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A MENSAGEM
SUFI-II
A Saúde
Confissões
O Morto Vivo
UNIVERSALISMO
Sumário
O MOVIMENTO SUFI
Objetivos do Sufi
O Mensageiro
Que é um Sufi
O Emblema Sufi
A Tradição do Sufismo
Mensagem Sufi
Máximas Sufis
Característicos do Sufi
Pensamentos do Sufi
A SAÚDE
CONFISSÕES
O MORTO VIVO
O Movimento Sufi
Que é um Sufi? – É aquele que não se separa dos outros pela opinião ou dogma,
e que percebe ser o coração como o Sacrário de Deus.
Que deseja ele? – Remover o falso eu, e descobrir dentro dele Deus.
O Movimento Sufi não interfere no ideal de ninguém nem na devoção que cada
um tem ao seu Mestre. Seria isso um absurdo tão grande como se pensássemos
que uma criança pode amar mais a mãe de uma outra criança do que a sua
própria mãe. Tem alguém o direito de comparar e colocar em determinado lugar
os grandes Mestres ou as Escrituras? Ninguém. Onde podemos colocar o nosso
ideal é na devoção de nosso coração ao ideal que adoramos e isso é assunto
que só a nós diz respeito. Ninguém pode interferir.
Certa vez algumas meninas brincavam e diziam: “Minha mãe é a melhor das
mães”, ao que outras retrucavam: “Não, a minha mãe é a melhor”. Todas
apresentavam argumentos, mas uma delas, que tinha mais sabedoria do que as
outras, disse: “Não é nada disso, o que é adorável é a mãe, seja ela a sua mãe
ou a minha mãe”.
Interfere o Movimento Sufi na devoção das pessoas aos seus Mestres? Nunca,
mas convida as almas a ver que a fonte e a meta de todas as sabedorias é uma
só, e que todas as bênçãos que as almas almejam vêm da mesma fonte, pois a
verdade é que existe uma só e única fonte.
As preces Sufi “Saum” e “Salat” não são preces feitas pelo homem. São preces
enviadas do Alto, foram transmitidas da mesma forma que, em cada período de
reconstrução espiritual da humanidade, foram transmitidas as demais preces.
Essas preces têm poder e trazem bênçãos, especialmente para aqueles que
crêem.
A Mensagem de Deus tem sido enviada à terra aonde quer que o clamor da
humanidade chegue a um certo ponto, e tem sido outorgada numa forma
apropriada às necessidades do tempo; mas, em essência, é a mesma
eternamente. “Deus fala a seus filhos através dos lábios do homem”. Seus
Mensageiros Divinos têm sido muitos, e incluem Rama, que trouxe a Mensagem
da Sabedoria; Buda, com a Mensagem da Compaixão; Zoroastro deu a
Mensagem da Pureza; Moisés, a Mensagem da Lei; Cristo foi portador da
Mensagem do Sacrifício de Si Mesmo, e Maomé deu a Mensagem da Unidade.
O Movimento Sufi tem crescido rapidamente durante os últimos anos, sendo hoje
uma organização internacional com a sua sede em Genebra.
Máximas Sufis
Espiritualidade quer dizer coração afinado; não podemos obtê-la nem por estudo
nem por devoção.
Aprender a lição de como viver é mais importante do que todo e qualquer treino
psíquico, ou de ocultismo.
O que nos faz felizes, ou infelizes, não é a nossa situação na vida, mas a nossa
atitude para com a vida.
Para uma alma vigilante, o Dia do Juízo não vem depois da morte, mas hoje
mesmo.
A alma iluminada encontra seu caminho nas trevas, tanto no interior como fora
de si mesma.
A Alma chega a um estado de realização onde a Vida toda se torna uma visão
sublime da Imanência de Deus.
Na verdade, aquele que busca o mundo herdará o mundo, mas a alma que
procura Deus alcançará a Presença de Deus.
5. Existe uma lei, a lei da reciprocidade, que pode ser observada por uma
consciência sem egoísmo conjuntamente com um senso de vigilante justiça.
I
A doença é uma desarmonia, desarmonia física ou desarmonia mental, atuando
uma sobre a outra. Qual é a causa da desarmonia? A falta de tom e de ritmo.
Como pode ser isso interpretado na terminologia física? O tom é o “prana”, a
vida, a energia; o ritmo é a circulação, a regularidade, regularidade nas
pulsações da cabeça, do pulso e na circulação do sangue pelas veias. Em
sentido físico, a falta de circulação quer dizer congestão e falta de “prana” ou
vida, ou energia significa fraqueza. Essas duas coisas atraem moléstias e são
as causas das moléstias. Em sentido mental, ritmo é a ação da mente, quer
esteja a mente ativa com pensamentos harmônicos ou com pensamentos
desarmônicos, quer esteja a mente forte, firme e estável ou esteja fraca.
É coisa comprovada pelos cientistas de todos os tempos que cada elemento atrai
o mesmo elemento. Assim, é natural que doença atraia doença. Em poucas
palavras, desarmonia atrai desarmonia, enquanto que harmonia atrai harmonia.
É comum vermos em nossa vida cotidiana uma pessoa que não está sentindo
nada, apenas está fisicamente fraca, ou cuja vida não está regular, ser sempre
suscetível de apanhar moléstias. Vemos também uma pessoa que tem
constantemente idéias desarmônicas sentir-se muito facilmente ofendida, não
demorar muito em ficar ofendida e uma pequena coisa e outra acolá fá-la irritada,
porque a irritação já está com ela, precisa justamente de um pequeno toque para
transformar-se em uma irritação mais profunda.
II
A desordem no tom e a irregularidade no ritmo são as principais causas de toda
moléstia. A explicação dessa desordem do tom é que há um determinado tom
em que a vida está vibrando através de todo o corpo, através de cada canal do
corpo, e esse tom é um tom particular, continuamente vibrante, em cada pessoa.
Quando os místicos dizem que toda pessoa tem a sua nota não se referem à
nota do piano, é a nota que se processa como um tom, como um respirar. Mas,
se uma pessoa não toma o devido cuidado consigo mesma e se deixa influenciar
por qualquer vento que sopre, vive, como a água no mar, para cima e para baixo,
perturbada pelo ar.
O estado normal do homem é quando usa a sua capacidade de manter-se firme
através do temor, da alegria e da ansiedade e não se deixa arrastar de um lado
para outro como um farrapo de papel, a cada sopro de vento. Deve resistir a tudo
e ficar firme, de pé, no meio de todas essas influências.
Pode alguém argumentar: “Não está a água sujeita a influências tanto quanto o
rochedo?” O homem não foi feito para ser um rochedo, nem água. Tem tudo em
si, é o fruto de toda a criação, deve estar sempre apto a mostrar sua evolução
mantendo seu equilíbrio.
São poucos os que sabem que não é o prazer nem o fazer-se alegre que
redundará em saúde! Ao contrário, a vida de clubes, como é hoje conhecida, dá
prazer num dia mas nos torna enfermos com o passar dos tempos, porque não
nos pode dar o equilíbrio necessário.
Quando alguém se torna sensível a cada pequena coisa com que se depara na
vida, muda a nota do seu tom. Soa uma outra nota, com a qual não está o seu
corpo acostumado e isso causa toda sorte de moléstia. Desespero excessivo e
excessiva alegria, todas as coisas em excesso devem ser evitadas. Há naturezas
que sempre buscam os extremos, precisam ter uma alegria, um divertimento, em
tal excesso que acabam se sentindo cansadas ou têm um colapso de tristeza e
desespero. Entre essas pessoas é que vamos encontrar os continuamente
sujeitos a doenças.
Quando chegamos à parte mental do nosso ser, tal mecanismo é ainda mais
delicado que o nosso corpo. Há também um tom, cada ser tem um tom diferente
de acordo com a sua evolução. Cada um de nós se sente em boa saúde quando
estamos vibrando a nossa própria nota, mas se essa nota não se ajusta ao nosso
próprio tom, sentimos logo falta de conforto, vindo-nos daí toda sorte de moléstia.
Era costume nos tempos antigos em lugar de usarem um órgão nas igrejas,
usarem um tom em que se afinavam quatro ou cinco pessoas, de lábios
fechados, entoando-o conjuntamente. Foi grande a minha impressão quando
ouvi esse tom novamente, quando vim da Índia à Rússia, numa das suas igrejas.
O segredo de manter continuamente o toque de sino que as igrejas vêm
mantendo em todos os tempos, e ainda hoje existe, é que o sino não é apenas
para chamar ao templo o povo, é também para afiná-lo no respectivo tom, para
sugestionar que “Existe um tom latente em vós, afinai-vos com ele”. Se essa
afinação não for feita e a pessoa se livra da moléstia, permanecerá ainda a
fraqueza. Uma cura exterior não é cura se a pessoa não está curada
mentalmente. Se o espírito não está curado, a marca da moléstia permanece
nele e o ritmo da mente se quebra.
Quando a mente de uma pessoa marcha numa velocidade mais rápida ou numa
velocidade mais lenta do que deve ser, ou se segue um pensamento atrás do
outro e continua pensando em mil coisas em cinco minutos, embora se trate de
um intelectual, não pode manter-se em condições normais. Quando uma pessoa
se apodera de um pensamento e fixa-se nele, ao invés de fazer progressos
apega-se à depressão, aos temores, aos desapontamentos e isso a faz enferma.
A irregularidade do ritmo da mente é a causa da desordem mental. Isso não quer
dizer que o ritmo da mente de uma pessoa deve ser igual ao de outra, não, o
ritmo de cada pessoa é peculiar a ela mesma.
As moléstias mentais são mais sutis do que as físicas e conquanto não tenham
sido as doenças mentais até agora inteiramente descobertas, quando o forem
vamos ver que todas as enfermidades externas têm conexão com as moléstias
mentais. A mente e o corpo estão ambos face-a-face. O corpo reflete sua ordem
ou desordem sobre a mente, refletindo a mente, ao mesmo tempo, sua harmonia
ou desarmonia sobre o corpo. Por este motivo é que vemos muitas pessoas
enfermas exteriormente sofrendo também de alguma doença da mente e muito
raramente acharemos um caso em que uma pessoa esteja mentalmente
enferma e fisicamente em boas condições.
III
Movimento é vida e quietude é morte. No movimento está a significação da vida
e na quietude vemos o sinal da morte.
A morte é uma transformação, que vem porque o corpo tornou-se inapto para
sustentar o que chamamos alma. O corpo tem uma certa soma de magnetismo,
que é o sinal de seu perfeito equilíbrio instável. Quando, por causa de moléstia,
perde o corpo subitamente ou gradualmente esse magnetismo, pela força do
qual sustenta a alma, perde ele, por assim dizer, irremediavelmente, suas garras
sobre aquilo que estava sustentando: a alma. Esta perda de garras é conhecida
com o nome de morte.
Pode alguém, de aguda observação, imaginar que exista alguém, além dele
mesmo, que seja capaz de saber a respeito da sua pessoa tanto quanto pode
ele mesmo saber, se quiser? É isso um defeito? Não, é um hábito. É uma espécie
de negligência da parte das pessoas não pensar no seu próprio estado e precisar
que o médico lhes diga como vão de saúde. O sofrimento está na própria pessoa,
esta pode ser o melhor juiz da sua vida. É a pessoa mesma que pode descobrir
a causa atrás da sua moléstia, porque melhor conhece a sua própria vida.
Inúmeras pessoas vivendo assim, na ignorância das suas próprias condições de
vida, ficam na dependência de alguém que tenha estudado a ciência lá por fora.
