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McNamee
Resumo
A organização da saúde e suas práticas vêm se transformando ao longo do tempo articuladas aos movimentos
sociais e científicos, adquirindo diferentes significados conforme a época. Mais contemporaneamente, o conceito de
autonomia, entendido como princípio da liberdade de escolha, tem sido privilegiado neste contexto. Trata-se de um
artigo de revisão e estudo crítico da literatura, problematizando o caráter individualista deste conceito e sua
repercussão nas práticas de saúde. A Responsabilidade Relacional (RR) é apresentada como recurso mais
consonante com as premissas do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente da Atenção Primária à Saúde
(APS). A RR versa sobre o processo de se relacionar, propondo uma definição mais dialógica das práticas de saúde.
Assim, favorece a aproximação e vínculo entre os atores sociais envolvidos, gerando caminhos para o
comprometimento e co-responsabilização. Há possibilidade de uma autonomia menos individualista e mais
relacional e responsável.
Palavras-chave: autonomia; responsabilidade relacional; construcionismo social; atenção primária à saúde; Sistema
Único de Saúde.
Abstract
Healthcare practices and their organization have changed along the years, in articulation with social and scientific
movements, acquiring separate meanings throughout history. Nowadays, the concept of autonomy, understood as
the principle of freedom of choice, has been privileged in this context. This study addresses the individualistic
character and use of that concept in the healthcare context. Relational Responsibility (RR) is presented as a coherent
resource to the premises of the Unified Health Care in Brazil, especially in Primary Health Care. RR concerns
relational processes, taken within a dialogical approach toward healthcare practices, allowing practitioners to
promote proximity and bonding among social actors involved, creating paths for compromise and co-responsibility.
Hence the possibility of a less individualistic and more relational and responsible concept of autonomy.
Keywords: autonomy; relational responsibility; social constructionism; primary healthcare; Unified Healthcare System
(Brazil).
da história em que predominava a magia e o mito função do médico seria a reparação de algum
na produção de sentidos e de conhecimento sobre enguiço nesta máquina (Capra, 1982). Dentro deste
as coisas. O poder de dar sentido a esses sistemas raciocínio, passa a ser responsabilidade do médico
estava basicamente vinculado à instituição religiosa. o futuro do doente, tornando-se o paciente seu
Fé e razão eram inseparáveis e a validação dos objeto de estudo e intervenção.
fatos como algo verdadeiro não exigia Por muito tempo este foi o modo de
comprovação, percorrendo gerações sem que funcionamento das pesquisas e das práticas na
alguém questionasse ou exigisse uma prova de saúde, contudo alguns autores passam a discutir e
validade (Shawer, 2005). problematizar o poder delegado às ciências, o
O Iluminismo foi o marco de transição do estatuto de verdade que esta clama para si,
início da modernidade. Fé e razão passam a ter apontando algumas conseqüências desastrosas
conotações completamente diferentes. A razão deste poder (Sevcenko, 1995).
humana foi definitivamente instituída como Assim, depois de um longo período de
desveladora dos mistérios do mundo, rejeitando ascensão e poder inquestionável da ciência
assim as tradições como símbolo legítimo do moderna, estudos voltam a trazer dúvidas e
compromisso para com a verdade e tendo a ciência questionamentos sobre tais verdades universais.
como sua principal aliada. A saúde, neste bojo, também passa a ser
Através do uso da razão, o Homem tornou-se questionada, apresentando-se dispendiosa demais
livre dos desígnios metafísicos e passou a ser dono com a adoção das tecnologias modernas de alta
de si e das ciências. Temos assim, o nascimento do densidade e ao mesmo tempo muito pouco
indivíduo racional, do modernismo e da humanizada (Mendes, 1996; Merhy, 2000; Mattos,
sustentação da ciência moderna. (Sturken & 2001; Brasil, 2006, 2006a).
