalismo. A construção da ideologia burguesa de trabalho é acompanhada pelo
surgimento de uma concepção burguesa de tempo, que tornará possível o princípio
fundamental da proporcionalidade da pena.
Eles defendem que:
O sistema penal de uma dada sociedade não é um fenômeno isolado sujeito apenas às suas leis especiais.
É parte de todo o sistema social, e compartilha suas aspirações e seus defeitos. A taxa de criminalidade
pode de fato ser influenciada somente se a sociedade está numa posição de oferecer a seus membros um
certo grau de segurança e de garantir um nível de vida razoável. A passagem de uma política penal
repressiva para um programa progressista de reformas pode, então, transcender o mero humanitarismo
para tornar-se uma atividade social verdadeiramente construtiva. (...) A futilidade da punição severa e o
tratamento cruel podem ser testados mais de mil vezes, mas enquanto a sociedade não estiver apta a
resolver seus problemas sociais, a repressão, o caminho aparentemente mais fácil, será sempre bem
aceita.

Michel Foucault
Michel Foucault foi um filósofo francês que, em 1975, lançou Vigiar e punir:
Nascimento da Prisão. É um estudo sobre a evolução histórica do cárcere e da
legislação penal. Seu pensamento surge na mesma época em que a Criminologia Crítica
se desenvolvia e apresenta, com ela, bastante conexão. A obra de Foucault foi uma das
responsáveis por descobrir o pensamento de Rusche e Kirchheimer.
Saímos do suplício, rituais bárbaros e ostensivos que evocavam o poder do Monarca;
passamos, a partir do século XVIII, pela reforma pretensamente humanista, que
incorporou uma ideia de suavidade penal, com a humanização e universalização das
penas, já nas mãos de um juiz que divide seu poder com os juízes auxiliares; e
chegamos, a partir do século XIX, à universalização da pena de prisão.
Ou seja, agora relacionando com as escolas criminológicas: Foucault faz uma análise
da suposta suavização penal passando pelos momentos históricos dos suplícios, das
penas proporcionais ao delito (conectadas à Escola Clássica, direcionadas à alma)
e, por fim, da disseminação do cárcere como punição por excelência (conectada ao
pensamento positivista, como veremos, e com um regresso de direcionamento ao corpo
do homem delinquente).
Quando o emprego da prisão se dissemina, ainda que não sejam empregados castigos
violentos e sangrentos, trata-se, novamente, do corpo do condenado: da sua
utilidade, da sua docilidade, da sua submissão. Há uma tecnologia política do corpo:
uma microfísica do poder que sabe muito sobre o corpo (bem a cara do positivismo!) e
que controla suas forças. O discurso de que a nova punição é sobre a alma não consegue
mascarar que continua (ou volta) a haver, sobretudo com a disseminação da pena
privativa de liberdade, uma pesada tecnologia do poder sobre o corpo.
É que, em realidade, já na segunda metade do século XVIII, ainda na Era Clássica,
surge uma preocupação em controlar o corpo em larga escala. Não se trata de cuidar do
corpo, mas de esquadrinhá-lo detalhadamente, de exercer sobre ele uma coerção sem
folga. Essa é a ideia do corpo dócil: um corpo que se analisa, que se manipula, que se
modela, que se treina, que obedece ao adestramento. Para que isso funcione, é
necessário atentar aos detalhes: inspeções minuciosas, regulamentos detalhados e
controle das mínimas parcelas da vida e do corpo começam a ter lugar. Ganha força,
então, a ideia de poder disciplinar e de sociedade disciplinar, que vai se fortalecendo nos
séculos seguintes.
Quando fala do nascimento do poder disciplinar, Foucault não se refere
especificamente às prisões. Ele exemplifica com a vida nos quarteis, instituições
médicas, escolares e industriais. Mas ele demonstra que, com o passar do tempo, o
