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HAZRAT INAYAT KHAN

A MENSAGEM
SUFI-II

A Saúde
Confissões
O Morto Vivo
UNIVERSALISMO
Sumário

O MOVIMENTO SUFI

Objetivos do Sufi

O Mensageiro

Que é um Sufi

O Emblema Sufi

O Objetivo do Movimento Sufi

A Tradição do Sufismo

Mensagem Sufi

Máximas Sufis

Característicos do Sufi

Pensamentos do Sufi

A SAÚDE

CONFISSÕES

Capítulo I – As primeiras fases de minha vida

Capítulo II – Meus estudos das religiões

Capítulo III – Início de minha excursão pela Índia

Capítulo IV – Meu interesse pelo Sufismo

Capítulo V – Minha iniciação no Sufismo

Capítulo VI – Minha viagem ao Ocidente

Capítulo VII – Oriente e Ocidente

Capítulo VIII – Treinamento Oriental

O MORTO VIVO
O Movimento Sufi

Uma doutrina e uma prática da mais estreita e sincera fraternidade entre os


homens, e da mais universal adoração ao Supremo Ser, por meio de uma ordem,
ou escola para iniciação, treino e aperfeiçoamento, naquele sentido, de todas as
almas que desejem buscar a verdade e o caminho para Deus, sem distinção de
igrejas, confissões ou escolas filosóficas, – eis o que é o Movimento Sufi,
originado no Oriente e, espalhando-se hoje por todo o mundo, e de que
procuramos dar aqui uma sucinta idéia, ou definição.
Objetivos do Sufi

1. Realizar e espalhar o conhecimento da unidade, a religião do Amor e da


Sabedoria, de maneira que as inclinações das fés e das crenças possam de si
mesmas fenecer, o coração humano possa inundar-se de amor e possa
erradicar-se toda ira causada pelas distinções e diferenças.

2. Descobrir a luz e a força latente no homem, o segredo de toda religião, a força


do misticismo, e a essência da filosofia, sem interferir nos costumes, ou crença.

3. Ajudar a trazer os dois pólos opostos, o Oriente e o Ocidente, intimamente


unidos pelo intercâmbio do pensamento e dos ideais, de modo que a fraternidade
universal possa formar-se por si mesma, e o homem possa encontrar-se com o
homem além dos estreitos limites nacionais e raciais.
O Mensageiro

Pir-O-Murshid Inayat Khan, o iniciador do Movimento Sufi, e fundador da


respectiva Ordem, nasceu em Baroda, Índia do Sul, a 5 de julho de 1882. Suas
qualidades excepcionais, talentos artísticos e atitudes espirituais eram evidentes
desde os primeiros anos de sua mocidade. Seus poemas são inspirados e tocam
ao sublime. Músico, tornou-se famoso em toda a Índia, tanto como compositor
quanto como cantor, e foi honrado pelos potentados com títulos, jóias e dinheiro.
Estudou música, poesia, filosofia, religião comparada e misticismo com os
maiores mestres da sua terra, e então, sentindo comandá-lo, no seu íntimo, a
força impulsiva do Divino, correspondeu à exortação do seu Senhor, “Na verdade
tu és abençoado por Allah, o mais Misericordioso e Compassivo Deus; segue
meu Filho, junta o Oriente com o Ocidente, dá ao mundo a Divina Mensagem de
Amor, Harmonia e Beleza”.

Pir-O-Murshid Inayat Khan, alma verdadeiramente iluminada e mística, deixou a


sua terra natal em 1910, e viajou pela Europa e Estados Unidos da América,
recebendo constantemente a Divina Inspiração e Revelação, que ele
interpretava em linguagem humana e ofertava ao mundo. Os seus ensinamentos
incorporam a riqueza do saber que tem sido entesourado no Oriente durante
séculos, satisfazem a fome espiritual de toda alma e formam um treino seguro e
sistemático a respeito do desenvolvimento da consciência no rumo dessa
compreensão da Presença de Deus, que é a meta da humanidade.

Pir-O-Murshid Inayat Khan fundou e organizou o Movimento Sufi e deu-lhe


completa intuição em todos os seus cinco ramos de atividade. Depois,
conhecendo que a sua Missão tinha sido cumprida, obedeceu ao Chamado de
Retorno e voltou para a Índia, no fim de 1926.

Depois de fazer uma série de conferências na Universidade de Delhi, capital da


Índia Inglesa, e de ser reconhecido pelo Chefe dos Sufis na Índia, Shaikh Nizami
como seu Mestre, de todos os Sufis, conheceu que a tarefa da sua vida estava
completa. Mais tarde, como predissera, passou alguns dias no estado de êxtase,
conhecido como Samadhi e finalmente deixou o seu corpo físico a 5 de fevereiro
de 1927. Seus restos mortais jazem numa tumba entre dois Santos Sufis, em
Delhi.
Que é um Sufi?

Que é um Sufi? – É aquele que não se separa dos outros pela opinião ou dogma,
e que percebe ser o coração como o Sacrário de Deus.

Que deseja ele? – Remover o falso eu, e descobrir dentro dele Deus.

Que ensina ele? – Felicidade.

Que procura ele? – Iluminação.

Que enxerga ele? – Harmonia.

Que outorga ele? – Amor a todas as coisas criadas.

Que obtém ele? – Uma força maior do amor.

Que perde ele? – O egoísmo.

Que acha ele? – Deus.


O Emblema Sufi

O Emblema do Movimento Sufi – um coração alado – simboliza os seus ideais.


O coração é tomado em ambos os sentidos, o celeste e o terreno. Como o centro
do ser de uma pessoa, é um receptáculo na terra, do Espírito Divino, e se eleva
ao Reino do Céu quando corresponde ao Espírito de Deus, que eternamente
procura guiar a humanidade. A elevação do coração é indicada pelas asas
abertas, e estas representam, respectivamente, desprendimento e
independência; desprendimento dos gozos mundanos e da arbitrária opinião, e
independência na consciência do Amor, da Sabedoria e do Poder de Deus.

O Crescente no coração simboliza correspondência; é o coração


correspondendo ao Espírito de Deus, que se levanta. O Crescente é o símbolo
da correspondência, porque vai ficando mais cheio, correspondendo mais e mais
ao sol. A luz, que se vê na lua crescente, é a luz do sol, e, aumentando
correspondentemente, se torna ela cheia da luz do sol. Semelhantemente, a
alma nobilitada sempre se torna uma expressão mais plena das qualidades
divinas.

A Estrela no centro do Coração representa a centelha Divina, que se reflete no


coração humano com amor, e, pela virtude do sopro Divino, pode ser soprada
até que se levante uma chama para iluminar o caminho da vida de uma pessoa.
O Objetivo do Movimento Sufi

O objetivo do Movimento Sufi é trabalhar em prol da unidade. Seu objetivo


principal é atrair a humanidade, hoje dividida em tantos setores diferentes, para
que os homens se aproximem cada vez mais e compreendam mais
profundamente a vida. É uma preparação para um serviço de âmbito mundial,
usando três caminhos principais: um dos caminhos é a compreensão filosófica
da vida, outro é estabelecer uma fraternidade entre raças, nações e crenças, e
o terceiro caminho é satisfazer a mais premente necessidade do mundo, a
religião para os dias atuais. Sua finalidade é dar à humanidade aquela religião
natural, que sempre foi a religião dela: respeitar todas as crenças, todas as
escrituras e todos os mestres. A Mensagem Sufi é um eco da eterna mensagem
divina, que sempre foi transmitida e sempre será dada ao mundo para iluminar
a humanidade. Não é uma nova religião, é a mesma mensagem dada à
humanidade. É a continuação da mesma religião antiga, que sempre existiu e
sempre existirá, uma religião que pertence a todos os mestres e a todas as
escrituras. É a continuação de todas as grandes religiões que existiram no
mundo em épocas diferentes e é uma unificação de todas elas, o que constitui e
constituiu sempre o desejo de todos os profetas.

O Movimento Sufi é composto de pessoas que possuem o mesmo ideal de servir


a Deus e à humanidade, ideal esse que impele os Sufis a devotar uma parte, ou
a vida inteira, ao serviço da humanidade, levando-a ao caminho da Verdade. O
Movimento Sufi é formado de grupos, cujos membros pertencem a todas as
religiões e, portanto, professam religiões diferentes. Todos são benvindos ao
Movimento Sufi, quer sejam Cristãos, Budistas, Parsis, Muçulmanos, etc. Não se
indaga sobre a fé ou crença de ninguém. Cada um pode continuar a frequentar
a sua igreja, a ter sua religião ou credo. Não se obriga ninguém a acreditar em
um credo ou dogma em particular. Há liberdade de pensamento. É dada uma
orientação pessoal para trilhar o caminho, quer sobre os problemas da vida
exterior, quer sobre os problemas da vida interior.

Os que fazem parte da escola esotérica do Movimento Sufi recebem, além da


orientação pessoal, ensinamentos que são transmitidos somente àqueles que
estão preparados para recebê-los. Há sutilezas de idéias, de idéias espirituais,
morais ou filosóficas, que não podem ser transmitidas imediatamente a qualquer
pessoa, mas que são transmitidas gradativamente àqueles que se mostram
suficientemente compenetrados para enveredar no caminho da Verdade.
Entretanto, todos aqueles que desejarem pesquisar a Verdade devem se lembrar
de uma coisa: o primeiro passo no caminho da Verdade é ser verdadeiro para
consigo mesmo.

O culto do Movimento Sufi é chamado “Adoração Universal”, porque nesse culto


são reverenciados todos os cultos: do Cristão, do Muçulmano, do Hebreu, do
Zoroastriano, do Budista, do Hindu. Assim, pois, quem quer a bênção de Jesus
Cristo receberá essa bênção do altar, os que procuram a bênção de Moisés
receberão a sua bênção, os que desejam a bênção de Buda também a recebem
de Buda, e assim sucessivamente, mas aqueles que procuram a bênção de
todos os grandes Profetas que vieram ao mundo em épocas diferentes, esses
recebem uma bênção global, a bênção de todos os Profetas.

O Movimento Sufi não interfere no ideal de ninguém nem na devoção que cada
um tem ao seu Mestre. Seria isso um absurdo tão grande como se pensássemos
que uma criança pode amar mais a mãe de uma outra criança do que a sua
própria mãe. Tem alguém o direito de comparar e colocar em determinado lugar
os grandes Mestres ou as Escrituras? Ninguém. Onde podemos colocar o nosso
ideal é na devoção de nosso coração ao ideal que adoramos e isso é assunto
que só a nós diz respeito. Ninguém pode interferir.

Certa vez algumas meninas brincavam e diziam: “Minha mãe é a melhor das
mães”, ao que outras retrucavam: “Não, a minha mãe é a melhor”. Todas
apresentavam argumentos, mas uma delas, que tinha mais sabedoria do que as
outras, disse: “Não é nada disso, o que é adorável é a mãe, seja ela a sua mãe
ou a minha mãe”.

Interfere o Movimento Sufi na devoção das pessoas aos seus Mestres? Nunca,
mas convida as almas a ver que a fonte e a meta de todas as sabedorias é uma
só, e que todas as bênçãos que as almas almejam vêm da mesma fonte, pois a
verdade é que existe uma só e única fonte.

Na “Adoração Universal” os Sufis colocam no altar as Escrituras de todas as


religiões enumeradas acima e colocam também velas representando essas
religiões. As diversas velas acesas significam nossa adesão aos diferentes
Mestres, religiões e escrituras, que ensinaram que existe somente uma luz,
embora existam muitas lâmpadas. Não são as lâmpadas que devem entrar
primeiramente na mente e sim a luz. É essa luz que deve ser levada em primeiro
lugar ao coração.

Jesus Cristo trouxe ao mundo o ensinamento da religião da unidade. Os


ensinamentos de Moisés e os esforços de Maomé tiveram o mesmo objetivo.
Tudo que Buda ensinou, o que Krishna pregou, pode ser resumido no seguinte:
existe uma só luz, que é a luz divina, e a direção apontada por essa luz é o
caminho que deve ser trilhado pela humanidade.
Embora o ideal Sufi seja expresso de muitas maneiras, os Sufis adoram também
o ideal do “sem forma”. A forma serve para ajudar os que precisam ver a forma,
pois nossa educação é baseada realmente em nomes e formas. Se não
existissem nomes e formas, não teríamos aprendido a conhecer as coisas, mas
a finalidade da forma é apenas uma questão do que está atrás da forma. É
sempre a mesma e única verdade que existe atrás de todas as religiões.
Portanto, o cerimonial do culto Sufi não deixa também de ser um ensinamento,
mas todo Sufi é livre de usar ou não usar uma forma. Um Sufi não fica limitado
a forma alguma. As formas são usadas pelo Sufi, mas as formas não o
aprisionam.

No Movimento Sufi não existe sacerdócio no sentido comum da palavra. O


sacerdócio é apenas para o cerimonial e para preencher as funções que um
sacerdote sempre exerce na vida cotidiana. Os que recebem as ordens no
Movimento Sufi são chamados “Sirajs” e “Cherags”. Não há distinção entre o
elemento masculino e feminino. A alma que se mostrar digna será ordenada.
Constitui isso um exemplo para o mundo, mostrando que em todos os lugares –
na igreja, na escola, no Parlamento ou na corte – a mulher e o homem juntos é
que contribuem para uma evolução completa. O Sufi é ao mesmo tempo um
sacerdote, um pregador, um mestre e um aluno de todas as almas que encontra
pelo mundo.

As preces Sufi “Saum” e “Salat” não são preces feitas pelo homem. São preces
enviadas do Alto, foram transmitidas da mesma forma que, em cada período de
reconstrução espiritual da humanidade, foram transmitidas as demais preces.
Essas preces têm poder e trazem bênçãos, especialmente para aqueles que
crêem.

O que representa uma prece verdadeira? Louvor a Deus. Qual é o significado da


palavra louvor? Apreço, abrir o coração cada vez mais à beleza divina
representada na manifestação. Nunca seremos bastante gratos. Devemos
ensinar às crianças e aos nossos empregados a ter apreço, não para nosso
próprio benefício, mas para que eles se beneficiem do ensinamento de que
devem dar valor e apreciar as coisas. Se isso não Ihes for ensinado, privá-lo-
emos de uma grande virtude, pois a alegria e a felicidade estão no apreço a
determinadas coisas ou certas condições. A prece treina a alma para dar maior
apreço à bondade de Deus.

A prece pode ser feita em silêncio, mas como a natureza de sensação é


psicológica, se recitarmos as palavras da prece em voz alta faremos com que
elas penetrem no “Akasha” do corpo, a parte etérea do corpo, e atinjam o plano
interior do nosso ser. Assim sendo, as preces repetidas em voz alta têm sobre a
alma um efeito maior do que uma prece recitada em silêncio. A prece é dada ao
homem para que se beneficie dela e não para beneficiar Deus.
A ação da prece também é psicológica, porque produz em cada átomo do nosso
corpo, imagens do pensamento que está atrás da prece. Cada átomo do corpo
reza, até as células do sangue oram. Todo ser do homem se transforma numa
prece. Assim, os movimentos que acompanham as preces têm uma ação
psicológica. A cada movimento que fazemos ao dizer as preces, segue-se uma
espécie de projeção, que fica impressa em cada átomo do nosso corpo. Nossa
circulação é afetada e todo nosso ser é afetado pela circulação, até a nossa pele.
A Tradição do Sufismo

Pir-O-Murshid Inayat Khan definiu o Sufismo como a filosofia do Amor, da


Harmonia e da Beleza. É um reconhecido caminho místico da devoção, tem
existido no Oriente há mais de um milhar de anos, mas a sua tradição pode ser
rastreada pelo menos até o tempo de Abraão, o pai de quatro grandes religiões,
e que foi ele mesmo iniciado no antigo culto religioso do Egito. A Confraria dos
Essêneos, existente ao tempo de Jesus, era indubitavelmente Sufi. No sentido
verdadeiro da palavra, o Sufismo tem existido desde o nascimento da raça
humana e todos os grandes Mensageiros, Profetas, Santos e Mestres hão sido
Sufis. Neste aspecto ideal, o Senhor Buda foi mais um Sufi do que um Budista,
justamente como o Senhor Jesus foi um Sufi antes que um Cristão, porque
ambos tornaram realidade a bênção da Consciência de Deus e apontaram o
caminho dela para os outros seguirem. No seu mais profundo aspecto, o Sufismo
corresponde àquela Companhia de todas as almas iluminadas, que formam a
corporação do Mestre, o Espírito de Guia, a que se referem os Místicos Cristãos
como a Igreja Oculta, iluminada pela Luz de Cristo, que governa e dirige todas
as formas exteriores de religião. Cada época do mundo tem visto almas
iluminadas, e assim como é impossível limitar a sabedoria a nenhum período,
lugar ou povo, assim também é impossível datar ou localizar a origem do
Sufismo.
Mensagem Sufi

A Mensagem de Deus tem sido enviada à terra aonde quer que o clamor da
humanidade chegue a um certo ponto, e tem sido outorgada numa forma
apropriada às necessidades do tempo; mas, em essência, é a mesma
eternamente. “Deus fala a seus filhos através dos lábios do homem”. Seus
Mensageiros Divinos têm sido muitos, e incluem Rama, que trouxe a Mensagem
da Sabedoria; Buda, com a Mensagem da Compaixão; Zoroastro deu a
Mensagem da Pureza; Moisés, a Mensagem da Lei; Cristo foi portador da
Mensagem do Sacrifício de Si Mesmo, e Maomé deu a Mensagem da Unidade.

A Mensagem da Verdade Divina surgiu para o Mundo Ocidental em 1910 com


Pir-O-Murshid Inayat Khan. Ele incorporou numa forma moderna e universal a
Essência da Verdade e Sabedoria dos Místicos Sufis do Oriente, e profetizou
que o Sufismo se tornaria a Religião e Filosofia das futuras gerações. Em si
mesmo, o Sufismo não é um culto novo, posto que sua clara exposição da
Verdade Divina e da natureza imortal do homem constitui uma Revelação para
o mundo.

A Mensagem Sufi é a resposta Divina ao clamor humano da hora presente por


Paz, Amor e Felicidade, e estes ele os dá pela concepção de Deus imanente,
não distante, mas presente, dentro do coração de cada indivíduo.

Ele não traz novas teorias, ou doutrinas, para se adicionarem àquelas já


existentes, que atrapalham a mente humana. O de que o mundo precisa hoje é
a mensagem de Amor, Harmonia e Beleza, cuja ausência é a única tragédia da
vida. A Mensagem Sufi não dá uma nova lei, mas desperta na humanidade o
espírito de fraternidade, com tolerância da parte de cada um para com a religião
do outro, com perdão de cada um para a falta do outro; ensina a plenitude de
pensamento e a consideração, de maneira a criar e manter a harmonia na vida.
Ensina a servir e ser útil, o que pode, somente, fazer frutífera a vida no mundo,
e em que reside a satisfação de cada alma.

O Movimento Sufi tem crescido rapidamente durante os últimos anos, sendo hoje
uma organização internacional com a sua sede em Genebra.
Máximas Sufis

Espiritualidade quer dizer coração afinado; não podemos obtê-la nem por estudo
nem por devoção.

Uma perda mundana por vezes se torna um ganho espiritual.

O caminho do Sufi é gozar a vida, e no entanto manter-se acima dela; viver no


mundo, e não se deixar ganhar por ele.

Aprender a lição de como viver é mais importante do que todo e qualquer treino
psíquico, ou de ocultismo.

A Sabedoria não está nas palavras, mas na compreensão.

Uma Alma é tão grande quanto o círculo da sua influência.

De entre as conchas de um coração partido emerge a alma rediviva.

Deus fala ao profeta na sua língua Divina e o profeta interpreta-o na linguagem


do homem.

A alma de Cristo é a luz do Universo.

O que nos faz felizes, ou infelizes, não é a nossa situação na vida, mas a nossa
atitude para com a vida.

A felicidade é nosso direito inato; cada alma procura a felicidade, finalmente


descobre que não existe em parte alguma felicidade, exceto em Deus.

Quanto mais temos em vista os sentimentos dos outros, mais harmonia e


felicidade podemos criar.

Para uma alma vigilante, o Dia do Juízo não vem depois da morte, mas hoje
mesmo.

Nas esferas da consciência, a alma do homem e o espírito de Deus se encontram


e se tornam um.

A alma iluminada encontra seu caminho nas trevas, tanto no interior como fora
de si mesma.

A vida é a principal coisa a considerar, e a vida verdadeira é a vida interior, a


exata compreensão de Deus.
Fazer de Deus uma realidade é o verdadeiro objeto da adoração.

A Alma chega a um estado de realização onde a Vida toda se torna uma visão
sublime da Imanência de Deus.

Na verdade, aquele que busca o mundo herdará o mundo, mas a alma que
procura Deus alcançará a Presença de Deus.

“A verdadeira espiritualidade não é necessariamente uma fé, ou crença fixa – é


o enobrecimento da alma pelo elevar-se acima das barreiras da vida material”.
Característicos do Sufi

– Qual é a religião do Sufi? – A vida natural.

– Qual é a maneira do Sufi – A simplicidade.

– Qual é a meta do Sufi? – A exata compreensão de si mesmo.

– Qual é o caminho do Sufi? – A amizade.

– Qual é a arte do Sufi? – A humildade.

– Qual é o condão do Sufi? – A personalidade.

– Qual é a moral do Sufi? – A beneficência.

– Qual é a atitude do Sufi? – O perdão.

– Qual é o ideal do Sufi? – O homem.

– Qual é do Sufi o bem-amado? – Deus.


Pensamentos do Sufi

1. Existe um Deus, o Eterno, o Ser único; ninguém existe senão Ele.

2. Existe Um Mestre, o Espírito-Guia de todas as almas, que permanentemente


conduz os que o seguem para a Luz.

3. Existe um livro santo, o sagrado manuscrito da natureza, a única escritura que


pode iluminar o leitor.

4. Existe uma religião, o indesviável progresso na direção retilínea para o ideal,


que preenche o objetivo da existência de toda alma.

5. Existe uma lei, a lei da reciprocidade, que pode ser observada por uma
consciência sem egoísmo conjuntamente com um senso de vigilante justiça.

6. Existe uma fraternidade, a fraternidade humana, que une os filhos da terra,


indiscriminadamente, de Deus, na Paternidade.

7. Existe uma moral, o amor que rebenta da negação do egoísmo, e floresce em


obras de beneficência.

8. Existe um objeto de louvor, a beleza, que levanta o coração dos seus


adoradores através de todos os aspectos, do Visto, para o Não-visto.

9. Existe uma verdade, o verdadeiro conhecimento da nossa entidade, interna e


externa, o que é a essência da sabedoria.

10. Existe um caminho, o aniquilamento do falso eu no real, que levanta o moral


para a imortalidade, na qual reside toda a perfeição.
A SAÚDE
A Saúde

I
A doença é uma desarmonia, desarmonia física ou desarmonia mental, atuando
uma sobre a outra. Qual é a causa da desarmonia? A falta de tom e de ritmo.
Como pode ser isso interpretado na terminologia física? O tom é o “prana”, a
vida, a energia; o ritmo é a circulação, a regularidade, regularidade nas
pulsações da cabeça, do pulso e na circulação do sangue pelas veias. Em
sentido físico, a falta de circulação quer dizer congestão e falta de “prana” ou
vida, ou energia significa fraqueza. Essas duas coisas atraem moléstias e são
as causas das moléstias. Em sentido mental, ritmo é a ação da mente, quer
esteja a mente ativa com pensamentos harmônicos ou com pensamentos
desarmônicos, quer esteja a mente forte, firme e estável ou esteja fraca.

Se alguém continua a pensar em idéias harmoniosas, o resultado é o regular


batimento do pulso e a boa circulação do sangue. Se for quebrada a harmonia
do pensamento, a mente então tornar-se-á congesta. Perde-se a memória,
advém a depressão e o que se vê é só escuridão. A dúvida, a suspeita, a
desconfiança e todas as formas de angústia e desespero vêm quando a mente
se acha assim congestionada. Conserva-se o “prana”, a vida ou energia da
mente, quando ela pode se estabilizar em pensamentos harmoniosos. Aí, então,
a mente pode equilibrar seus pensamentos, não pode ser facilmente agitada, e
a dúvida e a confusão não podem sobrecarregá-la. Seja moléstia nervosa, seja
desordem mental, seja enfermidade física, todos os diferentes aspectos da
insanidade têm na sua raiz uma causa e essa é a desarmonia.

O corpo que uma vez ficou desarmônico, torna-se um receptáculo de influências


desarmoniosas, de átomos desarmônicos. Participa deles sem o saber e o
mesmo se dá com o espírito. Portanto, o corpo que já está com falta de saúde é
mais suscetível de apanhar uma doença do que o corpo que está perfeitamente
são. Assim também o espírito, que já tem consigo uma desordem, é mais
suscetível de apanhar toda sugestão de desordem e, neste caminho, vai de mal
a pior.

É coisa comprovada pelos cientistas de todos os tempos que cada elemento atrai
o mesmo elemento. Assim, é natural que doença atraia doença. Em poucas
palavras, desarmonia atrai desarmonia, enquanto que harmonia atrai harmonia.
É comum vermos em nossa vida cotidiana uma pessoa que não está sentindo
nada, apenas está fisicamente fraca, ou cuja vida não está regular, ser sempre
suscetível de apanhar moléstias. Vemos também uma pessoa que tem
constantemente idéias desarmônicas sentir-se muito facilmente ofendida, não
demorar muito em ficar ofendida e uma pequena coisa e outra acolá fá-la irritada,
porque a irritação já está com ela, precisa justamente de um pequeno toque para
transformar-se em uma irritação mais profunda.

A par disto, a harmonia do corpo e do espírito depende da vida externa da


pessoa, do alimento que ingere, do meio em que vive, das pessoas com quem
se encontra, do trabalho que faz, do clima em que vive. Sem dúvida, sob as
mesmas condições, pode uma pessoa estar mal e outra estar bem. A razão é
que uma está em harmonia com o alimento que come, com o tempo em que vive,
com a gente a que se reúne, com as condições que a cercam. A outra revolta-
se contra o alimento que ingere, contra a gente com que vive, contra as
condições que a cercam, contra a época em que tem de viver. O único motivo é
que tal pessoa não está em harmonia e os mesmos resultados ela colhe e
experimenta em todas as coisas na sua vida: desordem e doença daí resultam.
Esta idéia pode ser muito bem demonstrada pelo método atual chamado auto-
hemoterapia usado pelos médicos, de inocular a pessoa com o mesmo elemento
que a faz doente. Não há melhor demonstração desta idéia do que a prática da
inoculação. Esta coloca a pessoa em harmonia com aquilo que é oposto à sua
natureza.

Se compreendermos este princípio, poderemos inocular-nos com tudo que não


se harmonizar conosco e a que estamos continuamente expostos e de que não
há meio de fugirmos.

O lenhador, em regra, não apanha insolação. O marinheiro não se resfria


facilmente. A razão é que o lenhador se fez à prova de sol, enquanto que o
marinheiro se fez à prova d’água. Em resumo, a primeira lição em matéria de
saúde é compreender este princípio: que a moléstia nada mais é do que
desarmonia e que o segredo da saúde está na harmonia.

II
A desordem no tom e a irregularidade no ritmo são as principais causas de toda
moléstia. A explicação dessa desordem do tom é que há um determinado tom
em que a vida está vibrando através de todo o corpo, através de cada canal do
corpo, e esse tom é um tom particular, continuamente vibrante, em cada pessoa.
Quando os místicos dizem que toda pessoa tem a sua nota não se referem à
nota do piano, é a nota que se processa como um tom, como um respirar. Mas,
se uma pessoa não toma o devido cuidado consigo mesma e se deixa influenciar
por qualquer vento que sopre, vive, como a água no mar, para cima e para baixo,
perturbada pelo ar.
O estado normal do homem é quando usa a sua capacidade de manter-se firme
através do temor, da alegria e da ansiedade e não se deixa arrastar de um lado
para outro como um farrapo de papel, a cada sopro de vento. Deve resistir a tudo
e ficar firme, de pé, no meio de todas essas influências.