Cartwright, 2001) Uma crise internacional se abate neste campo
No campo da saúde, o processo saúde/doença, que vai se desdobrando em diversas dimensões. As
marcado por um caráter mágico/religioso, com principais dimensões dizem 1) da ineficácia e
conotações de castigo, punição, ou mesmo ineficiência presentes pelo incremento dos gastos
purificação e entrelaçado à vontade divina, passa a com a saúde aliada a irracionalidade na alocação
ser produto humano e por isso passível de dos recursos e ao baixo impacto nos padrões
investigação científica. A ciência moderna sanitários da população; 2) da iniqüidade,
transforma o indivíduo num corpo biológico, caracterizada pela disponibilidade da atenção
constituído por órgãos e sistemas, numa médica variando inversamente às necessidades da
perspectiva de máquina funcional, tornando este população e; 3) da satisfação, havendo um
corpo objeto de estudo e investigação. As questões generalizado descontentamento popular em relação
de saúde/doença vão ser agora analisadas por um aos recursos dependidos com a saúde, não
método científico e, posteriormente categorizadas, havendo correspondência entre a satisfação dos
perdendo seu caráter místico e adquirindo a usuários e os gastos per capta em saúde (Mendes,
qualidade do mundo natural (Capra, 1982; Scliar, 1996).
1996). Com esta crise, diversos movimentos passam a
O modelo vigente de atenção à saúde passa defender uma atenção em saúde mais integral e
então a ser o biomédico, centrado no corpo humanitária, considerando a amplitude de seus
biológico, que trocou a cura pela fé por determinantes sociais. Também devido à crise
procedimentos científicos. O furor decorrente das capitalista internacional pós-segunda guerra
rápidas mudanças tecnológicas também foi mundial, há uma tendência de reorientação dos
contribuindo na alteração da visão de Homem na modelos assistenciais em saúde buscando menores
saúde. A enfermidade passa a ser vista como gastos junto a este movimento de humanização.
disfunção, ou seja, decorrente da alteração de Nessa perspectiva, a trigésima Assembléia
alguma estrutura anatômica ou fisiológica. O Mundial de Saúde apresentou a meta social do que
Homem foi transformado então em uma máquina, ficou conhecido como “Saúde para todos no ano
sendo os órgãos suas peças componentes. A 2000”. Essa consigna trouxe o desafio da conquista
estabelece entre profissional de saúde/paciente, a Nesse sentido, a verdade não está em um lugar ou
culpabilização acaba sendo dirigida ao paciente, outro, mas nas relações que se estabelecem. Assim,
sendo muitas vezes considerado negligente ou a busca pela mudança passa a focar essas relações e
mesmo ignorante (Camargo-Borges & Japur, não na transferência de saber e poder de um
2008). indivíduo para outro.
Uma outra implicação importante que decorre Dentro das abordagens pós-modernas, numa
deste entendimento individualista é o perspectiva mais dialógica, temos um discurso, o
descomprometimento ético social, pois ao construcionismo social, que também tem
convergir toda a responsabilidade de um evento contribuído com novos entendimentos teórico-
para um indivíduo, acaba ocorrendo um práticos na produção do conhecimento.
empobrecimento analítico dos acontecimentos no Compartilhando de uma teoria relacional do
mundo, desconsiderando outros fatores implicados significado (Gergen, 1997) o construcionismo
que poderiam ser relevantes para a apreciação de social traz como premissa o significado produzido
uma questão analisada. Voltando ao exemplo da na interação entre as pessoas e não por uma mente
não adesão a um tratamento, outros fatores que individual. É o que as pessoas fazem juntas que
poderiam ser analisados, como o processo de viabiliza a existência de determinadas linhas de
trabalho em saúde adotado, a relação estabelecida ação e interpretação. O potencial de significação
entre equipe de saúde-usuário, o contexto da está no relacionamento e na forma como as
intervenção, e mesmo o vínculo com o profissional pessoas enunciam e suplementam suas conversas,
e o serviço, que poderiam contribuir para coordenando suas ações.
complexificar o entendimento da questão, ficam Desta forma os sentidos de uma ação estão
limitados à culpabilização do paciente. sempre referidos, em última instância às relações
O foco no indivíduo, que inicialmente teve que se sustentam em uma sociedade. À medida que
caráter emancipador e libertador acabou por deixá- se compartilha determinada descrição de mundo,
lo subjugado novamente a algo (ciências) e a gera-se possibilidade de ação e consequentemente
alguém (especialistas). de realidade.
Tratando-se, de uma teoria relacional, o
A pós-modernidade e os novos discursos na construcionismo social toma com objeto central de
saúde investigação o que acontece entre as pessoas nos
Vários movimentos têm revisto e seus encontros, como constroem e organizam suas
problematizado a tradição individualista e suas vidas, buscando compreender como se dá suas
implicações, propondo outras formas de realidades nas relações. Ocupa-se, portanto, do
compreensão da produção do conhecimento (Burr, processo interativo à medida que este vai
2003; Sampson, 1993; Guanaes, 2006; Rasera, acontecendo, não se propondo a um repertório de
2004, Camargo-Borges, 2007). Estes movimentos técnicas específicas e métodos estabelecidos a-
têm sido reconhecidos como pós-modernos, numa priori para uma intervenção mais eficaz
crítica à epistemologia moderna. (McNamee, 2001).