cárcere se revela uma importante e útil ferramenta para implementar o poder disciplinar.
Foucault faz uma distinção entre infrator (ou condenado) e delinquente. A partir do
momento em que o infrator é condenado, ele passa a ser objeto do saber sobre o corpo.
E aí, nesse processo, o aparelho penitenciário efetua uma substituição: das mãos da
justiça ele recebe um condenado (infrator), mas no lugar do condenado ele coloca o
delinquente, que é o indivíduo a ser conhecido, analisado, retreinado. O condenado ou
infrator é caracterizado pelo ato que cometeu. O delinquente, pela sua vida. A
operação penitenciária deve totalizar a vida do delinquente, tornar a prisão uma espécie
de teatro artificial e coercitivo onde toda a existência do delinquente será refeita. O
castigo da justiça ao infrator diz respeito a um ato. A técnica punitiva, a uma vida.
Por trás do infrator, revela-se o caráter delinquente, e nesse processo joga importante
papel a investigação biográfica. O infrator, que era apenas autor de um ato, se distingue
do homem delinquente, que está amarrado ao seu delito por instintos, pulsões,
tendência, temperamentos.
Quem quer que passe pelo cárcere leva consigo as marcas dessa coerção máxima
estatal consubstanciada na pena privativa de liberdade. Afinal, a prisão deixa
traços no corpo, impõe hábitos, determina comportamentos, envolve disciplina.
A disciplina é feita com o adestramento dos corpos, por meio de:
• vigilância hierárquica: redes verticais de relações de controle, em que os
controladores operam vendo tudo o que acontece. São verdadeiros observatórios da
multiplicidade humana.
• sanção normalizadora: sistema de recompensa e de punição instituído para corrigir
desvios, especialmente mediante micropenalidades baseadas no tempo (atrasos,
ausências), na atividade (desatenção, negligência), e em maneiras de ser (grosseria,
desobediência).
exame: os exames altamente ritualizados sobre os corpos são cerimônias de poder e
demonstração de força. Os corpos são analisados, as celas são revistadas e formam-
-se verdadeiros arquivos com documentos sobre detalhes e minúcias dos corpos e dos
dias. O indivíduo é mensurado, descrito, comparado e isso se constitui em renovação
constante do ritual de poder. O exame, com todas suas técnicas documentárias, faz de
cada indivíduo um caso.
O poder disciplinar, que começa centrado em locais determinados (“disciplina-bloco”
de quarteis, colégios, grandes oficinas) passa a ser transportado para todo o corpo social,
formando o que Foucault chama de sociedade disciplinar (“disciplina-mecanismo”). O
panoptismo também se espalha pela sociedade, ajudando na multiplicação das
instituições de disciplina, sobretudo quando se verifica a acumulação de capital e as
grandes explosões demográficas
(acumulação de seres humanos). Trata-se de uma tecnologia minuciosa e calculada da
sujeição de grupos populacionais, sem a necessidade de emprego da forma de poder
tradicional, ritual, dispendiosa e violenta. O controle policial permanente, exaustivo,
onipresente, produtor de inúmeros relatórios e registros é parte importante desse
fenômeno de generalização do panoptismo.
Foucault explica, ainda, que a prisão tem sido denunciada como o grande fracasso
da justiça penal. Mas ele chama atenção para o fato de essa não ser uma crítica recente,
já que ela aparece muito cedo, praticamente superposta ao próprio nascimento da
detenção punitiva.
As prisões:
• não diminuem a taxa de criminalidade;
• provocam a reincidência;
• fabricam delinquentes (porque não pensam no homem em sociedade e
porque impõem limitações violentas, funcionando abusiva e
arbitrariamente);
• favorecem a organização (solidariedade e hierarquia) de delinquentes; e
• fabricam indiretamente mais delinquentes ao fazer cair na miséria a
família do detento.

