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O PODER SIMBÓLICO:

(Pierre Bordieu)

cap. I (p. 7-16), III (p.59-74), e VII (p. 163-208)

CAPÍTULO 1 – SOBRE O PODER SIMBÓLICO

 Num estado de coisas em que se vê o poder por toda parte, é necessário saber
descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente
ignorado.
 O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível que só pode ser exercido
com a cumplicidade daqueles que não querem saber que estão sujeitos a ele ou
mesmo que o exercem.
 1. Os “sistemas simbólicos” (arte, religião, língua) como estruturas
estruturantes
 A tradição neo-kantiana trata os diferentes universos simbólicos – mito, língua,
arte, ciência – como instrumentos de conhecimento e de construção do mundo
dos objetos.
 Durkheim lança os fundamentos de uma sociologia das formas simbólicas. Com
ele, as formas de classificação deixam de ser universais para se tornarem formas
sociais, quer dizer, arbitrárias (relativas a um grupo particular) e socialmente
determinadas.
 Assim, a objetividade do sentido do mundo define-se pela concordância das
subjetividades estruturantes (senso = consenso).
 2. Os “sistemas simbólicos” como estruturas estruturadas (passíveis de uma
análise estrutural)
 A análise estrutural tem em vista isolar a estrutura inerente a cada produção
simbólica.
 Primeira síntese
 Os “sistemas simbólicos”, como instrumentos de conhecimento e de
comunicação, só poder exercer um poder estruturante porque são estruturados.
 O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a
estabelecer uma ordem gnoseológica (epistemológica): o sentido imediato do
mundo supõe uma “concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da
causa, que torna possível a concordância entre as inteligências”.
 O simbolismo tem uma autêntica função social e política. Os símbolos são
instrumentos por excelência da “integração social”: enquanto instrumentos de
conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o consenso acerca do
sentido do mundo social que contribui para a reprodução da ordem social.
 3. As produções simbólicas como instrumentos de dominação
 A tradição marxista privilegia as funções políticas dos sistemas simbólicos.
 Essa corrente explica as produções simbólicas relacionando-as com os interesses
da classe dominante.
 As ideologias são interesses particulares que tendem a se apresentar como
interesses universais.
 A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante,
assegurando uma comunidade imediata entre todos os seus membros e
distinguindo-os das outras classes.
 Contribui também para a integração fictícia da sociedade, ou seja, para a falsa
consciência das classes dominadas, como se elas estivessem pensando por si
mesmas.
 E contribui para a legitimação da ordem estabelecida por meio do
estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas
distinções.
 Esse efeito ideológico da cultura dominante dissimula (oculta as verdadeiras
intenções, disfarça, torna pouco perceptível) a função de divisão na função de
comunicação: a cultura que une (intermediário de comunicação) é também a
cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções,
compelindo todas as culturas a definirem-se pela sua distância em relação à
cultura dominante.
 Segunda síntese
 As relações de comunicação são relações de poder que dependem do poder
material ou simbólico acumulado pelos agentes envolvidos.
 Sendo instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de
conhecimento, os sistemas simbólicos cumprem a sua função política de
instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem
para assegurar a dominação de uma classe sobre outra e para a “domesticação
dos dominados”.
 As diferentes classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para
imporem a definição do mundo social que mais esteja de acordo com seus
interesses.
 Elas podem conduzir essa luta diretamente, nos conflitos simbólicos da vida
cotidiana, ou por procuração, através da luta travada pelos especialistas da
produção simbólica e na qual está em jogo o monopólio da violência simbólica
legítima, ou seja, o poder de impor e de inculcar instrumentos de conhecimento
e de expressão arbitrários da realidade social.
 O campo de produção simbólico é um palco da luta simbólica entre as classes.
 A classe dominante tem em vista impor a legitimação da sua dominação por
meio da própria produção simbólica ou por intermédio dos ideólogos que
servem os interesses dos dominantes.
 4. Os sistemas ideológicos que os especialistas produzem para a luta pelo
monopólio da produção ideológica legítima reproduzem sob forma
irreconhecível a estrutura do campo das classes sociais.
 Os sistemas simbólicos distinguem-se conforme são produzidos e apropriados
pelo conjunto do grupo ou por um corpo de especialistas, ou ainda por um
campo de produção e de circulação autônomo, como a religião.
 As ideologias devem a sua estrutura e as funções mais específicas às condições
sociais da sua produção e da sua circulação. Ou seja, devem sua estrutura às
funções que elas cumprem aos especialistas e aos não-especialistas.
 As ideologias são sempre duplamente determinadas: pelos interesses das classes
que elas exprimem e pelos interesses daqueles que à produzem, os criadores.
 A função propriamente ideológica do discurso dominante tende a impor a
compreensão da ordem estabelecida como natural (ortodoxia) por meio da
imposição mascarada (logo, ignorada como tal).
 O efeito propriamente ideológico consiste precisamente na imposição de
sistemas de classificação políticos sob a aparência legítima de taxinomias
filosóficas, religiosas, jurídicas, etc.
 Os sistemas simbólicos devem a sua força ao fato de as relações de força que
neles se exprimem só se manifestarem neles em forma irreconhecível de
relações de sentido (deslocação). Ou seja, os sistemas simbólicos são fortes
porque são expressos de forma velada, intrínseca, disfarçada, irreconhecível.
 O poder simbólico é o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e
fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a
ação sobre o mundo. É um poder quase mágico que permite obter o equivalente
daquilo que é obtido pela força, graças ao efeito de mobilização.
 O poder simbólico se define numa relação determinada entre os que exercem o
poder e os que lhe estão sujeitos, isto é, na própria estrutura do campo em que se
produz e se reproduz a crença.
 O que faz o poder das palavras de ordem é a crença na legitimidade das palavras
e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das
palavras.
 O poder simbólico é uma forma transformada, irreconhecível, transfigurada e
legitimada das outras formas de poder.
 Só se pode manter um poder além do poder obtido através do monopólio da
força com o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de
eufemização) das relações de força, transformando-as em poder simbólico,
capaz de produzir efeitos reais sem o gasto aparente de força.