Pode alguém argumentar: “Não está a água sujeita a influências tanto quanto o
rochedo?” O homem não foi feito para ser um rochedo, nem água. Tem tudo em
si, é o fruto de toda a criação, deve estar sempre apto a mostrar sua evolução
mantendo seu equilíbrio.

Uma pessoa capaz de num momento regozijar-se e logo a seguir se sentir


deprimida, muda suas maneiras e não pode manter aquele tom que lhe dá o
equilíbrio e que é o segredo da saúde.

São poucos os que sabem que não é o prazer nem o fazer-se alegre que
redundará em saúde! Ao contrário, a vida de clubes, como é hoje conhecida, dá
prazer num dia mas nos torna enfermos com o passar dos tempos, porque não
nos pode dar o equilíbrio necessário.

Quando alguém se torna sensível a cada pequena coisa com que se depara na
vida, muda a nota do seu tom. Soa uma outra nota, com a qual não está o seu
corpo acostumado e isso causa toda sorte de moléstia. Desespero excessivo e
excessiva alegria, todas as coisas em excesso devem ser evitadas. Há naturezas
que sempre buscam os extremos, precisam ter uma alegria, um divertimento, em
tal excesso que acabam se sentindo cansadas ou têm um colapso de tristeza e
desespero. Entre essas pessoas é que vamos encontrar os continuamente
sujeitos a doenças.

Se um instrumento não é conservado no tom apropriado, se é tocado por todos


que chegam e nele todos põem a mão, logo fica desafinado. Ora, o corpo
também é um instrumento, um instrumento que Deus fez para o Seu divino
objetivo. Logo, se ele for mantido afinado e não deixarmos que suas cordas se
afrouxem, esse instrumento se torna o veículo da harmonia para a qual criou
Deus o homem.

Como devemos manter esse instrumento afinado? Em primeiro lugar as cordas


requerem limpeza, sejam elas de tripa ou de arame de aço. Os pulmões e as
veias no corpo também requerem limpeza. É isso que os mantêm prontos para
exercer suas funções.

Como limpá-los? Pelo cuidado na dieta, pela sobriedade, pela respiração


apropriada e correta. Não é somente água e areia que se usam para a limpeza,
o melhor meio de limpar são o ar e as propriedades contidas no ar, propriedades
que inspiramos. Logo, se soubermos conservar limpos esses canais com o
auxílio da respiração, isto garantirá a nossa saúde. É isto que mantém o tom, a
nota própria de cada pessoa, livre de perturbações. Quando uma pessoa está
vibrando a sua própria nota de acordo com a sua evolução particular, ela passa
a ser ela mesma, está afinada no tom para que foi feita, no tom em que deve
estar o no qual naturalmente se sente confortável.

Falemos agora do ritmo: há um ritmo da pulsação, o batimento do pulso na


cabeça e no coração. Toda vez que o ritmo desse batimento é perturbado, causa
todas as moléstias porque perturba o mecanismo que está em andamento, a
ordem, que depende da regularidade do ritmo. Se uma pessoa repentinamente
ouve falar de alguma coisa que lhe causa temor, o ritmo se quebra, a pulsação
muda. Cada choque que recebe quebra o seu ritmo. Muitas vezes nota-se que,
embora tenha sido bem-sucedida uma operação, deixa ela uma cicatriz às vezes
por toda a vida. Uma vez quebrado o ritmo, é mais difícil endireitá-lo.

Se o ritmo se perdeu, deve ser restabelecido com grande sabedoria. Um súbito


esforço para reconquistar o ritmo pode fazer com que ele se perca ainda mais.
Se o ritmo se fez demasiado lento ou apressado demais, pode ser que o
quebremos ao tentar fazê-lo voltar à sua condição regular, ou nos quebremos a
nós mesmos. Há um processo gradual que deve ser usado sabiamente: se o
ritmo se tornou demasiadamente apressado, deve ser gradualmente
reconduzido à condição normal. Se está demasiadamente vagaroso, deve ser
gradualmente aumentado, ser mais ligeiro. Para fazermos isso é preciso ter
paciência e força de vontade. Por exemplo, quando se afina um violino
sabiamente não se torce a cravelha de uma vez levando-a logo ao tom próprio,
porque, em primeiro lugar isto é impossível e a corda poderia se quebrar. Embora
seja diminuta a diferença no tom, podemos levar a corda ao lugar próprio
afinando o instrumento gradualmente, poupando esforço e completando a
afinação.

A gentileza, quando falamos dela moralmente, é coisa diversa, mas a gentileza


é também necessária na ação e no movimento. Em cada movimento que se faz,
em cada passo que se dá, deve haver ritmo. Por exemplo, se quiserem procurar,
encontrarão muitos casos de pessoas que fazem movimentos disparatados e
que nunca podem se sentir bem, porque seu ritmo não está correto e é por isso
que a moléstia continua. Pode ser que não se encontre nenhuma doença em tais
pessoas mas, ainda assim, pelo simples fato de seus movimentos não estarem
em ritmo, manter-se-ão fora de ordem. A regularidade nos hábitos, na ação, no
repouso, no comer, no beber, no sentar, no andar, em tudo, nos dá esse ritmo,
que é necessário e completa a música da vida.

Alguém perguntou a Babur, o imperador mogol, que reinou durante um século,


qual era o segredo da sua longa vida no meio do torvelinho em que vivia e ele
respondeu: “Regularidade na vida”.

Quando o ritmo e o tom de uma criança estão desordenados, o tratamento que


a mãe lhe pode oferecer, às vezes inconscientemente, não o podem dar os
médicos num milhar de anos. A canção que a mãe canta, embora insignificante,
vem das profundezas do seu coração, traz consigo a força curativa. A criança
fica boa num momento. As carícias da mãe, suas palmadinhas, produzem melhor
efeito no filho do que qualquer remédio, quando seu ritmo se perturba, quando
seu tom não está bem. A mãe sente-se inclinada a fazer mimos à criança, mesmo
sem o saber distintamente, quando ela se acha fora do ritmo e a cantar para ela
quando se acha fora do tom.

Quando chegamos à parte mental do nosso ser, tal mecanismo é ainda mais
delicado que o nosso corpo. Há também um tom, cada ser tem um tom diferente
de acordo com a sua evolução. Cada um de nós se sente em boa saúde quando
estamos vibrando a nossa própria nota, mas se essa nota não se ajusta ao nosso
próprio tom, sentimos logo falta de conforto, vindo-nos daí toda sorte de moléstia.

Toda expressão de medo, de rancor, alegria e paixão que venha quebrar a


continuidade desse tom, interfere com a saúde pessoal. Atrás do pensamento
está o sentimento e o sentimento é que sustenta o nosso tom. O pensamento
está na superfície. Os místicos trabalham especialmente para manter a
continuidade desse tom.

Era costume nos tempos antigos em lugar de usarem um órgão nas igrejas,
usarem um tom em que se afinavam quatro ou cinco pessoas, de lábios
fechados, entoando-o conjuntamente. Foi grande a minha impressão quando
ouvi esse tom novamente, quando vim da Índia à Rússia, numa das suas igrejas.
O segredo de manter continuamente o toque de sino que as igrejas vêm
mantendo em todos os tempos, e ainda hoje existe, é que o sino não é apenas
para chamar ao templo o povo, é também para afiná-lo no respectivo tom, para
sugestionar que “Existe um tom latente em vós, afinai-vos com ele”. Se essa
afinação não for feita e a pessoa se livra da moléstia, permanecerá ainda a
fraqueza. Uma cura exterior não é cura se a pessoa não está curada
mentalmente. Se o espírito não está curado, a marca da moléstia permanece
nele e o ritmo da mente se quebra.

Quando a mente de uma pessoa marcha numa velocidade mais rápida ou numa
velocidade mais lenta do que deve ser, ou se segue um pensamento atrás do
outro e continua pensando em mil coisas em cinco minutos, embora se trate de
um intelectual, não pode manter-se em condições normais. Quando uma pessoa
se apodera de um pensamento e fixa-se nele, ao invés de fazer progressos
apega-se à depressão, aos temores, aos desapontamentos e isso a faz enferma.
A irregularidade do ritmo da mente é a causa da desordem mental. Isso não quer
dizer que o ritmo da mente de uma pessoa deve ser igual ao de outra, não, o
ritmo de cada pessoa é peculiar a ela mesma.

Acompanhando-me um dia um discípulo, sentia às vezes enorme desconforto


porque não podia andar tão devagar quanto eu. Sendo uma pessoa simples e
franca, disse-me isso, mas em resposta eu lhe disse: “É um andar majestoso”. A
razão era que o seu ritmo era diferente, não podia ele sentir-se confortável num
outro ritmo, devia galopar mais e mais para sentir-se bem. Assim, uma pessoa,
pode sentir o que lhe dá desconforto em tudo que faz. Se não o sente, mostra
isso que não dá atenção ao seu próprio ser. A sabedoria está em nos
compreendermos a nós mesmos. Se pudermos sustentar o ritmo próprio do
nosso espírito, será isso bastante para mantermos a nossa boa saúde.

As moléstias mentais são mais sutis do que as físicas e conquanto não tenham
sido as doenças mentais até agora inteiramente descobertas, quando o forem
vamos ver que todas as enfermidades externas têm conexão com as moléstias
mentais. A mente e o corpo estão ambos face-a-face. O corpo reflete sua ordem
ou desordem sobre a mente, refletindo a mente, ao mesmo tempo, sua harmonia
ou desarmonia sobre o corpo. Por este motivo é que vemos muitas pessoas
enfermas exteriormente sofrendo também de alguma doença da mente e muito
raramente acharemos um caso em que uma pessoa esteja mentalmente
enferma e fisicamente em boas condições.

Aconteceu-me um dia ir ao asilo de loucos em Nova York e os médicos


gentilmente puseram diante de mim diferentes crânios mostrando as diversas
cavidades no cérebro e os sinais de depressão que teria causado a loucura no
indivíduo. Há sempre no corpo físico um sinal disso. Pode ser um sofrimento
aparente ou alguma depressão atrás dele, ainda não conhecida, entretanto.

Perguntei aos médicos: “Desejaria saber se a cavidade ocasionava a loucura ou


se a loucura produzia a cavidade?”. O argumento deles era que a cavidade
produzia a loucura, mas não é sempre assim, a desordem mental nem sempre
é causada pela cavidade no cérebro, pois o ser interior tem uma influência maior
sobre o ser físico do que tem o corpo físico sobre as existências mentais. Não é
sempre que a mente causa moléstias físicas. Muitas vezes assim é, porém nem
sempre. Algumas vezes, do plano físico a moléstia vai para o plano mental e
algumas vezes a moléstia vai do plano mental para o plano físico. Há muitas
causas mas, numa palavra, se existe uma causa geral, é a falta daquela música
por nós chamada ordem. Não mostra isso que o homem é um músico e que a
vida é música? A fim de representarmos nosso papel da melhor forma, o que
podemos fazer é, unicamente, conservar nosso tom e ritmo no ponto próprio. Aí
está o cumprimento do objetivo da nossa vida.

III
Movimento é vida e quietude é morte. No movimento está a significação da vida
e na quietude vemos o sinal da morte.

Olhando-se de um ponto de vista metafísico, existe uma quietude? Não, mas


existe aquilo que chamamos não-movimento ou, pelo menos, ausência de
movimento que é de qualquer forma por nós perceptível, quer aos nossos olhos
e ouvidos, quer em forma de sensação ou vibração. O movimento que não é
perceptível por nós denominamos quietude. O vocábulo vida usamo-lo somente
em conexão com a existência perceptível, cujo movimento percebemos.
Portanto, em relação à saúde física, o movimento é a coisa principal,
regulamentação do movimento, do seu ritmo na pulsação e na circulação do
sangue.

A causa da morte vamos encontrá-la na falta de movimento. Todos os diferentes


aspectos das moléstias têm de ser buscados numa congestão. Toda
enfermidade é causada por congestão e a congestão é causada pela falta de
movimento. Há partes do corpo em que as veias, os nervos, estão pregados à
pele e aí não há livre circulação. Surgem assim todas as doenças. As moléstias
externas dessa espécie chamamos doenças de pele. Quando isto se opera
internamente, manifesta-se em forma de um certo mal-estar. Um médico pode
apresentar mil razões diferentes como causa de moléstias diferentes, mas esta
é a causa única e central de cada moléstia e de todas as doenças: falta de
movimento, que é de fato a falta de vida. O mecanismo do corpo humano é feito
para operar de acordo com um certo ritmo e é mantido por um movimento rítmico
perpétuo. O centro dessa corrente perpétua de vida é a respiração. Os diferentes
remédios que o homem tem descoberto, em todos os tempos, trazem às vezes
a cura temporária para os que sofrem, mas nem sempre curam os doentes, pois
a causa da moléstia permanece inexplorada. Atrás de cada enfermidade, vamos
encontrar a causa: alguma irregularidade na vida, a vida não natural, seja na
alimentação, no beber, na ação ou no repouso.

A morte é uma transformação, que vem porque o corpo tornou-se inapto para
sustentar o que chamamos alma. O corpo tem uma certa soma de magnetismo,
que é o sinal de seu perfeito equilíbrio instável. Quando, por causa de moléstia,
perde o corpo subitamente ou gradualmente esse magnetismo, pela força do
qual sustenta a alma, perde ele, por assim dizer, irremediavelmente, suas garras
sobre aquilo que estava sustentando: a alma. Esta perda de garras é conhecida
com o nome de morte.

Geralmente, obedece isso a um processo gradual. Manifesta-se primeiro uma


pequena dor, uma pequena enfermidade, um pequeno desconforto – a pessoa
não nota isso – os quais, com o tempo, crescem até se tornarem uma grave
moléstia. Muitas vezes são as moléstias mantidas pelos doentes sem saberem
eles que as estão mantendo, precisamente pela sua ignorância do próprio
estado, pela sua negligência a respeito de si mesmos. O maior número dos
pacientes deixa ao médico a tarefa de estudar o seu estado. Não sabem o que
sofrem, do princípio ao fim da moléstia. Como no tempo antigo, em que os
crentes ingênuos confiavam no padre para mandá-los ao céu, ou para outra
parte, assim também, hoje, o doente se entrega às mãos do médico.

Pode alguém, de aguda observação, imaginar que exista alguém, além dele
mesmo, que seja capaz de saber a respeito da sua pessoa tanto quanto pode
ele mesmo saber, se quiser? É isso um defeito? Não, é um hábito. É uma espécie
de negligência da parte das pessoas não pensar no seu próprio estado e precisar
que o médico lhes diga como vão de saúde. O sofrimento está na própria pessoa,
esta pode ser o melhor juiz da sua vida. É a pessoa mesma que pode descobrir
a causa atrás da sua moléstia, porque melhor conhece a sua própria vida.
Inúmeras pessoas vivendo assim, na ignorância das suas próprias condições de
vida, ficam na dependência de alguém que tenha estudado a ciência lá por fora.
O próprio médico não pode socorrer convenientemente a pessoa se esta não
souber claramente qual o seu estado. O conhecimento exato que a própria
pessoa tenha da sua moléstia é que a torna capaz de dar ao médico uma idéia
correta.

Se houver um pequeno furo num vestido, se não o repararmos acabará por se


romper facilmente e se tornará um rasgão. Assim acontece com a saúde. Se
alguma coisa houver nela um pouco irregular e não lhe dermos atenção,
permitiremos que se torne cada dia pior, acarretando mais cedo a morte, o que
de outra maneira poderia ter sido evitado.

Eis a questão: “É necessário então que pensemos em nosso corpo e em nosso


estado de saúde?” Sim, contanto que não fiquemos obsedados por nós mesmos.
Se alguém pensar tanto em sua saúde que se torne obsedado por isso,
trabalhará contra si mesmo. Certamente não estará agindo corretamente, porque
disso não advirá nenhum auxílio. Se alguém se apiedar de si próprio e disser:
“Ó, como estou doente, como isso é terrível! Chegarei a ficar bom?” Essa
impressão agirá como uma espécie de lenha para o fogo: a pessoa estará
alimentando sua moléstia com a idéia da própria moléstia. Mas, por outro lado,
se alguém se tornar tão negligente de si mesmo que diga: “Ó, isto não é nada,
não passa afinal de contas de uma ilusão”, será incapaz de manter este
pensamento quando o sofrimento aumentar.

É tão necessário a pessoa cuidar de si mesma quanto esquecer-se da própria


moléstia. A doença chega a uma pessoa às ocultas, como penetra o ladrão na
casa, silenciosamente. Ele trabalha sem o conhecimento dos que nela moram e
rouba-lhes os melhores tesouros. Que a pessoa se mantenha em guarda contra
isso não é desaconselhável, contanto que não se ponha todo o tempo a
contemplar a própria moléstia.

Podemos perguntar: “Vale a pena estar vivo? Por que não devemos dar cabo
desta vida? Que vale ela afinal de contas?” Mas isso é uma idéia anormal, uma
pessoa de corpo e alma normais não pensará de tal maneira. Quando essa idéia
cresce, chega até à loucura, levando muita gente a se suicidar. A aspiração
natural de cada alma é desejar viver, desejar uma vida em perfeita saúde, fazer
o melhor da sua vinda a este mundo.

Nem Deus nem a pessoa têm prazer com o desejo de morte, porque a morte não
pertence à pessoa. É uma espécie de agitação, uma revolta que sobe ao
pensamento de alguém, que dirá então: “Prefiro a morte à vida”. Ter desejo de
viver e no entanto viver uma vida de sofrimento, não é também uma coisa
prudente. Se a sabedoria vale alguma coisa, não devemos poupar esforço algum
para chegar a um regular estado de saúde.

IV
Nos tempos antigos, pensava o povo que toda moléstia era causada por um
espírito de moléstia. Havia um espírito conhecido para cada espécie de moléstia
e acreditava-se que aquele particular espírito trazia aquela determinada
moléstia. Os curandeiros faziam tentativas para curar cada paciente que lhes
chegava com uma doença e obtinham sucesso em fazer com que ficassem bons.
Hoje, esse espírito de moléstia assumiu uma feição material, pois os médicos
agora declaram que toda enfermidade tem um germe, um micróbio. Dia a dia,
um micróbio novo é descoberto através de uma nova invenção e se todo dia um
novo micróbio for descoberto, até o fim do mundo inúmeros micróbios serão
descobertos e haverá inúmeras enfermidades. Afinal será difícil achar um
homem são, porque deve haver algum micróbio, se não de uma velha moléstia,
de uma doença recentemente descoberta.

Se existe um mundo de inúmeras vidas, mostrará ele sempre inúmeras vidas.


Cada vida tendo sua força, construtiva ou destrutiva, deverá mostrar, mesmo
num micróbio, essa força e assim essa descoberta de micróbios prosseguirá com
o aumento de moléstias, pois evitar que os micróbios existam nem sempre está
no poder do homem. O homem algumas vezes destruirá os micróbios mas, por
vezes, achará que cada micróbio destruído produzirá de volta muitos outros
micróbios.

Que é a vida? Cada átomo dela está vivendo, chamem esse átomo de rádium,
eléctron, ou um germe, um micróbio. Os povos antigos pensavam que se tratava
de espíritos, de seres vivos, já que desconheciam a ciência que hoje distingue
esses espíritos na forma de micróbios. Entretanto, parece que os antigos
curandeiros tinham um maior poder de apreensão sobre as moléstias, porque
não viam somente o micróbio exterior, mas o micróbio no seu próprio espírito.
Destruindo o micróbio, não destruíam somente o micróbio exterior, mas o
micróbio na forma do espírito, do germe, e o mais interessante é que, a fim de
expulsar aquele espírito que eles pensavam ter se apossado do doente,
queimavam ou punham diante dele certas drogas, que ainda hoje provam poder
destruir os germes de moléstias.

Cada providência que os médicos tomarem para evitar que os germes de


moléstias sobrevenham, a despeito de todo sucesso obtido, haverá um maior
fracasso, pois mesmo se o germe for destruído ele existe, sua família existe em
algum lugar. Além disso, o corpo que uma vez abrigou um certo germe, tornou-
se um receptáculo do mesmo germe. Se o médico destruir o germe de moléstia
do corpo de um indivíduo, isso não quer dizer que o destruirá do universo.
Este problema, portanto, deve ser visto de um outro ponto de vista. É que tudo
que existe no mundo objetivo tem sua parte viva e uma parte mais importante
existe no subjetivo e essa parte, que está no subjetivo é sustentada pela crença
do enfermo. Enquanto o enfermo acreditar que está doente, está sustentando
essa parte da moléstia que se acha no subjetivo. Não só isso, mesmo se forem
mil vezes destruídos os germes do seu corpo, seriam ali criados, porque a fonte
da qual surgem os germes está na sua crença, não no seu corpo, como a fonte
de toda a criação está dentro, não fora.

O tratamento do exterior de várias de tais moléstias é justamente como podar a


planta pelo tronco, ficando as raízes na terra. Estando a raiz da moléstia na parte
subjetiva do ser humano, para extirpar essa moléstia deve-se arrancar a raiz,
tirando fora a crença da moléstia mesmo antes do germe externo ser destruído.
O germe da moléstia não pode existir sem a força, sem o alento, que ele recebe
da parte subjetiva do ser da pessoa e uma vez destruída a fonte de seu alimento,
a cura, então, é segura.

São muito poucos os que podem sustentar um pensamento. Muitos, porém, são
sustentados por um pensamento. Se tal coisa tão simples como seja sustentar
um pensamento fosse comandada, a vida toda seria comandada.

Uma vez que a pessoa mete na cabeça o pensamento “eu estou doente” e o vê
confirmado pelo médico, então, sua crença é regada à semelhança de uma
planta: seu refletir constante nisso, caindo sobre sua doença como o sol, faz com
que a planta cresça. Não seria, pois, exagero dizer-se que, consciente ou
inconscientemente, o enfermo é o jardineiro de sua própria doença.

Temos agora a questão: “É, pois, acertado não pensar em micróbios? Se um


médico descobre um e no-lo mostra, não lhe devemos dar crédito?” Não
podemos deixar de acreditar nele, se chegamos até ao ponto de fazer que o
micróbio nos seja mostrado pelo médico. Ajudais o médico a nisto acreditar e
agora estais a pensar: “Devo ou não acreditar nisto?”. Não podemos deixar de
crer numa coisa que nos foi mostrada, que se põe diante de nós.
Indubitavelmente se nos elevarmos acima disso, teremos então tocado a
realidade, quando nos elevamos acima dos fatos.

“Não é iludir a si mesmo negar os fatos?” Não é iludir-se mais do que já se está
iludido. Os próprios fatos são ilusões. Elevar-se acima dessa ilusão é tornar-se
a pessoa capaz de tocar a realidade. Enquanto o cérebro estiver encharcado
com os fatos, estará mais e mais absorvido, cada dia mais, no labirinto da vida,
tornando a vida mais confusa do que nunca para o homem.

É, por conseguinte, o que o Mestre ensinou: “Procurai primeiro o reino de Deus”,


o que significa: “Elevai-vos primeiro acima dos fatos e, lançando sobre os fatos
a luz vereis os fatos numa luz mais clara”. Isto não quer dizer que devemos
fechar os olhos para os fatos, significa somente “Olhar para cima primeiro e
então, quando os vossos olhos estiverem carregados com a Luz Divina e quando
lançardes a vista sobre o mundo dos fatos, tereis uma visão muito mais clara, a
visão da realidade.”

Não há falta nenhuma de honestidade se negardes o fato da moléstia. Não é


hipocrisia se o negardes primeiro a vós mesmos, é apenas uma ajuda, pois
existem muitas coisas na vida que existem porque são sustentadas por vosso
conhecimento da sua existência. Iludida pelos fatos aparentes exteriormente, a
pessoa as mantém no pensamento como uma crença, mas negando-as a pessoa
as arranca fora. Não poderão existir se forem privadas do sustento que nós lhes
damos, do qual dependem para existir.

V
Pelo que acabamos de dizer não se compreenda que o fato dos germes existirem
deve ser de todo ignorado, porque não é possível ignorar alguma coisa que se
vê. Além disso, não se entenda que a descoberta de micróbios não tem sido útil
aos médicos, que podem assim melhor atender seus doentes. Mas, ao mesmo
tempo, pode alguém se tornar demasiado sensível para com os germes, pode
exagerar a idéia de germes, fazendo a idéia maior do que a realidade. Uma
coisa, porém, se nota: há pessoas suscetíveis a apanhar esses germes, a se
tornarem suas vítimas, e outras pessoas os assimilam e assim os destroem. Em
outras palavras, uma pessoa é destruída pelos germes e há outras que destroem
os germes.

Dizem que se apanham moléstias contagiosas porque os micróbios de uma


pessoa passam para outra na respiração, no ar, em tudo, mas nem sempre são
os micróbios, é muitas vezes a impressão. Quando uma pessoa vai ver um amigo
que apanhou um resfriado e pensa: “Tenho medo de pegar a doença” já,
certamente, a apanhou. Desde que ficou amedrontado e se impressionou com
ela, apanhou-a. Nem sempre é necessário que os germes do resfriado tenham
passado de uma pessoa para outra por meio da respiração. A impressão que a
pessoa recebeu pode criá-las, porque atrás de toda a criação está a força.
Vemos, às vezes, que quanto mais uma pessoa tem medo de uma coisa, mais
é perseguida por ela, porque inconscientemente concentra-se nela.

Existem germes e impurezas, mas há também elementos para purificá-las. Os


cinco elementos – a terra, a água, o fogo, o ar e o éter – de que falam os místicos,
não só formam os germes como também os destroem, se soubéssemos usar
esses cinco elementos para purificar nosso corpo e nossa mente. Assim como
para as plantas crescerem há necessidade do sol e da água, assim também uma
pessoa precisa dos cinco elementos para manter-se em perfeita saúde. Ela
respira esses cinco elementos segundo a sua capacidade de respirar. Mas, por
meio da respiração, cada um de nós não atrai as mesmas propriedades. Pela
respiração cada um atrai elementos de acordo com a sua constituição particular.
Um atrai mais o elemento fogo ao respirar, outro atrai o elemento água e ainda
um outro atrai mais o elemento terra. Algumas vezes uma pessoa recebe um
elemento de que não precisa. Além disso, as correntes do sol têm uma força
curativa maior do que outra coisa qualquer. A pessoa que sabe respirar bem,
que sabe atrair para seu corpo as correntes do sol, pode manter o corpo isento
de qualquer espécie de impureza. Nenhum micróbio destruidor pode existir se
as correntes do sol puderem tocar todas as partes do corpo situadas no seu
interior e isto é feito pela respiração. Os lugares da terra não expostos ao sol,
não tocados pelo ar, ficam úmidos. Lá se criam várias pequenas vidas, nascem
ali os germes destruidores e o ar, nesses lugares, torna-se denso. Se isto é
verdade, então o corpo também necessita do sol e do ar. Os pulmões, intestinos,
veias e vasos do corpo, todos precisam do sol e do ar, que penetra no seu interior
pela perfeita via da respiração e até a mente é beneficiada, porque a própria
mente é composta de cinco elementos, os elementos no seu estado mais
refinado.

O descanso e o repouso, assim como a ação e o movimento, devem ter um certo


equilíbrio, um certo ritmo. Se não há equilíbrio entre a atividade e o repouso,
então a respiração também não é perfeita. O nosso grande erro é que, a cada
pequeno incômodo, a primeira coisa em que pensamos é no médico. Nunca
paramos para pensar: “Qual a causa do que estou sentindo? Tenho sido ativo
demais, demasiado preguiçoso? Não tenho tido cuidado com a minha dieta, com
o meu sono? Não tenho respirado todos os elementos necessários para manter
funcionando este mecanismo do corpo e mente?” Aterrorizado, a cada moléstia
corre o homem primeiramente ao médico. Enquanto a moléstia não aparece
diante dele, não se importa se ela está crescendo internamente, sem que ele se
aperceba dela. Ela pode crescer durante um longo tempo, durante anos, e o
homem, absorvido nas suas atividades exteriores, nunca pensa que, no seu
corpo, está dando morada ao seu maior inimigo. Muitas vezes, portanto, a
moléstia é causada pela negligência.