Afinal, a prisão não se destina a suprimir infrações, mas sim a distingui-las, distribuí-las
e utilizá-las. A penalidade é uma maneira de gerir as ilegalidades, de traçar
limites de tolerância, deixando algumas pessoas dentro da economia geral
das ilegalidades, e excluindo outras. Ela demarca qual a forma particular de
ilegalidade sobre a qual quer jogar luz. A delinquência (aqui usando o conceito
específico de Foucault, que contrapõe delinquente e infrator; que separa a delinquência,
como sinônimo de vida criminosa, da infração, sinônimo de ato criminal isolado) é a
ilegalidade que o sistema carcerário recortou e organizou. É o que ele chama de
ilegalidade dominada, que funciona, aliás, como um agente para a ilegalidade dos
grupos dominantes. Para que a ilegalidade dos grupos dominantes funcione e tenha
seus lucros, seja na prostituição, no tráfico de armas e de drogas, controla-se e
maneja-se a ilegalidade dos “delinquentes”. A criminalidade de necessidade (dos
pobres, dos necessitados) mascara, com os holofotes que atrai, a delinquência de
cima. A delinquência da riqueza é tolerada pelas leis, pelos tribunais e pela
imprensa.
Assim, para Foucault, se há um desafio global em torno da prisão, ele reside na
alternativa: prisão ou algo diferente da prisão?

Criminologia Crítica na América Latina


No Brasil, Roberto Lyra Filho chegou a ser citado pelo Ministro Nelson Jobim como
o mais crítico de nossos juristas críticos. Em seu livro Criminologia dialética, de 1972,
ele defendia que a Criminologia não podia andar a reboque do formalismo jurídico. A
integração da Criminologia e do direito penal precisa passar pelo reexame da filosofia
jurídica e da antropologia filosófica, para que se repense o próprio conceito de direito.
Afinal, o conceito de crime é historicamente determinado pelas manifestações
específicas da cultura e das subculturas. Por isso, traçar um novo conceito de crime é
parte dos afazeres criminológicos. A gênese das normas deve ser estudada, para que se
compreenda como o fenômeno delituoso é um capítulo da dialética de valores.
Outro nome importante para a Criminologia Crítica brasileira foi Juarez Cirino dos
Santos, professor paranaense, que fez ecoar o pensamento da Criminologia Crítica em
seu livro A Criminologia Radical, escrito entre 1979 e 1981. O autor explica que se
embasou no que ele considera a linha de frente de um movimento universal de
Criminologia Crítica, composto por Foucault; Taylor, Walton e Young; e Rusche e
Kirchheimer. Juarez Cirino mostra que a Criminologia Radical tem por objeto as
relações sociais de produção (estrutura de classes) e de reprodução político-jurídica
(superestruturas de controle) da formação social, e que as contradições de classes
vinculam o controle do crime às relações capitalistas da estrutura econômica. A
Criminologia está ligada à economia, e ambas, à política.
Ainda no Brasil, mas agora no Rio de Janeiro, Nilo Batista explica, tanto em
Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, de 1990, como em Matrizes Ibéricas do
Sistema Penal no Brasil, de
2000, que há marcante congruência entre os fins do Estado e os fins do Direito Penal, de
modo que o conhecimento das reais e concretas funções históricas, econômicas e sociais
do Estado
é fundamental para a compreensão desse ramo do direito. Nilo Batista, que foi Promotor
de Justiça e Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, escreveu
Direito Penal
Brasileiro em companhia do argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, de que falaremos mais
adiante.
Continuando no Rio de Janeiro, Vera Malaguti Batista em Difíceis Ganhos Fáceis:
Drogas e Juventude Pobre no Rio de Janeiro, de 1998, e em Introdução Crítica à
Criminologia Brasileira, de 2011, também defende que as escolas criminológicas
prévias tentavam classificar e hierarquizar, desistoricizar, despolitizar as lutas dos
pobres do mundo que são, sempre, o alvo dos sistemas penais capitalistas.

