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Universidade Estadual de Maringá

08 e 09 de Junho de 2009

JOSÉ MARTÍ E A EDUCAÇÃO EM CUBA

PEREIRA, Fábio Inácio (UEM)


PEREIRA MELO, José Joaquim (Orientador/UEM)

A presente proposta de pesquisa faz parte de estudos em fase inicial de realização e tem
como objetivo analisar a proposta educacional de José Martí1 (1853-1895). Para
tratarmos desse tema, serão necessárias as análises das influências históricas sofridas
pelo pensador cubano e da perspectiva populista das respostas aos apelos de
transformação social, a que seus escritos propunham responder.

Desde as transformações sociais do final do século XIX, a presente proposta de pesquisa


insere-se no debate sobre a história das idéias pedagógicas sobre Cuba. A partir desse
contexto, busca-se compreender e reconstruir as diferentes mediações constitutivas da
relação entre populismo e educação na obra de José Martí.

Entre a primeira Revolução Industrial e o final do século XIX, o capitalismo amplia-se e


impõe-se com enorme vigor. Esse século assinala a entrada dos Estados Unidos no
cenário das grandes potências internacionais. Destarte os problemas entre o Norte
capitalista e industrial e o Sul agrário e escravista, a partir desse momento, os Estados
Unidos colocam-se como uma potência econômica e projeta-se sobre a América Latina
com um comportamento político-econômico imperialista.

O modelo de desenvolvimento norte-americano servia de referência para as nações


latino-americanas apontando os rumos de construção dos Estados nacionais recém
independentes.

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Nascido em Cuba, desde muito jovem, José Martí, filho de espanhóis da classe média colonial, em crise,
viveu entre os setores proprietários arruinados pelas constantes crises na região oriental da ilha. Durante
praticamente toda sua adolescência, viveu no campo, período em que presenciou as primeiras batalhas
pela independência de Cuba.
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Em Cuba os avanços técnico-científicos da indústria açucareira nas propriedades da


região Ocidental estabeleciam uma grande disparidade com a situação do setor agrícola
pelas demais regiões da ilha, com um fraco desenvolvimento nas técnicas de plantio e
cultivo. Nessas regiões, o modelo de produção era predominantemente extensivo. A
agricultura nesse sistema era realizada de forma tradicional, as propriedades canavieiras
utilizavam a mão-de-obra escrava e não se serviam de tecnologias. A preparação do
solo, como o trabalho de correção, praticamente não era feito, não eram empregadas
técnicas modernas de cultivo e utilizavam o arado de tração animal, com baixo ou
nenhum nível tecnológico. Em favor dos produtores agrícolas estavam apenas as
condições naturais que favoreciam a produção, a qualidade do solo, o volume de chuva
e o clima. O fato é que, qualquer variação climática brusca, ocasionava perdas na
produtividade.

Nas propriedades em que foram introduzidas inovações na casa de máquinas,


aumentavam as expectativas de intensificação da produção de cana. A utilização de
equipamentos modernos de extração de açúcar, como os de origem francesa, gerava
maior rendimento pela mesma quantidade de cana moída. O que, consequentemente,
fazia esgotar a reserva de cana nos engenhos, devido a sua maior capacidade de
elaboração.

O avanço da organização industrial com maior padrão tecnológico repercutiu


sobremaneira sobre as plantações de cana. O que impunha uma reforma radical nos
processos agrícolas, preocupação permanente entre os produtores da região Ocidental da
ilha.

Se tiene la impresión de que los progresos en cuanto a la técnica de


elaboración de azúcar fueron mucho más importantes, más
sustanciales que los escasos progresos realizados en la siembra y la
cosecha de la caña. Se imponía entonces una reforma casi tan radical
de los métodos de cultivo y el empleo de aparatos y maquinarias
modernas en las plantaciones (LE RIVEREND, 1974, p. 358).

A necessidade de reformas no plantio relacionava-se diretamente com os lucros obtidos


pelas oligarquias capitalistas. O sistema de plantio extensivo gerava custos que
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acabavam diminuindo os ganhos resultantes das inovações na casa de máquinas. Pois,


com a ampliação do cultivo da cana, para atender a demanda dos engenhos
mecanizados, aumentava a necessidade de mão-de-obra escrava cada vez mais cara.
Acrescente-se ainda que o aumento das plantações dificultava o corte e o transporte das
canas para os engenhos.