O próprio médico não pode socorrer convenientemente a pessoa se esta não
souber claramente qual o seu estado. O conhecimento exato que a própria
pessoa tenha da sua moléstia é que a torna capaz de dar ao médico uma idéia
correta.
Podemos perguntar: “Vale a pena estar vivo? Por que não devemos dar cabo
desta vida? Que vale ela afinal de contas?” Mas isso é uma idéia anormal, uma
pessoa de corpo e alma normais não pensará de tal maneira. Quando essa idéia
cresce, chega até à loucura, levando muita gente a se suicidar. A aspiração
natural de cada alma é desejar viver, desejar uma vida em perfeita saúde, fazer
o melhor da sua vinda a este mundo.
Nem Deus nem a pessoa têm prazer com o desejo de morte, porque a morte não
pertence à pessoa. É uma espécie de agitação, uma revolta que sobe ao
pensamento de alguém, que dirá então: “Prefiro a morte à vida”. Ter desejo de
viver e no entanto viver uma vida de sofrimento, não é também uma coisa
prudente. Se a sabedoria vale alguma coisa, não devemos poupar esforço algum
para chegar a um regular estado de saúde.
IV
Nos tempos antigos, pensava o povo que toda moléstia era causada por um
espírito de moléstia. Havia um espírito conhecido para cada espécie de moléstia
e acreditava-se que aquele particular espírito trazia aquela determinada
moléstia. Os curandeiros faziam tentativas para curar cada paciente que lhes
chegava com uma doença e obtinham sucesso em fazer com que ficassem bons.
Hoje, esse espírito de moléstia assumiu uma feição material, pois os médicos
agora declaram que toda enfermidade tem um germe, um micróbio. Dia a dia,
um micróbio novo é descoberto através de uma nova invenção e se todo dia um
novo micróbio for descoberto, até o fim do mundo inúmeros micróbios serão
descobertos e haverá inúmeras enfermidades. Afinal será difícil achar um
homem são, porque deve haver algum micróbio, se não de uma velha moléstia,
de uma doença recentemente descoberta.
Que é a vida? Cada átomo dela está vivendo, chamem esse átomo de rádium,
eléctron, ou um germe, um micróbio. Os povos antigos pensavam que se tratava
de espíritos, de seres vivos, já que desconheciam a ciência que hoje distingue
esses espíritos na forma de micróbios. Entretanto, parece que os antigos
curandeiros tinham um maior poder de apreensão sobre as moléstias, porque
não viam somente o micróbio exterior, mas o micróbio no seu próprio espírito.
Destruindo o micróbio, não destruíam somente o micróbio exterior, mas o
micróbio na forma do espírito, do germe, e o mais interessante é que, a fim de
expulsar aquele espírito que eles pensavam ter se apossado do doente,
queimavam ou punham diante dele certas drogas, que ainda hoje provam poder
destruir os germes de moléstias.
São muito poucos os que podem sustentar um pensamento. Muitos, porém, são
sustentados por um pensamento. Se tal coisa tão simples como seja sustentar
um pensamento fosse comandada, a vida toda seria comandada.
Uma vez que a pessoa mete na cabeça o pensamento “eu estou doente” e o vê
confirmado pelo médico, então, sua crença é regada à semelhança de uma
planta: seu refletir constante nisso, caindo sobre sua doença como o sol, faz com
que a planta cresça. Não seria, pois, exagero dizer-se que, consciente ou
inconscientemente, o enfermo é o jardineiro de sua própria doença.
“Não é iludir a si mesmo negar os fatos?” Não é iludir-se mais do que já se está
iludido. Os próprios fatos são ilusões. Elevar-se acima dessa ilusão é tornar-se
a pessoa capaz de tocar a realidade. Enquanto o cérebro estiver encharcado
com os fatos, estará mais e mais absorvido, cada dia mais, no labirinto da vida,
tornando a vida mais confusa do que nunca para o homem.
V
Pelo que acabamos de dizer não se compreenda que o fato dos germes existirem
deve ser de todo ignorado, porque não é possível ignorar alguma coisa que se
vê. Além disso, não se entenda que a descoberta de micróbios não tem sido útil
aos médicos, que podem assim melhor atender seus doentes. Mas, ao mesmo
tempo, pode alguém se tornar demasiado sensível para com os germes, pode
exagerar a idéia de germes, fazendo a idéia maior do que a realidade. Uma
coisa, porém, se nota: há pessoas suscetíveis a apanhar esses germes, a se
tornarem suas vítimas, e outras pessoas os assimilam e assim os destroem. Em
outras palavras, uma pessoa é destruída pelos germes e há outras que destroem
os germes.
Lembro-me que fui ver uma enferma que sofria de uma doença havia mais de
vinte anos e tinha perdido toda esperança de melhorar. Vários médicos haviam
sido consultados, muitos e diferentes tratamentos haviam sido experimentados.
Uma simples coisa disse-lhe eu que fizesse. Não lhe ensinei nenhuma prática
especial mas apenas uma pequena coisa simples para fazer pela manhã e à
noite. Com grande surpresa dos parentes, começou ela a mover as mãos e as
pernas, o que se pensava a princípio ser impossível, e isso lhes deu uma grande
esperança, pois jamais pensaram que uma doente que havia estado sempre na
cama pudesse fazer aquilo. Para a enferma foi também uma grande surpresa.
Poucos dias depois fui vê-la e perguntei aos que a cercavam: “Como vai
passando a enferma?” Responderam: “Vai melhorando muito. Nunca teríamos
pensado que esta pessoa viesse a mover as mãos e as pernas, é a coisa mais
admirável. Não podemos, porém, fazê-la acreditar agora, depois de vinte anos
de sofrimento, que ficará boa. Esta moléstia deixou sobre ela uma impressão tal
que julga ser uma coisa natural para ela e que ficar boa é um sonho, uma
irrealidade”. Isto me deu a idéia de que, vivendo uma pessoa num determinado
estado, após um longo tempo esse estado se torna seu amigo,
inconscientemente. Ela não sabe disso, pode pensar que precisa sair desse
estado, mas há alguma parte do seu ser que está mantendo sua enfermidade
precisamente a mesma.
VI
A ciência médica tem avançado nos tempos modernos e, assim, os diferentes
males e moléstias são melhor classificados. A cada moléstia singular dá-se um
certo nome e, desta maneira, mesmo se a pessoa sente um pequeno mal-estar,
depois do exame pelo médico se lhe diz o nome da moléstia que tem. Pode a
moléstia ser do tamanho de um torrão de areia, faz-se dela uma montanha. Não
há maior infortúnio do que ouvir de um médico que apanhamos uma doença
perigosa cujo nome é apavorante. Que acontece então? Tal nome sendo
impresso no coração do homem, cria o mesmo elemento, e por fim vê o homem
na verdade alguma coisa do que lhe disse o médico. Assim, se isto na verdade
acontece, a impressão que as palavras de uma cartomante causa sobre uma
pessoa, em muitos casos, faz com que se realize a sua predição. A cartomante
nem sempre é uma santa, nem sempre é uma clarividente, que vê o que diz ter
visto, pode ser apenas uma pessoa imaginativa. Disse algo e causou uma
impressão no consulente e este acaba imaginando que a coisa se verificou.
Assim, podemos avaliar a impressão que pode causar um médico, que é
autorizado pelas autoridades médicas, e no qual todos depositam imediatamente
grande confiança, mesmo que esteja ele enganado no achar a verdadeira
moléstia, porque dificilmente, numa centena de médicos, há um que tenha a
força de penetrar na verdadeira natureza e caráter de uma doença. Depois de
ver uma centena de enfermos é que ele pode, acerca de um, dizer corretamente
a natureza e caráter da sua enfermidade. Que grande perigo existe, pois, em
alguém ficar impressionado a respeito de sua doença no começo do seu mal por
uma observação, certa ou errada, feita pelo médico! Entre os antigos somente
os médicos sabiam os nomes das moléstias. Não era permitido ao facultativo
dizer ao paciente qual a doença que tinha, porque, de um ponto de vista
psicológico, estaria fazendo mal. Não se tratava apenas de uma ciência médica,
havia, ligada a isso, uma idéia psicológica.
Quando volvemos a vista para o mundo cirúrgico, notamos que, sem dúvida,
maravilhosas operações estão sendo feitas e que a humanidade tem recebido
extraordinário auxílio mediante operações cirúrgicas. Entretanto, isto ainda é
experimental e mais de um século, talvez, será preciso para que amadureça a
cirurgia. Está agora justamente na infância. O primeiro impulso de um cirurgião
é olhar um caso de um só ponto de vista e pensar que o caso pode ser resolvido
pela cirurgia. Não tem ele outra idéia na mente, não perde tempo em pensar que
possa existir uma outra possibilidade. Se é um cirurgião sábio emite palavras de
confiança, ainda que saiba que a operação é uma experiência. Está lidando com
um ser humano, não com um pedaço de madeira ou uma pedra, que podem ser
cortados e sobre eles algo pode ser gravado. É uma pessoa de sentimento, é
uma alma que está experimentando a vida através de todos os seus átomos,
uma alma que não é feita para o bisturi. O paciente tem de passar por esta
experiência, temendo a morte, preferindo a vida à morte. Muitas vezes o que
acontece é que o que era considerado errado antes da operação, depois da
operação não é mais julgado assim. Sem dúvida alguma coisa prejudicial pode
ocorrer porque a operação foi executada. Uma operação não é algo que se finda
com ela, é alguma coisa que age sobre os nervos e depois sobre o espírito do
homem e daí uma reação sobre a vida do indivíduo. Não é comum ver-se que,
depois de uma operação, toda a vida de uma pessoa ficou marcada por ela?
Deixou uma certa pressão sobre os nervos, uma certa perturbação no espírito.
Os cuidados do cirurgião continuam somente até que o paciente esteja bem,
aparentemente bem. Que dizer, porém, do efeito posterior a isso no espírito da
pessoa, na sua mente, a reação sobre a sua vida? O operador não o sabe, não
é assunto de sua alçada.
Cura significa uma cura completa por dentro e por fora. Com isto não se quer
dizer que a cirurgia não tenha um lugar no esquema da vida: é a parte mais
importante do campo médico mas, se possível, deve ser evitada quando puder
sê-lo, não se deve correr para ela levianamente. Uma pessoa moça, com força
e energia, pensa: “Uma operação? Eu posso me submeter a ela” mas, uma vez
feita, fica uma impressão por toda a vida.
1. Foi, de fato, Avicena (Ibn-Sina) um grande médico e filósofo árabe, que viveu de 980 a 1037
da era cristã, cognominado, ao fim de sua vida, o “Príncipe dos médicos”. Escreveu, entre outras
obras, o “Canon da Medicina” e “Ach Chafa, uma enciclopédia das ciências filosóficas. A sua
filosofia era uma mistura da peripatética e de teorias orientais. É considerado pelos historiadores
uma das figuras mais notáveis do Oriente, pela extensão dos seus conhecimentos e atividades
do seu espírito. (N. do T.)