Criminologia Cultural
Em tempos mais recentes, sobretudo a partir de meados dos anos 90, surgem muitos
textos e obras sobre Criminologia Cultural. Alguns autores abordam os cultural studies
dentro da Criminologia Crítica, e por isso vou falar brevemente sobre eles.
A Criminologia Cultural é um ramo da Criminologia que se debruça sobre a
criminalização da cultura diferente, como a de grafiteiros, punks, neonazistas, roqueiros,
mendigos, prostitutas etc. Trata-se, então, de um grupo de teóricos preocupados com a
subcultura de que falava Albert Cohen, mas agora dentro de um enfoque conflitual da
sociedade.
A Criminologia Cultural tem um grande referencial teórico e metodológico no labelling
approach, mais especificamente no livro Outsiders, do Howard Becker, que, como já
explicamos, analisou os grupos de usuários de maconha e músicos de jazz.
Em resumo, a Criminologia Cultural não é uma nova teoria: ela incorpora para o mundo
contemporâneo, multicultural, uma série de orientações teóricas da Criminologia, tais
como subculturais, interacionistas, críticas, para tentar compreender a convergência de
processos culturais, criminais e de controle do crime.
A Criminologia Cultural, sem se preocupar com classificações pormenorizadas dos
grupos subculturais, parte da ideia de que o mundo é desigual e injusto, e procura
entender como o poder é exercido, como ele é resistido pelos grupos culturais, e como
se dá o mecanismo de criação de regras, de violação de regras e representação do crime.
O foco, na Criminologia Cultural, é o estilo, a linguagem, os significados simbólicos
do crime para esses grupos, e o modo empregado pelas autoridades para criminalizar
essas condutas diante da existência de múltiplos sistemas válidos de valores.

A Teoria da subcultura delinquente foi criada pelo sociólogo Albert Cohen


(Delinquent boys, 1955). Defende a ideia da existência de uma subcultura da violência, sendo
contrária à noção de ordem social. Significa dizer que alguns grupos aceitam a violência como
uma maneira de resolver conflitos no meio social, inclusive valorizando a violência. Referida
teoria é muito criticada por justamente não conseguir oferecer uma explicação generalizadora
plausível da criminalidade, havendo assim um apego exclusivo a um tipo de criminalidade.
De acordo com o interacionismo simbólico, ou simplesmente interacionismo, cuja
perspectiva é macrossociológica, deve-se indagar como se define o criminoso, e não
quem é o criminoso. ERRADO
O interacionismo se insere no modelo teórico da reação social. A ideia principal do
interacionismo é considerar que, como o ser humano interage a todo tempo, qualquer
estudo que se debruce sobre somente um dos lados da interação, é incompleto. Ou seja,
não se pode estudar o delito prescindindo do estudo das instâncias que reagem ao delito.
A Criminologia deixa de perguntar por que alguém comete um crime e passa a
perguntar como funcionam as instâncias de controle que decidem, definem que alguém
é criminoso. Nisso, o enunciado está correto. O erro está na catalogação dessa
perspectiva como macrossociológica. O labelling se insere no grupo de teorias
microssociológicas, que são aquelas que analisam os processos individuais de
socialização relacionados à criminalização. Elas estudam a integração entre o indivíduo
e a sociedade. Ou seja, elas analisam o meio social, mas o foco principal é o modo como
o indivíduo interatua nessa sociedade. Como estão mais focadas em compreender essa
interação do indivíduo com a sociedade – e não a sociedade em si como um todo –, têm
viés fortemente empírico e menor nível de abstração.

Os objetos de investigação da criminologia incluem o delito, o infrator, a vítima e o


controle social. Acerca do delito e do delinquente, assinale a opção correta.
a) Para a criminologia positivista, infrator é mera vítima inocente do sistema
econômico; culpável é a sociedade capitalista.
b) Para o marxismo, delinquente é o indivíduo pecador que optou pelo mal,
embora pudesse escolher pela observância e pelo respeito à lei.
c) Para os correcionalistas, criminoso é um ser inferior, incapaz de dirigir
livremente os seus atos: ele necessita ser compreendido e direcionado, por meio de
medidas educativas.
d) Para a criminologia clássica, criminoso é um ser atávico, escravo de sua carga
hereditária, nascido criminoso e prisioneiro de sua própria patologia.
e) A criminologia e o direito penal utilizam os mesmos elementos para conceituar
crime: ação típica, ilícita e culpável.