Os teóricos, nessa problematização, passam a O modelo biomédico, neste contexto de crises
por em xeque o paradigma moderno, rompendo e transformações, passa também a ser questionado.
com a dicotomia sujeito-objeto e apontando para a Muitos autores assinalam seu limite no cuidado
impossibilidade de um discurso monovocálico do com a saúde, apontando determinantes sociais no
conhecimento e da verdade. Na perspectiva pós- processo saúde/doença. Assim, há um
moderna, a verdade passa a ser tratada como entendimento mais complexo do ser humano,
produto de contextos históricos, construída e sendo este compreendido numa inter-relação com
negociada entre as pessoas em suas relações as coisas a sua volta e nas suas relações, levando-se
(Grandesso, 2000). em conta a diversidade de saberes que interferem
Nesta perspectiva, questões como a ciência, o na saúde/doença. O processo saúde/doença
poder e o indivíduo são tratados dentro de uma desloca então o indivíduo como centro das
outra lógica, mais localizada, histórica e contextual. disfunções para agora ser compreendido mais
integralmente, ou seja, inserido numa unidade processos micro-sociais das relações, investindo-as
familiar, social, cultural, histórica e também de poder criador e transformativo.
econômica. Há então um movimento de Num movimento de questionamento da mente
reorientação na saúde, que se transpõe de uma individual como produtora da linguagem e do
abordagem individualista para outra mais relacional entendimento, a linguagem aqui é tomada se
(Capra, 1982). constituindo e sendo constituinte de práticas
sociais. Assim, há uma ênfase nesses processos
Responsabilidade Relacional: a autonomia na relacionais como geradores e legitimadores das
perspectiva pós moderna construções de todas as atividades humanas (Spink,
Como visto, as questões de saúde vêem sendo 1999). Este entendimento problematiza a
problematizadas em seu modelo tradicional e têm responsabilidade individual que, por promover
sido tratadas como uma complexidade de divisórias bem delimitadas de moralidade,
determinantes que podem favorecer ou impedir justificadas por uma racionalidade objetiva, em que
um estado saudável. Assim, a ênfase dada indica a as pessoas são localizadas estando de um lado ou
elaboração de propostas menos “tecnificadas” de de outro nas argumentações, acaba por gerar
trabalho, que valorizem uma diversidade de saberes antagonismos e polaridades, dificultando assim a
e que privilegiem maior proximidade com a polissemia, a negociação e mesmomuitas vezes, a
comunidade a se intervir. Nesta perspectiva, a inclusão social (Gergen, 1999).
autonomia em sua forma tradicionalmente A RR também problematiza a responsabilidade
entendida e aplicada na saúde, deve ser individual, podendo ser versada tanto sob o
problematizada. aspecto teórico/epistemológico como sob o
Apresentaremos aqui o conceito da entendimento de ser uma ferramenta/recurso
Responsabilidade Relacional (McNamee & Gergen interventivo (McNamee & Gergen, 1999).
1999), também compreendida como O aspecto teórico/epistemológico da RR, trata
recurso/ferramenta de intervenção, para uma do processo de produção de conhecimento, sendo
reflexão acerca da autonomia. A Responsabilidade tomado como dialógico e relacional. Nesta
Relacional (RR) é um conceito que trata do concepção teórica, qualquer conhecimento e ação
processo de se relacionar. Enfatiza o papel da passam necessariamente por um processo de
dialogia na construção de tudo o que participamos, construção interativa. Deste modo, se toda
fortalecendo a sensibilidade relacional no processo possibilidade de sentido se dá a partir da
de construção social das relações, chamando construção conjunta nas interações, então há uma
atenção para a realidade circunscrita e situada. responsabilidade coletiva por esta construção e não
Também é um recurso que dá forma e individual. É por isso que somos implicados e
sustentação ao sócio construcionismo como uma relacionalmente responsáveis em todos nossos
teoria relacional. Compartilhando das mesmas atos, pois eles só se sustentam no conjunto das
premissas, a RR sustenta o conceito de dialogismo1 relações a que pertencemos.