CAPÍTULO III – A GÊNESE DOS CONCEITOS DE HABITUS E DO CAMPO

 A teoria científica apresenta-se como um programa de percepção e de ação só


revelado no trabalho empírico em que se realiza.
 Fazer ciência é optar por dedicar mais tempo e mais esforços a pôr em ação os
conhecimentos teóricos adquiridos investindo-os em pesquisas novas.
 A noção de habitus exprime sobretudo a recusa a toda uma série de alternativas
nas quais a ciência social se encerrou.
 Essa noção permite romper com o paradigma estruturalista sem cair na velha
filosofia do sujeito ou da consciência.
RESENHAS

 A expressão “poder simbólico” foi cunhada para designar o que a tradição


marxista designava como “ideologia”, ou seja, o que se conhecia como a
correspondência entre a dominação e os antagonismos de classe e as produções
simbólicas de modo que, numa formação social determinada, as ideias
dominantes fossem as ideias das classes dominantes.
 Essa correspondência seria de tal ordem que as produções simbólicas seriam
como que um “reflexo” dos antagonismos firmados nas relações entre as classes.
 O conceito de violência simbólica refere-se às imposições culturais exercidas de
forma “legítima”, mas quase sempre invisível e dissimulada, ao apoiarem-
se em crenças e preconceitos coletivamente construídos e disseminados.
Esse conceito é utilizado por Bourdieu (2001) para explicar a contínua
reprodução de crenças dominantes no processo de socialização, pela qual
as classes que lideram economicamente acabam por impor sua cultura aos
segmentos menos privilegiados, levandoos a atribuírem valor a si mesmos
e ao mundo, mediante os critérios e padrões próprios do discurso
dominante.
 Como efeito da violência simbólica, por exemplo, indivíduos ligados aos grupos
de menor empoderamento podem vir a incorporar e legitimar o discurso de
marginalizados, impotentes, “burros”, incapazes, acomodando-se à realidade
social existente como se essa realidade fosse algo “natural”.
 O conceito de habitus
 O habitus configura-se como um sistema ímpar de disposições para a ação,
desenvolvido por cada um em virtude da posição que ocupa na estrutura social.
 O habitus é um “sistema de disposições socialmente construídas que, enquanto
estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e
unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo
de agentes”.
 O habitus inclui tanto as representações sobre si e sobre a realidade, como
também o sistema de práticas em que a pessoa se inclui, os valores e crenças que
veicula, suas aspirações, identificações, etc.
 O habitus opera na incorporação de disposições que levam o indivíduo a agir de
forma harmoniosa com o histórico de sua classe ou grupo social, e essas
disposições incorporadas se refletem nas práticas objetivadas do sujeito.
 O habitus é produto da atividade histórica socialmente constituída e portador de
experiências acumuladas no curso de trajetórias individuais na linha do tempo.
 O habitus pode ser visto como uma síntese dos estilos de vida e dos gostos pelos
quais apreciamos o mundo e nos comportamos nele.
 O habitus contribui para levar o indivíduo a dar mais crédito às oportunidades e
práticas sociais habituais comuns ao seu grupo do que àquelas incomuns,
diferentes ou inusitadas.
 Em muitos casos, as pessoas projetam sua vida à luz da estrutura e das
experiências que constituem o histórico do seu grupo social. Dessa forma, não
atentam para o fato de que as condições de existência não são meros fatos
naturais. Antes, são construções históricas, sociais e subjetivas: portanto,
construídas na coletividade.
 A ideia básica da noção de habitus estabelece que a incorporação progressiva
das práticas faz com que as ações percam a condição de práticas estruturadas e
comecem a parecer práticas naturais.
 O conceito de habitus indica uma capacidade criativa, inventiva, mas
diferentemente de Chomsky e sua gramática generativa, não pode ser atribuída
a uma natureza ou razão humana, e sim uma disposição incorporada, uma
espécie de sentido do jogo que não tem necessidade de raciocinar para se
orientar e se situar no espaço.
 Assim, o habitus seria uma pré-disposição quase que natural a agir de
determinada forma, que não obedece à razão, e sim a um senso prático com base
numa experiência coletiva do grupo social ao qual o indivíduo pertence.

 Conceito de campo
 Campo é um microcosmo social dotado de certa autonomia, com leis e regras
específicas, ao mesmo tempo em que é influenciado e relacionado a um espaço
social mais amplo.
 É um lugar de luta entre os agentes que o integram e que buscam manter ou
alcançar determinadas posições.
 Essas posições são obtidas pela disputa de capitais específicos, valorizados de
acordo com as características de cada campo. Os capitais são possuídos em
maior ou menor grau pelos agentes que compõem os campos, diferenças essas
responsáveis pelas posições hierárquicas que tais agentes ocupam.
 O campo também pressupõe confronto, tomada de posição, luta, tensão, poder,
já que todo campo é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou
transformar esse campo de forças.
 Os campos são formados por agentes, que podem ser indivíduos ou instituições,
os quais criam os espaços e os fazem existir pelas relações que aí se
estabelecem.
 No interior dos campos existem disputas por controle e legitimação dos bens
produzidos, assim como também são estabelecidas diferentes relações e
assumidas variadas posturas pelos agentes que os compõem.

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