Há outros, todavia, que se tornam demasiadamente cuidadosos, não pensam


em nada mais do que em sua moléstia. A primeira pergunta que fazem é: “Como
ficarei bom?” Pensando em sua enfermidade, fornecem eles uma espécie de
lenha para esse fogo da moléstia, que vem do seu pensamento, conservando-o
a arder sem saber que é pelo seu esforço inconsciente que a moléstia se mantém
viva. A fim de conservar a saúde em perfeita ordem, devemos manter um
equilíbrio entre o corpo e a mente, entre a atividade e o repouso. O que ajuda
mais do que qualquer remédio é o ponto de vista psicológico da pessoa sobre a
própria saúde.

Lembro-me que fui ver uma enferma que sofria de uma doença havia mais de
vinte anos e tinha perdido toda esperança de melhorar. Vários médicos haviam
sido consultados, muitos e diferentes tratamentos haviam sido experimentados.
Uma simples coisa disse-lhe eu que fizesse. Não lhe ensinei nenhuma prática
especial mas apenas uma pequena coisa simples para fazer pela manhã e à
noite. Com grande surpresa dos parentes, começou ela a mover as mãos e as
pernas, o que se pensava a princípio ser impossível, e isso lhes deu uma grande
esperança, pois jamais pensaram que uma doente que havia estado sempre na
cama pudesse fazer aquilo. Para a enferma foi também uma grande surpresa.
Poucos dias depois fui vê-la e perguntei aos que a cercavam: “Como vai
passando a enferma?” Responderam: “Vai melhorando muito. Nunca teríamos
pensado que esta pessoa viesse a mover as mãos e as pernas, é a coisa mais
admirável. Não podemos, porém, fazê-la acreditar agora, depois de vinte anos
de sofrimento, que ficará boa. Esta moléstia deixou sobre ela uma impressão tal
que julga ser uma coisa natural para ela e que ficar boa é um sonho, uma
irrealidade”. Isto me deu a idéia de que, vivendo uma pessoa num determinado
estado, após um longo tempo esse estado se torna seu amigo,
inconscientemente. Ela não sabe disso, pode pensar que precisa sair desse
estado, mas há alguma parte do seu ser que está mantendo sua enfermidade
precisamente a mesma.

Um dia, recordando esta peculiaridade da natureza humana, perguntei a uma


pessoa que me fora trazida para curar-se de uma obsessão, há quanto tempo
tal obsessão lhe aparecera. Explicou-me como era horrível a obsessão, quão
terrível era a vida para ela. Ouvi durante meia hora tudo que me disse contra a
obsessão mas, recordando-me desta parte curiosa da natureza humana,
perguntei à doente: “Você não pensa realmente em dizer que precisa livrar-se
desse espírito? Se eu tivesse tal espírito, conservá-lo-ia. Depois de todos estes
anos durante os quais você o teve, parece injusto e muito cruel querer livrar-se
dele. Se esse espírito não se interessasse por você, não estaria com você todos
estes anos. É fácil neste mundo a uma pessoa passar tanto tempo com alguém?
Este espírito é muito fiel”. Então disse-me ela: “Não desejo realmente livrar-me
dele”. Achei muita graça de ver como precisava essa pessoa de simpatia e
auxílio, porém não queria livrar-se do espírito. Não era o espírito que estava
obsedando essa pessoa, mas a pessoa que estava obsedando o espírito!

As personalidades psíquicas estão mais sujeitas a moléstias, porque são mais


suscetíveis às vibrações densas, especialmente aquelas inclinadas a sessões
espíritas. Seu corpo fica tão suscetível a qualquer espécie de moléstia e também
a obsessões que elas, verdadeiramente falando, se preparam para receber bem,
em seu espírito, um outro espírito.

VI
A ciência médica tem avançado nos tempos modernos e, assim, os diferentes
males e moléstias são melhor classificados. A cada moléstia singular dá-se um
certo nome e, desta maneira, mesmo se a pessoa sente um pequeno mal-estar,
depois do exame pelo médico se lhe diz o nome da moléstia que tem. Pode a
moléstia ser do tamanho de um torrão de areia, faz-se dela uma montanha. Não
há maior infortúnio do que ouvir de um médico que apanhamos uma doença
perigosa cujo nome é apavorante. Que acontece então? Tal nome sendo
impresso no coração do homem, cria o mesmo elemento, e por fim vê o homem
na verdade alguma coisa do que lhe disse o médico. Assim, se isto na verdade
acontece, a impressão que as palavras de uma cartomante causa sobre uma
pessoa, em muitos casos, faz com que se realize a sua predição. A cartomante
nem sempre é uma santa, nem sempre é uma clarividente, que vê o que diz ter
visto, pode ser apenas uma pessoa imaginativa. Disse algo e causou uma
impressão no consulente e este acaba imaginando que a coisa se verificou.
Assim, podemos avaliar a impressão que pode causar um médico, que é
autorizado pelas autoridades médicas, e no qual todos depositam imediatamente
grande confiança, mesmo que esteja ele enganado no achar a verdadeira
moléstia, porque dificilmente, numa centena de médicos, há um que tenha a
força de penetrar na verdadeira natureza e caráter de uma doença. Depois de
ver uma centena de enfermos é que ele pode, acerca de um, dizer corretamente
a natureza e caráter da sua enfermidade. Que grande perigo existe, pois, em
alguém ficar impressionado a respeito de sua doença no começo do seu mal por
uma observação, certa ou errada, feita pelo médico! Entre os antigos somente
os médicos sabiam os nomes das moléstias. Não era permitido ao facultativo
dizer ao paciente qual a doença que tinha, porque, de um ponto de vista
psicológico, estaria fazendo mal. Não se tratava apenas de uma ciência médica,
havia, ligada a isso, uma idéia psicológica.

Inúmeros casos testemunhei de pessoas que vieram a mim apavoradas por


alguma coisa que o médico lhes tinha dito. Talvez não estivessem sofrendo nada
ou tivessem uma pequena moléstia, talvez não tivessem atinado com o que
tinham, mas mesmo assim tais pessoas estavam apavoradas. Se o doente é
imaginoso tem então um campo vasto para sua imaginação. Cada coisa que não
está bem atribui a algo que ouviu do médico, relaciona cada passagem de sua
vida com aquela observação particular. Na vida, como nós a vivemos neste
mundo, com tantas coisas que temos a fazer, tantas responsabilidades caindo
sobre nós, no lar e no mundo exterior, com a labuta que se reflete sobre nós pela
nossa vida na terra – é natural que tenhamos fisicamente nossos altos e baixos.
Às vezes estamos cansados, às vezes precisamos de um repouso, às vezes
devemos jejuar um dia, um dia não há inclinação alguma para o alimento. Se
atribuirmos todas essas pequeninas coisas a uma doença de que o médico falou
um dia, estaremos certamente alimentando a nossa moléstia, porque a raiz da
moléstia está na mente e se tal raiz for regada todo o tempo pelo intelecto e pelo
sentimento, a doença então se tornará afinal uma realidade.

Quando volvemos a vista para o mundo cirúrgico, notamos que, sem dúvida,
maravilhosas operações estão sendo feitas e que a humanidade tem recebido
extraordinário auxílio mediante operações cirúrgicas. Entretanto, isto ainda é
experimental e mais de um século, talvez, será preciso para que amadureça a
cirurgia. Está agora justamente na infância. O primeiro impulso de um cirurgião
é olhar um caso de um só ponto de vista e pensar que o caso pode ser resolvido
pela cirurgia. Não tem ele outra idéia na mente, não perde tempo em pensar que
possa existir uma outra possibilidade. Se é um cirurgião sábio emite palavras de
confiança, ainda que saiba que a operação é uma experiência. Está lidando com
um ser humano, não com um pedaço de madeira ou uma pedra, que podem ser
cortados e sobre eles algo pode ser gravado. É uma pessoa de sentimento, é
uma alma que está experimentando a vida através de todos os seus átomos,
uma alma que não é feita para o bisturi. O paciente tem de passar por esta
experiência, temendo a morte, preferindo a vida à morte. Muitas vezes o que
acontece é que o que era considerado errado antes da operação, depois da
operação não é mais julgado assim. Sem dúvida alguma coisa prejudicial pode
ocorrer porque a operação foi executada. Uma operação não é algo que se finda
com ela, é alguma coisa que age sobre os nervos e depois sobre o espírito do
homem e daí uma reação sobre a vida do indivíduo. Não é comum ver-se que,
depois de uma operação, toda a vida de uma pessoa ficou marcada por ela?
Deixou uma certa pressão sobre os nervos, uma certa perturbação no espírito.
Os cuidados do cirurgião continuam somente até que o paciente esteja bem,
aparentemente bem. Que dizer, porém, do efeito posterior a isso no espírito da
pessoa, na sua mente, a reação sobre a sua vida? O operador não o sabe, não
é assunto de sua alçada.

Cura significa uma cura completa por dentro e por fora. Com isto não se quer
dizer que a cirurgia não tenha um lugar no esquema da vida: é a parte mais
importante do campo médico mas, se possível, deve ser evitada quando puder
sê-lo, não se deve correr para ela levianamente. Uma pessoa moça, com força
e energia, pensa: “Uma operação? Eu posso me submeter a ela” mas, uma vez
feita, fica uma impressão por toda a vida.

A intuição é uma herança do homem e a intuição é a base de toda ciência. Nos


tempos de hoje, quando a ciência é considerada um estudo feito através de
livros, deixa-se de lado o papel que a intuição deve desempenhar. Se no mundo
médico fosse introduzido o desenvolvimento da intuição, se muitos facultativos
se ocupassem na procura de remédios para evitar operações, certamente fariam
uma obra verdadeiramente grande.

É engraçado que, no tempo em que a operação de apendicite começou a ser


conhecida nos Estados Unidos, era moda entre a gente rica fazer aquela
operação, porque passar alguns dias em casa era muito agradável. Começaram
os médicos a escolher os doentes de apendicite entre aqueles que tinham meios
de ficar em casa por alguns dias e descansar. Todo mundo perguntava: “Você já
fez a operação?” “Sim, já fiz” respondiam. Era precisamente um divertimento.

Falemos agora do uso das drogas. Qualquer médico, depois da experiência


obtida ao longo de sua vida, notou que, muitas vezes precisou prescrever drogas
e embora pensasse ter curado naquele momento o doente, verificou que o efeito
subsequente das drogas foi, em certos casos, tão depressivo que criou uma
grande confusão no cérebro e na mente do doente a ponto de muitas vezes
arruinar a sua vida. Tenho visto muitas pessoas, depois de um tratamento
médico de sua moléstia, se acostumar com as drogas, tendo feito do seu corpo
uma espécie de receptáculo para elas. Vivem a poder de drogas e não podem
mais viver sem elas. Para digerir qualquer alimento precisam tomar alguma
coisa, para dormir devem tomar algo, para se sentirem animadas precisam de
outra droga. Assim, quando as coisas naturais da vida – como digerir um
alimento, estar alegre e animado, dormir confortavelmente – que constituem
bênçãos naturais, dependem de um estimulante exterior, de coisas materiais,
como pode uma pessoa dizer que está em boa saúde? Para poder estar bem
hoje toma uma droga e amanhã sente-se pior.

Quando aprendemos que o corpo humano é um instrumento criado por Deus


para sua própria experiência, então, é um erro permitir que este corpo se torne
impróprio para o uso do Espírito Divino pelo uso de drogas e remédios. Não quer
isto dizer que o remédio não é necessário. O remédio tem seu lugar, até as
drogas são necessárias quando há necessidade de usá-las, mas quando usa-se
uma droga para pequenas coisas que podem ser curadas por outros meios, a
saúde afinal escapa de nossas mãos e mesmo as drogas não nos podem dar o
descanso que precisamos. O melhor remédio é uma dieta pura, alimentos
nutritivos, ar fresco, regularidade no agir e no repousar, clareza de pensamento,
pureza de sentimento e confiança no Ser Perfeito, com o Qual estamos ligados
e Cuja expressão nós somos. Esta é a essência da saúde. Quanto mais tivermos
isto em mente mais perfeita e segura será a nossa saúde.

Conheci uma pessoa a quem um médico tinha examinado e diagnosticado que


havia de morrer dentro de três meses. Sem dúvida que se tal pessoa fosse
imaginativa, teria sido vítima daquela impressão, mas veio a mim e disse: “Que
insensatez! Morrer dentro de três meses! Eu não estou para morrer nem daqui a
trezentos anos!” E, com grande surpresa nossa, dentro de três meses o médico
morreu e o dito homem foi quem me trouxe a notícia. Devemos aprender a
respeitar o ser humano e compreender que uma alma humana está acima do
nascimento e da morte, que uma alma humana tem consigo um Espírito Divino
e que todas as moléstias, dores e sofrimentos são apenas provações e
experiências. A alma humana está acima disso e devemos tentar elevá-la acima
das moléstias.

Atrás de tudo há movimento, vibração. O que produz um certo movimento das


partículas da matéria é vibração. A vibração é sentida por nós, imaginamo-la
pelos nossos sentidos como um certo movimento de partículas de matéria, mas
a vibração em si mesma é um movimento. Por conseguinte, o poder da palavra
é mais forte do que qualquer medicamento ou qualquer outra sorte de
tratamento, de uma operação, porque a palavra causa certas vibrações em
nosso corpo, na atmosfera, em nosso redor, efetuando com isso uma cura, que
nada mais pode realizar. Quando vemos uma pessoa de boa saúde e uma outra
padecendo de alguma doença e pensamos no estado da sua pulsação e da
circulação do seu sangue, acharemos que atrás de tudo há um movimento, há
uma vibração, que está em andamento. Numa pessoa, cuja vibração se acha em
perfeito estado, há saúde, noutra pessoa, cuja vibração não está em condições
regulares, há moléstia.

Aconteceu que um médico, na América do Norte, pensou nisso. A diferença é


somente que um cientista, quando pensa em tal coisa, mesmo que lhe venha
isso por intuição, ele o investiga partindo da base da montanha para o cume. É
muito difícil escalar a montanha, acontecendo muitas vezes que, antes de
escalar a montanha, sua vida se finda. O médico morreu. A sua idéia foi muito
boa. Conquanto não tivesse ele chegado ao segredo, a sua idéia, como idéia,
inspirou muitos médicos nos Estados Unidos e no mundo e criou um grande
excitamento no mundo médico! Mas, como dizem os místicos: “Procurai primeiro
o Reino de Deus e todas as outras coisas se vos ajuntarão”. É esse um outro
caminho. Não é partir da base para o cume que é tão difícil, é o escalar, é atingir
primeiro o cume, e depois tudo se torna fácil. Quem está no topo da montanha é
fácil dali mover-se para onde quiser, não é preciso tanta energia, não é estafante.
Avícena1, o grande médico dos tempos antigos, em cujas descobertas se
baseou a ciência medieval, foi um Sufi que costumava ficar em meditação e por
intuição escrevia as receitas. Ultimamente um médico descobriu o grande
tesouro deixado por Avicena para a ciência médica e escreveu um livro
interpretando em língua moderna as idéias desse grande médico.

1. Foi, de fato, Avicena (Ibn-Sina) um grande médico e filósofo árabe, que viveu de 980 a 1037
da era cristã, cognominado, ao fim de sua vida, o “Príncipe dos médicos”. Escreveu, entre outras
obras, o “Canon da Medicina” e “Ach Chafa, uma enciclopédia das ciências filosóficas. A sua
filosofia era uma mistura da peripatética e de teorias orientais. É considerado pelos historiadores
uma das figuras mais notáveis do Oriente, pela extensão dos seus conhecimentos e atividades
do seu espírito. (N. do T.)

VII
A causa da maioria dos casos de moléstia física ou mental é o esgotamento
nervoso. Nem todos sabem até que ponto se deve usar a força nervosa na vida
cotidiana e até que ponto se deve controlá-la. Muitas vezes uma pessoa boa,
gentil, amável, afetuosa gasta sua energia em atender a solicitações de todos os
lados e, assim, continuamente dando energia, acaba com os nervos perturbados
e enfraquecidos. A mesma pessoa que antes era gentil, delicada e polida, acaba
não conseguindo mais manter sua delicadeza porque, uma vez esgotadas as
suas reservas de energia, não lhe resta mais nenhum controle, nenhuma força
de resignação, nenhuma paciência para aceitar e enfrentar as coisas com
facilidade. Fica então irritável, perturbada, cansada e desgostosa com as coisas,
essa mesma pessoa que antes demonstrou ser boa e gentil. Muitas vezes isso
nada mais é do que chamamos abuso de bondade, pois nem sempre o
esgotamento corresponde às exigências da vida cotidiana. É o estado de
equilíbrio do nosso corpo e mente que corresponde satisfatoriamente às
exigências da vida. Há pessoas que, algumas vezes, se apaixonam tanto por
uma coisa ou falam continuamente que gastam todas as energias. Essa paixão
pode crescer a tal ponto que, mesmo se elas tiverem perdido grande energia,
ainda assim acharão satisfação em despender mais energia ainda. Na presença
de tais pessoas as outras se sentem deprimidas, porque gastaram a pequena
energia que possuíam, não lhes ficando energia alguma e sobrevindo a irritação.
O esforço que vieram fazendo recai sobre as outras pessoas, tornando-as
nervosas também.

A fraqueza dos nervos não é somente a causa de moléstias físicas, mas pode
levar à loucura. Há uma causa principal por trás das moléstias físicas, como
também por trás das moléstias mentais: é a supertensão dos nervos, o
esgotamento nervoso. Aquele cujos nervos estão exaustos, a despeito de toda
virtude e bondade, boa vontade e desejo de acertar, para surpresa sua agirá
erradamente, porque perdeu a autodisciplina. Seus altos ideais não lhe servem
de nada, pois ele mesmo não se pertence. Sua posição social, seu saber, sua
atitude, sua moral, tudo se mostrará fútil na ausência da força nervosa, que
mantém o homem apto e em condições de fazer tudo que lhe é próprio fazer
neste mundo.

A falta de sobriedade também causa esgotamento nervoso. Todas as bebidas


alcoólicas, pois, e as coisas intoxicantes, consomem a energia dos nervos,
devoram-na. Podemos perguntar porque acha uma pessoa prazer em tais coisas
e a resposta é que aí está outra vez uma paixão, um excitamento dos nervos.
Qualquer coisa que produza por um momento uma intoxicação, que excita os
nervos, faz uma pessoa sentir-se, por assim dizer, mais alegre por um momento,
mas fica dependente de alguma coisa do exterior e a reação vem quando cessa
o efeito do intoxicante. Sente-se então duas vezes mais fraca e exausta do que
antes e exige uma dupla dose da droga ou do álcool para que se sinta tão alegre
como já se sentira. Assim vai seguindo, prosseguindo sempre até que nenhum
poder mais terá sobre a sua mente e corpo, tornando-se escrava daquilo que
toma. Pensa que está vivendo quando está sob a ação do intoxicante e sente-
se miserável noutras ocasiões. Aquele estado de intoxicação torna-se o seu
mundo, seu céu, seu paraíso, sua vida. Todos os excessos, nas paixões, nas
ansiedades, na vida sensual e nos divertimentos, roubam uma pessoa de sua
energia, de sua força e da vitalidade de seus nervos.

É bom saber que todo efeito criado na voz, na palavra, no canto, é criado pela
força nervosa. Todo o mistério do magnetismo está nos nervos. Todo o mistério
do sucesso de um homem público, de um artista no palco ou no salão de
concerto, está na sua força nervosa. O sucesso do causídico, do advogado no
foro, está na sua força nervosa. Um bom tribuno do foro, que tenha feito um
nome, possui sempre essa força, que é um magnetismo. Por conseguinte, uma
pessoa mostra sua saúde física e mental desenvolvendo essa influência, que se
expressa pela força nervosa e que tenha influência sobre todas as coisas.

A energia dá mais força à pessoa, a fraqueza causa maior fraqueza. O estado


perfeito dos nervos habilita a pessoa impressionar os outros. Uma pessoa com
os nervos esgotados, mesmo que esteja com a razão, não pode impressionar
uma outra, porque detrás de si nenhuma força existe. E assim, mesmo que esteja
certa, não saberá o que fazer, não tem forças para avançar, para firmar-se no
próprio direito.

O sistema existente hoje de manter os doentes fechados nos hospitais, nos


asilos, equivale a fazê-los cativos da moléstia. A atmosfera do lugar e a própria
idéia de estar no hospital faz a pessoa sentir-se doente e assim é a vida nos
asilos. Por mais eficiente que seja o tratamento, dá uma impressão de que a
pessoa se acha fora de seu juízo, de que alguma coisa está errada na sua mente,
e a atmosfera que a rodeia, toda ela sugere a mesma coisa. Além disso, mais
delicado seria da parte da sociedade, da família, se o doente pudesse ficar
entregue aos cuidados de amigos ou parentes nos momentos de suas
dificuldades. Poderiam ser muito mais socorridos do que colocados em lugares
onde não podem pensar em nada mais do que na própria moléstia. Eu mesmo
tenho visto muitos casos de doentes entregues aos cuidados de parentes e
amigos, os quais têm sido muito melhor tratados do que se estivessem aos
cuidados de um hospital.

Alguém, entretanto, pode dizer que os tratamentos médicos requerem um lugar


apropriado, onde há de tudo além do médico para cuidar dos enfermos e que
esse é o único meio pelo qual, nas grandes cidades, tais casos podem ser
tratados. Sim, é verdade, e ninguém pode ajudar se a situação for difícil, mas,
onde se pode remediar deve-se tentar remediar.

As moléstias nervosas muitas vezes são tratadas por remédios. Não há remédio
no mundo que possa fazer bem aos nervos, porque os nervos são a parte mais
natural do ser humano. São eles a parte do ser humano que está ligada com o
mundo físico e com o mundo mental, a parte central do nosso ser, e não há
melhor remédio para os nervos do que a natureza, uma vida de repouso e
descanso, quieta, com respiração adequada e apropriada alimentação, com
alguém para tratar do doente com sabedoria. Pela compreensão da lei do meio
ambiente e das influências climáticas, pela compreensão das influências que têm
as pessoas sobre tal doente, podemos curá-lo.

A energia nervosa é uma espécie de bateria para todo o mecanismo da mente e


do corpo. Para o mecanismo da mente, portanto, a limpeza do mecanismo
nervoso e o bom estado de funcionamento do mecanismo nervoso é que nos
habilita a tornar claro para nós mesmos o nosso pensamento ou conservar o
nosso pensamento, imaginar, pensar, ou recordar. Quando o sistema nervoso
não está limpo, não podemos guardar as coisas na mente, concebê-las na
mente, ou manter um pensamento, e todas as diferentes condições da desordem
mental começam a aparecer. Os Iogis chamam centros ao sistema nervoso
dentro do corpo. Os diferentes centros são os pontos do sistema nervoso, os
centros através dos quais experimentamos a intuição, sentimos e observamos
com agudeza.

A questão agora é saber onde adquirir a energia nervosa e como adquiri-la.


Nosso corpo e nossa mente são uma bateria dessa força, são feitos dela, nós
somos essa força. O magnetismo do ser humano é muito maior do que qualquer
outra coisa no mundo. Nenhuma jóia, gema, flor ou fruto, nada no mundo, possui
a magia que tem um ser humano, caso ele saiba a maneira de retê-la e como
manter-se nesse estado. Com todas as descobertas científicas do radium e dos
eléctrons e todos os diferentes átomos, não há nenhum átomo no mundo que
seja mais radiante do que os átomos de que se compõe o corpo humano, átomos
que, não somente são atrativos para a vista humana, mas também atraem toda
a criação para o ser humano. O cavalo serve o homem, o camelo carrega sua
carga, o tigre rende-se ao homem, o elefante marcha sob seu comando, mas,
quando o homem perde o próprio espírito, então é precisamente como se
perdesse o sal. Diz a Bíblia: “Vós sois o sal da terra e quando o sal tiver perdido
o seu sabor, com que será a terra salgada?” Quando o próprio corpo do homem,
seu próprio espírito, são mais radiantes do que qualquer outra coisa, então nada
mais há que lhe possa dar mais espírito. É ele mesmo o espírito.

VIII
Perguntamos a nós mesmos até que ponto o espírito tem poder sobre a matéria
e a resposta é que, sendo a matéria a consequência do espírito, o espírito tem
inteiro poder sobre a matéria. Tornamo-nos pessimistas depois de haver
experimentado a força do pensamento para a nossa cura ou para a cura dos
outros e falhamos. Começamos então a pensar que não é o espírito que pode
socorrer, é alguma coisa exterior. Não significa isso, por um momento, que as
coisas exteriores não tenham efeito algum, mas que o espírito possui todo o
poder para curar uma pessoa de qualquer moléstia.

Sem dúvida, a fim de curar as moléstias o espírito deve alcançar um estado tão
elevado que lhe permita efetuar uma cura perfeita. Nos tempos que correm, uma
pessoa imagina que o espírito nasce da matéria. Pelo estudo biológico, começa-
se a imaginar que primeiro existiu a matéria, em seguida ela evoluiu, até que no
homem ela se desenvolveu e brotou como inteligência, como inteligência
humana, mas, de acordo com a mística, é tudo um jogo da inteligência. Na rocha,
na árvore, na planta, no animal e no homem, a inteligência tem vindo ao longo
de tudo e se desenvolveu. Através do homem chegou à sua pura essência.
Chegar à pura essência é que faz o homem tornar-se conhecedor da sua origem.
Ensina-se na Ciência Cristã que a matéria não existe. Mesmo que não o tenham
explicado inteiramente, todavia existe uma vida e o que chamamos de matéria e
espírito são diferentes aspectos da vida. Devemos compreender que existe uma
vida e ela é toda espírito. Até a matéria é um estado transitório do espírito e o
espírito é inteligente. É a própria inteligência, além de poderoso e livre da morte
e da decadência. É capaz de dar a sua vida até à substância densa que se tenha
formado dele mesmo e que é a matéria. Consequentemente, está além do
alcance das palavras dizer-se até que ponto o pensamento, o sentimento e a
atitude ajudam uma pessoa a curar-se.

O pensamento de que através dos canais nervosos, através das veias e vasos
é o sangue divino que está circulando, sangue esse que é perfeito, completo e
puro, ajuda-nos muitíssimo. Em outras palavras, que é doença? Doença é uma
desarmonia. Se a desarmonia causa a moléstia e a fraqueza, a harmonia traz a
cura. Se alguém puder harmonizar a sua vida em qualquer direção e de qualquer
forma, certamente isso resultará numa perfeita harmonia e se manifestará
também como cura das doenças. Não há dúvida que a tristeza causa todas as
moléstias, porque faz a mente e o corpo, ambos, desarmoniosos e presas fáceis
das doenças. Para mim, uma pessoa verdadeiramente corajosa é aquela que
diz: “O que aconteceu, aconteceu, triunfarei daquilo por que estou passando e
aquilo que me chegar enfrentarei corajosamente”.

Se quisermos ficar tristes, há muitas coisas para nos entristecer. Não é preciso
esperar por coisas que surjam e nos obriguem a derramar lágrimas. A cada
momento poderemos derramar lágrimas, se tivermos tal tendência. Maus
presságios não nos faltariam. Maus presságios podem ser facilmente
encontrados em toda parte se os procurarmos, e muita gente assim o faz,
inconscientemente. Há muitas moléstias, mas o desespero é a pior das
moléstias. Quando uma pessoa perdeu a esperança, esta moléstia não pode ser
curada. A esperança faz parte da inteligência, a esperança é a força da
inteligência. Se a inteligência trabalha contra todas as desordens, físicas,
mentais ou morais, certamente a cura pode ser obtida.

Os místicos sempre souberam e puseram em prática, da maneira mais perfeita,


a idéia que se externa mais elementarmente da seguinte forma: se repetirmos
para nós mesmos “estou bem, estou melhor, estou muito melhor”, sentimo-nos
de fato melhor. Muitos não percebem a razão disso, mas notaremos que, com o
tempo, as pessoas mais materialísticas chegarão a conceber esta verdade, que
é a atitude da mente, a disposição para curar-se, o desejo de sobrepor-se à
moléstia que nos ajuda a sarar.