Os correcionalistas veem o criminoso como um ser inferior, incapaz de dirigir


livremente os seus atos, e que necessita ser compreendido e direcionado, por meio de
medidas educativas.
O delinquente não é capaz de dirigir a sua vida, sendo necessária a intervenção do
Estado, que deve adotar postura pedagógica e de piedade.
Na letra A, o correto seria Criminologia Crítica ou Marxismo em vez de Criminologia
Positivista.
Na letra B, o correto seria Criminologia Clássica em lugar de Marxismo.
Na letra D, o correto seria Criminologia Positivista em lugar de Clássica.
E na letra E, ação típica, ilícita e culpável são elementos do crime para o Direito Penal,
mas não para a Criminologia. Incidência aflitiva e massiva, persistência espaço-
temporal e inequívoco consenso da população sobre a necessidade e efetividade de
tipificar a conduta são elementos que definem um crime para a Criminologia.

Para a teoria da reação social, o delinquente é fruto de uma construção social, e a


causa dos delitos é a própria lei; segundo essa teoria, o próprio sistema e sua
reação às condutas desviantes, por meio do exercício de controle social, definem o
que se entende por criminalidade. CORRETO
Para a teoria da reação social, ou “labelling approach”, não se pode compreender o
crime prescindindo do entendimento da própria reação social. Por isso se diz que um
dos postulados da teoria é o interacionismo, ou interacionismo simbólico, ou
construtivismo social. A desviação não é uma qualidade intrínseca da conduta, mas um
atributo que lhe é conferido pelas instâncias de controle social formal. É decisivo, então,
para compreender o crime, entender como funcionam os mecanismos de controle social
que atribuem o status de delinquente a alguém.

O paradigma da reação social


a) surgiu na Europa a partir do enfoque do interacionismo simbólico.
b) afirma que os grupos sociais criam o desvio, o qual é uma qualidade do ato
infracional cometido pela pessoa.
c) indica que é mais apropriado falar em criminalização e criminalizado que falar
em criminalidade e criminoso.
d) afirma que a criminalidade tem natureza ontológica.
e) pode ser chamado, também, de labbeling approach, etiquetamento ou
paradigma etiológico.

Surgido nos Estados Unidos, o paradigma da reação social começa a abandonar os


questionamentos etiológicos (estudo das causas do cometimento de crimes). Também
conhecido por “Labelling Approach” ou Teoria do Etiquetamento, tenta se distanciar da
nomenclatura crime-criminoso, substituindo o enfoque dos estudos. Ao enfocar os
processos de criminalização, procura entender por que a alguém é satisfatoriamente
atribuído um rótulo estigmatizante, ou seja, porque algumas condutas e pessoas são
selecionadas pelos mecanismos de reação social – são criminalizadas – e outras não.

Na visão do marxismo, a responsabilidade pelo crime recai sobre a sociedade,


tornando o infrator vítima do determinismo social e econômico. CORRETO
A Criminologia Crítica, derivada das ideias de Marx, produz, em certa medida, um
retorno ao determinismo, mas agora não um determinismo biológico, como dos
positivistas. Trata-se de um determinismo econômico-social, que deriva do modo de
produção desigual do capitalismo.
Aqui, no entanto, costuma-se dizer que não há um determinismo tão rígido como aquele
do século XIX, pois compreende-se que nem todos os marginalizados sociais cairão na
engrenagem penal.

