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(Pierre Bordieu)
Num estado de coisas em que se vê o poder por toda parte, é necessário saber
descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente
ignorado.
O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível que só pode ser exercido
com a cumplicidade daqueles que não querem saber que estão sujeitos a ele ou
mesmo que o exercem.
1. Os “sistemas simbólicos” (arte, religião, língua) como estruturas
estruturantes
A tradição neo-kantiana trata os diferentes universos simbólicos – mito, língua,
arte, ciência – como instrumentos de conhecimento e de construção do mundo
dos objetos.
Durkheim lança os fundamentos de uma sociologia das formas simbólicas. Com
ele, as formas de classificação deixam de ser universais para se tornarem formas
sociais, quer dizer, arbitrárias (relativas a um grupo particular) e socialmente
determinadas.
Assim, a objetividade do sentido do mundo define-se pela concordância das
subjetividades estruturantes (senso = consenso).
2. Os “sistemas simbólicos” como estruturas estruturadas (passíveis de uma
análise estrutural)
A análise estrutural tem em vista isolar a estrutura inerente a cada produção
simbólica.
Primeira síntese
Os “sistemas simbólicos”, como instrumentos de conhecimento e de
comunicação, só poder exercer um poder estruturante porque são estruturados.
O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a
estabelecer uma ordem gnoseológica (epistemológica): o sentido imediato do
mundo supõe uma “concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da
causa, que torna possível a concordância entre as inteligências”.
O simbolismo tem uma autêntica função social e política. Os símbolos são
instrumentos por excelência da “integração social”: enquanto instrumentos de
conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o consenso acerca do
sentido do mundo social que contribui para a reprodução da ordem social.
3. As produções simbólicas como instrumentos de dominação
A tradição marxista privilegia as funções políticas dos sistemas simbólicos.
Essa corrente explica as produções simbólicas relacionando-as com os interesses
da classe dominante.
As ideologias são interesses particulares que tendem a se apresentar como
interesses universais.
A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante,
assegurando uma comunidade imediata entre todos os seus membros e
distinguindo-os das outras classes.
Contribui também para a integração fictícia da sociedade, ou seja, para a falsa
consciência das classes dominadas, como se elas estivessem pensando por si
mesmas.
E contribui para a legitimação da ordem estabelecida por meio do
estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas
distinções.
Esse efeito ideológico da cultura dominante dissimula (oculta as verdadeiras
intenções, disfarça, torna pouco perceptível) a função de divisão na função de
comunicação: a cultura que une (intermediário de comunicação) é também a
cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções,
compelindo todas as culturas a definirem-se pela sua distância em relação à
cultura dominante.
Segunda síntese
As relações de comunicação são relações de poder que dependem do poder
material ou simbólico acumulado pelos agentes envolvidos.
Sendo instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de
conhecimento, os sistemas simbólicos cumprem a sua função política de
instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem
para assegurar a dominação de uma classe sobre outra e para a “domesticação
dos dominados”.
As diferentes classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para
imporem a definição do mundo social que mais esteja de acordo com seus
interesses.
Elas podem conduzir essa luta diretamente, nos conflitos simbólicos da vida
cotidiana, ou por procuração, através da luta travada pelos especialistas da
produção simbólica e na qual está em jogo o monopólio da violência simbólica
legítima, ou seja, o poder de impor e de inculcar instrumentos de conhecimento
e de expressão arbitrários da realidade social.
O campo de produção simbólico é um palco da luta simbólica entre as classes.
A classe dominante tem em vista impor a legitimação da sua dominação por
meio da própria produção simbólica ou por intermédio dos ideólogos que
servem os interesses dos dominantes.
4. Os sistemas ideológicos que os especialistas produzem para a luta pelo
monopólio da produção ideológica legítima reproduzem sob forma
irreconhecível a estrutura do campo das classes sociais.
Os sistemas simbólicos distinguem-se conforme são produzidos e apropriados
pelo conjunto do grupo ou por um corpo de especialistas, ou ainda por um
campo de produção e de circulação autônomo, como a religião.
As ideologias devem a sua estrutura e as funções mais específicas às condições
sociais da sua produção e da sua circulação. Ou seja, devem sua estrutura às
funções que elas cumprem aos especialistas e aos não-especialistas.
As ideologias são sempre duplamente determinadas: pelos interesses das classes
que elas exprimem e pelos interesses daqueles que à produzem, os criadores.
A função propriamente ideológica do discurso dominante tende a impor a
compreensão da ordem estabelecida como natural (ortodoxia) por meio da
imposição mascarada (logo, ignorada como tal).
O efeito propriamente ideológico consiste precisamente na imposição de
sistemas de classificação políticos sob a aparência legítima de taxinomias
filosóficas, religiosas, jurídicas, etc.
Os sistemas simbólicos devem a sua força ao fato de as relações de força que
neles se exprimem só se manifestarem neles em forma irreconhecível de
relações de sentido (deslocação). Ou seja, os sistemas simbólicos são fortes
porque são expressos de forma velada, intrínseca, disfarçada, irreconhecível.
O poder simbólico é o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e
fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a
ação sobre o mundo. É um poder quase mágico que permite obter o equivalente
daquilo que é obtido pela força, graças ao efeito de mobilização.
O poder simbólico se define numa relação determinada entre os que exercem o
poder e os que lhe estão sujeitos, isto é, na própria estrutura do campo em que se
produz e se reproduz a crença.
O que faz o poder das palavras de ordem é a crença na legitimidade das palavras
e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das
palavras.
O poder simbólico é uma forma transformada, irreconhecível, transfigurada e
legitimada das outras formas de poder.
Só se pode manter um poder além do poder obtido através do monopólio da
força com o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de
eufemização) das relações de força, transformando-as em poder simbólico,
capaz de produzir efeitos reais sem o gasto aparente de força.