Há diferença entre a fé e o pensamento. Podemos dizer: “Estou dia a dia


pensando que vou ficar bom, mas não vejo isso passar.” Na verdade, o
pensamento é uma coisa e a fé outra. Quando se compara a fé com o
pensamento, um é automático e o outro é mais vida. Quando dizemos: “estou
pensando” ou “estou fazendo isto diariamente mas não colho nenhum benefício”,
isto significa apenas que estamos praticando uma coisa e tendo fé noutra.
Estamos praticando ao dizer “ficaremos bons” e acreditando noutra coisa, isto é:
“estamos doentes”. Poder ser nossa crença inconsciente, mas há uma crença
quando dizemos: “isto não me cura, continuarei doente” e embora repitamos mil
vezes por dia: “ficarei bom, ficarei bom”, não acreditamos nisso.

Quando uma criança está doente, pode ser auxiliada por um pensamento de
ajuda. Algumas vezes o pensamento de cura da mãe, a simpatia da mãe,
trabalham em favor da criança com maior sucesso do que qualquer remédio que
se lhe dê e nisso está a prova do poder curativo. Há inúmeros casos que podem
ser observados, nos quais, conscientemente, ou mesmo inconscientemente, o
desejo da mãe se torna uma influência curativa para que se restabeleça a
criança. Se a mãe está ansiosa e preocupada com a criança, não há dúvida que
o efeito será negativo, porque, inconscientemente, conserva a mãe no
pensamento uma doença para seu filho.

O meio pelo qual os curadores místicos têm conseguido realizar curas


admiráveis, está acima da compreensão. Vê-se na obra deles o que pode a força
do pensamento. Sem dúvida, se uma pessoa for refratária a influências curativas,
então, mesmo um curador não poderá fazer seu trabalho adequadamente, mas
se a atitude da pessoa for correta, se a pessoa acreditar que o espírito possui
realmente o poder de curar, certamente poderá ser curada. Os místicos têm
provado em suas vidas que, não somente sua força pode curar, mas também
que a própria morte estaca diante deles como serva obediente. A morte para
eles não é um policial que prende e leva uma pessoa quando o tempo é chegado.
A morte para eles é um carregador que lhes carrega a bagagem quando estão
de viagem. Ao pessimista deixando de lado a arte de curar, nem mesmo um
remédio lhe fará bem. Se ele não acreditar no remédio, nenhuma força terá o
medicamento sobre ele.

Se a fé torna perfeita a força do remédio, então melhor efeito pode produzir se a


pessoa acreditar na força do espírito sobre a matéria. O que geralmente
acontece é que as pessoas não sabem se há um espírito. Às vezes fazem uma
pergunta, se existe algum espírito, pois o que conhecem é a matéria. Um jovem
italiano com quem viajei, chegou-se a mim e disse: “Acredito somente na matéria
eterna.” Respondi-lhe: “A sua fé não é muito diferente da minha fé”. Ficou muito
surpreso de ouvir um padre (ele pensou que eu era um padre) a dizer tal coisa e
perguntou: “Qual é a sua fé?” Respondi: “Aquilo que você chama matéria eterna
eu chamo espírito eterno. Você chama de matéria o que eu chamo de espírito.
Que importância tem isso? É apenas uma diferença de palavras. Só há um
Eterno.” Ficou o jovem, dali em diante, muito interessado. Antes disso era
excessivamente medroso.
O segredo da cura está em nos erguermos, pela força da fé, acima das limitações
deste mundo de variedades, de modo que possamos tocar, pela força da
inteligência, a unidade do Ser total. É aí que ficamos carregados da força
onipotente e é pela força dessa aquisição que uma pessoa se habilita a ajudar-
se a si própria e aos outros nas suas dores e sofrimentos. Verdadeiramente, o
espírito possui todas as forças que existem.

IX
A idéia de chamar certas moléstias de incuráveis é um grande erro que o homem
comete hoje. O que acontece é que a humanidade não achou o remédio para
curar tais moléstias e daí chamá-las incuráveis. Chamando de incurável uma
doença, faz com que o doente fique desesperançado não somente do socorro
do homem, mas também do socorro que ele pode receber do alto. Portanto, não
pode ser correta uma idéia que faz um ser vivente acreditar que não há cura para
ele. Se a fonte e a meta são perfeitas, é possível então obter a perfeição. Como
a saúde é uma perfeição, pode ser obtida.

Toda a força está no espírito. Cada pessoa tem força na medida de sua ligação
com o espírito, mas cada pessoa tem uma fagulha desse espírito em si mesma.
Cada um de nós deve saber que existe uma responsabilidade que nos cabe pela
própria saúde, como curadores de nós mesmos, e que ela tem um papel a
representar para nós mesmos, responsabilidade essa que não é somente do
médico ou do curador. Cada pessoa, ao mesmo tempo, deve, antes de tudo,
estar pronta a representar seu papel como um facultativo, como um curador,
primeiramente para ver qual é seu estado, o que lhe está faltando, qual o seu
mal e como deve curar-se. Quando não puder fazer isso bastante bem, deverá
chamar outrem para socorrê-la, mas deve ser a primeira a desejá-lo,

A cura pelo hipnotismo é um processo desejável? Atualmente os cirurgiões


fazem uso do éter a fim de executarem operações. Embora seja isso prejudicial
ao paciente, é entretanto necessário e, assim, se esse meio é usado para
melhorar o estado de alguém, se é imprescindível, deve ser permitido. Cada
pessoa, porém, deve estar habilitada a cuidar de si mesma pela oração, pela
meditação, pelo silêncio e alimentar a crença de perfeita saúde, arrancando de
si a raiz da crença na moléstia.

A cura pelo magnetismo é outra coisa. É uma outra forma de prescrição. Há uma
prescrição dada pelo médico, um certo medicamento é dado para agir ou reagir
contra um certo estado. Assim, a força que é a energia vital é dada de uma certa
forma para proporcionar ao paciente o que lhe falta. Não é exatamente um
remédio objetivo, mas um remédio externo.

Não existe moléstia alguma incurável. Cometemos uma grande falta contra a
perfeição do Ser Divino quando tiramos toda esperança de cura de uma pessoa,
pois naquela perfeição nada é impossível, tudo é possível. Vemos o assunto com
a nossa limitada razão e fazemos pequena a Divina Perfeição, tão pequena
quanto somos nós mas, na realidade, a vastidão, a grandeza da força onipotente
está acima da nossa compreensão e limitá-la nada mais seria do que um erro. O
que geralmente acontece, no caso da chamada moléstia incurável, é que a
impressão causada sobre o enfermo de saber e sentir que sua moléstia não pode
ser curada, se torna a raiz de sua moléstia e, portanto, na crença do enfermo, a
moléstia fica enraizada. Assim, nenhum remédio, nenhuma ajuda pode erradicar
a doença. O melhor tratamento que um curador, um médico, podem proporcionar
a um enfermo é dar-lhe primeiramente a fé de que ele pode ser curado, depois
o remédio ou tratamento, qualquer que seja o método que adote para curá-lo.

Ouvimos as narrativas sobre os médicos dos tempos antigos, dos místicos, dos
pensadores, de que eles usavam, para descobrir a moléstia de uma pessoa,
justamente olhar para essa pessoa. Isto veio por intuição e se os povos dos
antigos tempos eram proficientes nisso, não quer isto dizer que a alma tenha
perdido sua qualidade. Hoje mesmo, se alguém desenvolver essa qualidade em
si, poderá, ao primeiro lance de vista, descobrir tudo que estiver errado numa
pessoa, no seu corpo, na sua mente, no seu, espírito, em tudo, porque a
expressão exterior de uma pessoa revela o seu estado interior. Qualquer
desordem no espírito, na mente, ou no corpo, claramente se manifesta para o
exterior e é apenas questão de desenvolver aquela faculdade da intuição para
ler e descobrir o que está acontecendo. Quando tal faculdade se desenvolve
mais um pouco, faz a pessoa saber também qual a razão atrás de cada moléstia,
seja mental ou física. Quando a mesma faculdade se desenvolve ainda mais,
pode a pessoa descobrir também qual seria o melhor meio, o melhor remédio
para curar-se. Avicena, o grande místico da Pérsia, era médico e ao mesmo
tempo curador. O místico é um curador por natureza, mas a obtenção do
conhecimento exterior o habilita a usar melhor sua faculdade no mister de curar.

Que deve uma pessoa fazer para desenvolver essa faculdade, para descobrir se
a tem consigo? Assim como um mecanismo precisa de corda diariamente ou um
instrumento musical precisa ser afinado, também cada pessoa, qualquer que
seja sua vida e ocupação, precisa ser cada dia afinada. E qual é esta afinação?
Esta afinação consiste em harmonizar toda ação do mecanismo do corpo,
harmonizar a pulsação, os batimentos da cabeça e do coração, da circulação do
sangue e isto pode ser feito por meio do repouso adequado. Uma vez feito isto,
o segundo passo é harmonizar o estado da mente. A mente que está
continuamente devaneando, que não está sob o controle da vontade, que não
pode responder no momento de apelo, que não descansa, tal mente precisa se
harmonizar e pode ser primeiramente harmonizada com a vontade. Quando
existe harmonia entre a vontade e a mente, então o corpo e a mente, assim
controlados e harmonizados, se tornam um mecanismo trabalhando
automaticamente. Pondo-se simplesmente em ordem a mente e o corpo,
permitindo que cada faculdade se mostre em sua plenitude, que se manifeste,
começamos a observar a vida mais profundamente, a compreendê-la mais
integralmente e assim a percepção se torna mais aguda e a faculdade de
conhecer se desenvolve.

Sem dúvida, quanto mais uma pessoa evolui mais penetra na vida das coisas e
seres. A primeira coisa é compreender o estado do nosso próprio corpo, da
nossa saúde física, do nosso estado mental e, quando pudermos compreender
melhor o nosso próprio estado, começaremos então a ver o estado de outra
pessoa. Nasce então a intuição e ela se torna ativante. Quando um homem se
desenvolve intuitivamente, começa a ver as penas e sofrimentos do povo e se
sua compaixão cresce e se torna mais ampla, mais aguda se faz a sua vista e
começa a observar a razão atrás do mal. Se avançar ainda mais no caminho da
intuição, começará também a ver qual seria o melhor remédio para a pessoa que
está sofrendo.

Além disso, há sinais que um vidente vê, sinais externos, que explicam os
princípios fundamentais da saúde. Cada pessoa representa o sol, seu coração,
seu espírito, seu corpo, tudo e, como acontece com o sol, há uma aurora e um
ocaso. Há uma tendência do corpo que o atrai para a terra e que mostra o ocaso,
porque a alma está se encaminhando para a meta. Há uma outra tendência que
é como a aurora, o corpo naturalmente está disposto a levantar-se. Parece que
a terra não está atraindo o corpo, alguma coisa o atrai para cima. Este é o sinal
da aurora. E não depende isso da idade, depende do estado de harmonia que
se estabeleceu entre o espírito e o corpo. É coisa comum a um místico descobrir
se uma pessoa está para morrer dentro de três anos e, mais fácil ainda, se uma
pessoa está para morrer dentro de um ano. Colocando de parte o espírito interior,
há sinais até na tendência do corpo, na sua inclinação.

X
Há diferentes maneiras de ver a moléstia: uns a encaram como castigo do alto,
outros a vêem como punição de suas próprias ações e outra maneira de ver a
doença é considerá-la como proveniente dos passados “karmas”, tendo a
pessoa de resgatar por meio da moléstia os “karmas”, isto é, as ações do
passado. Tenho visto doentes atravessarem suas moléstias pensando que
devem pagar as dívidas passadas, que é justo resgatá-las. Quando olhamos
para isto com espírito de crítica, achamos que quem julga ser a moléstia uma
punição lançada por Deus sobre uma pessoa, está apresentando Deus sob um
aspecto severo, fazendo-O passar como duro Juiz ao invés do mais gracioso e
compassivo Pai e Mãe, conjuntamente.

Se à mãe e ao pai terrenos desgostaria infligir pena e sofrimento a seu filho, é


duro pensar que Deus, Cuja misericórdia e compaixão são infinitamente maiores
do que as dos pais terrenos, mandaria sobre o homem a moléstia como castigo
por suas ações. Parece mais razoável se alguém disser que a doença é
consequência de suas próprias ações. Mas isso nem sempre é verdade, não é
verdade em todos os casos. Muitas vezes a mais inocente e a melhor das almas,
que não tem senão bons desejos e delicados pensamentos, se encontra entre
os sofredores.

Quando pensamos que isso é o débito da vida passada, temos uma idéia de
fatalismo, de que há um certo sofrimento pelo qual se deve passar, que não há
outro caminho e que consequentemente devemos suportar com paciência as
coisas mais desagradáveis. Vi um jovem sofrendo de uma doença e que me
disse com o maior contentamento, quando lhe aconselhei a fazer alguma coisa
pela sua saúde: “Acredito que isto é um débito do passado que tenho a pagar. É
preciso que eu o pague.” Sob um ponto de vista comercial isso é bem justo mas
sob o ponto de vista espiritual, deve ser encarado diferentemente. O que o
homem não deseja para si mesmo não é para ele, não é o seu quinhão, porque,
em cada alma, está a força do Todo-Poderoso, há uma fagulha da luz divina, há
o espírito do Criador. Tudo que o homem deseja ter, portanto, é seu direito de
nascença. Naturalmente uma alma não deseja ter uma enfermidade, salvo se é
desequilibrada. Se a alma soubesse a força de sua tendência natural para gozar
saúde, teria a saúde a despeito de todas as dificuldades que as condições da
vida possam apresentar.

Pensamos muitas vezes que a moléstia não deve nunca ser considerada como
vontade de Deus e se não deve, que dizer da morte? A morte é diferente da
doença, porque a moléstia é pior do que a morte. O aguilhão da morte é apenas
passageiro. A idéia de que deixamos os que nos rodeiam é uma provação
amarga de um momento, não vai mais longe. A doença, porém, é uma
imperfeição, um estado incompleto, e não é desejada. Será erro deixar uma
pessoa que está sofrendo excessivamente morrer, ou devem ser usados meios
artificiais para conservá-la viva? Não é aconselhável que um médico, um
parente, ou quem quer que seja, mate uma pessoa que esteja sofrendo
excessivamente de uma doença a fim de livrá-la do sofrimento, porque a
natureza é sábia e cada momento que se passa neste plano físico tem seu
objetivo. Nós, os seres humanos, somos demasiado limitados para julgar, para
decidir pôr fim à vida e ao sofrimento. Devemos tentar diminuir o sofrimento do
doente, fazer tudo que estiver em nosso poder a fim de que melhore, mas usar
meios artificiais para manter vivo alguém por horas ou dias não é coisa acertada
que se faça. É agir contra a sabedoria da natureza e contra o plano divino. É tão
perverso quanto matar alguém. A tendência é o homem ir sempre além do que
devia ir e aí é que ele comete um erro.

Pode a astrologia concorrer para descobrir a causa de uma enfermidade? É


recomendável tal método? Sim, a astrologia pode concorrer para a descoberta
da causa da enfermidade se se trata da verdadeira astrologia, mas não é
recomendável para uma pessoa que esteja lidando com um caso irremediável.
Num caso em que a astrologia seja favorável, atuará em proveito da pessoa, fará
um grande bem, mas quando não é favorável, atuará então em sua
desvantagem. Por exemplo, um astrólogo disse a uma pessoa: “Daqui a três
anos você cairá doente e morrerá enfim.” Esse homem caiu doente e morreu ao
fim de três anos. Por que deveremos nós, portanto, depender de tais coisas? Por
que não depender da vida e luz de Deus que estão em nós? Por que não dizer
a nós mesmos que a vida vive e a morte morre? E por que não esperar sempre
que o melhor chegará e nunca ter em vista, não esperar, que há de chegar o
pior? Podemos dizer: “Devemos olhar para o lado negro a fim de estarmos
prontos para enfrentar o pior”. Olhando para o lado escuro das coisas,
focalizamos o espírito para esse lado escuro das coisas e assim nos envolvemos
em todas as obscuridades ao invés de nos erguermos acima disso e de
procurarmos a luz, esperando que venha o melhor. Por este meio, preparamo-
nos também para enfrentar o pior, se este vier.

Sem dúvida, muito frequentemente, é o próprio homem o causador da desordem


do seu mecanismo físico. A esta desordem é que ele chama doença, quer seja
física ou mental. Algumas vezes a desordem é negligência do homem, outras
vezes a causa está num desequilibrado estado da sua mente ou do seu corpo,
às vezes nas condições do seu meio ambiente. Ter uma atitude complacente
para com a moléstia não é direito. É uma boa coisa, sem dúvida, olhar para a
doença que já passou como tendo sido uma prova, uma experiência, um teste,
ou purificação, pela qual passamos e deixamos para trás, pensando que ela foi
para o nosso próprio bem, que estamos agora purificados, que aprendemos com
ela uma lição, que através dela nos tornaremos mais meditativos e ponderados
em relação ao nosso próprio ser e aos outros. Não é a atitude acertada pensar:
“O que estou passando é alguma coisa que eu devo continuar a suportar.” A
atitude deve ser: “Não, isto não é o meu quinhão na vida. Não o suportarei, não
devo suportá-lo. Devo erguer-me acima disto, deve esquecê-lo. Devo fazer tudo
que estiver em meu poder para vencer esta minha dificuldade pelo pensamento,
pelo sentir, pela fé, por uma boa ação, por um progresso, por uma concepção,
por um tratamento, por qualquer método que seja”. Não deve haver nenhuma
limitação.

Às vezes dizemos: “Creio somente na força curativa, não tocarei num remédio,
é coisa material”. Isto também está errado. Diz uma pessoa por vezes: “Só
acredito no remédio, não tenho fé na força curativa”. Também isto é um erro.
Para se ter uma saúde perfeita, para completar uma cura, devemos curar-nos a
nós mesmos de manhã à noite. Devemos pensar: “Cada raio de sol me cura, o
ar me cura, o alimento que eu como tem um efeito sobre mim, cada vez que
respiro alguma coisa que me está curando, purificando, levando-me a uma saúde
perfeita”. Com uma atitude esperançosa na cura, na saúde, numa vida perfeita,
erguendo-nos acima das desordens que nada mais são do que estados
desarmoniosos da mente ou do corpo, ficamos mais aptos a cumprir o objetivo
da nossa vida.
Não é egoísmo pensar na própria saúde. Sem dúvida, não é desejável estar
pensando todo o tempo na própria moléstia, aborrecer-se com isto ou ter
demasiada ansiedade a tal respeito, mas ter cuidado com a saúde é o que pode
haver de mais religioso, porque a saúde mental e física é que nos torna aptos
para servir a Deus e ao nosso próximo, cumprindo por este meio o objetivo da
nossa vida.

Devemos pensar: “Venho de uma fonte perfeita e me dirijo para uma meta
perfeita. A luz do Ser perfeito está acesa na minha alma. Vivo, movo-me e tenho
meu ser em Deus e nada no mundo, quer do passado quer do presente tem força
para tocar-me se me elevo acima de tudo”. Este pensamento é que nos elevará
acima das influências da desarmonia e da desordem e nos levará ao gozo da
maior bem-aventurança na vida, que é a saúde.

XI
Há o seguinte ditado no Oriente: existe uma doença para a qual não há remédio
e na língua oriental tal doença é chamada “Vahm”, que significa imaginação. A
imaginação representa seu papel em cada moléstia. Quanto maior a imaginação,
tanto maior se torna a moléstia. Mas, deixando de lado a moléstia, em cada
pequena coisa na vida a imaginação causa um grande dano, exagera as coisas
e torna mais difícil suportá-las. Não é raro, é uma coisa comum, alguém sentir-
se cansado antes de haver trabalhado, só ao pensar no trabalho. Quando
começa a trabalhar aquele cansaço imaginário aumentou ainda mais e antes de
acabar o trabalho a pessoa está exausta. Vemos, às vezes, que o chefe de uma
fábrica está mais cansado, após duas horas de trabalho, do que o operário que
trabalhou talvez um dia todo nas máquinas. Vemos o superintendente de um
jardim ficar muito mais cansado que o jardineiro, que esteve trabalhando na terra
um dia inteiro. Às vezes, tereis visto uma pessoa no auditório ficar muito mais
cansada que um cantor, que se desempenhou de todo o programa da noite. Às
vezes vemos que uma pessoa se cansou antes de andar algumas milhas, só em
pensar nisso. A imaginação vem sempre liderando e a moléstia a segui-la.

A imaginação é um trabalho automático da mente. Podemos treinar a imaginação


treinando o pensamento. Devemos pôr à prova as idéias das nossas
imaginações. Surge um desenvolvimento mental, que se apresenta
precisamente como um desenvolvimento muscular do corpo físico, pois cada
músculo, quando exercitamos o corpo, é uma coisa distinta. Assim, com o
desenvolvimento da mente cada pensamento se torna distinto e claro antes de
ser expresso. Desta maneira, a imaginação se desenvolve e é treinada.

Indubitavelmente, quem tem controle sobre a imaginação pode se dominar e


elevar-se acima da moléstia. Diverti-me sempre ao ver uma senhora, uma
conferencista, que quinze dias antes de cada conferência começava a ficar
angustiada e quando chegava a ansiedade, seguia-se uma doença. Os médicos
vinham examiná-la. Ao aproximar-se o dia da conferência a senhora estava
quase aniquilada. Curadores vinham vê-la, ocultistas vinham aconselhá-la,
astrólogos tinham de fazer seu horóscopo a fim de lhe dizer se ela seria bem-
sucedida em sua conferência, antes de sentir-se preparada para ir pronunciá-la.

Não se trata de coisa rara, muito frequentemente verificamos que há pessoas


que exageram o cansaço, a confusão, o sofrimento e os aborrecimentos e fazem
de um montículo uma montanha sem o saber. Se dissermos isso a tais pessoas
elas não o aceitariam, não o admitiriam, mas é isso o que acontece. De cem
pessoas que sofrem de uma certa moléstia, noventa e nove podem ser curadas
se a imaginação lhes permitir que se curem.

Entre as crianças, o sofrimento aumenta com a imaginação e, portanto, quem


compreende isso pode parar mais depressa a dor de uma criança do que usando
qualquer remédio, porque a criança está sempre pronta a receber sugestões.
Uma pessoa adulta, que governa sua imaginação e não a deixa livre, é difícil de
ser ajudada, mas uma criança pode sê-lo num momento. Uma criança está
chorando com uma dor mas, num segundo, se pudermos afastar sua imaginação
de tal sofrimento, poderemos curá-la.

O temor da doença é tal que, se um médico disser a certas pessoas que há algo
de errado com elas, ficarão tão atemorizadas que se sentirão mal antes de sentir
qualquer dor. O médico pode ter se enganado, mas mesmo assim o temor do
mal antecipado tomou o lugar da doença. Na imaginação mentalmente
desarranjada se encontra a razão principal por trás de sua moléstia.

Não quer isto dizer que devemos descuidar da moléstia de uma criança. Isto é
outra coisa. Não se deve desprezar a moléstia de uma criança nem deixar de
lado o que estamos sentindo, pois nem sempre é imaginação. Mas, ao mesmo
tempo, a imaginação representa um grande papel e é melhor para uma pessoa
analisar até que ponto a imaginação está representando uma parte no seu
sofrimento. Pode analisar isso tentando esquecer o seu mal, esquecendo-o
inteiramente, ensaiando negar os fatos que se apresentam diante dela como
evidência da moléstia. Quando uma pessoa é capaz de fazer isso até esse ponto,
será então capaz de fazer uma idéia segura de quanto há nisso de moléstia e
quanto há nisso de imaginação. Observará também este fenômeno: logo que
afastar da sua moléstia a imaginação, privará a sua moléstia do alimento que a
vinha sustentando e é possível que, por meio desta privação, a moléstia venha
a morrer.

Não se deve descuidar das moléstias infantis, mas também não se deve
exagerá-las. Não se deve pensar demasiadamente nelas, porque a imaginação
tem um efeito criador e pode criar uma enfermidade numa pessoa que, na
realidade, não a tenha apanhado. Seria um grande erro da parte dos pais
preocuparem-se sem necessidade em relação à saúde dos filhos.
O corpo humano é composto de um sistema nervoso, que é o principal
mecanismo do nosso físico. Este mecanismo nervoso é mais suscetível de ser
influenciado pela imaginação do que a carne, os ossos ou a pele. Os nervos
correspondem, imediatamente, ao pensamento, não à pele, à carne, ou aos
ossos, pois estes participam da influência que vem dos nervos. O sistema
nervoso se coloca entre os aspectos físico e mental do ser. Por conseguinte,
assim como pode a imaginação causar uma moléstia e pode sustentar uma
doença, também pode a imaginação curar uma pessoa de sua enfermidade.
Logo que a moléstia é curada pela imaginação, o que resta dessa moléstia no
corpo não tem sustento algum para continuar a existir e, portanto, morre
naturalmente. Tenho feito muitas vezes uma experiência com pessoas que
dizem ter uma grande dor de cabeça. Convido-as a cantar e acabam se sentindo
curadas. Qualquer coisa que afaste da mente a imaginação de uma moléstia,
corta as escoras que a sustentavam e assim a doença não pode manter-se de
pé. Alguma coisa deve existir para sustentar a doença e essa coisa é a
imaginação.

A autopiedade é o pior inimigo do homem. Ela dá, todavia, algumas vezes, uma
meiga sensação no coração e nos lastimamos: “Ó, como estou mal” e é
consolador ouvir de alguém: “Ó, quanto sinto você não estar bem”. No entanto,
preferíamos que outra coisa nos fosse dita com simpatia: “Estou contente de ver
que você passa tão bem”. A fim de criar essa sensação de ternura, não é preciso
que estejamos mal, o que é preciso é ser gratos.

Nunca podemos ser demasiado gratos. Se pudermos apreciar os privilégios da


vida, infindos são os dons que nos vêm do alto, acerca dos quais nunca
pensamos e jamais damos valor. Se pensarmos neles com gratidão, é natural
que sentiremos uma ternura. Sentir essa ternura é que tem valor.

A correspondência do animal à natureza é maior do que a do homem. A natureza


ajuda o animal a esquecer a moléstia mais do que o homem, porque o homem
não corresponde à natureza. Todo homem tem o seu pequeno mundo, o qual
pode ser tão pequeno, às vezes, que se assemelha a uma casa de bonecas.
Nesse mundo vive o homem. Não tem consciência da amplidão do mundo, não
tem consciência do universo. Vive precisamente no seu pequeno mundo. É tudo
que ele conhece, tudo que está em sua consciência, tudo que lhe interessa. Por
conseguinte, se o seu mundo estiver cheio de miséria, de moléstia e de
infortúnio, não poderá sair dele, porque construiu para si uma espécie de concha,
como fazem os seres que vivem na água, que fazem uma concha para nela viver.
Não é o mundo que lhe dá a miséria, é o próprio homem que faz para si a concha
da miséria e gosta de ocultar-se nessa concha. Gosta de morar nela porque a
fez, é a sua morada, seja embora uma concha de vícios, de miséria, de bondade,
ou de santidade, ou de qualquer outra coisa.
Muitas vezes uma pessoa concentra-se numa doença por evidências exteriores,
porque indubitavelmente há sinais exteriores de moléstia, mas a mente possui
uma força tal que, se existe um sinal de moléstia, a mente vê milhares de sinais
de moléstia. Por exemplo, logo que você começa a pensar que seu amigo está
desgostoso com você, tudo que ele faz, de bom ou de mau, parece a você
completamente errado. Se você pensa que seu amigo é amável e gentil para
com você, tudo que ele faz vem em apoio do que você pensa.

Quando uma pessoa começa a pensar que está sob a influência de uma má
estrela, sobre todas as coisas que acontecem, boas ou más, pensa: “Tudo isto
me traz má sorte. Parece que de toda parte surge o azar”. Mesmo se chegar
uma coisa boa, essa pessoa pensará que é má, porque só espera o pior. Quando
uma pessoa vive com o pensamento de que a boa fortuna bate à sua porta, todas
as coisas que lhe chegarem trarão a forma da boa fortuna.