a que o sócio construcionismo embraça, num A RR apresenta também um aspecto
esforço de trazê-lo para a prática cotidiana das interventivo, uma vez que se constitui um recurso
relações, atentando-se para o processo de se para a promoção do diálogo transformativo.
relacionar. Enfatiza o pressuposto central deste Entendendo que somos seres relacionalmente
discurso: a linguagem significativa gerada dentro construídos, a proposta é que se invista nesta
dos processos relacionais. Foca-se nas interações condição humana construindo intervenções mais
como construtoras de sentidos e de moralidade, sensíveis às relações, apostando nas aproximações
tendo em seu argumento central a construção nas interações, num processo de sensibilização
relacional do significado. Assim, centra-se nos para uma comunicação mais colaborativa,
1. Segundo Sampson (1993) dialogismo é um conceito que trata dos
contextual e responsável, gerando interações
processos conversacionais, da qualidade conversacional da natureza menos polarizadas e hierarquizadas.
humana. Para o autor, estes processos que ocorrem entre as pessoas Com isso, torna-se sustentável um processo
nas suas relações geram profunda implicação a tudo que somos e
fazemos.
comunicativo que não seja baseado em
postura em que não há pressa em saber (“not too atentas à coordenação das ações entre os atores
quick to know”) o que o outro está exatamente sociais envolvidos.
dizendo. Não ter pressa em categorizar, significa É importante dizer que, nesta perspectiva de
estar mais atento à lógica do outro, à sua vivência, intervenção, não se objetiva em momento algum
ampliando o entendimento das situações e assim a pôr em cheque a especialidade do profissional, seu
relação de cuidado a ser estabelecida. saber, ao mesmo tempo em que não se põe em
A postura de colaboração (Anderson & Goolishian, cheque o saber da comunidade. Também não há
1998), semelhante à postura do não saber, é uma um objetivo de promover consensos sobre
postura de dirigir maior atenção à lógica do outro, entendimentos. Ao contrário, a proposta é criar
propiciando a construção de outros entendimentos um ambiente em que tanto profissional quanto
possíveis. Esta postura diz de momentos em que o usuário possam continuar permanentemente em
usuário é tratado como um especialista de sua diálogo, buscando alternativas para lidar com as
própria vida por ser ele quem a vive, enquanto que mais diversas questões de saúde, criando ações
o profissional se torna um arquiteto do diálogo, coordenadas de intervenção, mesmo partilhando
contribuindo para construção da conversa, diferentes opiniões.
tomando o usuário como participante ativo nesta Quais as implicações éticas, políticas e práticas
produção. ao abraçar a perspectiva da RR como construtora
A postura de curiosidade (Cecchin, 1998) fala do de realidades e de práticas mais colaborativas na
estabelecimento de um interesse genuíno e de um saúde?
envolvimento nas histórias contadas pelos Este entendimento, de que as pessoas estão
participantes. A curiosidade sobre uma história relacionalmente responsáveis por seus atos,
permite explorar mais seu acontecimento e redireciona toda a forma de compreensão do
interpretação, ampliando a possibilidade de mundo, expandindo o domínio da prática
entendimentos e de vislumbre de outras faces da discursiva e relacional e assim inserindo novas
mesma questão. formas de análise da vida social.
A ênfase no processo comunicacional (Efran & Promovendo tal inteligibilidade, estes recursos
Clarfield, 1998) trata de uma postura que valoriza a apresentados podem ser apropriados pelos
atividade interativa comunicacional ao invés de trabalhadores de saúde em suas mais diversas
somente focar no conteúdo discutido. Permite que ações, estando mais atentos ao processo de se
a dimensão relacional se desenvolva mais do que a relacionar. Assim, eticamente se estabelece uma
preocupação em direcionar a conversa de acordo relação mais próxima e respeitosa entre os atores
com que o profissional considera “tecnicamente sociais envolvidos. Politicamente, se incrementa a
correto”. possibilidade de transformação do modelo
E por último, a introdução da diferença e da assistencial em saúde segundo a lógica proposta
proposição de novas formas de descrição dos eventos pelo SUS e na prática, ações podem ser
(Fruggeri, 1998) é uma postura que incentiva a organizadas em maior consonância entre as
diversidade, estimulando diferentes histórias e necessidades de saúde da comunidade e o projeto
permitindo a negociação entre os participantes, a de uma equipe.