O crescimento na extensão das terras cultivadas atendia as exigências de um quadro


tradicional da indústria. Contudo, em função do caráter intensivo da produção nos
engenhos modernos, interessados em reduzir seus custos, os capitalistas proprietários
requeriam, transformações e benefícios, que aquele sistema produtivo tinha dificuldade
em atender.

Em meio ao descompasso desses interesses, iniciou-se um processo de separação do


setor industrial do setor agrícola, que passaram a serem independentes do ponto de vista
do capital e da organização. O que surgia era um sistema de divisão do trabalho em que
o cultivo, o corte e o transporte da cana ficavam nas mãos de agricultores independentes
enquanto que a industrialização em mãos de capitalistas proprietários de engenhos.

Essa divisão do trabalho no processo produtivo açucareiro levou ao processo de


fundação das centrais. Com o processo de centralização da produção teve início o
aparecimento das grandes centrais indústrias, apropriando-se da infra-estrutura física
erguida pela manufatura escravista ineficiente. Destaca-se que nesse processo de
eliminação de engenhos ineficientes e de liberação de terras para a produção industrial,
sobretudo nas províncias ao oriente da ilha, contribuiu para a ruína da burguesia agrária
e sua crise enquanto classe.

Esse período foi de transição para o trabalho livre, que em Cuba significou uma
reorganização fundamental do trabalho, da propriedade da terra e das relações sociais.
Os proprietários de escravos e engenhos transformaram-se em empregadores nas
centrais e colônias. E os escravos passaram a condição de trabalhadores assalariados, no
açúcar ou em qualquer outro ramo produtivo, juridicamente livres.

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A abolição da escravidão [...] forçou muitas mudanças no comércio e


na indústria. Os antigos plantadores demoraram a adaptar-se às novas
condições econômicas, mas novo sangue e novo capital foram
encontrados; novos processos e novo maquinário foram introduzidos
para compensar a perda do trabalho escravo; os serviços da agricultura
e indústria foram gradualmente separados, e as pessoas do campo
arrendavam pequenas porções de terra das propriedades e supriam
com cana as usinas e centrais (ATKINS, apud SCOTT, 1991, p. 209).

O fim da guerra e o início do regime intermediário entre a escravidão e a manumissão,


denominado patronato, que a partir de 1880 até 1886, colocaram fim às relações
escravistas de produção. A instauração do trabalho assalariado representou a
transformação social mais importante do final daquele século em Cuba. Apesar de não
resolver a situação de crise em que se encontrava a indústria açucareira, serviu de marco
para a sua expansão sob a base de contratação de mão-de-obra barata.

Tendo em vista este cenário, propõe-se analisar o pensamento de José Martí e sua
relação com o processo de construção do Estado nacional cubano. Ao final do século
XIX, o pensador torna-se um dos principais dirigentes do Partido Revolucionário
Cubano, caracterizado por uma composição multi-classista. Sua organização deu-se por
meio de uma frente ampla que congregou antigos e novos grupos insurrecionais, os
diversos setores proprietários arruinados pela crise econômica, em um programa comum
para a luta independentista. Nesse processo, as massas apareciam como um elemento
político importante e até decisivo. Conforme Roberto F. Retamar (MARTÍ, 1983, p.
20): “Martí eletriza o público com seu verbo ardoroso, centelhante de metáforas, que
nunca desce a vulgaridades, que fascina.” Aos trabalhadores exilados nos Estados
Unidos, José Martí se dirigia e reivindicava uma nova postura para a conquista de uma
suposta nova realidade social.

Do período em que José Martí ficou exilado nos Estados Unidos (1881-1895),
considera-se relevante o fato de ele ter presenciado os grandes acontecimentos político-
econômicos, em particular, o nascimento de um Partido Populista (1892). Esse Partido
tinha um caráter de reação às mudanças econômicas, sociais e políticas, provocadas pela

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formação do capitalismo industrial e a urbanização de cunho capitalista, que tiveram


relativa influência em sua concepção política.