VII
A causa da maioria dos casos de moléstia física ou mental é o esgotamento
nervoso. Nem todos sabem até que ponto se deve usar a força nervosa na vida
cotidiana e até que ponto se deve controlá-la. Muitas vezes uma pessoa boa,
gentil, amável, afetuosa gasta sua energia em atender a solicitações de todos os
lados e, assim, continuamente dando energia, acaba com os nervos perturbados
e enfraquecidos. A mesma pessoa que antes era gentil, delicada e polida, acaba
não conseguindo mais manter sua delicadeza porque, uma vez esgotadas as
suas reservas de energia, não lhe resta mais nenhum controle, nenhuma força
de resignação, nenhuma paciência para aceitar e enfrentar as coisas com
facilidade. Fica então irritável, perturbada, cansada e desgostosa com as coisas,
essa mesma pessoa que antes demonstrou ser boa e gentil. Muitas vezes isso
nada mais é do que chamamos abuso de bondade, pois nem sempre o
esgotamento corresponde às exigências da vida cotidiana. É o estado de
equilíbrio do nosso corpo e mente que corresponde satisfatoriamente às
exigências da vida. Há pessoas que, algumas vezes, se apaixonam tanto por
uma coisa ou falam continuamente que gastam todas as energias. Essa paixão
pode crescer a tal ponto que, mesmo se elas tiverem perdido grande energia,
ainda assim acharão satisfação em despender mais energia ainda. Na presença
de tais pessoas as outras se sentem deprimidas, porque gastaram a pequena
energia que possuíam, não lhes ficando energia alguma e sobrevindo a irritação.
O esforço que vieram fazendo recai sobre as outras pessoas, tornando-as
nervosas também.
A fraqueza dos nervos não é somente a causa de moléstias físicas, mas pode
levar à loucura. Há uma causa principal por trás das moléstias físicas, como
também por trás das moléstias mentais: é a supertensão dos nervos, o
esgotamento nervoso. Aquele cujos nervos estão exaustos, a despeito de toda
virtude e bondade, boa vontade e desejo de acertar, para surpresa sua agirá
erradamente, porque perdeu a autodisciplina. Seus altos ideais não lhe servem
de nada, pois ele mesmo não se pertence. Sua posição social, seu saber, sua
atitude, sua moral, tudo se mostrará fútil na ausência da força nervosa, que
mantém o homem apto e em condições de fazer tudo que lhe é próprio fazer
neste mundo.
É bom saber que todo efeito criado na voz, na palavra, no canto, é criado pela
força nervosa. Todo o mistério do magnetismo está nos nervos. Todo o mistério
do sucesso de um homem público, de um artista no palco ou no salão de
concerto, está na sua força nervosa. O sucesso do causídico, do advogado no
foro, está na sua força nervosa. Um bom tribuno do foro, que tenha feito um
nome, possui sempre essa força, que é um magnetismo. Por conseguinte, uma
pessoa mostra sua saúde física e mental desenvolvendo essa influência, que se
expressa pela força nervosa e que tenha influência sobre todas as coisas.
As moléstias nervosas muitas vezes são tratadas por remédios. Não há remédio
no mundo que possa fazer bem aos nervos, porque os nervos são a parte mais
natural do ser humano. São eles a parte do ser humano que está ligada com o
mundo físico e com o mundo mental, a parte central do nosso ser, e não há
melhor remédio para os nervos do que a natureza, uma vida de repouso e
descanso, quieta, com respiração adequada e apropriada alimentação, com
alguém para tratar do doente com sabedoria. Pela compreensão da lei do meio
ambiente e das influências climáticas, pela compreensão das influências que têm
as pessoas sobre tal doente, podemos curá-lo.
VIII
Perguntamos a nós mesmos até que ponto o espírito tem poder sobre a matéria
e a resposta é que, sendo a matéria a consequência do espírito, o espírito tem
inteiro poder sobre a matéria. Tornamo-nos pessimistas depois de haver
experimentado a força do pensamento para a nossa cura ou para a cura dos
outros e falhamos. Começamos então a pensar que não é o espírito que pode
socorrer, é alguma coisa exterior. Não significa isso, por um momento, que as
coisas exteriores não tenham efeito algum, mas que o espírito possui todo o
poder para curar uma pessoa de qualquer moléstia.
Sem dúvida, a fim de curar as moléstias o espírito deve alcançar um estado tão
elevado que lhe permita efetuar uma cura perfeita. Nos tempos que correm, uma
pessoa imagina que o espírito nasce da matéria. Pelo estudo biológico, começa-
se a imaginar que primeiro existiu a matéria, em seguida ela evoluiu, até que no
homem ela se desenvolveu e brotou como inteligência, como inteligência
humana, mas, de acordo com a mística, é tudo um jogo da inteligência. Na rocha,
na árvore, na planta, no animal e no homem, a inteligência tem vindo ao longo
de tudo e se desenvolveu. Através do homem chegou à sua pura essência.
Chegar à pura essência é que faz o homem tornar-se conhecedor da sua origem.
Ensina-se na Ciência Cristã que a matéria não existe. Mesmo que não o tenham
explicado inteiramente, todavia existe uma vida e o que chamamos de matéria e
espírito são diferentes aspectos da vida. Devemos compreender que existe uma
vida e ela é toda espírito. Até a matéria é um estado transitório do espírito e o
espírito é inteligente. É a própria inteligência, além de poderoso e livre da morte
e da decadência. É capaz de dar a sua vida até à substância densa que se tenha
formado dele mesmo e que é a matéria. Consequentemente, está além do
alcance das palavras dizer-se até que ponto o pensamento, o sentimento e a
atitude ajudam uma pessoa a curar-se.
O pensamento de que através dos canais nervosos, através das veias e vasos
é o sangue divino que está circulando, sangue esse que é perfeito, completo e
puro, ajuda-nos muitíssimo. Em outras palavras, que é doença? Doença é uma
desarmonia. Se a desarmonia causa a moléstia e a fraqueza, a harmonia traz a
cura. Se alguém puder harmonizar a sua vida em qualquer direção e de qualquer
forma, certamente isso resultará numa perfeita harmonia e se manifestará
também como cura das doenças. Não há dúvida que a tristeza causa todas as
moléstias, porque faz a mente e o corpo, ambos, desarmoniosos e presas fáceis
das doenças. Para mim, uma pessoa verdadeiramente corajosa é aquela que
diz: “O que aconteceu, aconteceu, triunfarei daquilo por que estou passando e
aquilo que me chegar enfrentarei corajosamente”.
Se quisermos ficar tristes, há muitas coisas para nos entristecer. Não é preciso
esperar por coisas que surjam e nos obriguem a derramar lágrimas. A cada
momento poderemos derramar lágrimas, se tivermos tal tendência. Maus
presságios não nos faltariam. Maus presságios podem ser facilmente
encontrados em toda parte se os procurarmos, e muita gente assim o faz,
inconscientemente. Há muitas moléstias, mas o desespero é a pior das
moléstias. Quando uma pessoa perdeu a esperança, esta moléstia não pode ser
curada. A esperança faz parte da inteligência, a esperança é a força da
inteligência. Se a inteligência trabalha contra todas as desordens, físicas,
mentais ou morais, certamente a cura pode ser obtida.
Quando uma criança está doente, pode ser auxiliada por um pensamento de
ajuda. Algumas vezes o pensamento de cura da mãe, a simpatia da mãe,
trabalham em favor da criança com maior sucesso do que qualquer remédio que
se lhe dê e nisso está a prova do poder curativo. Há inúmeros casos que podem
ser observados, nos quais, conscientemente, ou mesmo inconscientemente, o
desejo da mãe se torna uma influência curativa para que se restabeleça a
criança. Se a mãe está ansiosa e preocupada com a criança, não há dúvida que
o efeito será negativo, porque, inconscientemente, conserva a mãe no
pensamento uma doença para seu filho.
IX
A idéia de chamar certas moléstias de incuráveis é um grande erro que o homem
comete hoje. O que acontece é que a humanidade não achou o remédio para
curar tais moléstias e daí chamá-las incuráveis. Chamando de incurável uma
doença, faz com que o doente fique desesperançado não somente do socorro
do homem, mas também do socorro que ele pode receber do alto. Portanto, não
pode ser correta uma idéia que faz um ser vivente acreditar que não há cura para
ele. Se a fonte e a meta são perfeitas, é possível então obter a perfeição. Como
a saúde é uma perfeição, pode ser obtida.
Toda a força está no espírito. Cada pessoa tem força na medida de sua ligação
com o espírito, mas cada pessoa tem uma fagulha desse espírito em si mesma.
Cada um de nós deve saber que existe uma responsabilidade que nos cabe pela
própria saúde, como curadores de nós mesmos, e que ela tem um papel a
representar para nós mesmos, responsabilidade essa que não é somente do
médico ou do curador. Cada pessoa, ao mesmo tempo, deve, antes de tudo,
estar pronta a representar seu papel como um facultativo, como um curador,
primeiramente para ver qual é seu estado, o que lhe está faltando, qual o seu
mal e como deve curar-se. Quando não puder fazer isso bastante bem, deverá
chamar outrem para socorrê-la, mas deve ser a primeira a desejá-lo,
A cura pelo magnetismo é outra coisa. É uma outra forma de prescrição. Há uma
prescrição dada pelo médico, um certo medicamento é dado para agir ou reagir
contra um certo estado. Assim, a força que é a energia vital é dada de uma certa
forma para proporcionar ao paciente o que lhe falta. Não é exatamente um
remédio objetivo, mas um remédio externo.
Não existe moléstia alguma incurável. Cometemos uma grande falta contra a
perfeição do Ser Divino quando tiramos toda esperança de cura de uma pessoa,
pois naquela perfeição nada é impossível, tudo é possível. Vemos o assunto com
a nossa limitada razão e fazemos pequena a Divina Perfeição, tão pequena
quanto somos nós mas, na realidade, a vastidão, a grandeza da força onipotente
está acima da nossa compreensão e limitá-la nada mais seria do que um erro. O
que geralmente acontece, no caso da chamada moléstia incurável, é que a
impressão causada sobre o enfermo de saber e sentir que sua moléstia não pode
ser curada, se torna a raiz de sua moléstia e, portanto, na crença do enfermo, a
moléstia fica enraizada. Assim, nenhum remédio, nenhuma ajuda pode erradicar
a doença. O melhor tratamento que um curador, um médico, podem proporcionar
a um enfermo é dar-lhe primeiramente a fé de que ele pode ser curado, depois
o remédio ou tratamento, qualquer que seja o método que adote para curá-lo.
Ouvimos as narrativas sobre os médicos dos tempos antigos, dos místicos, dos
pensadores, de que eles usavam, para descobrir a moléstia de uma pessoa,
justamente olhar para essa pessoa. Isto veio por intuição e se os povos dos
antigos tempos eram proficientes nisso, não quer isto dizer que a alma tenha
perdido sua qualidade. Hoje mesmo, se alguém desenvolver essa qualidade em
si, poderá, ao primeiro lance de vista, descobrir tudo que estiver errado numa
pessoa, no seu corpo, na sua mente, no seu, espírito, em tudo, porque a
expressão exterior de uma pessoa revela o seu estado interior. Qualquer
desordem no espírito, na mente, ou no corpo, claramente se manifesta para o
exterior e é apenas questão de desenvolver aquela faculdade da intuição para
ler e descobrir o que está acontecendo. Quando tal faculdade se desenvolve
mais um pouco, faz a pessoa saber também qual a razão atrás de cada moléstia,
seja mental ou física. Quando a mesma faculdade se desenvolve ainda mais,
pode a pessoa descobrir também qual seria o melhor meio, o melhor remédio
para curar-se. Avicena, o grande místico da Pérsia, era médico e ao mesmo
tempo curador. O místico é um curador por natureza, mas a obtenção do
conhecimento exterior o habilita a usar melhor sua faculdade no mister de curar.
Que deve uma pessoa fazer para desenvolver essa faculdade, para descobrir se
a tem consigo? Assim como um mecanismo precisa de corda diariamente ou um
instrumento musical precisa ser afinado, também cada pessoa, qualquer que
seja sua vida e ocupação, precisa ser cada dia afinada. E qual é esta afinação?