desconstrução e reconstrução de conceitos em Segundo McNamee (2001) esta mudança de
uma conversa. foco da RR, altera posturas e discursos gerando
A adoção dessas posturas mais relacionais num outros tipos de realidade e de conseqüências. As
processo conversacional pode ser apropriada na questões descritas em termos relacionais deixam de
saúde de uma maneira geral. Levando-se em conta, ser tomadas como produções únicas de uma
especificamente, as premissas da APS, que visam pessoa, passando a ser entendidas como
maior interlocução entre trabalhadores de saúde e construídas no intercâmbio destas em relação.
comunidade para uma construção mais contextual Desta forma, fracasso, sucesso, problemas e
e co-responsável da atenção à saúde, estas dificuldades não estão localizados em um
ferramentas podem ser adequadas para indivíduo, mas num imbricado processo de
conformação de práticas mais colaborativas e mais coordenação entre as pessoas. Isto possibilita
transformar a compreensão do indivíduo como aproximação entre os atores sociais, mas também
fonte do que é bom ou mal na sociedade, passando e, principalmente, pelo que se produz nesta
a enxergar as situações como conjuntamente interação.
criadas, instituindo assim um diferente espaço Neste raciocínio, a autonomia pode ter seu
conversacional. Esta forma diferenciada de significado redefinido, rompendo com a cultura
compreensão da realidade, segundo a autora , evita individualista do indivíduo autocontido e
a tradicional culpabilização individual, revitalizando ascendendo à Responsabilidade Relacional. A
o sentido de comunidade, de relevância social e partir do foco na interação entre profissional de
cultural. saúde e usuário, incentivando-se posturas
Transpor o conceito de RR para as práticas de relacionalmente responsáveis, possibilita-se a
saúde possibilita uma análise mais relacional da geração do vínculo, da confiança e da construção
situação da saúde local e de como os atores de um projeto terapêutico comum. Tais narrativas
envolvidos estão implicados nessa realidade. facilitam o engajamento promovendo a sensação
Possibilita pensar decisões tomadas conjuntamente de auto-agenciamento, ou seja, implicando-se na
(coordenação da atenção) construindo um trabalho situação vivida, tanto usuário como profissional
que surja das necessidades coletivas em que todos negociam e apropriam-se do que lhes cabe em
se responsabilizem pelo desenvolvimento e pelas relação ao cuidado e autocuidado, envolvendo-se
conseqüências deste trabalho. na construção de um entendimento e uma ação
Este tipo de prática tem seu foco primordial na mais integral, coerente e participativa.
relação, no “nós”, no que as pessoas fazem juntas, As questões a serem perguntadas passam então
promovendo maior comprometimento, a ser outras, assim como a forma de lidar com elas.
responsividade, inclusão, envolvimento e pertença Ao invés das perguntas como: Qual é a parte
no processo conversacional, gerando assim um negligente quando um tratamento não é bem sucedido? ou
respeito maior pela relação e um cuidado na sua Quem é o culpado? ou Quem precisa de intervenção? As
preservação. perguntas passam a ser: O que nessa relação tem
A Responsabilidade Relacional, portanto, pode dificultado a adesão a um tratamento? ou Como temos
ser um entendimento não somente conceitual, contribuímos para a manutenção desta situação? ou ainda
potente para o propósito democrático da saúde - Como poderíamos fazer diferente?
apontando responsabilidade coletiva nas ações - Desta forma, é possível pensarmos numa
como também pode ser uma oferta prática de autonomia responsável ou numa autonomia
intervenção para o diálogo, em que os profissionais relacional, ou seja, a interação gerando vínculos e
possam criar intervenções mais responsivas, sendo pertencimento.que permita ao usuário ter as rédeas
mais atentos na produção coletiva de sentido e de de sua vida em suas escolhas.
vínculos. Seria a valorização dos mais diversos A proposta da Responsabilidade Relacional
saberes, considerando-os resultado de um processo enquanto um recurso interventivo, trata-se da
social de múltiplas autorias, portanto podendo busca desta autonomia responsável em que a
compor um quadro mais amplo e não diversidade possa ser reconhecida e legitimada,
estabelecendo uma relação de oposição entre eles. estabelecendo uma relação que gere caminhos
As implicações sobre o processo de trabalho possíveis de comprometimento e co-
em saúde a partir desta perspectiva apontam para a responsabilização de todos os atores sociais
possibilidade de construções interventivas que envolvidos.
reconheçam e valorizem a participação tanto do
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Recebido em 28/06/2007
Aceite final em 01/07/2008