Sobre o labelling approach e sua influência sobre o pensamento criminológico do


século XX, constata-se que
a) a criminalidade se revela como o processo de anteposição entre ação e reação
social.
b) recebeu influência decisiva de correntes de origem fenomenológica, tais como o
interacionismo simbólico e o behaviorismo.
c) o sistema penal é entendido como um processo articulado e dinâmico de
criminalização.
d) parte dos conceitos de conduta desviada e reação social como termos
independentes para determinar que o desvio e a criminalidade não são uma
qualidade intrínseca da conduta.
e) no processo de criminalização seletiva o funcionamento das agências formais de
controle mostra-se autossuficiente e autorregulado.

O Labelling Approach, Teoria da Reação Social ou do Etiquetamento, reconhece o


caráter constitutivo do controle social formal, considerado instrumento seletivo e
discriminatório. Assim o sistema penal cria a criminalidade, que não existe
ontologicamente (por si própria). O sistema penal não é um conjunto de leis penais, mas
sim um processo dinâmico e articulado de criminalização.
Na letra A, a criminalidade não se antepõe à ação e à reação social, mas delas decorre.
Na letra B, o Labelling recebeu influência do interacionismo simbólico, que possui
ligações com a fenomenologia (estudo descritivo dos fenômenos, de tudo o que se pode
observar na natureza a partir dos sentidos individuais) social. Mas ele não recebeu
influência decisiva do
Behaviorismo, teoria e método de investigação psicológica que procura examinar de
modo mais objetivo o comportamento humano e dos animais, com ênfase nos fatos
objetivos (estímulos e reações), sem fazer recurso à introspecção.
Na letra D, os conceitos de conduta desviada e reação social não são independentes, já
que, para o Labelling, é a reação que cria o desvio.
Na letra E, a investigação das agências formais de controle não pode considerá-las como
agências isoladas umas das outras, autossuficientes e autorreguladas. Requer, ao
contrário, uma análise integrada, que permita apreender o funcionamento do sistema de
criminalização como um todo.

A criminologia da reação social


a) concentra seus estudos nos processos de criminalização.
b) corresponde a uma teoria do consenso.
c) explica o comportamento criminoso como fruto de um aprendizado.
d) identificou as subculturas delinquentes.
e) explica a existência do homem criminoso pelo atavismo.
O Labelling Approach, ou Teoria da Reação Social, reconhece o caráter constitutivo do
controle social formal, considerado instrumento seletivo e discriminatório. Deixa de
questionar por que um indivíduo comete crimes, e passa a indagar a razão de certa
conduta ser etiquetada com o rótulo de desviada. Nesse questionamento, as agências de
controle social e os processos de criminalização que realizam adquirem enorme
importância e passam a ser estudados criteriosamente.
O crime não existe por si só, ontologicamente. O crime deriva desse processo de
criminalização, que nada mais é do que a atribuição da etiqueta de criminoso a certas
pessoas realizada cotidianamente pelas instâncias de controle social formal. Se hoje é
comum que haja capítulos sobre a Polícia, o Ministério Público, as instituições
prisionais, o sistema judiciário nos livros e manuais de Criminologia, isso, em grande
parte, deve-se ao paradigma inaugurado pelo Labelling Approach, que tanto valor
atribuiu aos respectivos papéis na constituição do delito.
Na letra B, a Teoria da Reação Social insere no grupo de teorias do conflito, e não do
consenso.
Na letra C, a principal teoria que explica o comportamento criminoso como fruto de
aprendizado foi a Teoria da Associação Diferencial, de Sutherland.
A letra D refere-se à Teoria da Subcultura Delinquente de Albert Cohen. Na letra E,
coube ao Positivismo, e mais especificamente a Lombroso, a explicação da existência
do homem criminoso pelo atavismo.