A fase que se segue à Guerra Civil de Secessão (1861-1865) é de forte industrialização,


assim como de capitalização dos Estados Unidos, ameaçando o pequeno produtor
agrícola. E foi entre os pequenos e médios proprietários agrícolas que o movimento
reivindicativo populista irrompeu com força no cenário político norte-americano, com
forte apego aos valores tradicionais da classe proprietária rural.

Segundo Octávio Ianni (1975), os estudos sobre a formação do populismo têm-no


apontado como um fenômeno típico da passagem da sociedade tradicional, arcaica ou
rural, para a sociedade moderna, urbana ou industrial. Esse cenário constitutivo da
realidade do Sul agrário norte-americano apresenta-se, mesmo que de forma
embrionária, em Cuba e por algumas regiões pela América Latina.

As características do populismo norte-americano, em particular, são apresentadas


sinteticamente por Ianni (1975, p. 21):

O populismo norte-americano, por seu lado, apresenta características


peculiares, [...] se desenvolveu entre proprietários e trabalhadores
agrícolas, em fins do século XIX. Nessa época o setor capitalista da
economia agrária dos Estados Unidos passava por uma crise de
superprodução e, ao mesmo tempo, perdia importância relativa e
absoluta diante da indústria, do comércio e da finança. É verdade que
a ideologia desse populismo valorizava a terra, como a mais
importante fonte de riqueza e bem-estar social. E protestava contra os
‘parasitas’ e os ‘ladrões’ que controlavam o comércio, as finanças e o
aparelho do Estado, em prejuízo dos ‘verdadeiros produtores’.

É importante salientar que o movimento populista não atacava o sistema capitalista


como um todo. Suas principais proposições diziam respeito ao maior controle que o
Estado deveria exercer sobre o sistema econômico para, com isso, impedir a
concentração abusiva do capital.

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Nesse contexto, compreende-se a ação política de José Martí como central na


organização e articulação de um discurso e de uma prática social com forte teor
populista. Destaca-se, nesse sentido sua liderança no processo de formação de uma
aliança de classes no contexto de transição do capitalismo agrário para o capitalismo
industrial. Vale considerar, segundo Ianni (1975), que o populismo configura-se como
uma política de massas ou o movimento nacional popular que, diga-se de passagem, não
é coisa do passado e que tem permanecido crucial no presente.

Esse período nos Estados Unidos caracteriza-se por uma grande agitação política e é
decisivo na constituição das idéias de José Martí, expressas segundo a tradição dos
pensadores liberais progressistas, dos fisiocratas norte-americanos e do pragmatismo
educacional norte-americano (ROSSI, 1981, p. 147).

No contato com os fisiocratas americanos José Martí formulou suas idéias de


desenvolvimento econômico para Cuba, a partir das de transformações agrárias e por
meio da elaboração de um ideal de formação educacional. Nesse sentido, vale
considerar que essa transformação social só seria possível com a participação decisiva
dos investimentos capitalistas nesse setor produtivo.

O contato com essa perspectiva ocorreu inicialmente nas universidades espanholas, em


seu primeiro exílio (1871-1874), onde tomou conhecimento dos princípios da fisiocracia
francesa. O desenvolvimento posterior do seu pensamento confirma os postulados
fisiocratas de defesa da produção agrícola como base para as transformações
econômicas.

A partir de 1881, José Martí tem contato com os teóricos fisiocratas americanos, entre
eles, Henry George (1830-1897), o autor de Progreso y Miseria (1879), a quem rasgava
elogios comparando seus feitos na ciência da sociedade aos de Charles Darwin (1809-
1882) nas ciências naturais.

Henry George vino de California, y reimprimió sua libro “El Progreso


y la Pobreza”, que ha cundido por la cristiandad como una Biblia. Es
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aquel mismo amor del Nazareno, puesto en la lengua práctica de


nuestros días. En la obra, destinada a incurrir las causas de la pobreza
creciente a pesar de los adelantos humanos, predomina como idea
esencial la de que la tierra debe pertenecer a la Nación. De allí deriva
el libro todas las reformas necesarias (1975, v. 11, p. 145, grifo
nosso).

Em relação a essas reformas, José Martí entendia que sem um desenvolvimento agrário
não seria possível pleitear um desenvolvimento industrial, com base nas melhores
condições de progresso da época; entre outras questões, evidencia-se seu apelo à
integração da população camponesa à vida social moderna. José Martí considerava que
a teoria de Henry George sobre a renda da terra viria de encontro aos problemas de
Cuba. Com isso, se mostrava preocupado, antes de mais nada, em transformar a
realidade agrária, uma vez que tivesse obtido sua independência.