Quanto mais estudamos este assunto, mais achamos que a nossa mente é a
senhora da vida. Tornamo-nos o possuidor do Reino de Deus assim que
compreendermos a força que o pensamento e a concentração têm sobre a nossa
vida. A falta de tal conhecimento é que faz o homem não dar valor à centelha
divina que possui dentro de si. Não tendo consciência disso, vai descendo e
descendo, até às maiores profundezas. Tão depressa a pessoa se compenetra
disso, começa a respeitar-se a si mesma. A pessoa que se respeita a si mesma
é aquela que tem respeito para com os outros. A que ajuda a si mesma é a que
ajudará uma outra. A que se levanta a si mesma é a que levará outra pessoa
também para as alturas. Uma vez que tenhamos achado o remédio para curar
essa moléstia incurável que vem da imaginação, nenhuma outra moléstia haverá
que não possamos sobrepujar. Temos apenas que nos compenetrar da Fonte
de perfeição dentro de nós mesmos.

XII
Uma vida regular, uma dieta pura, um bom sono, equilíbrio entre a atividade e o
repouso e uma respiração perfeita, tudo isto ajuda a pessoa a manter a saúde,
mas o melhor remédio para a cura de todas as moléstias e enfermidades mentais
é um: a fé. Muitos pensam que têm fé, mas muito poucos são os que realmente
crêem. A crença de muitos é como ouvi alguém dizer: “Eu creio, queira Deus
fortalecer a minha crença”. É uma afirmação que não tem sentido. Se uma
pessoa diz: “Eu creio”, isso não quer dizer que ela crê, pois é a crença que, na
sua perfeição, se torna fé. Que diz Cristo sobre a fé? Diz: “A fé remove
montanhas”. Não há dúvida que o padre fala em ter fé na Igreja e que o pastor
fala em ter fé na Bíblia, mas não é essa a verdadeira significação da fé. A fé é a
culminância da crença e quando a fé atinge um certo grau, cresce como se fosse
uma planta. Quando a crença é completa, torna-se fé.
A cura, em todos os casos, se dá pela fé, seja uma cura repentina sejam quais
forem a natureza e o caráter do caso, é sempre a mesma coisa. A fé apressa o
estado de uma pessoa. Se é grande a fé rápido é o tempo da cura. Sem fé o
próprio remédio não pode ajudar. Nenhum tratamento poderá dar bons
resultados se faltar a fé. Esta é o primeiro remédio, tudo mais vem depois. Todos
os nossos fracassos, tristezas, desapontamentos, dificuldades na vida, têm
como causa nossa falta de crença. Moléstia significa falta de crença. Além e
acima de todas as outras evidências, a moléstia é o sinal da falta de crença. Se
uma pessoa tivesse crença, certamente não haveria lugar para a moléstia. Mas
a moléstia toma o lugar da crença. Não se pode descrer daquilo em que se crê.
A doença torna-se crença da pessoa e daí vem a dificuldade. Quando uma
pessoa diz: “Estou lutando contra minha moléstia” isto significa: “Minha
imaginação está lutando contra minha crença”. Afirma ela: “Estou lutando contra
minha moléstia”, o que significa precisamente o mesmo que a pessoa
estabelecer a moléstia em si própria. Luta ela contra uma coisa que ela afirma
estar existindo. O primeiro lugar, portanto, na sua crença ela o dá à moléstia. O
segundo lugar, na sua crença, ela o dá à imaginação de curar a doença. Por
conseguinte, a força com a qual deseja ela remover sua moléstia é muito menor
do que a força que a moléstia já obteve junto a ela. A pessoa luta contra uma
coisa que ela afirma estar existindo.

Há pessoas que pensam que jamais incorrerão no erro de acreditar numa coisa
de que não têm prova alguma e pensam ser isto muito inteligente. Quando
investigamos no campo das evidências, vamos encontrar uma capa enganadora
debaixo de outra. E assim pode uma pessoa prosseguir, provando as
profundezas da vida, indo de ilusão em ilusão, nunca chegando a fazer uma idéia
segura da verdade. Como podereis fiar-vos em provas que estão sujeitas a
mudanças? Se há, pois, alguma coisa em que devemos nos fiar, essa coisa é a
crença. Não é a evidência que nos dá a crença e se a evidência nos deu a
crença, essa crença não durará, porque as provas não são duradouras. A crença
que se firma acima das evidências é aquela que culminará na fé.

Há pessoas como Bayazid, a quem muita gente consideraria “nas nuvens”, que
provaram em suas vidas o que é a crença. Dirigia-se Bayazid para Meca numa
peregrinação. Um derviche estava sentado à margem do caminho. Desejando
render homenagens a um homem espiritual, Bayazid chegou até ao derviche e
sentou-se para receber sua bênção. “Para onde vai você? perguntou o derviche.
“Para Meca” respondeu ele. “A negócios?” perguntou o derviche. Bayazid ficou
admirado e disse: “Não, vou em peregrinação.” Disse o derviche: “Em
peregrinação? Que é que fazem na peregrinação?” Bayazid explicou: “Caminha-
se ao redor da pedra sagrada de Kaaba”. E o derviche disse: “Você não
necessita ir tão longe para essa peregrinação. Se você fizer voltas ao redor de
mim e regressar, estará feita a sua peregrinação”. Disse Bayazid: “Sim, creio
nisto”. Deu voltas ao redor do homem, regressou à casa e, quando o povo
perguntou: “Você fez uma peregrinação a Kaaba?” ele respondeu: “Sim, fiz uma
peregrinação a uma Kaaba viva”.

A crença não é uma imaginação, a crença é um milagre em si, porque a crença


é criadora. Por exemplo, crê uma pessoa que tantos cêntimos fazem um franco
e todo mundo acredita nisso, porque há uma prova. Não precisa ir longe para tal
prova, basta ir ao banco e a encontrará. Mas é difícil a crença quando nenhuma
prova existe. É justamente como construir um castelo no ar, mas, então, esse
castelo se converte num paraíso.

Se uma pessoa acreditar no que não existe, a crença fá-lo-á existente. Se houver
um estado em que a pessoa acredite que está e esse estado não existir, será
ele criado. A diferença entre a mente do crente e a mente do descrente é a
seguinte: a mente do crente assemelha-se a um facho e a mente do incréu
assemelha-se a uma lâmpada encoberta sob alguma coisa que não lhe deixa
espalhar a luz.

Muitas vezes o homem tem medo de perder o senso comum. Gostaria ele mais
de ser um tipo comum do que um tipo fora do comum. Teme perder-se a si
mesmo, porém não sabe que perder-se a si mesmo quer dizer ganhar-se a si
mesmo. Diz alguém: “Pensar nestas coisas é o mesmo que mover-se no ar”,
mas, se não estivéssemos no ar, o que seria de nós? O ar é a substância em
que vivemos, mais importante para nós do que o alimento que comemos e a
água que bebemos. A crença, portanto, é o alimento do crente, é a substância
da sua fé. Da crença é que o crente vive, não do alimento e da água.

A fé é tão sagrada que não pode ser dada, tem de ser descoberta dentro da
própria pessoa, mas não existe ninguém no mundo sem fé, apenas em certas
pessoas a fé está encoberta. E que é que a encobre? Uma espécie de visão
pessimística da vida. Há pessoas que são pessimistas externamente, outras que
o são inconscientemente, não sabem elas mesmas que são pessimistas. O
homem pode lutar com o mundo inteiro, mas não pode lutar consigo mesmo, não
pode fazer desaparecer suas próprias dúvidas. Aquele que pode dispersar as
nuvens das dúvidas realizou uma grande coisa na vida.

A fé pode ser alcançada pela perseverança na crença? As coisas do céu não


podem ser alcançadas pela perseverança, são alcançadas pela graça de Deus.
Não se requer nenhuma perseverança para pedir a graça de Deus, para crer na
graça de Deus, para abrir-se à graça de Deus e para confiar-se nela. É isto que
fortalece a crença para tornar-se fé. Todas as coisas pertencentes à terra nos
custam alguma coisa, umas são mais caras outras mais baratas, temos que
comprá-las. Só há uma coisa que não nos custa nada porque nunca podemos
pagar seu preço e que se chama a graça de Deus. Não podemos pagar por ela
de forma alguma, não há meio algum de pagá-la, nem com a nossa bondade,
com a nossa santidade, com as nossas grandes qualidades, méritos ou virtudes,
nada. A quanto monta a nossa bondade? Nossa bondade ao longo de toda vida
não é nada mais do que uma gota d’água comparada com o oceano. Como seres
humanos somos demasiadamente pobres para pagarmos a graça de Deus, para
comprá-la. Ela nos é dada apenas.

Deus é amor. Que esperamos do amor? Graça. A graça de Deus é o amor de


Deus, o amor de Deus manifestando-se em bênçãos inumeráveis, bênçãos por
nós conhecidas e desconhecidas. Os seres humanos vivem sobre a terra em
suas conchas, mais das vezes despercebidos de todos os privilégios da vida e,
assim não são agradecidos ao Doador desses privilégios. A fim de ver a graça
de Deus devemos abrir os olhos, levantar a cabeça do pequeno mundo que
criamos ao nosso redor e ver então em cima e embaixo, à direita e à esquerda,
adiante e atrás, a graça de Deus chegando até nós, de toda parte, em
abundância. Se tentássemos agradecer, poderíamos continuar agradecendo por
centenas de anos e nunca seria bastante. Quando, porém, a pessoa olha para
dentro de sua conchinha somente, não encontra a graça de Deus, o que encontra
são as misérias, perturbações, dificuldades, injustiça, dureza de coração, friezas
do mundo, tudo, por toda parte encontra fealdade, porque se alguém lançar os
olhos para baixo, o que vê é lama, mas se olhar para cima, lá estão as estrelas
e os planetas. Depende apenas da maneira de olhar, de olharmos para cima ou
para baixo. Que é este mundo mortal? Que é a existência física? Que é esta vida
de mutações? Não fosse pela crença, de que serviria isto tudo? É uma coisa
mutável, uma coisa em que não se pode fiar, uma coisa sujeita à destruição.

Não é portanto, somente por amor à verdade, mas pela própria vida, que uma
pessoa deve descobrir a crença dentro de si mesma, desenvolvê-la, nutri-la,
permitir que ela cresça a cada momento da sua vida e que possa culminar na fé.
Nessa fé é que está o mistério da vida, o segredo da salvação.
CONFISSÕES
CAPÍTULO I

As primeiras fases de minha vida

“Qualquer estrada que eu tomasse ligava a rua que conduz a Ti” – Do “Dabistan”

Nasci em Baroda, na Índia, no ano de 1882, quando começou uma grande


reforma religiosa não só na Índia como em todas as partes do mundo e que foi
a precursora do despertar dos dias de hoje. Tenho certeza que foi a influência
planetária daquela época que me manteve sempre ocupado, durante toda a
minha vida, na procura da verdade divina, que é uma espécie de veste da glória
de Deus.

Recebi a música e o misticismo como herança, tanto dos meus ancestrais


paternos como maternos, entre os quais cito Maulabakhsh, aquele a quem
chamavam o Beethoven da Índia e cujo retrato está no Museu Victoria e Alberto
em Kensington do Sul. Também descendo de Jumma Shah, o grande vidente de
Panjab. Sempre senti-me profundamente embaraçado quando era comparado
com esses mestres e esta humildade trazia à minha mente o seguinte ditado:
“Tem orgulho de teus próprios méritos e não dos méritos de teus ancestrais”.

“Eu também surgi como regato de um rio e como canal num jardim”. –
Eclesiasticus

Minha curiosidade nos segredos ocultos da natureza foi despertada muito cedo
e frequentemente fazia as seguintes perguntas sobre os mistérios da religião:
“Onde é a morada de Deus? “Qual é a idade de Deus?” “Por que devemos dirigir
nossas preces a Ele?” “Para onde vamos após a morte?” “Se Deus criou tudo,
quem foi o criador de Deus?” Meus pais, Rahemat Khan e Khatija Bibi,
praticamente respondiam às minhas perguntas da maneira mais simples e
plausível possível, mas eu prolongava o argumento até cansá-los. Depois eu
meditava sobre as mesmas perguntas.

“O grande inimigo da humanidade é a ociosidade. Não há amigo que se compare


à energia e se a cultivares jamais fracassarás” – “Bhartrihari”

Comecei a frequentar a escola muito pequeno, mas gostava mais de brincar do


que de estudar. Preferia ser punido a prestar atenção a assuntos que não me
interessavam em absoluto. Gostava mais de religião, de poesia, moral, lógica e
música, do que aprender outra qualquer matéria. Fiz da música uma matéria à
parte na Academia de Baroda, onde ganhei repetidamente o primeiro prêmio.
Minha curiosidade pelos estranhos, adivinhos, faquires, derviches, espiritualistas
e místicos era tão grande que muitas vezes deixava de fazer refeições para
procurá-las. Minha apreciação pela música, pela poesia e pela filosofia
aumentava diariamente e gostava mais da companhia de meu avô do que tomar
parte em jogos com meninos de minha idade. Em silenciosa fascinação
observava cada um dos movimentos do meu avô e ouvia suas interpretações
musicais, seus métodos de estudo, suas discussões e conversas. Minhas
tentativas de fazer poesia, embora sem qualquer treinamento na arte da métrica
e da forma levou meus pais a me colocar sob a orientação do grande poeta do
Hindustão Kavi Ratnakar.

Comecei a compor e cantei uma canção-prece em Sânscrito em louvor a Ganesh


perante Sua Alteza Sayajirao Gaikwar, Marajá de Baroda, o qual premiou minha
canção dando-me um valioso colar e uma bolsa de estudos. Esse encorajamento
levou-me a dedicar-me mais à música sob a orientação de meu avô
Maulabakhsh, que me inspirou com a música de alma a alma.

“Ele nasceu o Senhor daquilo que é, Ele que por Sua majestade é o único. Rei
do mundo que se move, que respira e que fecha os olhos”.

Minha família era Muçulmana e cresci devoto do Santo Profeta e leal ao Islam.
Nunca deixei de fazer uma prece das cinco preces diárias que fazem parte da
vida de um devoto.

Uma noite de verão, estava ajoelhado no telhado da minha casa oferecendo


minhas “Nimaz” (preces) a Alá, o Grande, quando surgiu no meu pensamento
uma idéia: embora eu estivesse orando há tanto tempo com toda a confiança,
devoção e humildade, nenhuma revelação havia tido e, portanto, não era sensato
da minha parte adorar Quem eu nunca vira nem sondara. Fui à presença de meu
avô e lhe disse que não ia mais oferecer preces a Alá até que eu O tivesse
contemplado e compreendido e que “Não há sentido em seguir uma crença e
fazer o que os nossos ancestrais fizeram sem conhecer a verdadeira razão”.

Ao invés de se irritar, meu avô Maulabakhsh ficou satisfeito com a minha


curiosidade e, depois de um pequeno silêncio, respondeu-me recitando um
“Sura” (versículo) do Alcorão: “Exibiremos para eles nossos sinais, no mundo e
neles próprios, para que a verdade possa se manifestar a eles”. Acalmou minha
impaciência e explicou que “Os sinais de Deus são vistos no mundo e o mundo
é visto em ti mesmo”.

Essas palavras calaram tão fundo no meu espírito que depois daquela data, a
todos os momentos de minha vida, ocupei-me com o pensamento da imanência
divina. Meus olhos assim se abriram, como Elijah abriu os olhos do jovem, para
ver os símbolos de Deus em todos os aspectos da natureza e também nessa
natureza que é refletida dentro de mim. Esta súbita iluminação fez com que tudo
me parecesse muito claro, como uma bola de cristal ou uma pedra translúcida.
Daí por diante devotei-me à absorção e consecução da verdade, a Graça imortal
e perfeita.
CAPÍTULO II

Meus estudos das religiões

“A Sabedoria, que é a artesã de todas as coisas, foi quem me ensinou, pois nela
existe um espírito compreensivo”. – SALOMÃO

Primeiramente, estudei as religiões comparadas com a mente aberta, não com


espírito crítico e sim como um admirador e um amante da verdade em todas as
suas formas. Li a vida dos fundadores das religiões, dos profetas e videntes com
tanta reverência como se fosse um de seus mais devotos seguidores. Isso
proporcionou-me a felicidade de compreender aquela única verdade, que todas
as religiões possuem: que embora os tonéis sejam diferentes podem armazenar
o mesmo vinho. Era a concepção da verdade em suas múltiplas formas e
expressões, verdade trazida sempre por mensageiros diferentes, os quais,
maravilhosamente, em sua variedade de trajes, civilização, nacionalidade e
épocas, revelaram à humanidade a Fonte única da inspiração. Para mim a única
diferença eram as leis do espaço e do tempo.

Portanto, era natural que os mensageiros da verdade divulgassem suas


mensagens na língua do lugar onde haviam nascido e no estilo adequado à vida
daquela época. Cada um deles era necessário no lugar que lhe fora destinado e
adaptava-se à sua época. A diferença entre eles era somente nos princípios e
rituais dados ao povo do seu tempo e que se harmonizavam com seu nível de
inteligência e evolução, da mesma maneira que age um médico quando muda a
prescrição de acordo com o progresso no estado do doente até que o cure ou,
como acontece nas escolas, onde no fim do período e a cada ano uma nova
série de estudos é ensinada através de classes diferentes.

O homem em geral, não compreendendo este fato e seus motivos e devido à fé


cega e dogmática que o obseda, sempre apegou-se ao criador e ignorou o novo
profeta. Foi essa a sorte comum de Moisés, Jesus e Maomé e de todos os
Mestres e Seres Iluminados, que revelaram na dor, que tiveram de suportar no
decorrer de suas vidas, a luta entre a cruz e a verdade, que é expressa pelo
símbolo da cruz. A dor que os profetas sempre sofreram foi causada pela
rebelião dos ignorantes, que não eram capazes de compreender a verdade
oculta nos seus ensinamentos e, por isso, troçavam e zombavam dos profetas.
Mas todos os verdadeiros mensageiros justamente afirmavam a verdade,
expressa na forma adequada ao período no qual trouxeram suas mensagens.
“Quem entrar na cidade do Amor encontra apenas lugar para Um e se integra
com a Unidade”. – JAMI

Os Mestres dos Hindus, como Shiva, Vishna, Rama e Krishna alegaram, cada
um de per si, ser uma reencarnação um do outro ou, em outras palavras, uma
encarnação de Brahma, o Deus Supremo, porque se não fizessem essa
declaração não seriam ouvidos pelos homens. Desta forma, os materialistas que
nunca avançaram uma polegada sem uma determinada razão e lógica, foram
ensinados pelo Gautama Buddha, que lhes explicou a grande verdade em
palavras simples em sua própria língua.

Zoroastro deu ao mundo a lei da ação e a adoração da natureza, a importância


mística do fogo e da queima das oferendas, o símbolo do amor, a luz e a pureza
e adaptou-os ao nível intelectual de seus seguidores. O Rei Salomão, do alto do
seu trono, revelou a verdade quando seus súditos simplórios o adoravam como
Deus. Abraão fez sermões quando viu a idolatria sobrepujar a devoção e estava
mesmo pronto a sacrificar seu próprio filho à Vontade Divina.

Quando o mundo acordou para a beleza da música, David cantou essa mesma
verdade com a sua voz melodiosa e quando reinava a beleza, quando ela
predominava, surgiu José com toda a sua mocidade e sedução. Moisés veio
quando os homens estavam sedentos de milagres. E na época do poder
hereditário, Jesus, como Filho de Deus, amparou o mundo contra a ignorância e
o erro e plantou a semente da liberdade espiritual, que com o tempo floresceu e
criou a era da democracia, quando Maomé veio trazer a última mensagem e
proclamou-se o “Abda”, o servo, e o “Rasul” de Deus.

Isto significa. que cada um deles, embora tenha sido o portador de uma
mensagem, o arauto da lei de Deus, constituía também um novo passo na
evolução da humanidade, naqueles tempos em que o mundo estava bastante
amadurecido e pronto para receber a mensagem, não de um reivindicador
superior, mas de uma entidade que fazia parte do Exército dos Iluminados.

O provérbio de Maomé “Nada existe senão Deus” explica muito claramente a


essência de todas as mensagens precedentes. Uma vez aprendida a lição de
Maomé, não mais houve necessidade de continuar com os ensinamentos
proféticos, porque ficou provado que cada ser humano carrega consigo a fonte
divina e que a evolução do homem chegou a tal ponto que ele está preparado
para desfrutar o reino que possui dentro de si.

É verdade que todos os profetas, de Adão e Maomé, que vieram dar


cumprimento às novas de Deus, revelaram ao mundo os inúmeros aspectos que
tem a mesma verdade. Em outras palavras, a verdade manifestou-se com vários
nomes e formas até chegar ao seu glorioso fim. Acontece que os múltiplos
aspectos da verdade não têm sido reconhecidos devido à ignorância do homem
e, assim, têm surgido preconceitos raciais e religiosos entre credos e castas e
também guerras e diferenças entre as nações, causados pela estreiteza e pela
vagarosa percepção do homem. Cada um chama o outro de bárbaro ou pagão,
Kafir ou Mlench, reivindicando que seu Mestre é o único e verdadeiro Iniciado,
como se o Mestre fosse sua propriedade privada. Os Mestres não nasceram
para uma família, uma nação ou uma raça, na verdade nasceram para toda a
humanidade. Realmente só os seguidores e fanáticos das diferentes religiões é
que enfraquecem a verdade, pois estão cegos pelo patriotismo e ergueram
preconceitos pedantes contra os ensinamentos e o espírito dos Mestres puros,
que nunca tiveram qualquer preocupação com a religião, com seu nome e
aparência pessoal e sim viveram para a causa da verdade.

Este engano deve-se aos discípulos, que juram pelo nome que os Mestres
adotaram e reconhecem apenas suas personalidades, ao invés de aceitá-los
como uma e única corporização ilimitada da verdade. Jamais foi desejo dos
Mestres que seus corpos físicos fossem adorados como salvadores. Isto é um
simples exagero e é uma concepção errônea de seus seguidores. Seus corpos
não eram senão receptáculos da verdade e a verdade que trouxeram é que é o
único salvador agora e sempre. É como afirma a Bíblia: “Vós conhecereis a
verdade e a verdade fará com que vos torneis livres”. A verdade, o verdadeiro
salvador e messias, é intocável, não está sujeita à morte e doenças, é eterna,
onipresente e onipotente. A verdade, realmente, foi Adão, Moisés e Cristo e a
verdade mesma foi Maomé.

Entretanto, embora cada religião encerre um grande número de seguidores,


cada pessoa tem sua própria religião, que lhe é peculiar. Às vezes uma pessoa
ignora esse fato e une-se com entusiasmo à religião de sua raça e país.

Se tal pessoa soubesse qual a verdadeira religião a que Deus lhe destinou, todas
as suas lutas teriam um fim. Aqueles que julgam uma religião por seus princípios,
estão enganados, pois o bem ou o mal, bem como o certo e o errado, dependem
do ponto de vista da pessoa e, portanto, são passíveis às vezes de inversão
mental. Os que lutam por suas religiões por causa da autoridade que a história
lhes dá, são fanáticos e precisam saber que a história é feita pelo homem e não
por Deus e que muitas verdades se perdem no lapso do tempo, enquanto mil
exageros obtêm o favor ou o desfavor através das opiniões pessoais
preconcebidas dos historiadores. Aqueles que aderem às crenças e descrenças
sem razão, estão cegos pelo fanatismo.

Outrossim, se um Budista viesse a mim e dissesse: “O Senhor Buda foi o único


e verdadeiro Mestre” eu diria: “É verdade”. Se um Hindu proclamasse que
Krishna é o Mestre ideal, eu lhe diria: “O que você diz é correto” e se um cristão
declarasse que Cristo é o maior de todos, eu responderia: “Sem dúvida”, porque
é da natureza humana considerar como o melhor aquilo que pode idealizar
melhor. Entretanto, se alguém viesse e me dissesse: “Não posso acreditar em
todas essas conversas, pois posso somente reconhecer a mesma verdade
dentro de cada um deles”, eu diria: “Você, meu amigo, é o que realmente sabe,
pois compreendeu e desvendou o verdadeiro segredo da natureza de Deus”.

Rumi disse: “Os Sufis comem a carne, deixando os ossos para serem disputados
pelos outros”.
CAPÍTULO III

Início de minha excursão pela Índia

“O mundo viverá em mim, não eu nele”. – AKHLAK-E JALALI.

Glória a Deus, pois esta crença universal salvou-me de cair nos caminhos
tortuosos do fanatismo e dos preconceitos, nos quais tantos filhos de Deus
passam a noite de suas vidas como um rebanho de ovelhas ignorantes. Andam
em rebanhos até os portões da morte, despercebidos de seus “porquês” e “para
onde” e até a voz da imortalidade não pode chamá-los de volta e eles se perdem
nos tempos!

Quando meu avô Maulabakhsh faleceu, meu desespero foi tão profundo que
chorei muito tempo a perda de meu guia musical e minha inspiração.
Compreendi a incerteza da vida e que a minha existência só teria valor se eu
pudesse ser útil ao mundo. Apreciava o grande serviço prestado por
Maulabakhsh à Índia, dando à música indiana um sistema prático de notas.
Comecei a pensar como poderia continuar a sua obra.

Houve um período na Índia em que a música era considerada não só como um


meio de aperfeiçoamento da humanidade, como também uma manifestação
espiritual. Meu avô, com seu sentimento profundo tanto pela sua arte como pelo
seu povo, acreditava que a música podia somente ser reerguida da sua atual
degenerescência se fosse usada como um mestre de moral e um profeta da
glória de Deus.

Certa vez, quando estava completamente desesperado ante a minha futilidade


em comparação como meu avô, sucumbi e clamei: “Alá, se meu povo tivesse
perdido somente riqueza e poder, não seria tão doloroso, pois as coisas
temporais estão sempre mudando de mão em mão nos labirintos de “Maya”
(ilusão) mas a herança de nossa raça, a música do Divino, está também nos
abandonando e essa é uma perda que meu coração não pode suportar!”

Invoquei o nome de “Sharda”, a deusa da música, e orei para que ela protegesse
a sua arte sagrada.

E aconteceu que deixei meu lar com a intenção de criar um sistema de música
universal. Iniciei essa missão com a idade de 18 anos e fui recebido na corte dos
Rajás e Marajás, que muito me encorajaram e recompensaram meus esforços.
Recebi convites e medalhas, em reconhecimento e apreço pela minha música,
de todas as principais cidades da Índia e, assim, aumentei o número de amigos,
alunos e simpatizantes.

“Aquele que embora vestido em lindos trajes pratica a tranquilidade, é sereno,


moderado, comedido, casto e cessou de encontrar defeitos nos outros, tal
pessoa é na verdade um “Brahman”, um ascético, um monge”. DHAMMAPADA.

O Nizam de Hyderabad, Mir Mahebun Ali Khan1, um grande regente e místico


da Índia, devoto da música e da poesia, dispensava-me uma consideração toda
especial. Muitas vezes minha música enternecia o Nizam até as lágrimas e
quando eu acabava perguntava-me curiosamente: “Qual o mistério que existe na
sua música?”

1. Nizam VI (morreu em 1911)

Respondi e expliquei-lhe: “Vossa Alteza, como o som é a mais alta fonte da


manifestação, por si só é misterioso e todo aquele que conhece o som na
verdade conhece o segredo do universo. Minha música é meu pensamento e
meu pensamento é minha emoção. Quanto mais fundo mergulho no oceano do
sentimento, mais lindas são as pérolas que trago para a superfície em forma de
melodia. Assim, minha música cria um sentimento dentro de mim antes que os
outros a sintam. Minha música é minha religião. Portanto, o sucesso que a minha
música tiver no mundo não será um preço adequado para ela. Meu único objetivo
com a música é alcançar a perfeição”.