Os principais postulados do labelling approach são o interacionismo simbólico e


construtivismo social; a introspecção simpatizante como técnica de aproximação
da realidade criminal para compreendê-la a partir do mundo do desviado e captar
o verdadeiro sentido que ele atribui a sua conduta; a natureza “definitorial” do
delito; o caráter constitutivo do controle social; a seletividade e
discriminatoriedade do controle social; o efeito criminógeno da pena e o
paradigma do controle. CORRETO

Todos os postulados enunciados se enquadram no labelling approach:


1- Interacionismo simbólico e construtivismo social (o saber criminológico passa
necessariamente pelo conhecimento de todas as partes envolvidas no processo de
interação social e o conceito que um indivíduo tem de si mesmo, de sua sociedade e da
situação que nela representa – como ele se constrói socialmente e como simboliza essas
interações –, é ponto importante do significado genuíno da conduta criminal);
2- Introspecção simpatizante como técnica de aproximação da realidade criminal
para compreendê-la a partir do mundo do desviado e captar o verdadeiro sentido que ele
atribui a sua conduta (os teóricos do labelling defendem que é necessário tentar ver o
mundo com os olhos do desviado);
3- Natureza “definitorial” do delito (o caráter delitivo de uma conduta e de seu
autor não é ontológico, ou seja, não existe isoladamente, mas depende de certos
processos sociais de definição, que lhe atribuem tal caráter, e de seleção, que etiquetam
o autor como delinquente);
4- Caráter constitutivo do controle social (a criminalidade é criada,
constituída, pelo controle social, que seleciona condutas e etiqueta seus autores);
5- Seletividade e discriminatoriedade do controle social (o controle social é
altamente discriminatório e seletivo, pois seleciona sua clientela sempre dos mesmos
estratos e grupos sociais);
6- Efeito criminógeno da pena (a pena potencializa e perpetua a desviação,
consolidando o desviado em um status de delinquente, gerando estereótipos e etiologias
que se supõe que pretende evitar. O condenado assume uma nova imagem de si mesmo,
redefinindo sua personalidade em torno do papel de desviado, desencadeando-se a
denominada desviação secundária);
7- Paradigma de controle (a criminologia passa a se dedicar ao estudo das
instâncias de controle social formal, isto é, do processo de definição e seleção que
atribui a etiqueta de delinquente a um indivíduo).

Os modelos sociológicos contribuíram decisivamente para um conhecimento


realista do problema criminal demonstrando a pluralidade de fatores que com ele
interagem. Leia as afirmativas a seguir, e marque a alternativa INCORRETA:
a) As teorias conflituais partem da premissa de que o conflito expressa uma
realidade patológica da sociedade sendo nocivo para ela na medida em que afeta o
seu desenvolvimento e estabilidade.
b) As teorias ecológicas partem da premissa de que a cidade produz delinquência,
valendo-se dos conceitos de desorganização e contágio social inerentes aos
modernos núcleos urbanos.
c) As teorias subculturais sustentam a existência de uma sociedade pluralista com
diversos sistemas de valores divergentes em torno dos quais se organizam outros
tantos grupos desviados.
d) As teorias estrutural-funcionalistas consideram a normalidade e a
funcionalidade do crime na ordem social, menosprezando o componente
biopsicopatológico no diagnóstico do problema criminal.
e) As teorias de aprendizagem social sustentam que o comportamento delituoso se
aprende do mesmo modo que o indivíduo aprende também outras atividades lícitas
em sua interação com pessoas e grupos.
As teorias conflituais não falam de patologia. Elas partem do pressuposto de que há
força e coerção na sociedade. Somente existe ordem porque há dominação de uns e
sujeição de outros.
A sociedade está sempre sujeita a processos de mudança e cada elemento da sociedade
contribui, de certa forma, para sua desintegração. Para essas teorias o crime faz parte da
luta pelo poder.

