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Curso Intensivo

Prática em Direito Sucessório

AULA 1
INTRODUÇÃO AO DIREITO SUCESSÓRIO

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO SUCESSÓRIO

1.1. Transmissão patrimonial

O direito sucessório busca regular a forma de transmissão de bens, direitos e


demais relações jurídicas de uma pessoa em razão de sua morte. Se há substituição do
sujeito por ato entre vivos, não há falar em direito sucessório, mas direito das
obrigações.
O direito sucessório, portanto, regula a transmissão causa mortis das relações
jurídicas patrimoniais. As relações jurídicas de caráter personalíssimo (ex.: imagem,
honra, estado de casado etc), assim como as obrigações de fazer personalíssimas (ex.:
direito ao recebimento de medicamento, cirurgia etc.), por outro lado, extinguem-se
com a morte do seu titular.
O direito de herança é um direito fundamental (art. 5º, XXX, da CF). Não
obstante, há certas relações jurídicas patrimoniais que não se sujeitarão à sucessão
causa mortis. São eles: a) direito autoral; b) usufruto, uso e habitação (art. 1.410, I, do
CC). Especificamente no tocante aos direitos autorais, a Lei nº 9.610/98 estabelece
regras próprias de transmissão causa mortis, até que a obra caia em domínio público.
Conforme mencionado, os direitos da personalidade se extinguem com a morte
da pessoa. Contudo, eventual pretensão patrimonial decorrente de violação aos direitos
da personalidade transfere-se aos sucessores do falecido. Nos termos do art. 12, caput,
do CC, “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei” Por sua vez,
o parágrafo único do referido dispositivo legal estabelece que “em se tratando de morto,

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terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente,
ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou importante súmula sobre
o tema, vejamos:

Súmula 642. O direito à indenização por danos morais transmite-se


com o falecimento do titular, possuindo os herdeiros da vítima
legitimidade ativa para ajuizar ou prosseguir a ação indenizatória.

1.2. Abertura da sucessão e o princípio da saisine

No momento da morte de uma pessoa abre-se a sucessão. A morte, portanto,


gera, imediata e automaticamente, a transferência do domínio e posse dos bens
deixados pelo de cujus, conforme art. 1.784 do CC.

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos


herdeiros legítimos e testamentários.

É por isso que os herdeiros, por exemplo, podem, em nome próprio, ajuizar
ação possessória ou reivindicatória. Também é a partir dessa ideia de transmissão
automática que surge o fenômeno da sucessio possessionis, conforme se infere dos arts.
1.206, 1.207 e 1.243 do CC

Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do


possuidor com os mesmos caracteres.
Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu
antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do
antecessor, para os efeitos legais.
Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido
pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus
antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas,
pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.

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1.3. Conta bancária conjunta

Ao celebrar um contrato de abertura de conta bancária conjunta, os contratantes


tornam-se cotitulares da conta e, consequentemente, das relações jurídicas dela
decorrentes. Logo, são cotitulares do ativo e do passivo da conta.
Como se trata de cotitularidade e há entre os correntistas uma relação de
solidariedade, caso um deles venha à óbito, o saldo existente na conta bancária deverá
ser divido igualitariamente em duas partes. Uma delas será do cotitular sobrevivo e a
outra metade integrará o espólio do cotitular que faleceu.
De igual forma, se houver saldo negativo, o espólio assumirá metade da dívida
dentro das forças da herança, sem prejuízo de a instituição financeira cobrar toda a
dívida do cotitular sobrevivo, em razão da solidariedade.
Trata-se de questão extremamente relevante para o direito sucessório,
especialmente porque é possível que essa cotitularidade seja entre o falecido e um dos
herdeiros. Nesse caso, o herdeiro não poderá requerer que as dívidas geradas pela conta
sejam integralmente pagas pelo espólio. Nesse caso, o herdeiro deverá, em nome
próprio, assumir metade da dívida, sendo que somente a outra metade será suportada
pelo espólio.

2. Herdeiros legítimos e herdeiros testamentários

Herdeiros legítimos são aqueles cuja legitimidade para suceder decorre de


previsão legal (ex.: descendentes do de cujus). Os herdeiros legítimos estão previstos no
art. 1.829 do CC. O art. 1790 do CC, que prevê a legitimidade do(a) companheiro(a) para
a sucessão, foi declarado inconstitucional pelo STF, devendo ser aplicado à união estável
e à união homoafetiva o art. 1.829 do CC.
Dentro da categoria herdeiros legítimos, é possível identificar duas subespécies:
herdeiros legítimos necessários e herdeiros legítimos não necessários (ou facultativos).

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 Herdeiros legítimos necessários: são aqueles que não podem ser excluídos
ou preteridos pelo autor da herança (de cujus). São herdeiros necessários:
a) os descendentes; b) os ascendentes; e c) o cônjuge/companheiro (art.
1.845 do CC). Havendo descendente, ascendente ou cônjuge/companheiro,
metade do patrimônio existente no momento da abertura da sucessão
(óbito) será destinado a eles, ainda que o autor da herança tenha deixado
testamento.
 Herdeiros legítimos não necessários (ou facultativos): são aqueles que
podem ser excluídos ou preteridos pelo autor da herança (de cujus). São
herdeiros legítimos facultativos os colaterais até o quarto grau (ex.: irmão,
primo, sobrinho tio etc.). Havendo apenas colaterais, o autor da herança
poderá, em vida, por testamento, destinar todo o seu patrimônio para
qualquer outra pessoa.