Esta explicação e a minha música encantaram de tal forma o Nizam que ele me
presenteou com uma bolsa de moedas de ouro e, colocando seu precioso anel
de esmeralda em meu dedo, chamou-me de “Tansen”, nome de um grande
cantor da Índia da antiguidade. Este episódio trouxe-me presentes e títulos de
todas as partes da Índia, mas realmente as honrarias não me satisfaziam. Como
poderia eu ficar contente com minha elevada posição quando os músicos, meus
companheiros, eram olhados com desprezo pela Índia conservadora?

Compreendia naturalmente que em parte isso era devido aos próprios músicos
que, em regra geral, eram iletrados e procuravam a proteção dos príncipes e
potentados, alimentando seu falso orgulho com adulação e subserviência,
perdendo, assim, a independência e inspiração de sua arte. O povo, novamente,
estava afastado da música e as classes mais elevadas estavam por demais
ocupadas adotando idéias ocidentais, sacrificando a literatura, a filosofia e a
música pelos jogos de pólo, críquete e tênis. Encontrei muitas dessas pessoas
vangloriando-se de nada saberem sobre a música do seu país e que mobiliavam
seus lares com vitrolas estridentes, escondendo com vergonha suas cítaras.

“Ó Tu, cujo reino não se extingue, tenha pena daquele cujo reino está se
extinguindo”. – Palavras pronunciadas ao morrer por Caliph Vathek.
Para meu assombro e horror, todas as medalhas e condecorações que eu havia
colecionado como símbolo do meu sucesso profissional e que para mim eram
motivo de orgulho, pois foram ganhas com muito esforço e entusiasmo e eram
fruto de muitos anos de constantes viagens de um lado para o outro, foram-me
arrebatadas num só instante, para sempre. Num momento de distração deixei-
as num carro, que não consegui jamais encontrar apesar de todos os esforços.
Entretanto, em substituição ao desapontamento que a princípio me oprimiu, tive
uma revelação de Deus, que tocou as cordas mais recônditas de minha mente e
abriu-me os olhos para a verdade.

Disse para mim mesmo: “Não importa quanto tempo levou você para ganhar
aquilo que não lhe pertencia e que chamava de seu. Hoje você compreende que
essas coisas não mais lhe pertencem. O mesmo acontece com tudo que você
possui na vida: suas propriedades, seus amigos, suas relações, até seu corpo e
sua mente. Tudo que você chama de “meu”, por não ser verdadeiramente
propriedade sua, deixá-lo-á. Só aquilo que você chama de “eu”, que é
completamente separado de tudo que você chama de “meu”, permanecerá. Por
que você não prossegue e luta pelo que vale a pena lutar na vida? Por que não
alcança você então a verdadeira glória, ao invés de desperdiçar suas valiosas
oportunidades em vã avidez por fortuna, fama, reputação e honrarias mundanas,
que hoje estão aqui e amanhã serão esquecidas?” Ajoelhei-me e agradeci a
Deus a perda de minhas medalhas, dizendo: “Que tudo se perca diante de minha
visão imperfeita, exceto Teu verdadeiro Ser ó Alá”.

Assim, fui eu à procura da filosofia, visitando todos os místicos que podia nas
minhas viagens às diversas cidades da Índia. Viajei por florestas, montanhas e
margens dos rios, à cata de místicos e ermitãos, tocando e cantando para eles
até que me aceitassem como companhia.

Foi no Nepal, durante a peregrinação de Pashpathinath que encontrei, no meio


de muitos sábios, um “Muni”. Era um “Mahatma” do Himalaia, que vivia numa
caverna nas montanhas. Intocado pelo contato do mundo, pelas ambições e pelo
meio ambiente, parecia o homem mais feliz do mundo. Depois de tê-lo entretido
com a minha música ele, sem se aperceber, revelou-me o misticismo do som e
desvendou à minha visão o mistério interior da música. Mais tarde encontrei
outros místicos com quem conversei sobre diversos assuntos e cujas bênçãos
obtive através da minha arte.
CAPÍTULO IV

Meu interesse pelo Sufismo

“Os construtores de poços conduzem a água, os arqueiros curvam o arco, os


carpinteiros cortam uma tora de madeira. As pessoas sábias amoldam-se”. _
DHAMMAPADA

Visitei em Ajmer a tumba de Khwaja Moin-ud-Din Chishti, o mais célebre dos


santos Sufi da Índia. A atmosfera do lugar, onde repousavam seus restos
mortais, era um fenômeno. Uma sensação de calma, de paz, impregnava o
ambiente. No meio daquela multidão de peregrinos eu me senti como se fosse a
única pessoa presente. Ao anoitecer, voltei ao lar e rezei o “Tahajud”, a prece da
meia-noite.

Ao terminar minhas orações ouvi uma voz como resposta às minhas invocações.
Era a voz de um faquir chamando o povo para orar antes do nascer do sol, que
cantava; “Acorda, ó homem, de teu sono profundo. Não sabes que a morte te
espreita a cada momento? Não podes imaginar quão grande é o fardo que tu
acumulastes para carregar nos ombros e quão longo é o caminho que ainda tens
a percorrer. Levanta, levanta, a noite já acabou e o sol vai nascer!”

A hora sobrenatural e a quietude, a solenidade do cântico, levou-me às lágrimas.


Sentado no tapete, com o rosário na mão, refleti que toda a proficiência e
reputação que tinha acumulado, eram completamente inúteis quando
comparadas com minha “Najat” ou salvação. Compreendi que o mundo não era
nem um palco para nosso divertimento, nem um bazar para satisfazer nossa
vaidade e apetites e sim uma escola, onde se aprendia uma dura lição. Escolhi
então um caminho inteiramente diferente, o qual venho seguindo até hoje. Em
outras palavras, virei uma nova página do livro de minha vida.

A manhã surgiu e os pássaros começaram a cantar seu hino de louvor a Deus.


Ouvi homens e mulheres passando, alguns iam para a mesquita, outros para os
templos e a grande massa ia para o trabalho que lhes dava o pão de cada dia.
Também eu parti e, perdido em meus pensamentos, não sabia qual o destino a
tomar. Dirigi meus passos para a floresta, com uma ânsia interior de me afastar
do mundo e dar expansão aos meus pensamentos e emoções, com os quais
minha mente estava tão ocupada.
Cheguei a um cemitério, onde um grupo de derviches estava sentado na grama
verde, conversando. Estavam todos pobremente vestidos, alguns sem sapatos,
outros sem casacos. Um vestia uma camisa que só tinha uma manga e outro
não tinha nem camisa. Um usava uma túnica com mil remendos e outro um
chapéu sem copa. Aquele grupo estranho atraiu minha atenção e sentei-me com
eles durante algum tempo, apreciando tudo que faziam, embora fingisse
indiferença.

Dentro de pouco tempo chegou o Pir-O-Murshid ou Mestre, ainda mais mal


vestido do que os outros. Um grupo de derviches rodeou-o. Dois deles lideraram
uma estranha procissão e a cada passo gritavam em voz alta: “Hosh bar dum,
nazur bar kadum, khilwat dar anjuman” (Tenha consciência de sua respiração,
vigie cada passo que der e assim viva em solidão na multidão).

Quando o Murshid (mestre) chegou na assembléia dos discípulos, cada um


saudava o outro assim: “Ishq Allah, Mabud Allah!” (Deus é amor e Deus é o
Amado!). Foi justamente essa saudação que, mais tarde, me revelou as palavras
da Bíblia “Deus é amor” e também o verso do poeta árabe Abulallah que diz:

Igreja, um Templo ou uma pedra Ka’ba,


Alcorão ou Bíblia, ou um osso de mártir,
Tudo isso e mais ainda meu coração pode tolerar
Uma vez que minha religião é de amor, somente.

A solenidade das palavras sagradas que eles proferiam, encontrou eco na minha
alma e depois passei a observar o cerimonial com redobrada atenção. Como é
natural, à primeira vista, a deplorável pobreza deles era embaraçosa, mas eu
havia já aprendido, antes de vê-los, porque o Profeta Sagrado tinha sempre
pedido a Alá que o mantivesse, durante sua existência, entre os “Mesquin” ou
derviches, os quais voluntariamente haviam escolhido essa maneira humilde de
viver. Os remendos extravagantes de suas roupas fizeram-me lembrar as
palavras de Hafiz: “Não se iluda com as mangas curtas cheias de remendos,
pois os mais possantes braços estão ocultos debaixo delas”.

Os derviches, primeiramente, sentaram-se e entregaram-se à contemplação,


recitando palavras mágicas umas após as outras e depois começaram a tocar.
Esqueci então de toda a minha ciência e técnica ao ouvir aquelas melodias
simples. Cantavam, com o acompanhamento da “sitar” e do “dholok”, as palavras
imortais dos Mestres Sufi: Rumi, Jami, Hafiz e Shams-e Tabrèz.

A rapsódia que invocavam em êxtase parecia-me tão forte e vital que até as
folhas das árvores pareciam enfeitiçadas e estavam imóveis. Embora as
emoções deles se manifestassem de maneiras diferentes, eram olhadas com
reverência silenciosa por toda aquela estranha assembléia. Cada um revelava
uma forma especial de êxtase. Alguns expressavam-se por meio de lágrimas,
outros por suspiros, alguns dançavam e outros mantinham-se calmos na
meditação. Embora eu não estivesse apreciando a música tanto quanto eles, ela
me impressionou tão profundamente que senti como se estivesse perdido num
transe de harmonia e felicidade.

Mas, a parte mais extraordinária da cerimônia foi quando a assembléia estava


prestes a se dispersar. Um dos derviches se levantou e, enquanto anunciava o
“Bhundara” ou jantar, dirigia-se aos outros nos seguintes termos: “Ó Reis dos
Reis, Ó Imperadores dos Imperadores!” Isso divertiu-me muito naquela ocasião,
enquanto observava a aparência exterior daqueles derviches. Meu primeiro
pensamento foi que não passavam de simples reis imaginários, sem trono ou
coroa, sem tesouro, sem súditos ou domínios – os domínios e poderes temporais
da realeza.

Entretanto, quanto mais eu pensava sobre o assunto, mais perguntava se era o


meio ambiente ou a imaginação que faziam um rei. A resposta veio finalmente:
o rei nunca tem consciência de sua realeza e de todos os seus atributos de fausto
e poder, a menos que a imaginação dele se reflita sobre isso e prove, assim, sua
verdadeira soberania. Por exemplo, se um bebê fosse coroado e sentado num
trono, jamais compreenderia sua alta posição até que sua mente evoluísse o
suficiente para compreender o que o cercava. É uma prova de que aquilo que
nos rodeia e nos parece real está, no entanto, morto se houver falta de
imaginação. Revela-nos também como o tempo fugaz e as mutações da matéria
fazem de todos os reis da terra reis transitórios, reinando sobre reinos também
transitórios, cuja causa é a dependência deles das condições do meio ambiente
ao invés de dependerem da imaginação. Mas, a realeza dos derviches não
depende de qualquer influência exterior, é baseada puramente na sua percepção
mental e é fortalecida pela sua força de vontade. É uma realeza muito mais
autêntica e verdadeira e, simultaneamente, é ilimitada, é eterna. Entretanto,
olhando esse reino sob o ponto de vista materialista, ele nada representa, mas
pela concepção espiritualista é um reino imortal e requintado de alegria.

Na verdade, são seres como eles que são os possuidores do reino de Deus.
Todo o tesouro visível e invisível de Deus está em seu poder, pois perderam-se
em Alá e estão purificados de todas as decepções causadas pela ilusão. “Por
meio deles é que vós obtendes a chuva, por eles é que recebeis a subsistência”
diz o Alcorão. Omar Khayyám escreveu:

Pense nesta velha caravançará


Cujos portais são revezados noite e dia,
Como sultão após sultão com sua pompa,
Ali pousaram por uma hora ou mais e depois partiram.
Dizem que o leão e o lagarto guardavam
Os pátios onde Jamsheyd vangloriava-se e bebia à saciedade;
E Bahram, aquele grande caçador, que tinha um asno chucro
Estampado na cabeça, saía profundamente adormecido.

Assim, comparei nossa vida ilusória com a vida real e nosso ser artificial com o
ser natural dos derviches, como se compara a falsa aurora com a aurora
verdadeira. Compreendi nossa loucura em dar indevido valor a assuntos
inteiramente sem importância e como estamos sempre prontos a rir das pessoas
sonhadoras que constroem seus adoráveis castelos no ar. Vi como nossos
fugazes interesses são carregados como o vento carrega a palha, enquanto que
a imaginação é difícil de ser alterada. É possível a terra virar água e a água virar
terra, mas a impressão de uma imaginação nunca muda.

Percebi que estava perdendo os mais preciosos momentos e oportunidades de


minha vida com tolices e ouropéis transitórios, sacrificando tudo que é duradouro
e eterno.

Quando me familiarizei com a vida estranha dos derviches, passei a admirar o


que eles têm de melhor e era capaz de reconhecer os “Madzubs”, que são os
extremistas entre eles. Estão tão absorvidos na visão interior que se esquecem
totalmente das necessidades da vida. Muitas vezes são alimentados e vestidos
pelos outros. Negligenciam de tal maneira o ser físico e são tão irresponsáveis
com o mundo que, à primeira vista, parecem malucos, mas às vezes, por seus
poderes miraculosos sobre os fenômenos, são classificados como “Madzubs”.
São considerados os controladores dos elementos, alguns como controladores
de certas porções da terra ou água e outros até controladores do mundo inteiro.

Os pensamentos deles, suas palavras e ações, verdadeiramente, só podemos


encontrá-los no Deus Todo-Poderoso. Raramente dizem uma palavra antes de
consumarem a operação em vista. Parece que cada átomo deste universo está
aguardando suas ordens.

Vi certa vez um “Madzub” em Calcutá, parado na rua e gesticulando como se


estivesse dirigindo o tráfego. Os transeuntes riam-se da sua maluquice. A
despeito de sua aparência misteriosa possuía olhos muito brilhantes e espargia
fortes vibrações magnéticas que me atraíram de tal forma que fiquei a pensar se
era um “Madzub” disfarçado num lunático. Essa dissimulação é muitas vezes
usada por eles, a fim de escapar do contato com o mundo e de todos os encargos
da vida. Se não adotassem tal método seria para eles muito mais difícil estudar
as alucinações naturais da humanidade. É como disse Sa’di: “Todo homem no
mundo tem uma loucura que lhe é peculiar”.

Constatei essa verdade pela maneira pela qual o “Madzub” ria, vendo o povo na
rua se atropelando e se apressando como se seus pequenos assuntos fossem
as únicas coisas importantes do universo. Dirigi-me a ele e perguntei-lhe se
gostaria de visitar-me e honrar-me com sua presença. Preferiu não atender meu
pedido e acompanhou algumas crianças que tinham surgido de repente,
correndo, e que o levaram para brincar. Compreendi que preferia a companhia
das crianças – os anjos na terra – a associar-se com pecadores adultos, que
nada mais conhecem do que o ego e suas inconfessáveis satisfações. Depois
disso, esperei pacientemente vê-lo de novo. Enviei-lhe uma mensagem pedindo
que ouvisse a minha música. Veio-me ver e quando entrou na sala, levantei-me
para recebê-lo e cumprimentá-lo com as duas mãos. Sua única resposta foi dizer
que não precisava dessa homenagem, pois a recebia sob diferentes
características e aspectos de todo universo.

Para ficar bem certo de que se tratava de um “Madzub”, perguntei-lhe se era um


ladrão. Sorriu e respondeu “Sim”, o que me deu a idéia de que todas as
características do bem e do mal, como também todos os nomes e formas, eram
por ele considerados como seus, estando ele assim acima do bem e do mal e
também acima do louvor e da censura do mundo.

Sentou-se e começou a falar e agir de maneira a que todas as pessoas da sala


pensassem que era louco, mas eu lhe disse baixinho que eu o conhecia bem,
que ele não conseguiria me enganar e pedi-lhe que nos honrasse com suas
palavras inspiradas e nos desse sua bênção. Começou então a falar da viagem
que havia feito no caminho espiritual, descrevendo cada plano ou estágio como
se fosse uma fortaleza que foi obrigado a destruir com carabinas e canhões, até
que chegou à casa do Pai e abraçou o seu verdadeiro senhor espiritual.
Continuou a narrativa contando como finalmente o Pai morreu e ele herdou o
Seu reino.

Tudo foi relatado em linguagem tão estranha que nenhum dos presentes,
excetuando-se eu, poderia compreendê-lo e mesmo eu só consegui
compreende-lo depois de grande esforço mental.

Um “Madzub” atinge a perfeição pela inocência e desde a meninice aprende a


verdadeira felicidade interior, da qual estamos privados devido ao conhecimento
ilusório que temos do mundo exterior. Ainda que não seja um caminho para todos
seguir, podemos tirar dele a verdade da vida e levar uma existência equilibrada,
como faz o “Salik” entre os Sufis.
CAPÍTULO V

Minha iniciação no Sufismo

“Aquele cuja cabeça não é aquecida pelo coração, não respira a fragrância dos
mistérios divinos”. – WALI.

Meu interesse pelo Sufismo fez com que eu me tornasse muito amigo dos
derviches. Aprendi a amar a doçura do seu caráter e o perfume inato de sua
maneira de usar a música como alimento da alma.

Comecei primeiro por imitar seus hábitos e métodos. Passava horas em silêncio
todos os dias. Certa vez, num sonho, vi uma grande reunião de profetas, santos
e sábios, todos com suas vestes Sufi, alegrando-se como na “Suma” ou música
dos derviches. Eu estava absorvido no seu estado feliz de êxtase e quando
acordei senti também a alegria que a minha visão captara. Depois disso ouvia
continuamente, acordado ou adormecido, uma voz desconhecida que clamava:
“Allah ho-Akbar” – Deus é grande!

Tive igualmente visões, em que via uma face muito espiritualizada que me
perseguia, radiante de luz, durante minhas silenciosas concentrações, o que
fazia com que meu interesse no misticismo aumentasse cada vez mais,
especialmente porque eu não podia adivinhar seu significado. Tinha receio de
perguntar qual era o significado dessas visões, temendo que os outros rissem
de minha fantasia e me ridicularizassem. Por fim, quando não mais consegui
controlar minha impaciência, descrevi minha visão dourada a um amigo, também
apreciador das coisas místicas, a quem pedi uma interpretação.

Disse-me que o sonho simbolizava a minha iniciação na Ordem Sufi de Chishtia


Khandan e as palavras que ouvira eram o grito do “Haq”, da verdade, enquanto
que a visão era a imagem de meu guia espiritual e protetor. Aconselhou-me a
experimentar a iniciação no Sufismo, embora eu sempre me considerasse
indigno de ser iniciado naquela Fraternidade de Pureza. Mas eu tinha um pouco
de coragem, na esperança de ser usado ao menos como uma cesta de papéis
usados para recolher pedaços de sabedoria, o que já me bastava. Visitei
diversos Mestres com este objetivo, que não me satisfizeram, embora tivesse o
privilégio de estudar suas diversas opiniões e métodos de ensino.

Assim aprendi a conhecer quatro mestres verdadeiros e quatro mestres falsos.


Entre os verdadeiros encontrei um que jamais atenderia um pedido de alguém
antes que estivesse inteiramente preparado. Outro tipo de mestre não iniciaria
ninguém a não ser depois de passado um longo período de experiência e
provações por parte do discípulo. O terceiro tipo, para manter afastados
candidatos indesejáveis, fazia-se passar por pessoa tão desagradável que os
discípulos fugiam ao vê-lo. O quarto tipo de mestre disfarçava-se de tal modo
para fugir aos louvores e publicidade do mundo que ninguém acreditaria, por um
momento sequer, que se tratava realmente de um mestre.

Entre os falsos mestres encontrei, primeiramente, o hipócrita, que aumenta o


número de seus adeptos contando-lhes as mais belas estórias e mostrando-lhes
truques para realizar fenômenos. O segundo apóstata era piedoso, que
disfarçava suas fraquezas e fracassos sob o manto da moralidade e estava
sempre ocupado em adoração e preces. O terceiro, era um mestre que angariava
dinheiro, que aproveitava com avidez todas as oportunidades para esvaziar os
bolsos dos discípulos. O quarto, era o que se preocupava apenas com a
adoração, culto e servilismo da parte dos seus discípulos.

A experiência que tive de diferentes mestres me preparou para o mestre ideal.


Depois de seis meses de busca contínua, tive oportunidade de ir visitar um velho
e venerado conhecido, Maulana Khairulmubin, a quem confiei o desejo de
ingressar no Sufismo.

Enquanto ele refletia sobre o assunto, recebeu de repente uma mensagem


telepática de que um grande mestre seu amigo estava prestes a chegar.
Imediatamente arranjou um assento de honra, colocou almofadas sobre ele e
caminhou até o portão para dar-lhe as boas-vindas.

Após um período de expectativa, entrou o Pir-O-Murshid (Mestre), trazendo


consigo uma sensação muito forte de luz. Todos os presentes o
cumprimentavam curvando-se humildemente. Tive a impressão de tê-lo visto
antes, mas não podia me recordar de onde. Por fim, depois de contemplá-lo
vivamente, lembrei-me que aquela fisionomia era a que me perseguia
persistentemente durante meus próprios períodos de silêncio. A prova foi que
logo que seus olhos caíram em mim virou-se para o anfitrião e perguntou:
“Maulana, diga-me quem é este jovem? Meu espírito está fortemente atraído por
ele”.

Maulana Khairulmubin responde: “Vossa Santidade, este jovem é um gênio da


música e deseja imensamente submeter-se à vossa inspirada orientação”.

O Mestre sorriu e concordou com o pedido, iniciando-me no Sufismo daquela


data em diante.

“O dia é curto, o trabalho é abundante, os trabalhadores estão inativos, a


recompensa é grande e o mestre apressa”. – Ditado Hebraico.
Mohamad Abud Hassim Madani pertencia a uma ilustre família de Medina e
descendia em linha direta do Santo Profeta Maomé. Minha alegria por tê-lo
conhecido foi tão grande que expressei este estado d’alma na poesia e na
música. Tinha finalmente encontrado, no meio dos homens, a minha pérola, o
meu guia, o meu tesouro, o farol da esperança. Fiquei inspirado, fiz uma canção
para ele e cantei-a. Tive certeza de que essa canção concorreu para o meu
sucesso e que futuramente ela muito me ajudaria na vida.

Era a seguinte a letra da canção:

Tu és a minha salvação, a liberdade é minha,


Eu não existo, dissolvi-me como uma pérola se dissolve no vinho doce!
Meu coração, minha alma, meu ser, sim, tudo isso é teu,
Ó Senhor, nada mais tenho a oferecer!
Bebo o néctar da divina verdade,
Como bebeu Moisés tua palavra, como “Yusuf” brilham
aqueles que trilham teus caminhos e Cristo é teu sinal:
Tu erguestes para a vida eterna!
Tu és Maomé para aqueles que se lamentam,
Meu espírito está purgado como o ouro de uma mina!
Só sei que meu coração bate com o teu,
E se alegra na liberdade infinita!

Meu Mestre apreciou imensamente minha explosão de amor e disse com


profunda emoção: “Sejas tu abençoado com a divina luz e ilumina os filhos bem-
amados de Alá!”

A partir desse dia estabeleceu-se entre meu Mestre e eu uma firme amizade e à
proporção que ela aumentava, abriam-se dentro de mim os caminhos da luz
através da minha união com aquela radiação interior, que nunca seria obtida por
meio de debates ou argumentos, leitura, escrita, nem práticas místicas.

Visitava-o apesar de todos os meus afazeres, quando sentia que me chamava,


recebendo os raios de seu êxtase com a cabeça curvada e ouvindo tudo que
dizia, sem dúvida ou medo. Assim, a fé firme e a confiança que depositava nas
minhas meditações me prepararam para absorver a Luz do Mundo Invisível.

Estudei o Alcorão, o Hadith e a literatura dos místicos Persas. Cultivei meus


sentidos interiores e passei por períodos de clarividência, audição, intuição,
inspiração, impressões, sonhos e visões. Fiz experiências de comunicação com
os mortos e os vivos. Aprofundei-me nos dois lados do misticismo: no lado oculto
e no lado psíquico e compreendi também os benefícios da piedade, moralidade
e “Bhakti” ou devoção. Quanto mais progredia na minha busca mais ignorante
me sentia, pois havia sempre mais e mais para compreender e atingir. Entre as
coisas que compreendi e experimentei, a mais valiosa foi a sabedoria divina, que
é a essência de tudo que é melhor e atingível e que nos transporta do mundo
finito à infinidade da bem-aventurança.

Depois de receber instruções referentes aos cinco diferentes graus do Sufismo


– físico, intelectual, mental, moral e espiritual – fiz um curso de treinamento em
quatro escolas, a saber: Chistia, Naqshibandi, Qadiri e Sohrwardi. Ainda recordo-
me desse período, em que estive sob a orientação de tão ilustre e misericordioso
Mestre. Foi o tempo mais lindo da minha vida. Vi nele todas as qualidades raras,
embora seu caráter despretensioso e delicada modéstia dificilmente pudessem
ser igualados entre os mais ilustres místicos do mundo. Combinava dentro de si
o intenso encanto do êxtase e o contínuo fluxo da inspiração com a própria alma
da independência espiritual. Embora eu tivesse encontrado os predicados mais
maravilhosos entre os místicos com quem me avistei, em maior ou menor grau,
até então jamais havia contemplado o equilíbrio de tudo que era bom e desejável
num só homem.

Sua morte foi tão santa como sua vida terrena. Seis meses antes do fim previu
o que ia acontecer. Liquidou todos os assuntos pendentes para ficar livre e
empreender a futura viagem. Está dito no Alcorão: “A morte é uma cadeia que
une amigo com amigo no Além”.

Pediu desculpas não só aos parentes, amigos e discípulos como até aos criados,
no caso de ter feito algo que os desgostasse ou magoasse. Antes da sua alma
deixar o corpo, disse adeus a todos com palavras de carinho, sentou-se em
posição erecta e firme, continuou a praticar o “Zikr” (prática Sufi), perdeu-se na
contemplação de Alá e, espontaneamente, libertou sua alma para sempre da
prisão do corpo mortal.

Jamais poderei esquecer as palavras que proferiu, colocando as mãos na minha


cabeça e abençoando-me: “Vá, meu filho, pelo mundo e harmonize o Oriente e
o Ocidente com a harmonia de tua música. Espalhe a sabedoria do Sufismo em
outras terras, pois para tal fim foste agraciado por Alá, o misericordioso e
compassivo”.
CAPÍTULO VI

Minha viagem ao Ocidente

“Aquele que ama fica solitário entre o povo e se mistura com ele tão pouco como
a água com o óleo”. – RUMI

Obedecendo à decisão tomada e ao chamado de Deus, deixei a Índia em 1910


para morar no mundo Ocidental, encorajado fortemente pela mais feliz das
ordens recebida de meu Mestre e para a glória do nobre objetivo que ele tinha
despertado na minha alma.

É natural que foi uma grande mudança na minha vida ter que deixar a Índia, a
terra que estava mais despertada espiritualmente, e seguir para o Ocidente,
especialmente a América do Norte, a pátria moderna do progresso material. Era
justamente o oposto do sonho que havia vivido. A grande atividade do povo e a
rapidez com que faziam as coisas em geral, a corrida dos carros para cima e
para baixo, de todos os lados, a transitoriedade dos negócios, os homens
correndo de um lado para outro no afã de pegar trens e carros, carregando
jornais e pacotes – tudo isso concorria para que eu ficasse debaixo de uma
magia de silêncio e atordoamento.

Era como se eu tivesse ido dormir na minha casa e, ao acordar, me encontrasse


num bazar. Mas, como um Sufi, acostumei-me logo com a mudança de vida,
harmonizando-me com o que me cercava, e descobri que todos eram realmente
amantes verdadeiros do “Dunia”, o mundo material sobre o qual escreveu Rumi
no seu “Masnavi”.

