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A FORÇA PROBANTE DOS INDÍCIOS

*Arnaldo Siqueira de Lima

Não raras as vezes que o indício é confundido com a presunção. Autores


renomados tratam um pelo outro, e, ainda, algumas vezes como se fossem a
mesma coisa. Nicola Dei Malatesta, em sua primorosa obra, ‘‘A Lógica das Provas
em Matéria Criminal’’, Bookseller, 1996, p. 195, critica, com veemência, os
seguidores dessa teoria: ‘‘Os próprios defensores desta corrente, já o dissemos,
quando em face de algumas presunções verdadeiras, não sabem adaptar-se a
chamá-las indícios; (...) A opinião de identidade entre presunção e indício não se
funda, pois, em nenhuma convicção lógica e deve, por isso, ser rejeitada.’’

Realmente, não se pode confundir presunção com indício, pois este é prova
elencada no Título VII do Código de Processo Penal pátrio, art. 239, vazado nos
seguintes termos: ‘‘Considera-se indício a circunstância conhecida e provada que,
tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra
ou outras circunstâncias.’’ Aquela, ao seu turno, não foi recepcionada pelo
legislador como prova, em que pese, na prática, ser de vital importância na
persecução penal, em homenagem ao princípio da verdade real, adotado pela
legislação processual em vigor.

São inúmeras as vezes que nascem as provas de meras presunções e


conjecturas, como, por exemplo, a busca domiciliar que leva à arma do crime
oriunda da presunção de que o dono da casa, sendo inimigo da vítima, poderia
ter-lhe tirado a vida, mas nem por isso podem elas ser chamadas de indícios.
Estes não podem nascer do nada, devem ser originários de circunstâncias
conhecidas e provadas, como bem diz o texto legal. O autor decerto esteve no
local do delito, mas não basta esta circunstância, deve haver a prova de fato de
que ele esteve lá, como por exemplo, o testemunho de alguém que o viu saindo
logo após seu cometimento, ou, ainda, a colheita de suas impressões digitais no
local do crime.

Mas qual é o poder efetivo de convencimento dos indícios? Depende, como todas
as outras provas, do conjunto probante analisado, vez que nosso direito, adotando
o princípio do livre convencimento, não hierarquizou o valor de nenhuma prova,
como traz certo a exposição de motivos do CPP em vigor: ‘‘Todas as provas são
relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente
maior prestígio que outra.’’ Nesse diapasão, mesmo as provas diretas e plenas
são analisadas no conjunto, e não se sobrepõem às outras.

Uma coisa é certa, mesmo com o argumento esposado na exposição de motivos


supracitada, a prova indiciária pode influir no convencimento do magistrado, o que
tange à autoria do fato, mas não pode ter a mesma força com referência à
materialidade. É o que se observa no art. 312 do CPP, que trata dos requisitos
para o decreto da prisão preventiva: ‘‘...prova da existência do crime e indícios
suficientes de autoria.’’ Veja que o legislador ao tratar do assunto diferenciou
provas de indícios para o decreto da constrição cautelar, senão poderia ter dito:
provas da existência do crime e da autoria, ou ainda, indícios suficientes da
autoria e do crime.

Não quis o legislador ordinário permitir que a materialidade fosse provada por
silogismo, ao contrário da autoria que pode sê-la, desde que forte o suficiente a
convencer o julgador. Se o quisesse, não falaria no mesmo texto em provas e
indícios. Não cabe aí a interpretação extensiva, porquanto tratar-se de norma que
restringe a liberdade, mesmo cônscio de que, para o decreto de prisão preventiva,
caso exista dúvida, a decisão milita em favor da sociedade. Todavia, extrai-se do
texto que, com referência à materialidade, não pode haver dúvida, é necessário
‘‘prova da existência do crime’’.

Não poderia ser diferente.

Imagine alguém que desaparece quando estava em companhia de outrem, que


sabidamente tinha razões para dar cabo de sua vida. O sumiço por si só, sem a
localização do corpo e sem testemunhas do assassinato, não autoriza a conclusão
de que o desaparecido tenha sido morto e que aquele que o acompanhava seja o
autor do homicídio. Até porque, numa hipótese como esta, poderia haver uma
simulação para beneficiar alguém ou a eles próprios. Fator este que torna real a
importância de se ter prova indiscutível da existência do crime. Preocupação que
teve o legislador de 1941 e que é encampada pela jurisprudência, o que dificulta,
se não torna impossível, a condenação de alguém por crime de homicídio sem
que o cadáver seja encontrado, mesmo havendo indícios veementes de ter o
suspeito matado, e a doutrina vislumbrar a possibilidade de condenação de
alguém por crime de morte sem localização de cadáver, apresentando o exemplo
tão repetido do sujeito que mata em alto-mar e atira o corpo aos tubarões, entre
outros.

Mesmo nessa hipótese, há que haver o exame de corpo delito, via indireta. Ou
seja, deve ter presenciado o crime, pelo menos, uma testemunha. Não suprindo a
falta de testemunho a confissão do autor, no preceito do art. 158 do CPP:
‘‘Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de
delito, direto ou indireto, não podendo supri-la a confissão do acusado.’’ (Atente-se
para o fato de que a confissão é prova no nosso direito, e mesmo assim não
serve, isoladamente, como prova de materialidade, dada a preocupação da
certeza absoluta quanto à existência do delito).

É possível concluir que o indício, verdadeiramente, é prova indireta, pois exige


raciocínio e interpretação para ligar a circunstância observada ao fato probante;
que tendo o legislador abandonado o sistema da certeza legal, pode ele dar base
a uma condenação caso seja verossímil a ponto de convencer o julgador da
autoria do fato. Entretanto, o mesmo raciocínio não pode ser levado no sentido da
materialidade, posto que o mesmo legislador ao se referir a corpo de delito deu um
plus. Como visto no caso da prisão preventiva, onde difere prova de indício e no
exame nas infrações que deixam vestígios, recusando a prova indireta da
confissão.

*Arnaldo Siqueira de Lima - Delegado de Polícia Civil (PCDF) e Professor da


Universidade Católica de Brasília (Extraído do site do jornal Correio Braziliense)

Fonte: http://www.neofito.com.br/artigos/art01/penal83.htm

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