Herdeiros testamentários, por outro lado, são aqueles cuja legitimidade para
suceder decorre de expressa manifestação de vontade do autor da herança. O autor da
herança pode, por exemplo, deixar a determinada pessoa, apor meio de testamento,
uma parcela do seu patrimônio.

3. Legítima

A legítima é a parte do patrimônio deixado pelo de cujus que será destinada,


obrigatoriamente, aos herdeiros necessários, quais sejam: descendentes, ascendentes
e cônjuge/companheiro. É, portanto, uma parte do patrimônio deixado pelo falecido
que cabe, obrigatoriamente, aos herdeiros necessários. Trata-se de parte indisponível
do patrimônio.

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Nos termos do art. 1.846 do CC, “ pertence aos herdeiros necessários, de pleno
direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”. A legítima apresenta-
se como uma limitação à liberdade de transmissão de bens por testamento ou por
doação.

2.1. Cálculo da legítima

A operação é a seguinte: somatório dos bens existentes na data da abertura da


sucessão subtraídas as dívidas e despesas de funeral. O resultado deve ser dividido por
dois, sendo metade a parte disponível e a outra metade a legítima. À legítima deverão
ser acrescidos eventuais adiantamentos realizados em vida pelo autor da herança e
sujeitos à colação1.
Essa forma de se calcular a legítima decorre da combinação dos arts. 1.847 e
2.002 do CC, in verbis:

Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na


abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral,
adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do


ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir
o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de
sonegação.
Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos
será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

Vejamos um exemplo.
João faleceu e deixou três filhos: Maria, Roberto e Antônio. Deixou 03 (três)
imóveis, cada um no valor R$ 100.000,00 (cem mil reais). Não deixou cônjuge. Ocorre
que João, em vida, doou a seu filho Antônio 01 (um) veículo no valor de R$ 20.000,00

1
Colação é a apresentação dos bens recebidos pelos herdeiros necessários do de cujus a título de doação
(art. 544 do CC). Serve justamente como forma de evitar que, ao fim e ao cabo, um herdeiro necessário
receba parcela maior de patrimônio em relação a outro herdeiro necessário.

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(dez mil reais). João deixou ainda uma dívida no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais)
e as despesas com o funeral foram de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
O cálculo da legítima será o seguinte:

Bens Dívidas
R$ 130.000,00
Parte disponível
Imóvel 1:
R$ 30.000,00
R$ 100.000,00

Imóvel 2: Funeral:
Valor da herança:
R$ 260.000,00
2
R$ 130.000,00
R$ 100.000,00 R$ 10.000,00 +
R$ 20.000,00
Maria: R$ 50.000,00 =
Imóvel 3: Roberto: R$ 50.000,00 R$ 150.000,00
R$ 100.000,00 Antônio: R$ 50.000,00 - R$ Legítima
20.000,00 (antecipação da
legítima) = R$ 30.000,00

Como Antônio já recebeu um veículo a título de doação (adiantamento da


legítima), receberá, agora, da parte que corresponde à legítima, apenas a diferença, ou
seja, R$ 30.000,00 (R$ 50.000,00 – R$ 20.000,00).
A legítima, portanto, corresponde a 50% do patrimônio líquido mais os valores
correspondes à eventuais antecipações da legítima
Se o falecido deixou testamento, somente será transferido patrimônio aos
herdeiros testamentários até o limite da parte disponível (R$ 130.000,00). Caso as
disposições testamentárias ultrapassem a parte disponível, haverá a redução dos
bens/frações patrimoniais objeto do testamento, a fim de que seja observada a
legítima2.

2
Nos termos do art. 1.967, “as disposições que excederem a parte disponível reduzir-se-ão aos limites
dela, de conformidade com o disposto nos parágrafos seguintes”. O § 1º do referido artigo prevê que “em
se verificando excederem as disposições testamentárias a porção disponível, serão proporcionalmente
reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituídos, até onde baste, e, não bastando, também os
legados, na proporção do seu valor”. Por sua vez, o § 2º dispõe que “se o testador, prevenindo o caso,
dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros
quinhões ou legados, observando-se a seu respeito a ordem estabelecida no parágrafo antecedente”.

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Não havendo testamento, a parte disponível será distribuída igualitariamente


entre os herdeiros (R$ 130.000,00 ÷ 3 = R$ 43.333,33). No exemplo acima, considerando
a antecipação da legítima a Antônio, o cálculo será feito da seguinte forma:

a) Maria: R$ 50.000,00 (legítima) + R$ 43.333,33 (parte disponível) = R$


93.333,33;
b) Roberto: R$ 50.000,00 (legítima) + R$ 43.333,33 (parte disponível) = R$
93.333,33;
c) Antônio: R$ 30.000,00 (legítima) + R$ 43.333,33 (parte disponível) = R$
73.333,33.

Esse é o primeiro passo para atuar no direito sucessório. Poucos profissionais


calculam corretamente a legítima, e isso faz toda a diferença na prática, pois, caso a
legítima seja calculada de forma incorreta, haverá, certamente, prejuízo a algum
herdeiro.
Além disso, o cálculo da legítima é uma excelente forma de apresentar para os
herdeiros uma projeção do patrimônio líquido e da forma de distribuição da herança.

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