Todas as raças e nações têm infância, juventude e velhice como têm também
nascimento e morte e, tal como acontece com o indivíduo, passam também pela
evolução que ele passa durante as diferentes fases de sua vida. Sob o ponto de
vista filosófico, todos os filhos do mundo são como crianças pequenas e seus
assuntos mais importantes não têm maior importância do que um brinquedo
infantil. Como era natural, a América, como uma nova nação, parecia infantil
devido à sua juventude, embora seu progresso material fosse proporcionalmente
tão grande como o progresso espiritual da Índia. Mas a América é uma terra de
promissão. Com o tempo crescerá como uma criança ideal entre os filhos de
Deus e será uma líder reformista.
Era difícil manter equilíbrio entre a minha missão e a minha profissão, tão
diferentes uma da outra. De um lado tinha que ser um mestre, do outro lado um
artista, especialmente o intérprete de uma arte que era tão pouco conhecida no
estrangeiro. Era uma coisa que jamais poderia ser compreendida por um povo
acostumado apenas a ver o aspecto exterior das coisas. Não era como na Índia,
onde Kabir, o grande poeta, pregava ao mesmo que se sentava junto ao tear
para tecer, onde o Guru Nanuk ensinava de dentro da prisão, pois muitos dos
grandes mestres que o Oriente teve foram também mestres da música, como
Narada, Tumbara Bharata, Muni, Tansen, Tukaran, Surdas, Amir Khusrai, Mirabi,
Avicenna e Farabi.

Outrossim, sendo eu um estrangeiro, sem nenhuma influência ou cartas de


recomendação – coisa que nenhum mestre jamais precisou no Oriente – levei
muito tempo até que me familiarizasse com as pessoas adequadas. Com o
tempo, porém, com a graça de Deus, meu caminho abriu-se, e entrei em contato
com pessoas interessadas em música.

A princípio dei concertos e fiz conferências sobre música na Universidade de


Colúmbia, conseguindo o caloroso elogio de diversos professores e estudantes.
Foi esse o começo de minha carreira profissional no Ocidente. Iniciei uma
excursão abrangendo quase todas as cidades mais importantes dos Estados
Unidos, onde fiz conferências em Universidades, perante auditórios inteligentes
e que apreciavam filosofia e música. Essa dualidade aumentou o interesse
dessas pessoas no meu trabalho e, à proporção que mais me familiarizava com
o povo Americano, comecei a constatar com alegria que, a despeito da sua
tendência para os negócios e suas ambições materialistas, Deus não havia
privado aquele povo do tesouro que se chama amor.

Os corações daquele povo eram iguais aos nossos, embora a vida artificial que
levavam tornasse mais difícil para eles alcançar a paz que nós podemos obter
tão facilmente na vida calma do Oriente. Possuem também um desejo muito forte
de progredir espiritualmente, porque no que diz respeito ao homem, não importa
se ele pertence ao mundo Oriental ou Ocidental, com o tempo é inevitavelmente
atraído para a Fonte eterna do Amor, o que não pode evitar.

Quando cheguei em São Francisco da Califórnia, encontrei muita coisa que me


interessava e Ia encontrei um campo aberto para o meu desejo de revelar a
verdade. Jamais aprovei a idéia de fazer um trabalho missionário, especialmente
no atual período de evolução humana, quando está iminente um novo despertar
em todas as partes do mundo. Evitei parecer um fanático religioso ou alguém
que queria converter os homens, pois eu trazia a mensagem da verdade
universal que harmonizaria o Oriente e o Ocidente, divulgando a idéia da unidade
e que é o Sufismo.

Falei nas Universidades de Berkeley e Los Angeles, na Califórnia onde minha


música e discursos sobre filosofia, como expressão nos domínios da arte,
atraíram muita atenção. Embora minha excursão profissional não me permitisse
fazer tudo quanto poderia ter feito, era uma maneira de cumprir minha missão,
que não tinha outro apoio senão aquele que recebia de Deus. Essa excursão
ajudou-me enormemente a fundar a Ordem Sufi na América do Norte, com os
seguintes objetivos fundamentais:

1 – Fundar uma fraternidade humana, sem levar em consideração a casta, o


credo, a raça, a nacionalidade ou religião dos homens, pois as diferenças
somente criam desarmonia e são a fonte de todos os infortúnios.

2 – Divulgar a sabedoria do Sufismo, o que até então constituía um tesouro


oculto, embora na verdade seja propriedade da raça humana e nunca pertenceu
a qualquer raça ou religião particularmente.

3 – Obter a perfeição, onde o misticismo não mais constitui um mistério e redime


o incrédulo da ignorância e o crente de ser vítima da hipocrisia.

4 – Harmonizar o Oriente e o Ocidente por meio da música, pois a música é a


linguagem universal, usando um intercâmbio de conhecimentos e uma
renascença da unidade.

5 – Incentivar a literatura Sufi, que é belíssima e instrutiva, em todos os ramos


do conhecimento.

Louvado seja o nome de Deus, pois os que foram atraídos pela mensagem da
verdade eram, na maioria, sérios e devotados. Realmente falando, pela simpatia
com que me distinguiam quase me esquecia das saudades do Oriente. Sentia-
me como um deles. Alguns de meus discípulos ricos queriam que eu
abandonasse minha profissão e propuseram-se a me ajudar financeiramente
para que minhas necessidades pudessem ser atendidas sem dificuldade e
pudesse devotar todo meu tempo ao Sufismo.

Recusei agradecido essa proposta, pois, sendo um Sufi, jamais dei importância
às aparências, acreditando sempre que o sustento deve depender da própria
pessoa, enquanto que a música, sendo a minha religião, representava para mim
mais do que uma simples profissão, ou mesmo mais do que minha missão, pois
considerava-a a única porta para a salvação.

Meus companheiros, entre os quais estavam meus dois irmãos Maheboob Khan
e Musharaff Khan, e meu primo Mohammad Ali Khan, prestaram um serviço
inestimável, devotando-se à criação da Ordem Sufi que, com o tempo, firmou-se
em bases sólidas. Como o misticismo até então era ensinado por alguns mestres
de uma maneira velada, oculta e esotérica, ensinando-o apenas aos que
pertenciam a sua raça, religião, nação ou classe, era tarefa minha proclamar que
ele pertencia a todos e como eu o havia recebido de um homem, devia divulgá-
lo novamente ao homem sem lhe perguntar se tinha ou não direito a isso, qual a
sua casta ou credo.
Depois de minhas viagens pelos Estados Unidos, segui para a Europa. Visitei a
Inglaterra, onde procurei logo meus compatriotas, com a esperança de ver
novamente rostos familiares, pois havia visto muito poucos desde que deixara a
Índia. Como grande desaponto verifiquei que não correspondiam absolutamente
à minha expectativa. Alguns pareciam evitar propositadamente seus
compatriotas e outros estavam muito ocupados em manter seu grupo restrito, o
que revelava uma má influência da cultura Ocidental em suas vidas.

Por fim, gradativamente, agrupei ao meu lado alguns europeus, os quais se


achavam mais sintonizados com a minha alma do que meus patrícios. Encontrei
da parte dos Ingleses muito mais simpatia e afinidade do que jamais poderia
esperar deles quando estava na Índia. Seu caráter gentil e cortês, revelou-me
uma marcante diferença entre o velho e o novo mundo, mas havia pouca
curiosidade com respeito à Índia e o povo Indiano e, a princípio, constatei que
era muito difícil entrar em contato com mentes abertas à filosofia.

Ouvindo as Sufragistas é que tomei conhecimento de que estava nascendo uma


nova religião de sexos, que pretendia trazer a liberdade para as mulheres em
todas as fases da vida. A mim pareceu que as mulheres estavam preparadas
para a ciência, a arte, a religião e a filosofia, enquanto que seus sofrimentos as
trouxeram também para mais perto do vasto campo do intelecto. Verifiquei que
havia desarmonia entre homens e mulheres, uma falta daquela harmonia da qual
depende a verdadeira felicidade das nações. O segredo desse triste estado de
coisas, que os dois sexos desconhecem, está na falta do cultivo do pensamento
e no desejo de bens materiais com o sacrifício de seus semelhantes. Ambos os
sexos devem encontrar-se no mesmo plano de evolução antes que a fase ideal
possa ser alcançada.

Apresentei-me em público diversas vezes e eventualmente diante da realeza e


preparei, assim, o terreno para plantar a semente do Sufismo na Inglaterra. Foi
criada uma Sociedade de Publicações Sufi, uma entidade muito necessária para
a propagação e manutenção da Ordem Sufi, fundada com o louvável objetivo de
publicar as obras tanto do antigo como do moderno misticismo, da filosofia,
religião, arte, ciência, literatura e música.

Minha viagem a Paris teve mais relação com a música do que com a filosofia.
Através dos bons esforços de amigos como Debussy, o famoso compositor, tive
oportunidade de cumprir a minha missão com sucesso, por meio da minha arte.
Como minha longa permanência no Ocidente e minha grande amizade com
diversos músicos eruditos haviam treinado meus ouvidos para a música
ocidental, apreciei especialmente a música da França, tão cheia de amor e
emoção. Falei no Congresso Musical, no Museu Guimet e na Universidade. A
disposição dos Franceses para a sensibilidade e idealismo, ajuda a desenvolver
as qualidades do coração, que se harmonizam com a devoção. O treinamento
católico também influencia os Franceses na parte devocional da adoração.
Minha visita à Rússia tocou outra corda de minha, sensibilidade, pois me fez
recordar novamente o Oriente. Encontrei o povo Russo aberto tanto ao
progresso moderno como ao pensamento antigo. Avistei-me com os expoentes
da música, da poesia e escritores, que pareciam estar completamente
absorvidos no seu trabalho, pessoas que sabem apreciar, são bondosas e
hospitaleiras, constituindo tudo isso uma promessa de progresso nacional. A
maneira como cultivavam o canto e o interesse demonstrado por todos os
campos da arte, muito me agradaram. O interesse demonstrado por tantos
Russos proeminentes causou-me uma duradoura impressão. Também encontrei
na Rússia aquele tipo Oriental de discipulado, natural das nações onde a religião
e o auto-sacrifício ainda existem, embora o fanatismo da Igreja Ortodoxa
coloque-se no caminho do mais elevado despertar espiritual.

Antes que eu pudesse transmitir a minha mensagem de paz ao resto da Europa,


o espectro da Primeira Guerra convulsionou o mundo.
CAPÍTULO VII

Oriente e Ocidente

Tudo que eu, um Sufi, um ser universal, aprendi com as experiências do Oriente
e do Ocidente, foi que posso agora apreciar as virtudes e compreender os
defeitos, imparcialmente, de ambos os lados.

Embora o Oriente tenha progredido de maneira inconcebível em certos aspectos


da vida, nunca foi isso plenamente reconhecido. Em outras palavras, não tem
sido um progresso suficientemente proveitoso, porque tem sido um progresso
individual e não geral. Além disso, a auto-satisfação aliada à preguiça e à
negligência, têm retardado de muito o progresso material. É triste verificar que
os estudantes Orientais, em geral, adotam as qualidades mais indesejáveis do
Ocidente, tais como a extravagância, a excessiva alegria e a exclusividade, ao
invés da coragem, do poder de organização e o extraordinário conhecimento de
administração dos Ocidentais.

Em muitos casos, os Orientais ocidentalizados, crescem indiferentes ao seu


próprio povo, devido às várias direções dadas ao pensamento, que retardam sua
unidade. A atual situação do Oriente de desequilíbrio é tal que o homem
intelectual é, como era antigamente, desequilibrado no que se refere ao físico,
enquanto que os de corpo físico saudável são mentalmente instáveis. O
espiritualista perde-se no espírito e o materialista absorve-se na matéria. Assim,
um é um anjo, enquanto que o outro é um animal. Sem dúvida alguma, a situação
de desequilíbrio do Oriente os têm privado atualmente tanto do mundo como de
Deus.

O Oriente pode aprender uma lição de ordem do Ocidente, pois a raiz da


decadência está na falta de ordem. Pode também aprender a respeito de
equilíbrio e moderação em muitas coisas e sobre cooperação entre todas as
classes, independentemente de castas ou de credos. Embora o Oriente tenha
ensinado ao mundo a lição da fraternidade, seus filhos parece que se
esqueceram de praticá-la entre si, pois o irmão derruba o irmão e o egoísmo está
em ascensão, principalmente na Índia.

O Oriente, igualmente, poderia imitar a regularidade dos métodos de trabalho e


de descanso dos Ocidentais, assim como sua atividade comercial e seu amor
pela pesquisa.
É muito louvável o espírito de independência do Ocidente, tanto nas mulheres
como nos homens. O amor pelas viagens, o asseio e o conforto de seus lares, o
companheirismo existente entre marido e mulher, tudo isso é muito elogiável,
especialmente agora quando há dois extremos no Oriente, uma grande adoração
pela mulher e a sua completa submissão.

“O homem é colocado na prisão da terra, para provar-lhe que faliu em relação a


Deus”. – RUMI

Por outro lado, o Ocidente devia seguir a adaptabilidade do Oriente às


circunstâncias e a sua simplicidade de viver. Numa época em que a civilização
moderna aumenta as necessidades da vida artificial, a tal ponto que quanto mais
rico se torna o homem mais ganancioso fica, a lição mais valiosa e necessária
para o Ocidente é o código de moralidade dos Orientais, que os viajantes
europeus muitas vezes deixam de notar por estar oculto sob o manto da
simplicidade.

A moral Oriental exalta a tolerância, a renúncia, a segurança, a fé e a confiança,


aliadas à inocência, contentamento, paciência, modéstia, simpatia, hospitalidade
e um amor pela humanidade, que pode se elevar às maiores culminâncias do
auto-sacrifício. Essas virtudes, embora sejam encontradas pelo mundo inteiro,
são idealizadas de uma forma especial e chegam às maiores culminâncias no
Oriente. Se as virtudes acima pudessem ser bem compreendidas pelos
estudantes que lidam com o intercâmbio de idéias e formas de pensamento em
qualquer parte do mundo, a Grande Harmonia, profetizada para todos nós
amanhã, seria hoje alcançada!

“O Amor é o ninho da Verdade”. – ABU SAID

O rápido progresso da vida material parece que conduziu o Ocidente a um tal


grau de intensidade que a sua religião dá a impressão de estar perdida no meio
do fanatismo e da mentalidade estreita. Por outro lado, como esse progresso é
unilateral, aumenta o número de incrédulos. Enquanto existem alguns poucos
que crêem, existem muitos que se interessam pelo misticismo, mas apenas por
desprezível curiosidade, continuando completamente indiferentes à fé ou à
crença, a Deus ou ao apóstolo. Estão sempre pesquisando e mergulhando no
misticismo e nos segredos dos fenômenos, os quais desejam usar, ao invés de
usar meios mais materialistas, para conseguir seus fins e aspirações materiais.

Encontrei também alguns entusiastas religiosos, que exaltavam o Cristianismo


como uma fé puramente ocidental, esquecendo-se que o próprio Cristo era um
oriental e que o Oriente O compreendeu e O adorou muito mais do que
geralmente se pensa, embora a Igreja Cristã não conseguisse se estabelecer em
toda a parte, enquanto que os povos do Oriente podem oferecer suas preces em
outras casas do Senhor.
Na ânsia da salvação eu recorreria a Ti,
Que és o guia para atravessar as florestas selvagens da vida;
Não estarás Tu observando se a quadrilha de ladrões da Paixão
Me arrebatasse a Trindade de Teu Tesouro?
HINO DO JAINISMO

Parece haver na Europa uma crescente ansiedade a respeito dos assuntos


esotéricos, quer da parte das chamadas sociedades místicas e espirituais, quer
das instituições de cura mental, mas verifiquei que a base de muitas delas é
puramente comercial. Ainda assim, não as culpo, pois vejo que, pela tendência
comercial da nossa época, nem ao Cristo, certamente, teria sido permitido pregar
como o fez. Outrossim, este novo despertar produziu um bom resultado, que não
deve ser menosprezado. Despertou o interesse dos homens por algo mais
elevado do que o mundo carnal e no Ocidente foi aberta uma porta para que os
ventos da sabedoria divina que sopram do Oriente, possam levar seus espíritos
à meta ideal.

Todavia, embora essa corrente de idéias tenha criado um desejo de penetração


nos caminhos áureos do misticismo, de certa forma houve uma
degenerescência, devido ao abuso em duas direções: o desejo de atender as
necessidades da vida cotidiana através do misticismo e a colocação das
aspirações mais elevadas num nível inferior.

Entre os que estão interessados no misticismo, existem alguns que têm em vista
vários objetivos e, assim, ao invés de chegarem à verdadeira meta do misticismo,
aplicam todas as suas energias nas experiências dos fenômenos. Muitos
desejam obter poderes psíquicos, outros querem alcançar os planetas, alguns
anseiam por reencarnações gloriosas como recompensa de suas ações
virtuosas. Há outros que dependem de espíritos para guiá-los e outros não se
elevam acima de seus egos que não evoluíram. Alguns patinham no misticismo
por curiosidade, muitos por passatempo, outros como profissão e ainda há outros
que apreciam a notoriedade que lhes traz a associação com o invisível. Encontrei
alguns que não sabiam o que procuravam e, não obstante, possuíam grande
entusiasmo.

Com exceção de alguns poucos escolhidos de Deus, inspirados pela luz e glória
da verdade, encontrei grande dificuldade em fazer com que as pessoas saíssem
do mundo objetivo e se interessassem pelo mundo subjetivo. Em outras
palavras, sair da ilusão para a estabilidade e do egoísmo para a autonegação. É
como conduzir um navio contra a maré. O mesmo ocorre no Oriente. Se não
fosse assim, todo Oriental seria um santo. Ainda assim, o meio ambiente e o
treinamento no Oriente indubitavelmente ajudam os Orientais a aplainar o
caminho que os leva à vida.
CAPÍTULO VIII

Treinamento Oriental

“Na verdade os que crêem são irmãos.” – ALCORÃO

No Oriente, a semente da religião é plantada no coração da criança ao nascer,


não importa a que religião pertença. A invocação do nome de Deus torna-se um
hábito diário, que a criança repete inconscientemente na tristeza e na alegria. As
expressões “Bismillah” – No nome de Alá –, “Alhamdolillah” – Louvado seja Alá
– ou “Allah ho-Akbar” – Deus é grande – e “Ya Allah” – Ó Deus – são usadas no
começo e no fim e também no meio de todas as conversas. Essas expressões
sintonizam o crente, e também atraem o descrente, com o pensamento de Deus,
levando aquele que procura finalmente à auto-realização e à paz de Deus.

Nos bons lares, a Moralidade é ensinada às crianças juntamente com a religião.


Reprimindo todas as tendências egoístas, a criança é ensinada a ser humilde,
modesta e respeitosa.

Há uma pequena estória contada a respeito de um neto do Santo Profeta. A


criança dirigiu-se a um escravo pelo nome e foi corrigida pelo Avô, que lhe disse:
“Não, essas maneiras não são bonitas. Embora seja ele um escravo é mais velho
do que você. Assim sendo, você deve chamá-lo “tio”.

Se tal cortesia fosse usada nos países modernos e civilizados como a América
do Norte, onde existe um forte preconceito de cor, como lucraria a nação! A
cortesia para com os estrangeiros é uma virtude no Oriente, enquanto que o
egoísmo da civilização moderna impede os estrangeiros de entrar sem receio
nos países Ocidentais. Trata-se de uma tendência desumana e nos faz lembrar
os cães, que latem e afastam um estranho de sua casa.

Relevar as faltas dos outros com polidez, tolerância, perdão e resignação, é


considerado uma virtude moral no Oriente. O coração do homem é visualizado
como o templo de Deus e mesmo uma pequena injúria, feita em pensamento ou
ato, é considerada um grande pecado contra Deus, Aquele que habita dentro de
nós. A gratitude é demonstrada no Oriente pela lealdade e pela veracidade. A
hospitalidade de um dia é lembrada durante toda a vida, enquanto que o
benfeitor jamais esquece a humildade, mesmo quando pratica suas boas ações.
Há um ditado Oriental: “Esquece tuas virtudes e lembra-te de teus pecados”.

“Acorrentado com correntes de ouro aos pés de Deus”. – TENNYSON


Assim, o coração evoluído pela religião e moralidade, torna-se em primeiro lugar
capaz de escolher e depois de reter o objeto da devoção, sem vacilar um
momento sequer. Na ausência dessas qualidades o coração é incapaz de
escolher ou reter.

No Oriente existiram inúmeros devotos, “Bhakta” ou “Ashik”, cujos poderes


devocionais são indescritíveis e inefáveis. Para o ignorante, a estória de suas
vidas parece exagerada, mas a alegria que existe na autonegação é maior do
que a alegria tanto espiritual como material.

A devoção adoça a personalidade e é a luz no caminho do discípulo. Os que


estudam misticismo e filosofia, mas omitem o auto-sacrifício e a resignação,
aumentam o seu egoísmo e egocentrismo. Tais pessoas são capazes de se
chamar de Deus, ou uma parte de Deus, e arranjam assim uma desculpa para
cometer qualquer pecado que queiram. Indiferentes ao pecado ou à virtude,
abusam e maltratam, não tendo em absoluto medo do mundo após a morte.
Esquecem-se, entretanto, que “estreita é a porta e apertado o caminho que leva
à vida”, como está escrito na Bíblia.

O fogo da devoção purifica o coração do devoto e o conduz à liberdade espiritual.


Misticismo sem devoção é como uma comida mal cozida. Nunca pode ser
assimilado. No “Bhagavad Gita” disse Krishna: “Eu sou o coração de meus
devotos” e Hafiz escreveu: “Ó dia alegre aquele em que eu partir deste lugar de
desolação para procurar o repouso de minha alma e encontrar o meu Bem-
Amado”.

A filosofia, que é o quarto estágio do desenvolvimento, tem cinco aspectos:


físico, intelectual, mental, moral e espiritual. Não pode ser aprendida pelo
simples manuseio dos livros e ouvindo as dissertações dos filósofos, pois a
filosofia não é um estudo ensinado apenas nas universidades, é um caminho
inteiramente oposto para se chegarão conhecimento. Só pode ser
verdadeiramente estudada sob a orientação de um mestre. O discípulo tem no
mestre segurança e confiança perfeitas, pois é necessário manter uma disciplina
total, até com sacrifício do livre-arbítrio. A princípio, isso parece ser uma perda
de individualidade, enquanto o ego se rebela por ser assim esmagado e
submergido pelas leis mais fortes da vontade e da razão, mas a luta que
travamos dentro de nós redunda, no fim, no domínio do nosso eu, o que, em
outras palavras, é um domínio sobre o mundo inteiro.

É bom lembrar, entretanto, que essa confiança total nunca deve ser depositada
num mestre até que se tenha adquirido confiança integral nele e não mais
existam quaisquer dúvidas. Quando essa confiança é dada, não deve existir
nada na terra que a possa quebrar ou destruir por toda a eternidade. Há muitas
pessoas que acham humilhante ser guiadas por outra, mas estão redondamente
enganadas, pois à luz da verdade só existe Um. As relações entre o mestre e o
discípulo são preferíveis a qualquer outra associação no mundo, se pensarmos
que uma amizade com Deus é a única amizade verdadeira, que dura
eternamente. Disse Hafiz: “Derrama vinho no tapete em que rezas se teu Pir-O-
Murshid (Mestre) ordenar. O guia não é um negligenciador de costumes e
veredas do Caminho”.

Um mestre é um portão pelo qual se entra para chegar ao Mestre Invisível e um


portal até Deus, o Desconhecido. Mas, no final, nem Deus, Mestre ou Guia
aparecem na mais ofuscante luz da divina sabedoria, que é apenas o “Eu sou”.

“Tudo perecerá, exceto a face de Alá” – ALCORÃO

Misticismo é o último grau do conhecimento, o qual, pode ser alcançado somente


passando por todos os outros estágios precedentes. Só assim é que não mais
existirá um mistério. Logo que o mistério se torna conhecido sabemos, pelas
ilusões passadas, quanto estava longe e remota a meta e como ainda é longa a
caminhada para suas margens distantes. Contemplamos pela última vez as
montanhas da virtude que fomos obrigados a escalar, a fim de procurar alcançar
o alto, coroado de rosas, e depois, pela manhã, tudo desaparece como num
sonho.

“Onde quer que Tu estejas, Tu estás mais perto de tudo e, todavia, Tu não estás
em nenhum lugar, ó Ser que em tudo penetra”. – ZAHIR

A palavra misticismo torna-se aviltante, quando proferida por pessoas que se


dizem místicos Cristãos ou Judeus, pois o misticismo é uma coisa pura e está
acima de distinções e diferenças. Meu Mestre, certa vez, deu-me uma taça de
vinho durante um transe, dizendo: “Intoxica-te para te livrares do nome e da
vergonha! Sê o discípulo do amor e despreza as distinções da vida! Para um Sufi
o “Eu sou isto e aquilo” nada significa”.

Todos os poderes místicos, como clarividência, clariaudiência, ler pensamentos,


profecias, psicometria, telepatia, êxtase e muitas outras manifestações
espirituais do além, são revelados num glorioso estado de visão.

A vida do místico, tanto a vida interior como a vida exterior, é mostrada como um
maravilhoso fenômeno em si mesma. O místico torna-se independente de todas
as fontes terrenas da vida e passa a viver no Ser Divino, chegando à realização
da presença de Deus pela negação do seu ser individual. Mergulha, assim, na
mais alta bem-aventurança, onde encontra a sua salvação.
O MORTO VIVO
Personagens

O Marajá

Puran (seu filho)

A Maarâni (esposa do Marajá)

Naeka (dançarina da corte)

Saheli (criada de Naeka)

Vairagi (um Sábio ascético)

Dois cortesãos

Dois músicos

Pajem

Dois “Kazaks” (carrascos)

Quatro ladrões

Vendedora de Frutas

Dois camponeses

Menino, vendedor de doces

Um velho

Camponesa, vendedor a de soro de leite

Comerciante, com sua mulher

Mãe, com quatro filhos

Mago
1.° Ato
1.ª Cena

O MARAJÁ está sentado em almofadas. Um criado abana-o. O 1.° CORTESÃO


está sentado à sua esquerda, o 2.° CORTESÃO à sua direita. MÚSICOS cantam
e tocam.

MARAJÁ (depois da primeira canção) – Khan Saheb, qual foi a “Raga” que
cantou?

MÚSICO – Cantei “Dipak”, Majestade, o cântico do fogo.

MARAJÁ – Mas o fogo não foi aceso.

MÚSICO – Perdão, Majestade, acaba de ser ateado. Breve será uma chama.

(Entra o PAJEM)

PAJEM – Marajá! Naeka, a dançarina, aquela que possui a beleza mais delicada,
cuja pele tem deslumbrado todos os grandes artistas, está aguardando as ordens
de Vossa Majestade.

MARAJÁ (virando-se para o 2.° CORTESÃO) – Conhece-a? É realmente


maravilhosa?

2.° CORTESÃO – Ela é a personificação da beleza. A cor de sua pele é igual à


flor do “Champak”1. Seus olhos de corça penetram no coração de seus
admiradores. Seus ligeiros movimentos são tão graciosos como os de uma
cobra. Sua voz ao cantar é como a do rouxinol e ela encanta aos que a ouvem.
1. Árvore da parte este da Índia, da família das magnólias, que produz flores amarelas e
perfumadas. Considerada sagrada pelos nativos.

MARAJÁ (ao PAJEM) – Traga-a.

(Entra NAEKA e cumprimenta o MARAJÁ)

MARAJÁ – Tirou sua beleza da rosa?

NAEKA – Perdão, Marajá, foi a rosa que tirou sua beleza de mim.

MARAJÁ (sorrindo) – Mostre-me sua arte maravilhosa, Naeka. Tenho ouvido


falar muito dela.
(NAEKA executa a dança da florista, fazendo gestos de colher flores, e faz uma
grinalda com as flores. Apanha a seguir uma grinalda de flores verdadeiras,
dança com ela e, quando acaba, coloca-a ao pescoço do Marajá. Este segura
as mãos de Naeka, leva-as ao peito e puxa-a para mais perto dele. Ela se retrai
e desvia a cabeça.)

(Entra o PAJEM. NAEKA volta ao seu lugar)

PAJEM – Vossa Majestade, o Príncipe Puran acaba de chegar e deseja


cumprimentá-lo antes de sair a cavalo.