Esta afinação consiste em harmonizar toda ação do mecanismo do corpo,
harmonizar a pulsação, os batimentos da cabeça e do coração, da circulação do
sangue e isto pode ser feito por meio do repouso adequado. Uma vez feito isto,
o segundo passo é harmonizar o estado da mente. A mente que está
continuamente devaneando, que não está sob o controle da vontade, que não
pode responder no momento de apelo, que não descansa, tal mente precisa se
harmonizar e pode ser primeiramente harmonizada com a vontade. Quando
existe harmonia entre a vontade e a mente, então o corpo e a mente, assim
controlados e harmonizados, se tornam um mecanismo trabalhando
automaticamente. Pondo-se simplesmente em ordem a mente e o corpo,
permitindo que cada faculdade se mostre em sua plenitude, que se manifeste,
começamos a observar a vida mais profundamente, a compreendê-la mais
integralmente e assim a percepção se torna mais aguda e a faculdade de
conhecer se desenvolve.
Sem dúvida, quanto mais uma pessoa evolui mais penetra na vida das coisas e
seres. A primeira coisa é compreender o estado do nosso próprio corpo, da
nossa saúde física, do nosso estado mental e, quando pudermos compreender
melhor o nosso próprio estado, começaremos então a ver o estado de outra
pessoa. Nasce então a intuição e ela se torna ativante. Quando um homem se
desenvolve intuitivamente, começa a ver as penas e sofrimentos do povo e se
sua compaixão cresce e se torna mais ampla, mais aguda se faz a sua vista e
começa a observar a razão atrás do mal. Se avançar ainda mais no caminho da
intuição, começará também a ver qual seria o melhor remédio para a pessoa que
está sofrendo.
Além disso, há sinais que um vidente vê, sinais externos, que explicam os
princípios fundamentais da saúde. Cada pessoa representa o sol, seu coração,
seu espírito, seu corpo, tudo e, como acontece com o sol, há uma aurora e um
ocaso. Há uma tendência do corpo que o atrai para a terra e que mostra o ocaso,
porque a alma está se encaminhando para a meta. Há uma outra tendência que
é como a aurora, o corpo naturalmente está disposto a levantar-se. Parece que
a terra não está atraindo o corpo, alguma coisa o atrai para cima. Este é o sinal
da aurora. E não depende isso da idade, depende do estado de harmonia que
se estabeleceu entre o espírito e o corpo. É coisa comum a um místico descobrir
se uma pessoa está para morrer dentro de três anos e, mais fácil ainda, se uma
pessoa está para morrer dentro de um ano. Colocando de parte o espírito interior,
há sinais até na tendência do corpo, na sua inclinação.
X
Há diferentes maneiras de ver a moléstia: uns a encaram como castigo do alto,
outros a vêem como punição de suas próprias ações e outra maneira de ver a
doença é considerá-la como proveniente dos passados “karmas”, tendo a
pessoa de resgatar por meio da moléstia os “karmas”, isto é, as ações do
passado. Tenho visto doentes atravessarem suas moléstias pensando que
devem pagar as dívidas passadas, que é justo resgatá-las. Quando olhamos
para isto com espírito de crítica, achamos que quem julga ser a moléstia uma
punição lançada por Deus sobre uma pessoa, está apresentando Deus sob um
aspecto severo, fazendo-O passar como duro Juiz ao invés do mais gracioso e
compassivo Pai e Mãe, conjuntamente.
Quando pensamos que isso é o débito da vida passada, temos uma idéia de
fatalismo, de que há um certo sofrimento pelo qual se deve passar, que não há
outro caminho e que consequentemente devemos suportar com paciência as
coisas mais desagradáveis. Vi um jovem sofrendo de uma doença e que me
disse com o maior contentamento, quando lhe aconselhei a fazer alguma coisa
pela sua saúde: “Acredito que isto é um débito do passado que tenho a pagar. É
preciso que eu o pague.” Sob um ponto de vista comercial isso é bem justo mas
sob o ponto de vista espiritual, deve ser encarado diferentemente. O que o
homem não deseja para si mesmo não é para ele, não é o seu quinhão, porque,
em cada alma, está a força do Todo-Poderoso, há uma fagulha da luz divina, há
o espírito do Criador. Tudo que o homem deseja ter, portanto, é seu direito de
nascença. Naturalmente uma alma não deseja ter uma enfermidade, salvo se é
desequilibrada. Se a alma soubesse a força de sua tendência natural para gozar
saúde, teria a saúde a despeito de todas as dificuldades que as condições da
vida possam apresentar.
Pensamos muitas vezes que a moléstia não deve nunca ser considerada como
vontade de Deus e se não deve, que dizer da morte? A morte é diferente da
doença, porque a moléstia é pior do que a morte. O aguilhão da morte é apenas
passageiro. A idéia de que deixamos os que nos rodeiam é uma provação
amarga de um momento, não vai mais longe. A doença, porém, é uma
imperfeição, um estado incompleto, e não é desejada. Será erro deixar uma
pessoa que está sofrendo excessivamente morrer, ou devem ser usados meios
artificiais para conservá-la viva? Não é aconselhável que um médico, um
parente, ou quem quer que seja, mate uma pessoa que esteja sofrendo
excessivamente de uma doença a fim de livrá-la do sofrimento, porque a
natureza é sábia e cada momento que se passa neste plano físico tem seu
objetivo. Nós, os seres humanos, somos demasiado limitados para julgar, para
decidir pôr fim à vida e ao sofrimento. Devemos tentar diminuir o sofrimento do
doente, fazer tudo que estiver em nosso poder a fim de que melhore, mas usar
meios artificiais para manter vivo alguém por horas ou dias não é coisa acertada
que se faça. É agir contra a sabedoria da natureza e contra o plano divino. É tão
perverso quanto matar alguém. A tendência é o homem ir sempre além do que
devia ir e aí é que ele comete um erro.
Às vezes dizemos: “Creio somente na força curativa, não tocarei num remédio,
é coisa material”. Isto também está errado. Diz uma pessoa por vezes: “Só
acredito no remédio, não tenho fé na força curativa”. Também isto é um erro.
Para se ter uma saúde perfeita, para completar uma cura, devemos curar-nos a
nós mesmos de manhã à noite. Devemos pensar: “Cada raio de sol me cura, o
ar me cura, o alimento que eu como tem um efeito sobre mim, cada vez que
respiro alguma coisa que me está curando, purificando, levando-me a uma saúde
perfeita”. Com uma atitude esperançosa na cura, na saúde, numa vida perfeita,
erguendo-nos acima das desordens que nada mais são do que estados
desarmoniosos da mente ou do corpo, ficamos mais aptos a cumprir o objetivo
da nossa vida.
Não é egoísmo pensar na própria saúde. Sem dúvida, não é desejável estar
pensando todo o tempo na própria moléstia, aborrecer-se com isto ou ter
demasiada ansiedade a tal respeito, mas ter cuidado com a saúde é o que pode
haver de mais religioso, porque a saúde mental e física é que nos torna aptos
para servir a Deus e ao nosso próximo, cumprindo por este meio o objetivo da
nossa vida.
Devemos pensar: “Venho de uma fonte perfeita e me dirijo para uma meta
perfeita. A luz do Ser perfeito está acesa na minha alma. Vivo, movo-me e tenho
meu ser em Deus e nada no mundo, quer do passado quer do presente tem força
para tocar-me se me elevo acima de tudo”. Este pensamento é que nos elevará
acima das influências da desarmonia e da desordem e nos levará ao gozo da
maior bem-aventurança na vida, que é a saúde.
XI
Há o seguinte ditado no Oriente: existe uma doença para a qual não há remédio
e na língua oriental tal doença é chamada “Vahm”, que significa imaginação. A
imaginação representa seu papel em cada moléstia. Quanto maior a imaginação,
tanto maior se torna a moléstia. Mas, deixando de lado a moléstia, em cada
pequena coisa na vida a imaginação causa um grande dano, exagera as coisas
e torna mais difícil suportá-las. Não é raro, é uma coisa comum, alguém sentir-
se cansado antes de haver trabalhado, só ao pensar no trabalho. Quando
começa a trabalhar aquele cansaço imaginário aumentou ainda mais e antes de
acabar o trabalho a pessoa está exausta. Vemos, às vezes, que o chefe de uma
fábrica está mais cansado, após duas horas de trabalho, do que o operário que
trabalhou talvez um dia todo nas máquinas. Vemos o superintendente de um
jardim ficar muito mais cansado que o jardineiro, que esteve trabalhando na terra
um dia inteiro. Às vezes, tereis visto uma pessoa no auditório ficar muito mais
cansada que um cantor, que se desempenhou de todo o programa da noite. Às
vezes vemos que uma pessoa se cansou antes de andar algumas milhas, só em
pensar nisso. A imaginação vem sempre liderando e a moléstia a segui-la.
O temor da doença é tal que, se um médico disser a certas pessoas que há algo
de errado com elas, ficarão tão atemorizadas que se sentirão mal antes de sentir
qualquer dor. O médico pode ter se enganado, mas mesmo assim o temor do
mal antecipado tomou o lugar da doença. Na imaginação mentalmente
desarranjada se encontra a razão principal por trás de sua moléstia.
Não quer isto dizer que devemos descuidar da moléstia de uma criança. Isto é
outra coisa. Não se deve desprezar a moléstia de uma criança nem deixar de
lado o que estamos sentindo, pois nem sempre é imaginação. Mas, ao mesmo
tempo, a imaginação representa um grande papel e é melhor para uma pessoa
analisar até que ponto a imaginação está representando uma parte no seu
sofrimento. Pode analisar isso tentando esquecer o seu mal, esquecendo-o
inteiramente, ensaiando negar os fatos que se apresentam diante dela como
evidência da moléstia. Quando uma pessoa é capaz de fazer isso até esse ponto,
será então capaz de fazer uma idéia segura de quanto há nisso de moléstia e
quanto há nisso de imaginação. Observará também este fenômeno: logo que
afastar da sua moléstia a imaginação, privará a sua moléstia do alimento que a
vinha sustentando e é possível que, por meio desta privação, a moléstia venha
a morrer.
Não se deve descuidar das moléstias infantis, mas também não se deve
exagerá-las. Não se deve pensar demasiadamente nelas, porque a imaginação
tem um efeito criador e pode criar uma enfermidade numa pessoa que, na
realidade, não a tenha apanhado. Seria um grande erro da parte dos pais
preocuparem-se sem necessidade em relação à saúde dos filhos.
O corpo humano é composto de um sistema nervoso, que é o principal
mecanismo do nosso físico. Este mecanismo nervoso é mais suscetível de ser
influenciado pela imaginação do que a carne, os ossos ou a pele. Os nervos
correspondem, imediatamente, ao pensamento, não à pele, à carne, ou aos
ossos, pois estes participam da influência que vem dos nervos. O sistema
nervoso se coloca entre os aspectos físico e mental do ser. Por conseguinte,
assim como pode a imaginação causar uma moléstia e pode sustentar uma
doença, também pode a imaginação curar uma pessoa de sua enfermidade.
Logo que a moléstia é curada pela imaginação, o que resta dessa moléstia no
corpo não tem sustento algum para continuar a existir e, portanto, morre
naturalmente. Tenho feito muitas vezes uma experiência com pessoas que
dizem ter uma grande dor de cabeça. Convido-as a cantar e acabam se sentindo
curadas. Qualquer coisa que afaste da mente a imaginação de uma moléstia,
corta as escoras que a sustentavam e assim a doença não pode manter-se de
pé. Alguma coisa deve existir para sustentar a doença e essa coisa é a
imaginação.