Ante o trabalho predominantemente agrícola, José Martí apontava para a tarefa de


ensinar ao homem do campo as novas técnicas de cultivo existentes, pois lamentava a
condição rudimentar em que se encontrava esse setor produtivo em Cuba. Suas
reflexões insinuavam a saída do plano das idéias para ação, convocando transformações
imediatas:

Surge de esto una necesidad inmediata: hay que introducir en nuestras


tierras los instrumentos nuevos; hay que enseñar a nuestros
agricultores los métodos probados con que en los mismos frutos
logran los de otros pueblos resultados pasmosos (MARTÍ, 1975, v. 8,
p. 275).

Desse modo, José Martí propunha a formação de professores que trabalhassem a serviço
da mudança de concepção de vida e de ideais da classe trabalhadora. Com essa
finalidade, chamava a atenção para a formação de professores ambulantes que pudessem
levar ao trabalhador do campo os novos conceitos e técnicas modernas de produção.

A grande massa da população em Cuba que vivia em condições econômicas e sociais


precárias, na sua grande maioria, analfabetos e ignorantes, era considerada por esses
setores como incapazes para a vivência de uma economia efetiva de mercado. Era vista

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como o resultado de um sistema de ensino inadequado, de uma educação elitista,


literária e teórica.

Todas essas mazelas sociais são por ele explicadas pela falta de escolas científicas e
práticas, causa direta do atraso cubano. Inferia-se daí a necessidade da formação comum
de um modelo de homem, já conhecido entre os países capitalistas desenvolvidos: o de
cidadão.

Contudo, há uma grande diferença entre os países ricos e os países pobres que precisa
ser considerada nessa questão. Aqueles alcançavam o patamar mais elevado da
sociabilidade capitalista, ou seja, realizavam a revolução burguesa. Estes – os países
pobres, no caso, Cuba – via-se impedida por suas relações de dependência e
subordinação, tanto da Espanha como já dos Estados Unidos, de realizar as
transformações burguesas. Desse modo, não é possível pensar a problemática da
educação sem levar em conta essas diferenças.

Sua posição política tomava como possível avanços sociais decorrentes de um processo
de transformações burguesas em Cuba, questão no mínimo problemática. A história da
formação de Cuba se deu, quase sempre, sob a égide da dependência e da subordinação.
E a incipiente classe proprietária da ilha, que deveria ser o carro-chefe deste processo,
em geral, se considerava satisfeita com a associação dependente e subordinada aos
interesses norte-americanos.

A construção da cidadania e a universalização da educação, como José Martí propunha,


são partes integrantes da revolução burguesa, mas que no contexto cubano nos parecia
um objetivo inatingível.

Nessa perspectiva, nossa proposta de estudo contemplará o último quarto do século XIX
procurando coadunar os acontecimentos históricos e os interesses populistas sobre
Cuba. Desse modo, objetiva-se compreender as perspectivas da teoria formativa de José

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Martí para Cuba que, segundo a nossa hipótese, contribuiria para a manutenção de uma
sociedade ainda mais desigual e periférica.

Referências

IANNI, O. O colapso do populismo no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1978.

LE RIVEREND, J. Historia Econômica de Cuba. Barcelona: Ediciones Ariel, 1972.

MARTÍ, J. Obras Completas. 27 vols. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias


Sociales, 1975.

________. Nossa América (antologia). Apresentação de Fernando Peixoto. Introdução


de Roberto Fernandez Retamar. São Paulo: Hucitec, 1983.

OLIVA, E. L. La iniciación masónica de José Martí. In: COLOQUIO “MARTÍ Y LA


MASONERÍA”, Encuentro Masónico Internacional celebrado en La Habana, 2003.

ROSSI, W. G. Pedagogia do trabalho: raízes da educação socialista. v. 1. São Paulo:


Editora Moraes, 1981.

SCOTT, Rebecca J. Emancipação escrava em Cuba: a transição para o trabalho livre,


1860-1899. Tradução de Maria Lúcia Lamounier. Rio de Janeiro: Paz e Terra;
Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1991.

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