A criminologia crítica é elaborada com base em uma interpretação da realidade


realizada a partir de um ponto de vista marxista. Trata-se de uma proposta
política que considera que o sistema penal é ilegítimo, e seu objetivo é a
desconstrução desse sistema. CORRETO

Também chamada de Nova Criminologia ou Criminologia Radical, as teorias de


Criminologia Crítica nascem com forte apelo às ideias de Karl Marx. Para os autores
críticos, há relação direta entre o modo de produção capitalista e o funcionamento dos
modos punitivos. Não se trata mais de descobrir as razões da delinquência ou de lutar
contra o crime, mas sim de abolir as desigualdades sociais para equacionar o fenômeno
delitivo. O sistema legal é um instrumento a serviço da classe dominante para oprimir a
classe trabalhadora. Em virtude da descrença no papel desempenhado pelas instâncias
de controle social formal, que são seletivas, discriminatórias e estigmatizantes, possuem
um postulado abolicionista, ou seja, de desconstrução do sistema penal.

Sobre o sistema penal e a reprodução da realidade social, segundo Alessandro


Baratta, é CORRETO afirmar:
a) A cada sucessiva recomendação do menor às instâncias oficiais de assistência e
de controle social corresponde uma diminuição das chances desse menor ser
selecionado para uma “carreira criminosa”.
b) A homogeneidade do sistema escolar e do sistema penal corresponde ao fato de
que realizam, essencialmente, a mesma função de reprodução das relações sociais e
de manutenção da estrutura vertical da sociedade.
c) A teoria das carreiras desviantes, segundo a qual o recrutamento dos
“criminosos” se dá nas zonas sociais mais débeis, não é confirmada quando se
analisa a população carcerária.
d) O suficiente conhecimento e a capacidade de penetração no mundo do acusado
por parte do juiz e das partes no processo criminal são favoráveis aos indivíduos
provenientes dos estratos econômicos inferiores da população.
Para Baratta, o sistema escolar – assim como o sistema penal – ajuda a refletir a
estrutura vertical e hierarquizada da sociedade. Há homogeneidade entre eles, porque
operam de maneira similar. As sanções escolares negativas, tais como repetição de anos,
notas baixas em provas, expulsões etc. são muito maiores quando se desce aos níveis
inferiores da escala social. Começa-se a perceber que as técnicas de seleção baseadas
em testes de coeficientes de inteligência ou no conceito de mérito não são neutras.
Afinal, os alunos provenientes de classes mais baixas têm enorme dificuldade de se
adaptarem ao mundo escolar, que é estranho a eles, em função, por exemplo, do uso de
regras de comportamento e linguagem bastante diferentes das normas de seus grupos de
origem. E aí, diante dessas dificuldades, advêm sanções negativas que refletem o quanto
a escola é um instrumento de transmissão da cultura dominante.

Vários estudos indicam que a população carcerária brasileira é formada


essencialmente por jovens pretos e pardos, com baixa escolaridade e processados
por delitos patrimoniais e relacionados ao tráfico de drogas.
Parte da criminologia analisa essa dinâmica através das noções:
a) microssociológicas e macrossociológicas da ideologia da defesa social, propostas
pelas teorias conflituais;
b) de criminalização primária, criminalização secundária e seletividade do sistema
penal, propostas pelo paradigma etiológico;
c) de desigualdade e estrutura social, propostas pelo modelo do consenso;
d) de subculturas criminais e adequação social, propostas pelo paradigma da
reação social;
e) de criminalização primária, criminalização secundária e seletividade do sistema
penal, propostas pela criminologia crítica.

Para a Criminologia Crítica, a criminalização primária é o ato de aprovar ou sancionar


uma lei penal que tipifica condutas. A criminalização secundária é a ação punitiva
exercida pelo sistema de justiça criminal sobre pessoas concretas: é a aplicação da pena.
Ambas refletem o universo moral próprio da cultura burguesa individualista. Os crimes
dos poderosos – como os crimes do colarinho branco – tendem a ficar impunes até
mesmo em razão da fragmentariedade do Direito Penal, que não é neutro. O Direito
Penal atua seletivamente, escolhendo, com base em estereótipos, os fatos que serão
rotulados como criminosos.

Q4ESTA6 31

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