A autopiedade é o pior inimigo do homem. Ela dá, todavia, algumas vezes, uma
meiga sensação no coração e nos lastimamos: “Ó, como estou mal” e é
consolador ouvir de alguém: “Ó, quanto sinto você não estar bem”. No entanto,
preferíamos que outra coisa nos fosse dita com simpatia: “Estou contente de ver
que você passa tão bem”. A fim de criar essa sensação de ternura, não é preciso
que estejamos mal, o que é preciso é ser gratos.
Quando uma pessoa começa a pensar que está sob a influência de uma má
estrela, sobre todas as coisas que acontecem, boas ou más, pensa: “Tudo isto
me traz má sorte. Parece que de toda parte surge o azar”. Mesmo se chegar
uma coisa boa, essa pessoa pensará que é má, porque só espera o pior. Quando
uma pessoa vive com o pensamento de que a boa fortuna bate à sua porta, todas
as coisas que lhe chegarem trarão a forma da boa fortuna.
Quanto mais estudamos este assunto, mais achamos que a nossa mente é a
senhora da vida. Tornamo-nos o possuidor do Reino de Deus assim que
compreendermos a força que o pensamento e a concentração têm sobre a nossa
vida. A falta de tal conhecimento é que faz o homem não dar valor à centelha
divina que possui dentro de si. Não tendo consciência disso, vai descendo e
descendo, até às maiores profundezas. Tão depressa a pessoa se compenetra
disso, começa a respeitar-se a si mesma. A pessoa que se respeita a si mesma
é aquela que tem respeito para com os outros. A que ajuda a si mesma é a que
ajudará uma outra. A que se levanta a si mesma é a que levará outra pessoa
também para as alturas. Uma vez que tenhamos achado o remédio para curar
essa moléstia incurável que vem da imaginação, nenhuma outra moléstia haverá
que não possamos sobrepujar. Temos apenas que nos compenetrar da Fonte
de perfeição dentro de nós mesmos.
XII
Uma vida regular, uma dieta pura, um bom sono, equilíbrio entre a atividade e o
repouso e uma respiração perfeita, tudo isto ajuda a pessoa a manter a saúde,
mas o melhor remédio para a cura de todas as moléstias e enfermidades mentais
é um: a fé. Muitos pensam que têm fé, mas muito poucos são os que realmente
crêem. A crença de muitos é como ouvi alguém dizer: “Eu creio, queira Deus
fortalecer a minha crença”. É uma afirmação que não tem sentido. Se uma
pessoa diz: “Eu creio”, isso não quer dizer que ela crê, pois é a crença que, na
sua perfeição, se torna fé. Que diz Cristo sobre a fé? Diz: “A fé remove
montanhas”. Não há dúvida que o padre fala em ter fé na Igreja e que o pastor
fala em ter fé na Bíblia, mas não é essa a verdadeira significação da fé. A fé é a
culminância da crença e quando a fé atinge um certo grau, cresce como se fosse
uma planta. Quando a crença é completa, torna-se fé.
A cura, em todos os casos, se dá pela fé, seja uma cura repentina sejam quais
forem a natureza e o caráter do caso, é sempre a mesma coisa. A fé apressa o
estado de uma pessoa. Se é grande a fé rápido é o tempo da cura. Sem fé o
próprio remédio não pode ajudar. Nenhum tratamento poderá dar bons
resultados se faltar a fé. Esta é o primeiro remédio, tudo mais vem depois. Todos
os nossos fracassos, tristezas, desapontamentos, dificuldades na vida, têm
como causa nossa falta de crença. Moléstia significa falta de crença. Além e
acima de todas as outras evidências, a moléstia é o sinal da falta de crença. Se
uma pessoa tivesse crença, certamente não haveria lugar para a moléstia. Mas
a moléstia toma o lugar da crença. Não se pode descrer daquilo em que se crê.
A doença torna-se crença da pessoa e daí vem a dificuldade. Quando uma
pessoa diz: “Estou lutando contra minha moléstia” isto significa: “Minha
imaginação está lutando contra minha crença”. Afirma ela: “Estou lutando contra
minha moléstia”, o que significa precisamente o mesmo que a pessoa
estabelecer a moléstia em si própria. Luta ela contra uma coisa que ela afirma
estar existindo. O primeiro lugar, portanto, na sua crença ela o dá à moléstia. O
segundo lugar, na sua crença, ela o dá à imaginação de curar a doença. Por
conseguinte, a força com a qual deseja ela remover sua moléstia é muito menor
do que a força que a moléstia já obteve junto a ela. A pessoa luta contra uma
coisa que ela afirma estar existindo.
Há pessoas que pensam que jamais incorrerão no erro de acreditar numa coisa
de que não têm prova alguma e pensam ser isto muito inteligente. Quando
investigamos no campo das evidências, vamos encontrar uma capa enganadora
debaixo de outra. E assim pode uma pessoa prosseguir, provando as
profundezas da vida, indo de ilusão em ilusão, nunca chegando a fazer uma idéia
segura da verdade. Como podereis fiar-vos em provas que estão sujeitas a
mudanças? Se há, pois, alguma coisa em que devemos nos fiar, essa coisa é a
crença. Não é a evidência que nos dá a crença e se a evidência nos deu a
crença, essa crença não durará, porque as provas não são duradouras. A crença
que se firma acima das evidências é aquela que culminará na fé.
Há pessoas como Bayazid, a quem muita gente consideraria “nas nuvens”, que
provaram em suas vidas o que é a crença. Dirigia-se Bayazid para Meca numa
peregrinação. Um derviche estava sentado à margem do caminho. Desejando
render homenagens a um homem espiritual, Bayazid chegou até ao derviche e
sentou-se para receber sua bênção. “Para onde vai você? perguntou o derviche.
“Para Meca” respondeu ele. “A negócios?” perguntou o derviche. Bayazid ficou
admirado e disse: “Não, vou em peregrinação.” Disse o derviche: “Em
peregrinação? Que é que fazem na peregrinação?” Bayazid explicou: “Caminha-
se ao redor da pedra sagrada de Kaaba”. E o derviche disse: “Você não
necessita ir tão longe para essa peregrinação. Se você fizer voltas ao redor de
mim e regressar, estará feita a sua peregrinação”. Disse Bayazid: “Sim, creio
nisto”. Deu voltas ao redor do homem, regressou à casa e, quando o povo
perguntou: “Você fez uma peregrinação a Kaaba?” ele respondeu: “Sim, fiz uma
peregrinação a uma Kaaba viva”.
Se uma pessoa acreditar no que não existe, a crença fá-lo-á existente. Se houver
um estado em que a pessoa acredite que está e esse estado não existir, será
ele criado. A diferença entre a mente do crente e a mente do descrente é a
seguinte: a mente do crente assemelha-se a um facho e a mente do incréu
assemelha-se a uma lâmpada encoberta sob alguma coisa que não lhe deixa
espalhar a luz.
Muitas vezes o homem tem medo de perder o senso comum. Gostaria ele mais
de ser um tipo comum do que um tipo fora do comum. Teme perder-se a si
mesmo, porém não sabe que perder-se a si mesmo quer dizer ganhar-se a si
mesmo. Diz alguém: “Pensar nestas coisas é o mesmo que mover-se no ar”,
mas, se não estivéssemos no ar, o que seria de nós? O ar é a substância em
que vivemos, mais importante para nós do que o alimento que comemos e a
água que bebemos. A crença, portanto, é o alimento do crente, é a substância
da sua fé. Da crença é que o crente vive, não do alimento e da água.
A fé é tão sagrada que não pode ser dada, tem de ser descoberta dentro da
própria pessoa, mas não existe ninguém no mundo sem fé, apenas em certas
pessoas a fé está encoberta. E que é que a encobre? Uma espécie de visão
pessimística da vida. Há pessoas que são pessimistas externamente, outras que
o são inconscientemente, não sabem elas mesmas que são pessimistas. O
homem pode lutar com o mundo inteiro, mas não pode lutar consigo mesmo, não
pode fazer desaparecer suas próprias dúvidas. Aquele que pode dispersar as
nuvens das dúvidas realizou uma grande coisa na vida.
Não é portanto, somente por amor à verdade, mas pela própria vida, que uma
pessoa deve descobrir a crença dentro de si mesma, desenvolvê-la, nutri-la,
permitir que ela cresça a cada momento da sua vida e que possa culminar na fé.
Nessa fé é que está o mistério da vida, o segredo da salvação.
CONFISSÕES
CAPÍTULO I
“Qualquer estrada que eu tomasse ligava a rua que conduz a Ti” – Do “Dabistan”
“Eu também surgi como regato de um rio e como canal num jardim”. –
Eclesiasticus
Minha curiosidade nos segredos ocultos da natureza foi despertada muito cedo
e frequentemente fazia as seguintes perguntas sobre os mistérios da religião:
“Onde é a morada de Deus? “Qual é a idade de Deus?” “Por que devemos dirigir
nossas preces a Ele?” “Para onde vamos após a morte?” “Se Deus criou tudo,
quem foi o criador de Deus?” Meus pais, Rahemat Khan e Khatija Bibi,
praticamente respondiam às minhas perguntas da maneira mais simples e
plausível possível, mas eu prolongava o argumento até cansá-los. Depois eu
meditava sobre as mesmas perguntas.
“Ele nasceu o Senhor daquilo que é, Ele que por Sua majestade é o único. Rei
do mundo que se move, que respira e que fecha os olhos”.
Minha família era Muçulmana e cresci devoto do Santo Profeta e leal ao Islam.
Nunca deixei de fazer uma prece das cinco preces diárias que fazem parte da
vida de um devoto.
Essas palavras calaram tão fundo no meu espírito que depois daquela data, a
todos os momentos de minha vida, ocupei-me com o pensamento da imanência
divina. Meus olhos assim se abriram, como Elijah abriu os olhos do jovem, para
ver os símbolos de Deus em todos os aspectos da natureza e também nessa
natureza que é refletida dentro de mim. Esta súbita iluminação fez com que tudo
me parecesse muito claro, como uma bola de cristal ou uma pedra translúcida.
Daí por diante devotei-me à absorção e consecução da verdade, a Graça imortal
e perfeita.
CAPÍTULO II
“A Sabedoria, que é a artesã de todas as coisas, foi quem me ensinou, pois nela
existe um espírito compreensivo”. – SALOMÃO
Os Mestres dos Hindus, como Shiva, Vishna, Rama e Krishna alegaram, cada
um de per si, ser uma reencarnação um do outro ou, em outras palavras, uma
encarnação de Brahma, o Deus Supremo, porque se não fizessem essa
declaração não seriam ouvidos pelos homens. Desta forma, os materialistas que
nunca avançaram uma polegada sem uma determinada razão e lógica, foram
ensinados pelo Gautama Buddha, que lhes explicou a grande verdade em
palavras simples em sua própria língua.
Quando o mundo acordou para a beleza da música, David cantou essa mesma
verdade com a sua voz melodiosa e quando reinava a beleza, quando ela
predominava, surgiu José com toda a sua mocidade e sedução. Moisés veio
quando os homens estavam sedentos de milagres. E na época do poder
hereditário, Jesus, como Filho de Deus, amparou o mundo contra a ignorância e
o erro e plantou a semente da liberdade espiritual, que com o tempo floresceu e
criou a era da democracia, quando Maomé veio trazer a última mensagem e
proclamou-se o “Abda”, o servo, e o “Rasul” de Deus.
Isto significa. que cada um deles, embora tenha sido o portador de uma
mensagem, o arauto da lei de Deus, constituía também um novo passo na
evolução da humanidade, naqueles tempos em que o mundo estava bastante
amadurecido e pronto para receber a mensagem, não de um reivindicador
superior, mas de uma entidade que fazia parte do Exército dos Iluminados.