(Entra PURAN, faz uma mesura real, curva-se quase tocando o chão.

NAEKA, impressionada com a beleza do Príncipe, leva a mão ao coração ao


mesmo tempo que o admira.)

MARAJÁ (a Puran) – Vai passear a cavalo, meu filho? Já acabou seus estudos?

PURAN (embaraçado e dando um meio-sorriso) – Minha intenção foi roubar


algumas horas dos meus estudos para ficar sozinho com a natureza.

MARAJÁ (ironicamente) – Ah, sim. Não se ausente por muito tempo.

(PURAN sai. NAEKA demonstra sua emoção nos seus movimentos e expressão,
agindo como se estivesse com vontade de segui-lo. Dá dois ou três passos,
depois recobra os sentidos, passa a mão pela cabeça como se quisesse ficar
livre de seu pensamento.)

MARAJÁ (depois que PURAN saiu, dirigindo-se ao 1.° Cortesão) – Por que não
se concentra ele nos estudos? O que faz ele?

1.° CORTESÃO – Aprecia a natureza. Quando está em casa é visto


frequentemente em companhia da Mãe.

MARAJÁ – Vejo-o tão raramente!

1.° CORTESÃO – Não aprecia a caça, a luta, o boxe. Está feliz quando se
encontra vagando a sós na natureza.

MARAJÁ – Precisamos vigiá-lo!

1.° CORTESÃO – O Príncipe Puran não tem nenhum vício. Não bebe, não fuma,
e não tem nenhum desses hábitos. O Príncipe é diferente dos jovens de sua
idade. Não se sente atraído por frivolidades. É um defensor dos ideais e dos
princípios.

2.° CORTESÃO – É natural. A que família pertence?

1.° CORTESÃO – Ele é simples e ao mesmo tempo é muito inteligente. Não se


importa com leituras ou escritos, mas gosta de pensar.
MARAJÁ (sorrindo) – No que pensa ele? Pensa na lua?

(Trazem o vinho numa bandeja de ouro e o MARAJÁ dá uma taça a NAEKA.

Os CORTESÃOS distribuem vinho aos MÚSICOS e o MARAJÁ passa o vinho


aos CORTESÃOS.)

1.° CORTESÃO – À glória do Marajá!

(Todos os presentes repetem a frase)

MARAJÁ (a Naeka) – Agora abra suas asas e voe, lindo pássaro!

(NAEKA dança. O Marajá move a cabeça acompanhando o ritmo da dança.


NAEKA gira e roda, cambaleia, levanta as mãos e balança como se fosse cair.
O MARAJÁ se levanta e corre para ela. Faz sinal aos CORTESÃOS para sair.
Os CORTESÃOS e os MÚSICOS saem. O MARAJÁ aperta NAEKA no seu peito.
Quando ela abre os olhos, volve a cabeça e acena para a porta por onde saiu o
Príncipe.)

MARAJÁ – Um beijo de jasmim.

(Ela cede e ele a beija)

PANO

2.ª Cena

Sala de estar da nova residência de NAEKA, perto do palácio. NAEKA põe


cosmético nas pálpebras, pinta os lábios de vermelho. SAHELI segura um
espelho à sua frente, de pé.

SAHELI – “Bai”2, a Providência vos foi pródiga em conforto, jóias, deu-vos o


pequeno e lindo pavilhão por intermédio do Marajá, além dele vos ter dado o seu
amor. Não há nada mais a desejar e, no entanto, raramente vos vejo sorrir. Será
que caiu um mau olhado sobre vós? Talvez estejais preocupada com alguma
coisa. Se eu pudesse saber o que vos atormenta! Daria tudo no mundo para vos
ver sorrir novamente!
2. Nome que as criadas dão às patroas.

NAEKA – É verdade, tenho tudo de que necessito, mas eu queria poder amar o
Marajá. Não posso dizer que o amo. Sua intimidade me repugna. Além disso,
não me acostumo com suas exigências. Pede que me abstenha de qualquer
frivolidade com os homens.
SAHELI – Sim, porque vos ama. Sois uma artista nata, desculpai-me, Bai! (Sorri
com uma expressão humorada e faz gestos).

Pertenceis à classe daquelas mulheres encantadoras que amam um e gostam


de outro, que sorriem para um e acenam para o outro, que acariciam um e
mimam um outro, que beijam um e abraçam outro.

NAEKA – Sou realmente encantadora?

SAHELI – Certamente, Bai, bem sabeis que sois encantadora. Há a mulher que
tem encantos para muitos e há a mulher que tem charme só para um. Há uma
outra mulher, como eu, que não tem encantos para ninguém. Vossa vaidade tem
sido satisfeita, Bai, pela atenção de muitos admiradores.

NAEKA – Desde a minha juventude vivo brincando, fazendo amigos, cantando


e dançando. Posso atrair os jovens como um magneto e, assim, jamais soube o
que é ser faminta de atenções.

SAHELI – Esta vida talvez vos pareça estranha, Bai, mas vos acostumareis.

NAEKA – (balançando a cabeça) – Não, nunca me acostumarei.

SAHELI – Mudareis como mudam as estações, com o tempo.

NAEKA – Esta vida, para mim, é uma prisão. Sinto-me como um pássaro preso
numa gaiola de ouro. (Chorando) Preferia ser uma dançarina livre do que uma
rainha cativa.

SAHELI – (enxugando os olhos de Naeka e beijando-a) – Se eu fosse admirada


pelo Marajá como vós sois, tratá-lo-ia nas palmas de minha mão. (Naeka sorri).
Sois tão jovem ainda para compreender o que é ser amada pelo Marajá! Todas
as outras dançarinas do país invejam vossos privilégios. O Marajá acaba de vos
fazer a dançarina da corte, mas (sussurrando no seu ouvido) sereis um dia a
rainha.

NAEKA – É tudo que desejo: ser rainha um dia. No entanto, como gostaria que
fosse Puran e não ele.

SAHELI (segurando com as duas mãos a cabeça de Naeka demonstrando


grande pavor e tocando os lábios com o dedo) – Ah! fechai vossos lábios, isso
pode ser desastroso!

NAEKA (levanta-se da cadeira e olha pela janela) – Lá vai ele a cavalo. Saheli,
peço-lhe, vá chamá-lo. Diga-lhe que tenho algo para dizer-lhe. Traga-o aqui, sim
Saheli, por favor?

(SAHELI levanta-se e corre para chamar o Príncipe. Quando NAEKA fica só


começa a pensar se ele virá ou não, como se aproximará dele e o que vai lhe
dizer. Embaraçada, medrosa, excitada e atônita, espera a chegada de Puran.)
(Entra Puran)

PURAN (a Naeka) – Vós me chamastes?

NAEKA – Sim, eu vos chamei, Puran. Vinde sentar aqui. (Oferece-lhe uma
cadeira perto dela. Ele se senta, acanhado com os olhos baixos). Admiro vosso
belo cavalo. Parece ter orgulho de seu elegante cavaleiro. Dizei-me porque o
Marajá não está contente convosco? Faria tudo para que ele tivesse melhor
disposição a vosso respeito.

PURAN – O que mais procuro na vida é agradar a meu Pai. Se não consigo
agradá-lo é porque sou indigno.

NAEKA – Vós indigno? Como podeis dizer tal coisa? Sois o filho mais digno que
qualquer pai desejaria ter. Se fôsseis o rei, o povo seria muito feliz, mais feliz
não poderia ser. Nosso povo se alegrará vendo-vos um dia sentado no trono,
com a coroa na cabeça.

PURAN – Que meu Pai viva e reine para sempre.

NAEKA (sussurrando) – Eu ficaria ao vosso lado no momento que houvesse


uma tentativa nesse sentido, uma luta (com determinação, erguendo o dedo).
Ficai sabendo, Puran, que tendes sempre alguém em quem depositar a vossa
confiança. Posso ser dura como uma rocha, quando é preciso.

PURAN – (com ar de espanto) – O que quer dizer com isso?

NAEKA – Vossa mãe deve ser muito bonita.

PURAN – A beleza de minha mãe não pode ser vista por qualquer olho.

NAEKA – É velha?

PURAN – Sua alma é mais velha ainda.

NAEKA – Sem dúvida ela vos ama muito.

PURAN – Ela para mim é a compaixão de Deus na terra.

NAEKA (com relutância) – Sou a favorita de vosso pai (sorrindo) mas sou
bastante jovem para ser vossa amante. (Puran ainda mais perplexo). Puran, por
que estais calado, por que não falais comigo? (passa o braço no braço dele,
acaricia sua mão, chega-se para mais perto do seu rosto). Puran, vós já vistes,
ou já ouvistes ou já conhecestes a explosão de um vulcão dentro do coração?
(Puran levanta-se. Ela também se levanta e segura sua mão). Pensai o que
quiserdes, dizei o que quiserdes, mas deixai que uma vez meus lábios beijem os
vossos. O que tiver que ser, será. (Ela o abraça e beija. Vê o Marajá atrás de
Puran. Afrouxa os braços e finge que desmaia. Puran sai apressadamente, não
tendo visto o pai).
MARAJÁ (Levanta Naeka e põe a mão na adaga enraivecido) – O que há?

NAEKA – (Joga a cabeça de encontro ao peito do Marajá e põe a mão nos seus
ombros) – Vosso filho, vosso filho!

MARAJÁ – Meu filho? Ele não é meu filho. Não pode ser meu filho! Como ousou
vir aqui? Não sabe que gosto de você? É uma desonra para o meu nome. (Põe
Naeka nas almofadas. Ela fica imóvel).

MARAJÁ (para Saheli no lado de fora) – Chame os carrascos. (Tira o lenço do


pescoço e rasga-o). Vou despedaçá-lo, vou destruí-lo.

(Entram os dois carrascos. Naeka se levanta com olhos espantados e ouve)

CARRASCOS – Dai as vossas ordens!

MARAJÁ – Prendam Puran!... Podem esfolá-lo, cortar-lhe a cabeça, enterrá-lo


vivo, jogá-lo ao mar, façam o que quiserem contanto que eu nunca mais veja a
sua face!

(NAEKA treme, cai prostrada em desespero. Os carrascos partem.)

MARAJÁ – Saheli!

(Entra SAHELI)

MARAJÁ – Água de rosas. (SAHELI corre e traz a água de rosas, borrifando a


cabeça de NAEKA. O Marajá segura-a com a mão esquerda e com a direita
abana-a com seu lenço de seda.)

PANO

3.ª Cena

Na floresta ao escurecer. Ouve-se um grito lancinante de dor atrás dos


bastidores.

MULHER CHORANDO – Meu filho adorado, meu único filho.

UMA VOZ PROFUNDA – Mãe, mãe, não desesperai.

VOZES ÁSPERAS – Vinde, vinde, não percamos mais tempo, aqui.

(PURAN é empurrado pelos dois Carrascos e põe-se de pé calmamente)

1.° CARRASCO – Vossa cabeça vai ser cortada aqui!


2° CARRASCO – Vossos ossos aqui ficarão secando ao sol!

PURAN – Estou perfeitamente resignado com as ordens de meu Pai, mas


permitam-me alguns momentos para rezar.

1.° CARRASCO – Não, não é possível.

2.° CARRASCO (ao 1.° Carrasco) – Deixai-o, deixai-o rezar.

1.° CARRASCO – Rezai rapidamente. Devemos voltar antes do pôr-do-sol


(apontando para o céu avermelhado) com a vossa cabeça para ser entregue ao
Marajá.

(PURAN se ajoelha, junta as mãos e levanta ligeiramente a cabeça)

1.° CARRASCO – Vamos tomar um pequeno gole (Bebem pela garrafa)

PURAN – Deus, com a consciência limpa e o coração puro, coloco diante de Ti


o registro dos atos de minha vida. Jamais ofendi alguém, a ninguém fiz mal.
Fazei desaparecer, Senhor, o péssimo conceito que meu Pai tem de mim.
Confortai o coração amargurado de minha adorada Mãe e perdoai aquele que
involuntariamente foi o causador da minha desgraça. Rogo-Te, Senhor, que
abençoes a todos. Amém.

(Abaixa bem a cabeça. Aos Carrascos) – Estou pronto.

1.° CARRASCO – (ao 2.° Carrasco) – Você vai matá-lo.

2.° CARRASCO – Você é quem vai matá-lo. (Os dois desembaiam as adagas)

1.° CARRASCO – Você.

2.° CARRASCO – Eu não, você.

1.° CARRASCO – (dirige-se a PURAN e faz uma violenta investida com a arma.
Quando está quase tocando a cabeça de Puran, sua mão fica paralisada. – Ao
2.° Carrasco) – Não, mate-o você.

2.° CARRASCO – Vou matá-lo. (Vira o corpo, dá uma volta, move-se com
arrebatamento e prepara-se para dar o golpe. Levanta a mão com grande força.
Quando a adaga chega perto da cabeça de PURAN, a mão do Carrasco treme
e ele atira longe a adaga. Chama o 1.° Carrasco e faz um gesto) – Deixemos
que se vá.

1.° CARRASCO – (com expressão de medo, sussurra) – Não, o que fará


conosco o Marajá?

2.° CARRASCO – Veremos.


1.° CARRASCO (levanta PURAN segurando-o pela mão) – Agora, jovem, vamos
deixá-lo partir, mas parte para longe, para bem longe.

(PURAN cumprimenta e sai)

1.° CARRASCO – (ao 2.° Carrasco) – Está tudo muito bem.

2.° CARRASCO – Era inocente.

1.° CARRASCO – Mas, o que vamos dizer ao Marajá?

2.° CARRASCO – Que ele está morto e enterrado!

(Ambos riem, com as mãos na barriga, e olham para a direção tomada por
PURAN)

PANO

2.° Ato
1.ª Cena

Na porta da cidade, ao amanhecer. A lua ainda está brilhando. Um Vairagi em


Samadhi3, sentado numa pele de tigre, com uma cobra em volta do pescoço,
entre a estrada e o muro da cidade. Dois LADRÕES sentados numa rocha à
direita, ao lado da estrada.
3. Vairagi = (santo ascético. Samadhi = um estado de consciência.)

1.° LADRÃO – Graças a Deus, tivemos alguma sorte à noite passada e


escapamos lindamente. Mas, o que houve com os outros dois? Por que não
voltaram ainda?

(O segundo LADRÃO se levanta e olha à distância)

2.° LADRÃO – Devem chegar a qualquer momento (silêncio). Aí vem eles


(apontando). Podes vê-los?

1.° LADRÃO – Parece que roubaram milhões. Veja que fardo pesado estão
carregando (silêncio). Mas... é um homem!

(Os dois LADRÕES se levantam e avançam alguns passos)

29 LADRÃO - Amigos, o que trouxeram?

(Entram o 3.° e o 4.° LADRÕES)


3.° LADRÃO – Trouxemos má sorte.

4.° LADRÃO – Nunca fizemos uma viagem tão ruim, desde o começo. Quando
passávamos pela floresta vimos ao longe o rosto de uma bela mulher. Ficamos
encantados com a perspectiva de boa sorte, mas quando chegamos perto o que
encontramos? Este infeliz.

3.° LADRÃO – Estava passando fome, suponho, há muitos dias. Não possuía
nada consigo.

4.° LADRÃO – Pensamos em salvá-lo dos lobos. Trouxemo-lo para vendê-lo


no mercado de escravos por 20 mil “Dirams” (moedas).

3.° LADRÃO – (aos primeiros 2 LADRÕES) Sim, (apontando para o 4.°


LADRÃO) ele tinha grandes sonhos de realizar esse negócio, mas no fim tudo
fracassou.

4.° LADRÃO – Ele não estava tão mal assim quando o trouxemos conosco.

3.° LADRÃO – Devíamos tê-lo deixado no caminho quando o vimos tão mal e
não podendo nos acompanhar, mas você insistiu para que o carregássemos pela
floresta. Vejam só, cansamos nossos braços e nossas pernas e agora ele está
pior do que antes, talvez quase morrendo.

1.° LADRÃO – (amedrontado) – Tenham cuidado. Se a polícia nos vê com ele


vai nos prender e nos matará.

(Os 4 LADRÕES, chocados, deixam o corpo e fogem. Uma velha mulher,


vendedora de frutas, que ia apressada para o mercado, com uma cesta de frutas
na cabeça, esbarra no corpo de PURAN e cai de joelhos).

VENDEDORA DE FRUTAS – O que é isto? Quem será? (Olha-o) Pobre homem,


talvez esteja morto.

(Dois CAMPONESES passam com sua pá e forcado nos ombros a caminho dos
campos. Param para ver o que está acontecendo)

VENDEDORA DE FRUTAS – Pobre homem, o que lhe aconteceu? Estará


morto?

(Põe o dedo nas narinas de PURAN). Ainda respira.

1.° CAMPONÊS – O que vamos fazer?

2.° CAMPONÊS – Vamos colocá-lo junto ao Vairagi. Tomará conta dele.

(Os CAMPONESES levantam o ramo em que foi carregado o corpo e o colocam


em frente do Vairagi).
VENDEDORA DE FRUTAS – Baba, Baba4. Olhai este homem, ajudai-o, Baba,
ajudai-o. (Apanha a cesta de frutas e corre depressa para seguir os homens).
4. Título respeitoso no Oriente.

VAIRAGI (abre os olhos, curva-se e olha para Puran, colocando delicadamente


a mão no meio do seu peito e respirando sobre ele. PURAN abre os olhos). –
Sim, acorde, acorde, acorde.

(PURAN move a cabeça e o corpo)

PURAN – Sim.

VAIRAGI – Agora levante-se, levante-se (levantando-o), levante.

(“PURAN levanta-se e senta-se. O Vairagi estende a mão para a bilha de água


que está ao seu lado e molha a testa de PURAN. PURAN anima-se. Enquanto
isso a manhã começa a nascer. Pessoas aparecem de ambas as direções. Um
MENINO que vende “Halva” (doce), um VELHO, uma MULHER com soro de
leite, um COMERCIANTE e sua mulher, uma MÃE com quatro filhos. Todos
param olhando curiosamente a cena à sua frente).

UMA CRIANÇA – Olha ali um tigre! Está nos fitando!

(As três crianças chegam mais perto)

OUTRA CRIANÇA (assustada) – Olha, veja a cobra!

(Chega para mais perto da mãe)

O VELHO (dirigindo-se às crianças e falando com importância) – A cobra é o


sinal da sabedoria.

A ESPOSA (para o Comerciante) – O que há com o jovem?

O MARIDO – A vida é um mistério.

O VELHO (importante) – A vida é um problema. (Acenando com a cabeça como


se aprovasse o que tinha dito. Olha para o Vairagi pedindo sua opinião).

VAIRAGI (fazendo um gesto) – Tudo isto é uma espantosa “Maya” (ilusão). Há


4 dias de luar e depois a noite escura. A visão do “Maya” é o sonho da
mortalidade. (PURAN ouve atentamente). Quando a cortina é retirada de vossos
olhos, passareis a ver que nada daqui vos pertence: nem a honra, que não pode
ser mantida por longo tempo, nem o nome, que com o tempo será esquecido,
nem o tesouro, que um dia será arrebatado de vossas mãos, nem o conforto,
que não mais vos pertencerá, tudo isso tem pouco valor.

COMERCIANTE – Mas as mil rúpias que eu enterrei, não serão jamais roubadas
por ninguém!
VAIRAGI – Direis vós: agarro eu isto, possuo aquilo outro, mas, na realidade,
nada vos pertence, nem mesmo vosso próprio corpo.

HOMEM COM A PÁ (com uma expressão de dúvida) – Então não devemos ter
nada?

VAIRAGI – O dia que não tiverdes nada, tereis tudo.

COMERCIANTE – Assim, devemos deixar de perseguir o mundo?

VAIRAGI – Quando deixardes de perseguir o mundo, o mundo vos perseguirá.

COMERCIANTE – Então, o que devemos fazer?

VAIRAGI – Chegar à realização do UM, elevando-vos acima da dualidade,


queimar o vosso falso ego e pulverizar a pele com as cinzas.

COMERCIANTE – Quereis dizer que devemos renunciar a tudo?

VAIRAGI – Conservai tudo até que tiverdes vos elevado.

2.° CAMPONÊS (com ironia) – Então achais a vida sem sentido?

VAIRAGI – A vida é sem sentido até que tiverdes compreendido o seu sentido.

COMERCIANTE – Baba, a vida terrena não tem valor?

VAIRAGI – No momento que reconhecerdes sua inutilidade, a vida tornar-se-á


digna de ser vivida.

(Entra o MAGO, com as sobrancelhas pintadas de branco, a testa pintada de


vermelho).

O VELHO – Falastes agora da vida, Baba, mas o que tendes a dizer a respeito
da morte?

MAGO (com ênfase) – O que está aí a perguntar-lhe? O que sabe ele sobre a
vida e sobre a morte? Pode ele ressuscitar um morto? (Gesticulando) Eu posso
me cortar e me curar imediatamente. Posso me matar e voltar à vida. Posso
afogar-me e voltar à tona. Agora, todos vós que me ouvis, deixai-o sozinho e
segui-me. Posso dar-vos qualquer coisa: saúde, dinheiro, sucesso, poder,
prazer, tudo.

O VELHO – Vamos ver o que esse camarada vai fazer.

(Todos, uns após os outros, seguem o Mago)

O MENINO COM OS DOCES (o último remanescente do grupo, apontando para


o Vairagi) – Nada feito com ele.

(O VAIRAGI fica só com PURAN)


PURAN – São como um rebanho de carneiros.

VAIRAGI – Assim é o caminho do mundo.

PURAN – Mestre, tudo que dissestes tocou-me profundamente. Peço-vos que


me deis o privilégio de vos servir e que algum dia possa eu merecer chegar ao
“Vairag”, ao princípio da indiferença.

VAIRAGI – “Vairag”, meu filho, é a libertação de toda a escravidão. Estais atado


a laços de família?

PURAN – Não, Mestre, exceto a profunda devoção que tributo à minha Mãe.

VAIRAGI – Tendes qualquer ambição? Ambição de fortuna ou classe social?

PURAN – Não, não tenho, embora tenha nascido numa classe onde posso ter
isso tudo.

VAIRAGI – O caminho do místico leva à meta do aniquilamento. Ides ficar firme


no caminho, arrostando todas as tentações mundanas, meu jovem?

PURAN – Sim, Mestre, com a vossa ajuda terei forças para prosseguir.

VAIRAGI – Farei uma experiência convosco, meu filho, durante um certo tempo,
quando tereis de passar por muitas provas.

PURAN (ajoelhando-se aos pés do Vairagi) – Entrego-me à vossa inspirada


orientação.

(O Vairagi levanta Puran, segura-o por um momento, dá-lhe o seu manto para
que passe a usá-lo. Coloca o rosário que estava segurando no pescoço de
PURAN, toca a testa dele com a água de seu cântaro e o abençoa com as duas
mãos estendidas sobre a sua cabeça).

PANO

2.ª Cena

Na sala de NAEKA

NAEKA – está defronte do espelho colocando os brincos.

SAHELI segura a bandeja onde estão as jóias.

NAEKA – Desde que perdeu o filho o Marajá está cada vez mais deprimido.
Você ouviu falar alguma coisa sobre a Maarâni?
SAHELI – Ouvi dizer que pouco come e nunca fala e só geme durante o sono.
Quando está acordada chama o nome do filho: Puran, Puran!

Envelheceu tanto que mal se consegue reconhecê-la. Está quase cega de tanto
chorar. Ouvistes falar do jardim de Puran, Bai? Que estava abandonado todos
estes anos, depois que ele se foi? Muitas árvores morreram e as plantas
secaram. Os lobos fizeram seu covil no lugar onde Puran vivia, mas, agora,
dizem que um vagabundo passou por lá, sentou-se na sombra de uma árvore e
logo que salpicou algumas gotas da água do seu cântaro, todo o jardim
novamente vicejou. Centenas de pessoas têm ido vê-lo. (Olhando pela janela).
Lá vai ele, andando, podeis vê-lo, Bai?

NAEKA – Quem?

SAHELI – O sábio de quem tanto falam na cidade.

NAEKA (olhando também pela janela) – É um tipo de homem que sabe ler a
sorte das pessoas. SAHELI, vá chamá-lo, por favor.

SAHELI (angustiada) – Mas Bai, se o Marajá souber que eu chamei um estranho


para vir aqui, vai me jogar aos abutres!

NAEKA – Vá, tudo sairá bem.

(SAHELI sai. NAEKA vai para frente do espelho arranjar o cabelo. Entra PURAN,
usando uma barba longa e o manto que lhe foi dado pelo Vairagi, e com o rosário
à volta do pescoço. Ambos se sentam).

NAEKA – Quando o vi pensei que pudesse resolver o meu problema e ajudar-


me a sair dele.

(PURAN ouve, O MARAJÁ entra e vendo NAEKA falando com um estranho fica
chocado e pára, olhando o que está se passando).

NAEKA – O Marajá, que tanto me amava, acho que está perdendo o interesse
em mim.

PURAN – O que pensais ser a razão desse desinteresse?

NAEKA – A princípio estava cego de amor por mim, mas suspeitando de seu
filho comigo, condenou-o à morte. Desde aí parece que seu coração ficou frio.

(O MARAJÁ põe a mão no coração, joga a cabeça para trás com os olhos
semicerrados, relembrando o acidente).

PURAN – Que fez a Maarâni?

NAEKA (com relutância) – Ficou muito desgostosa com a perda do filho.

PURAN – O que faz agora?


NAEKA (abaixando a cabeça e chorando) – Quase perdeu a razão pensando
nele.

PURAN – Quero vê-la. Quereis fazer a fineza de chama-la?

NAEKA – Imediatamente?

PURAN – Sim, imediatamente.

(NAEKA chama SAHELI e murmura algumas palavras em seu ouvido)

PURAN – Contai-me agora, Puran tinha realmente cometido alguma falta?

NAEKA – Isso é uma coisa que não posso dizer. Meus lábios tremem, meu
coração desfalece.

PURAN (olhando nos olhos dela) – Contai-me.

NAEKA – Não o poderia contar a ninguém no mundo, mas não posso esconder
de vós o meu segredo. Sei que podeis olhar dentro de minha alma.

(O MARAJÁ ouve avidamente. NAEKA chora)

NAEKA - A culpa foi minha. Eu queria ser a rainha, mas como esposa do jovem
Puran e um dia meu coração abriu-se diante dele. Ele recusou, mas a impressão
que o Marajá teve foi que ele estava me amando. Num acesso de raiva o Marajá
condenou o filho à morte.

(SAHELI traz a Maarâni, vestida muito simplesmente. Colocou almofadas para


ela sentar, ao lado direito de Puran).

MAARÂNI (como se estivesse falando num sonho) – Por que me trouxeram


aqui?

Por que fui trazida para cá?

PURAN – O que tendes a dizer?

MAARÂNI (nervosamente se apruma, como se estivesse ouvindo uma voz


familiar). Desejo ardentemente ver meu filho.

NAEKA – Mas, vosso filho está morto.

MAARÂNI (agitada) – Não, ele está vivo.

PURAN (num sussurro) – Ele é um morto vivo.

MAARÂNI – Esta voz! É a voz dele! (Levanta-se, chega para mais perto de
Puran, estende as mãos). Quero olhá-lo, (Sente a mão dele e chora) Meu Puran,
vós sois meu Puran!
PURAN – Minha Mãe.

(Abraçam-se. NAEKA está horrorizada)

MAARÂNI – Quero ver meu filho.

(PURAN coloca as duas mãos sobre os olhos dela. Ela olha para ele e beija-o)

MARAJÁ (dá um passo à frente. NAEKA desmaia) – Será uma ilusão de meus
olhos? Estais realmente aqui? Meu filho! Puran! Nunca pensei que vos pudesse
ver novamente. (Levanta as mãos para o alto) Obrigado, Providência! (Dirigindo-
se a Puran) Podeis me perdoar? Jamais me perdoarei pelos sofrimentos que vos
causei.

PURAN – Pai, sempre serei vosso filho.

MARAJÁ – O que mais quero eu? Minha vez já passou. Agora reinareis neste
país.

PURAN (levantando-se) – Não, Pai, vou à procura de um outro reino.

PANO

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