Este engano deve-se aos discípulos, que juram pelo nome que os Mestres
adotaram e reconhecem apenas suas personalidades, ao invés de aceitá-los
como uma e única corporização ilimitada da verdade. Jamais foi desejo dos
Mestres que seus corpos físicos fossem adorados como salvadores. Isto é um
simples exagero e é uma concepção errônea de seus seguidores. Seus corpos
não eram senão receptáculos da verdade e a verdade que trouxeram é que é o
único salvador agora e sempre. É como afirma a Bíblia: “Vós conhecereis a
verdade e a verdade fará com que vos torneis livres”. A verdade, o verdadeiro
salvador e messias, é intocável, não está sujeita à morte e doenças, é eterna,
onipresente e onipotente. A verdade, realmente, foi Adão, Moisés e Cristo e a
verdade mesma foi Maomé.
Se tal pessoa soubesse qual a verdadeira religião a que Deus lhe destinou, todas
as suas lutas teriam um fim. Aqueles que julgam uma religião por seus princípios,
estão enganados, pois o bem ou o mal, bem como o certo e o errado, dependem
do ponto de vista da pessoa e, portanto, são passíveis às vezes de inversão
mental. Os que lutam por suas religiões por causa da autoridade que a história
lhes dá, são fanáticos e precisam saber que a história é feita pelo homem e não
por Deus e que muitas verdades se perdem no lapso do tempo, enquanto mil
exageros obtêm o favor ou o desfavor através das opiniões pessoais
preconcebidas dos historiadores. Aqueles que aderem às crenças e descrenças
sem razão, estão cegos pelo fanatismo.
Rumi disse: “Os Sufis comem a carne, deixando os ossos para serem disputados
pelos outros”.
CAPÍTULO III
Glória a Deus, pois esta crença universal salvou-me de cair nos caminhos
tortuosos do fanatismo e dos preconceitos, nos quais tantos filhos de Deus
passam a noite de suas vidas como um rebanho de ovelhas ignorantes. Andam
em rebanhos até os portões da morte, despercebidos de seus “porquês” e “para
onde” e até a voz da imortalidade não pode chamá-los de volta e eles se perdem
nos tempos!
Quando meu avô Maulabakhsh faleceu, meu desespero foi tão profundo que
chorei muito tempo a perda de meu guia musical e minha inspiração.
Compreendi a incerteza da vida e que a minha existência só teria valor se eu
pudesse ser útil ao mundo. Apreciava o grande serviço prestado por
Maulabakhsh à Índia, dando à música indiana um sistema prático de notas.
Comecei a pensar como poderia continuar a sua obra.
Invoquei o nome de “Sharda”, a deusa da música, e orei para que ela protegesse
a sua arte sagrada.
E aconteceu que deixei meu lar com a intenção de criar um sistema de música
universal. Iniciei essa missão com a idade de 18 anos e fui recebido na corte dos
Rajás e Marajás, que muito me encorajaram e recompensaram meus esforços.
Recebi convites e medalhas, em reconhecimento e apreço pela minha música,
de todas as principais cidades da Índia e, assim, aumentei o número de amigos,
alunos e simpatizantes.
Esta explicação e a minha música encantaram de tal forma o Nizam que ele me
presenteou com uma bolsa de moedas de ouro e, colocando seu precioso anel
de esmeralda em meu dedo, chamou-me de “Tansen”, nome de um grande
cantor da Índia da antiguidade. Este episódio trouxe-me presentes e títulos de
todas as partes da Índia, mas realmente as honrarias não me satisfaziam. Como
poderia eu ficar contente com minha elevada posição quando os músicos, meus
companheiros, eram olhados com desprezo pela Índia conservadora?
Compreendia naturalmente que em parte isso era devido aos próprios músicos
que, em regra geral, eram iletrados e procuravam a proteção dos príncipes e
potentados, alimentando seu falso orgulho com adulação e subserviência,
perdendo, assim, a independência e inspiração de sua arte. O povo, novamente,
estava afastado da música e as classes mais elevadas estavam por demais
ocupadas adotando idéias ocidentais, sacrificando a literatura, a filosofia e a
música pelos jogos de pólo, críquete e tênis. Encontrei muitas dessas pessoas
vangloriando-se de nada saberem sobre a música do seu país e que mobiliavam
seus lares com vitrolas estridentes, escondendo com vergonha suas cítaras.
“Ó Tu, cujo reino não se extingue, tenha pena daquele cujo reino está se
extinguindo”. – Palavras pronunciadas ao morrer por Caliph Vathek.
Para meu assombro e horror, todas as medalhas e condecorações que eu havia
colecionado como símbolo do meu sucesso profissional e que para mim eram
motivo de orgulho, pois foram ganhas com muito esforço e entusiasmo e eram
fruto de muitos anos de constantes viagens de um lado para o outro, foram-me
arrebatadas num só instante, para sempre. Num momento de distração deixei-
as num carro, que não consegui jamais encontrar apesar de todos os esforços.
Entretanto, em substituição ao desapontamento que a princípio me oprimiu, tive
uma revelação de Deus, que tocou as cordas mais recônditas de minha mente e
abriu-me os olhos para a verdade.
Disse para mim mesmo: “Não importa quanto tempo levou você para ganhar
aquilo que não lhe pertencia e que chamava de seu. Hoje você compreende que
essas coisas não mais lhe pertencem. O mesmo acontece com tudo que você
possui na vida: suas propriedades, seus amigos, suas relações, até seu corpo e
sua mente. Tudo que você chama de “meu”, por não ser verdadeiramente
propriedade sua, deixá-lo-á. Só aquilo que você chama de “eu”, que é
completamente separado de tudo que você chama de “meu”, permanecerá. Por
que você não prossegue e luta pelo que vale a pena lutar na vida? Por que não
alcança você então a verdadeira glória, ao invés de desperdiçar suas valiosas
oportunidades em vã avidez por fortuna, fama, reputação e honrarias mundanas,
que hoje estão aqui e amanhã serão esquecidas?” Ajoelhei-me e agradeci a
Deus a perda de minhas medalhas, dizendo: “Que tudo se perca diante de minha
visão imperfeita, exceto Teu verdadeiro Ser ó Alá”.
Assim, fui eu à procura da filosofia, visitando todos os místicos que podia nas
minhas viagens às diversas cidades da Índia. Viajei por florestas, montanhas e
margens dos rios, à cata de místicos e ermitãos, tocando e cantando para eles
até que me aceitassem como companhia.
Ao terminar minhas orações ouvi uma voz como resposta às minhas invocações.
Era a voz de um faquir chamando o povo para orar antes do nascer do sol, que
cantava; “Acorda, ó homem, de teu sono profundo. Não sabes que a morte te
espreita a cada momento? Não podes imaginar quão grande é o fardo que tu
acumulastes para carregar nos ombros e quão longo é o caminho que ainda tens
a percorrer. Levanta, levanta, a noite já acabou e o sol vai nascer!”
A solenidade das palavras sagradas que eles proferiam, encontrou eco na minha
alma e depois passei a observar o cerimonial com redobrada atenção. Como é
natural, à primeira vista, a deplorável pobreza deles era embaraçosa, mas eu
havia já aprendido, antes de vê-los, porque o Profeta Sagrado tinha sempre
pedido a Alá que o mantivesse, durante sua existência, entre os “Mesquin” ou
derviches, os quais voluntariamente haviam escolhido essa maneira humilde de
viver. Os remendos extravagantes de suas roupas fizeram-me lembrar as
palavras de Hafiz: “Não se iluda com as mangas curtas cheias de remendos,
pois os mais possantes braços estão ocultos debaixo delas”.
A rapsódia que invocavam em êxtase parecia-me tão forte e vital que até as
folhas das árvores pareciam enfeitiçadas e estavam imóveis. Embora as
emoções deles se manifestassem de maneiras diferentes, eram olhadas com
reverência silenciosa por toda aquela estranha assembléia. Cada um revelava
uma forma especial de êxtase. Alguns expressavam-se por meio de lágrimas,
outros por suspiros, alguns dançavam e outros mantinham-se calmos na
meditação. Embora eu não estivesse apreciando a música tanto quanto eles, ela
me impressionou tão profundamente que senti como se estivesse perdido num
transe de harmonia e felicidade.
Na verdade, são seres como eles que são os possuidores do reino de Deus.
Todo o tesouro visível e invisível de Deus está em seu poder, pois perderam-se
em Alá e estão purificados de todas as decepções causadas pela ilusão. “Por
meio deles é que vós obtendes a chuva, por eles é que recebeis a subsistência”
diz o Alcorão. Omar Khayyám escreveu:
Assim, comparei nossa vida ilusória com a vida real e nosso ser artificial com o
ser natural dos derviches, como se compara a falsa aurora com a aurora
verdadeira. Compreendi nossa loucura em dar indevido valor a assuntos
inteiramente sem importância e como estamos sempre prontos a rir das pessoas
sonhadoras que constroem seus adoráveis castelos no ar. Vi como nossos
fugazes interesses são carregados como o vento carrega a palha, enquanto que
a imaginação é difícil de ser alterada. É possível a terra virar água e a água virar
terra, mas a impressão de uma imaginação nunca muda.
Constatei essa verdade pela maneira pela qual o “Madzub” ria, vendo o povo na
rua se atropelando e se apressando como se seus pequenos assuntos fossem
as únicas coisas importantes do universo. Dirigi-me a ele e perguntei-lhe se
gostaria de visitar-me e honrar-me com sua presença. Preferiu não atender meu
pedido e acompanhou algumas crianças que tinham surgido de repente,
correndo, e que o levaram para brincar. Compreendi que preferia a companhia
das crianças – os anjos na terra – a associar-se com pecadores adultos, que
nada mais conhecem do que o ego e suas inconfessáveis satisfações. Depois
disso, esperei pacientemente vê-lo de novo. Enviei-lhe uma mensagem pedindo
que ouvisse a minha música. Veio-me ver e quando entrou na sala, levantei-me
para recebê-lo e cumprimentá-lo com as duas mãos. Sua única resposta foi dizer
que não precisava dessa homenagem, pois a recebia sob diferentes
características e aspectos de todo universo.
Tudo foi relatado em linguagem tão estranha que nenhum dos presentes,
excetuando-se eu, poderia compreendê-lo e mesmo eu só consegui
compreende-lo depois de grande esforço mental.
“Aquele cuja cabeça não é aquecida pelo coração, não respira a fragrância dos
mistérios divinos”. – WALI.
Meu interesse pelo Sufismo fez com que eu me tornasse muito amigo dos
derviches. Aprendi a amar a doçura do seu caráter e o perfume inato de sua
maneira de usar a música como alimento da alma.
Comecei primeiro por imitar seus hábitos e métodos. Passava horas em silêncio
todos os dias. Certa vez, num sonho, vi uma grande reunião de profetas, santos
e sábios, todos com suas vestes Sufi, alegrando-se como na “Suma” ou música
dos derviches. Eu estava absorvido no seu estado feliz de êxtase e quando
acordei senti também a alegria que a minha visão captara. Depois disso ouvia
continuamente, acordado ou adormecido, uma voz desconhecida que clamava:
“Allah ho-Akbar” – Deus é grande!
Tive igualmente visões, em que via uma face muito espiritualizada que me
perseguia, radiante de luz, durante minhas silenciosas concentrações, o que
fazia com que meu interesse no misticismo aumentasse cada vez mais,
especialmente porque eu não podia adivinhar seu significado. Tinha receio de
perguntar qual era o significado dessas visões, temendo que os outros rissem
de minha fantasia e me ridicularizassem. Por fim, quando não mais consegui
controlar minha impaciência, descrevi minha visão dourada a um amigo, também
apreciador das coisas místicas, a quem pedi uma interpretação.
A partir desse dia estabeleceu-se entre meu Mestre e eu uma firme amizade e à
proporção que ela aumentava, abriam-se dentro de mim os caminhos da luz
através da minha união com aquela radiação interior, que nunca seria obtida por
meio de debates ou argumentos, leitura, escrita, nem práticas místicas.
Sua morte foi tão santa como sua vida terrena. Seis meses antes do fim previu
o que ia acontecer. Liquidou todos os assuntos pendentes para ficar livre e
empreender a futura viagem. Está dito no Alcorão: “A morte é uma cadeia que
une amigo com amigo no Além”.
Pediu desculpas não só aos parentes, amigos e discípulos como até aos criados,
no caso de ter feito algo que os desgostasse ou magoasse. Antes da sua alma
deixar o corpo, disse adeus a todos com palavras de carinho, sentou-se em
posição erecta e firme, continuou a praticar o “Zikr” (prática Sufi), perdeu-se na
contemplação de Alá e, espontaneamente, libertou sua alma para sempre da
prisão do corpo mortal.
“Aquele que ama fica solitário entre o povo e se mistura com ele tão pouco como
a água com o óleo”. – RUMI
É natural que foi uma grande mudança na minha vida ter que deixar a Índia, a
terra que estava mais despertada espiritualmente, e seguir para o Ocidente,
especialmente a América do Norte, a pátria moderna do progresso material. Era
justamente o oposto do sonho que havia vivido. A grande atividade do povo e a
rapidez com que faziam as coisas em geral, a corrida dos carros para cima e
para baixo, de todos os lados, a transitoriedade dos negócios, os homens
correndo de um lado para outro no afã de pegar trens e carros, carregando
jornais e pacotes – tudo isso concorria para que eu ficasse debaixo de uma
magia de silêncio e atordoamento.
Todas as raças e nações têm infância, juventude e velhice como têm também
nascimento e morte e, tal como acontece com o indivíduo, passam também pela
evolução que ele passa durante as diferentes fases de sua vida. Sob o ponto de
vista filosófico, todos os filhos do mundo são como crianças pequenas e seus
assuntos mais importantes não têm maior importância do que um brinquedo
infantil. Como era natural, a América, como uma nova nação, parecia infantil
devido à sua juventude, embora seu progresso material fosse proporcionalmente
tão grande como o progresso espiritual da Índia. Mas a América é uma terra de
promissão. Com o tempo crescerá como uma criança ideal entre os filhos de
Deus e será uma líder reformista.
Era difícil manter equilíbrio entre a minha missão e a minha profissão, tão
diferentes uma da outra. De um lado tinha que ser um mestre, do outro lado um
artista, especialmente o intérprete de uma arte que era tão pouco conhecida no
estrangeiro. Era uma coisa que jamais poderia ser compreendida por um povo
acostumado apenas a ver o aspecto exterior das coisas. Não era como na Índia,
onde Kabir, o grande poeta, pregava ao mesmo que se sentava junto ao tear
para tecer, onde o Guru Nanuk ensinava de dentro da prisão, pois muitos dos
grandes mestres que o Oriente teve foram também mestres da música, como
Narada, Tumbara Bharata, Muni, Tansen, Tukaran, Surdas, Amir Khusrai, Mirabi,
Avicenna e Farabi.
Os corações daquele povo eram iguais aos nossos, embora a vida artificial que
levavam tornasse mais difícil para eles alcançar a paz que nós podemos obter
tão facilmente na vida calma do Oriente. Possuem também um desejo muito forte
de progredir espiritualmente, porque no que diz respeito ao homem, não importa
se ele pertence ao mundo Oriental ou Ocidental, com o tempo é inevitavelmente
atraído para a Fonte eterna do Amor, o que não pode evitar.
Louvado seja o nome de Deus, pois os que foram atraídos pela mensagem da
verdade eram, na maioria, sérios e devotados. Realmente falando, pela simpatia
com que me distinguiam quase me esquecia das saudades do Oriente. Sentia-
me como um deles. Alguns de meus discípulos ricos queriam que eu
abandonasse minha profissão e propuseram-se a me ajudar financeiramente
para que minhas necessidades pudessem ser atendidas sem dificuldade e
pudesse devotar todo meu tempo ao Sufismo.
Recusei agradecido essa proposta, pois, sendo um Sufi, jamais dei importância
às aparências, acreditando sempre que o sustento deve depender da própria
pessoa, enquanto que a música, sendo a minha religião, representava para mim
mais do que uma simples profissão, ou mesmo mais do que minha missão, pois
considerava-a a única porta para a salvação.
Meus companheiros, entre os quais estavam meus dois irmãos Maheboob Khan
e Musharaff Khan, e meu primo Mohammad Ali Khan, prestaram um serviço
inestimável, devotando-se à criação da Ordem Sufi que, com o tempo, firmou-se
em bases sólidas. Como o misticismo até então era ensinado por alguns mestres
de uma maneira velada, oculta e esotérica, ensinando-o apenas aos que
pertenciam a sua raça, religião, nação ou classe, era tarefa minha proclamar que
ele pertencia a todos e como eu o havia recebido de um homem, devia divulgá-
lo novamente ao homem sem lhe perguntar se tinha ou não direito a isso, qual a
sua casta ou credo.
Depois de minhas viagens pelos Estados Unidos, segui para a Europa. Visitei a
Inglaterra, onde procurei logo meus compatriotas, com a esperança de ver
novamente rostos familiares, pois havia visto muito poucos desde que deixara a
Índia. Como grande desaponto verifiquei que não correspondiam absolutamente
à minha expectativa. Alguns pareciam evitar propositadamente seus
compatriotas e outros estavam muito ocupados em manter seu grupo restrito, o
que revelava uma má influência da cultura Ocidental em suas vidas.
Minha viagem a Paris teve mais relação com a música do que com a filosofia.
Através dos bons esforços de amigos como Debussy, o famoso compositor, tive
oportunidade de cumprir a minha missão com sucesso, por meio da minha arte.
Como minha longa permanência no Ocidente e minha grande amizade com
diversos músicos eruditos haviam treinado meus ouvidos para a música
ocidental, apreciei especialmente a música da França, tão cheia de amor e
emoção. Falei no Congresso Musical, no Museu Guimet e na Universidade. A
disposição dos Franceses para a sensibilidade e idealismo, ajuda a desenvolver
as qualidades do coração, que se harmonizam com a devoção. O treinamento
católico também influencia os Franceses na parte devocional da adoração.
Minha visita à Rússia tocou outra corda de minha, sensibilidade, pois me fez
recordar novamente o Oriente. Encontrei o povo Russo aberto tanto ao
progresso moderno como ao pensamento antigo. Avistei-me com os expoentes
da música, da poesia e escritores, que pareciam estar completamente
absorvidos no seu trabalho, pessoas que sabem apreciar, são bondosas e
hospitaleiras, constituindo tudo isso uma promessa de progresso nacional. A
maneira como cultivavam o canto e o interesse demonstrado por todos os
campos da arte, muito me agradaram. O interesse demonstrado por tantos
Russos proeminentes causou-me uma duradoura impressão. Também encontrei
na Rússia aquele tipo Oriental de discipulado, natural das nações onde a religião
e o auto-sacrifício ainda existem, embora o fanatismo da Igreja Ortodoxa
coloque-se no caminho do mais elevado despertar espiritual.
Oriente e Ocidente
Tudo que eu, um Sufi, um ser universal, aprendi com as experiências do Oriente
e do Ocidente, foi que posso agora apreciar as virtudes e compreender os
defeitos, imparcialmente, de ambos os lados.
Entre os que estão interessados no misticismo, existem alguns que têm em vista
vários objetivos e, assim, ao invés de chegarem à verdadeira meta do misticismo,
aplicam todas as suas energias nas experiências dos fenômenos. Muitos
desejam obter poderes psíquicos, outros querem alcançar os planetas, alguns
anseiam por reencarnações gloriosas como recompensa de suas ações
virtuosas. Há outros que dependem de espíritos para guiá-los e outros não se
elevam acima de seus egos que não evoluíram. Alguns patinham no misticismo
por curiosidade, muitos por passatempo, outros como profissão e ainda há outros
que apreciam a notoriedade que lhes traz a associação com o invisível. Encontrei
alguns que não sabiam o que procuravam e, não obstante, possuíam grande
entusiasmo.
Com exceção de alguns poucos escolhidos de Deus, inspirados pela luz e glória
da verdade, encontrei grande dificuldade em fazer com que as pessoas saíssem
do mundo objetivo e se interessassem pelo mundo subjetivo. Em outras
palavras, sair da ilusão para a estabilidade e do egoísmo para a autonegação. É
como conduzir um navio contra a maré. O mesmo ocorre no Oriente. Se não
fosse assim, todo Oriental seria um santo. Ainda assim, o meio ambiente e o
treinamento no Oriente indubitavelmente ajudam os Orientais a aplainar o
caminho que os leva à vida.
CAPÍTULO VIII
Treinamento Oriental
Se tal cortesia fosse usada nos países modernos e civilizados como a América
do Norte, onde existe um forte preconceito de cor, como lucraria a nação! A
cortesia para com os estrangeiros é uma virtude no Oriente, enquanto que o
egoísmo da civilização moderna impede os estrangeiros de entrar sem receio
nos países Ocidentais. Trata-se de uma tendência desumana e nos faz lembrar
os cães, que latem e afastam um estranho de sua casa.
É bom lembrar, entretanto, que essa confiança total nunca deve ser depositada
num mestre até que se tenha adquirido confiança integral nele e não mais
existam quaisquer dúvidas. Quando essa confiança é dada, não deve existir
nada na terra que a possa quebrar ou destruir por toda a eternidade. Há muitas
pessoas que acham humilhante ser guiadas por outra, mas estão redondamente
enganadas, pois à luz da verdade só existe Um. As relações entre o mestre e o
discípulo são preferíveis a qualquer outra associação no mundo, se pensarmos
que uma amizade com Deus é a única amizade verdadeira, que dura
eternamente. Disse Hafiz: “Derrama vinho no tapete em que rezas se teu Pir-O-
Murshid (Mestre) ordenar. O guia não é um negligenciador de costumes e
veredas do Caminho”.
“Onde quer que Tu estejas, Tu estás mais perto de tudo e, todavia, Tu não estás
em nenhum lugar, ó Ser que em tudo penetra”. – ZAHIR
A vida do místico, tanto a vida interior como a vida exterior, é mostrada como um
maravilhoso fenômeno em si mesma. O místico torna-se independente de todas
as fontes terrenas da vida e passa a viver no Ser Divino, chegando à realização
da presença de Deus pela negação do seu ser individual. Mergulha, assim, na
mais alta bem-aventurança, onde encontra a sua salvação.
O MORTO VIVO
Personagens
O Marajá
Dois cortesãos
Dois músicos
Pajem
Quatro ladrões
Vendedora de Frutas
Dois camponeses
Um velho
Mago
1.° Ato
1.ª Cena
MARAJÁ (depois da primeira canção) – Khan Saheb, qual foi a “Raga” que
cantou?
MÚSICO – Perdão, Majestade, acaba de ser ateado. Breve será uma chama.
(Entra o PAJEM)
PAJEM – Marajá! Naeka, a dançarina, aquela que possui a beleza mais delicada,
cuja pele tem deslumbrado todos os grandes artistas, está aguardando as ordens
de Vossa Majestade.
NAEKA – Perdão, Marajá, foi a rosa que tirou sua beleza de mim.
(Entra PURAN, faz uma mesura real, curva-se quase tocando o chão.
MARAJÁ (a Puran) – Vai passear a cavalo, meu filho? Já acabou seus estudos?
(PURAN sai. NAEKA demonstra sua emoção nos seus movimentos e expressão,
agindo como se estivesse com vontade de segui-lo. Dá dois ou três passos,
depois recobra os sentidos, passa a mão pela cabeça como se quisesse ficar
livre de seu pensamento.)
MARAJÁ (depois que PURAN saiu, dirigindo-se ao 1.° Cortesão) – Por que não
se concentra ele nos estudos? O que faz ele?
1.° CORTESÃO – Não aprecia a caça, a luta, o boxe. Está feliz quando se
encontra vagando a sós na natureza.
1.° CORTESÃO – O Príncipe Puran não tem nenhum vício. Não bebe, não fuma,
e não tem nenhum desses hábitos. O Príncipe é diferente dos jovens de sua
idade. Não se sente atraído por frivolidades. É um defensor dos ideais e dos
princípios.
PANO
2.ª Cena
NAEKA – É verdade, tenho tudo de que necessito, mas eu queria poder amar o
Marajá. Não posso dizer que o amo. Sua intimidade me repugna. Além disso,
não me acostumo com suas exigências. Pede que me abstenha de qualquer
frivolidade com os homens.
SAHELI – Sim, porque vos ama. Sois uma artista nata, desculpai-me, Bai! (Sorri
com uma expressão humorada e faz gestos).
SAHELI – Certamente, Bai, bem sabeis que sois encantadora. Há a mulher que
tem encantos para muitos e há a mulher que tem charme só para um. Há uma
outra mulher, como eu, que não tem encantos para ninguém. Vossa vaidade tem
sido satisfeita, Bai, pela atenção de muitos admiradores.
SAHELI – Esta vida talvez vos pareça estranha, Bai, mas vos acostumareis.
NAEKA – Esta vida, para mim, é uma prisão. Sinto-me como um pássaro preso
numa gaiola de ouro. (Chorando) Preferia ser uma dançarina livre do que uma
rainha cativa.
NAEKA – É tudo que desejo: ser rainha um dia. No entanto, como gostaria que
fosse Puran e não ele.
NAEKA (levanta-se da cadeira e olha pela janela) – Lá vai ele a cavalo. Saheli,
peço-lhe, vá chamá-lo. Diga-lhe que tenho algo para dizer-lhe. Traga-o aqui, sim
Saheli, por favor?
NAEKA – Sim, eu vos chamei, Puran. Vinde sentar aqui. (Oferece-lhe uma
cadeira perto dela. Ele se senta, acanhado com os olhos baixos). Admiro vosso
belo cavalo. Parece ter orgulho de seu elegante cavaleiro. Dizei-me porque o
Marajá não está contente convosco? Faria tudo para que ele tivesse melhor
disposição a vosso respeito.
PURAN – O que mais procuro na vida é agradar a meu Pai. Se não consigo
agradá-lo é porque sou indigno.
NAEKA – Vós indigno? Como podeis dizer tal coisa? Sois o filho mais digno que
qualquer pai desejaria ter. Se fôsseis o rei, o povo seria muito feliz, mais feliz
não poderia ser. Nosso povo se alegrará vendo-vos um dia sentado no trono,
com a coroa na cabeça.
PURAN – A beleza de minha mãe não pode ser vista por qualquer olho.
NAEKA – É velha?
NAEKA (com relutância) – Sou a favorita de vosso pai (sorrindo) mas sou
bastante jovem para ser vossa amante. (Puran ainda mais perplexo). Puran, por
que estais calado, por que não falais comigo? (passa o braço no braço dele,
acaricia sua mão, chega-se para mais perto do seu rosto). Puran, vós já vistes,
ou já ouvistes ou já conhecestes a explosão de um vulcão dentro do coração?
(Puran levanta-se. Ela também se levanta e segura sua mão). Pensai o que
quiserdes, dizei o que quiserdes, mas deixai que uma vez meus lábios beijem os
vossos. O que tiver que ser, será. (Ela o abraça e beija. Vê o Marajá atrás de
Puran. Afrouxa os braços e finge que desmaia. Puran sai apressadamente, não
tendo visto o pai).
MARAJÁ (Levanta Naeka e põe a mão na adaga enraivecido) – O que há?
NAEKA – (Joga a cabeça de encontro ao peito do Marajá e põe a mão nos seus
ombros) – Vosso filho, vosso filho!
MARAJÁ – Meu filho? Ele não é meu filho. Não pode ser meu filho! Como ousou
vir aqui? Não sabe que gosto de você? É uma desonra para o meu nome. (Põe
Naeka nas almofadas. Ela fica imóvel).
MARAJÁ – Saheli!
(Entra SAHELI)
PANO
3.ª Cena
2.° CARRASCO – Você é quem vai matá-lo. (Os dois desembaiam as adagas)
1.° CARRASCO – (dirige-se a PURAN e faz uma violenta investida com a arma.
Quando está quase tocando a cabeça de Puran, sua mão fica paralisada. – Ao
2.° Carrasco) – Não, mate-o você.
2.° CARRASCO – Vou matá-lo. (Vira o corpo, dá uma volta, move-se com
arrebatamento e prepara-se para dar o golpe. Levanta a mão com grande força.
Quando a adaga chega perto da cabeça de PURAN, a mão do Carrasco treme
e ele atira longe a adaga. Chama o 1.° Carrasco e faz um gesto) – Deixemos
que se vá.
(Ambos riem, com as mãos na barriga, e olham para a direção tomada por
PURAN)
PANO
2.° Ato
1.ª Cena
1.° LADRÃO – Parece que roubaram milhões. Veja que fardo pesado estão
carregando (silêncio). Mas... é um homem!
4.° LADRÃO – Nunca fizemos uma viagem tão ruim, desde o começo. Quando
passávamos pela floresta vimos ao longe o rosto de uma bela mulher. Ficamos
encantados com a perspectiva de boa sorte, mas quando chegamos perto o que
encontramos? Este infeliz.
3.° LADRÃO – Estava passando fome, suponho, há muitos dias. Não possuía
nada consigo.
4.° LADRÃO – Ele não estava tão mal assim quando o trouxemos conosco.
3.° LADRÃO – Devíamos tê-lo deixado no caminho quando o vimos tão mal e
não podendo nos acompanhar, mas você insistiu para que o carregássemos pela
floresta. Vejam só, cansamos nossos braços e nossas pernas e agora ele está
pior do que antes, talvez quase morrendo.
(Dois CAMPONESES passam com sua pá e forcado nos ombros a caminho dos
campos. Param para ver o que está acontecendo)
PURAN – Sim.
COMERCIANTE – Mas as mil rúpias que eu enterrei, não serão jamais roubadas
por ninguém!
VAIRAGI – Direis vós: agarro eu isto, possuo aquilo outro, mas, na realidade,
nada vos pertence, nem mesmo vosso próprio corpo.
HOMEM COM A PÁ (com uma expressão de dúvida) – Então não devemos ter
nada?
VAIRAGI – A vida é sem sentido até que tiverdes compreendido o seu sentido.
O VELHO – Falastes agora da vida, Baba, mas o que tendes a dizer a respeito
da morte?
MAGO (com ênfase) – O que está aí a perguntar-lhe? O que sabe ele sobre a
vida e sobre a morte? Pode ele ressuscitar um morto? (Gesticulando) Eu posso
me cortar e me curar imediatamente. Posso me matar e voltar à vida. Posso
afogar-me e voltar à tona. Agora, todos vós que me ouvis, deixai-o sozinho e
segui-me. Posso dar-vos qualquer coisa: saúde, dinheiro, sucesso, poder,
prazer, tudo.
PURAN – Não, Mestre, exceto a profunda devoção que tributo à minha Mãe.
PURAN – Não, não tenho, embora tenha nascido numa classe onde posso ter
isso tudo.
PURAN – Sim, Mestre, com a vossa ajuda terei forças para prosseguir.
VAIRAGI – Farei uma experiência convosco, meu filho, durante um certo tempo,
quando tereis de passar por muitas provas.
(O Vairagi levanta Puran, segura-o por um momento, dá-lhe o seu manto para
que passe a usá-lo. Coloca o rosário que estava segurando no pescoço de
PURAN, toca a testa dele com a água de seu cântaro e o abençoa com as duas
mãos estendidas sobre a sua cabeça).
PANO
2.ª Cena
Na sala de NAEKA
NAEKA – Desde que perdeu o filho o Marajá está cada vez mais deprimido.
Você ouviu falar alguma coisa sobre a Maarâni?
SAHELI – Ouvi dizer que pouco come e nunca fala e só geme durante o sono.
Quando está acordada chama o nome do filho: Puran, Puran!
Envelheceu tanto que mal se consegue reconhecê-la. Está quase cega de tanto
chorar. Ouvistes falar do jardim de Puran, Bai? Que estava abandonado todos
estes anos, depois que ele se foi? Muitas árvores morreram e as plantas
secaram. Os lobos fizeram seu covil no lugar onde Puran vivia, mas, agora,
dizem que um vagabundo passou por lá, sentou-se na sombra de uma árvore e
logo que salpicou algumas gotas da água do seu cântaro, todo o jardim
novamente vicejou. Centenas de pessoas têm ido vê-lo. (Olhando pela janela).
Lá vai ele, andando, podeis vê-lo, Bai?
NAEKA – Quem?
NAEKA (olhando também pela janela) – É um tipo de homem que sabe ler a
sorte das pessoas. SAHELI, vá chamá-lo, por favor.
(SAHELI sai. NAEKA vai para frente do espelho arranjar o cabelo. Entra PURAN,
usando uma barba longa e o manto que lhe foi dado pelo Vairagi, e com o rosário
à volta do pescoço. Ambos se sentam).
(PURAN ouve, O MARAJÁ entra e vendo NAEKA falando com um estranho fica
chocado e pára, olhando o que está se passando).
NAEKA – O Marajá, que tanto me amava, acho que está perdendo o interesse
em mim.
NAEKA – A princípio estava cego de amor por mim, mas suspeitando de seu
filho comigo, condenou-o à morte. Desde aí parece que seu coração ficou frio.
(O MARAJÁ põe a mão no coração, joga a cabeça para trás com os olhos
semicerrados, relembrando o acidente).
NAEKA – Imediatamente?
NAEKA – Isso é uma coisa que não posso dizer. Meus lábios tremem, meu
coração desfalece.
NAEKA – Não o poderia contar a ninguém no mundo, mas não posso esconder
de vós o meu segredo. Sei que podeis olhar dentro de minha alma.
NAEKA - A culpa foi minha. Eu queria ser a rainha, mas como esposa do jovem
Puran e um dia meu coração abriu-se diante dele. Ele recusou, mas a impressão
que o Marajá teve foi que ele estava me amando. Num acesso de raiva o Marajá
condenou o filho à morte.
MAARÂNI – Esta voz! É a voz dele! (Levanta-se, chega para mais perto de
Puran, estende as mãos). Quero olhá-lo, (Sente a mão dele e chora) Meu Puran,
vós sois meu Puran!
PURAN – Minha Mãe.
(PURAN coloca as duas mãos sobre os olhos dela. Ela olha para ele e beija-o)
MARAJÁ (dá um passo à frente. NAEKA desmaia) – Será uma ilusão de meus
olhos? Estais realmente aqui? Meu filho! Puran! Nunca pensei que vos pudesse
ver novamente. (Levanta as mãos para o alto) Obrigado, Providência! (Dirigindo-
se a Puran) Podeis me perdoar? Jamais me perdoarei pelos sofrimentos que vos
causei.
MARAJÁ – O que mais quero eu? Minha vez já passou. Agora reinareis neste
país.
PANO