Você está na página 1de 10

A Indústria Extractiva portuguesa.

Breve análise da situação actual - Intervenção de


Carlos Calado
Segunda, 18 Junho 2007

A Indústria Extractiva (IE) portuguesa. Breve análise da situação actual.

Carlos Calado

De acordo com estatísticas disponibilizadas recentemente pela Divisão de Estatística da DG de Geologia e


Energia (Ministério da Economia e Inovação), através do seu web site[i] o valor de produção da IE portuguesa
em 2005 foi de 1,096 biliões de euros. E quanto a emprego, de acordo com dados tornados públicos em
2005[ii], em 2004 o sector IE representava 10.624 posto de trabalho, onde 82% eram "operários e
encarregados".

Em termos de Comércio Externo, aquela mesma fonte de 2005 mostra que no ano de 2004 o valor total das
exportações foi de 384,406 milhões de euros, contra 415,466 milhões de euros de importações, ou seja,
importámos mais do que exportámos. O valor das importações não inclui petróleo e derivados, mas inclui o
carvão (hulha e antracite), combustível fundamental para algumas termo-eléctricas nacionais. Representa cerca
de 61% do valor total das matérias importadas. Mas se abstrairmos das importações o carvão, chega-se a uma
conclusão interessante: no que respeita a substâncias minerais, Portugal exporta mais do dobro do que aquilo
que importa. Falamos de valores, não de quantidades.

Vale a pena fazer alguma discriminação no que respeita à exportação: o subsector das "Rochas Ornamentais"
(por exemplo, os mármores, os granitos ornamentais e ardósias), foi o que mais contribuiu para as receitas de
exportação (54%), a que se seguiu o dos "Minérios Metálicos" (cerca de 44%). Neste último grupo sobressai a
exportação de concentrados de cobre, com 162,763 milhões de euros, valor que corresponde a 97% dos
metálicos, e a 42,3% do total da IE. Para esta exportação foi determinante a mina de Neves-Corvo, no Baixo
Alentejo. Mas os dados relativos à exportação no primeiro semestre de 2006[iii] revelam mudanças de posição
na hierarquia dos subsectores, que a manterem-se é sinal de uma tendência: em termos de valor, o subsector
"Minérios metálicos" passou a representar a maior facturação (180, 68 milhões de euros), e o das "Rochas
Ornamentais" a segunda posição (120,87 milhões de euros). Parece ser já um efeito do crescimento quase
exponencial que se faz sentir nas cotações internacionais da maioria dos metálicos, designadamente do cobre e
do tungsténio.

Perguntar-se-á: que significam estes valores no contexto da economia nacional? Se considerarmos os últimos
anos, e não apenas o ano de 2004, a IE tem representado cerca de 1% do PIB nacional, nuns anos algo mais,
noutros algo menos; mas se nos limitarmos ao sector "Indústria" já representa cerca de 3,3%. Por estes
números dir-se-ia que a IE tem pouco significado na economia portuguesa, mas assim não é, como
procuraremos demonstrar.

A IE tem características muito particulares, distintas de outras actividades económicas, que devemos ter
presente quando se pretende fazer uma análise crítica: é um sector que está totalmente dependente de
unidades de indústrias transformadoras posicionadas a jusante, estejam as unidades no país em causa, ou
estejam no estrangeiro. E, salvo poucos casos a que nos referiremos mais adiante, são recursos não
renováveis, portanto finitos, o que faz com que as explorações tenham, por vezes, tempos de vida relativamente
curtos.

Por outro lado, sobretudo no que respeita a certas substâncias, por exemplo minerais metálicos, a exploração
dos jazigos exige competências técnicas e conhecimentos científicos de nível relativamente elevado, assim
como, além disso, investimentos vultuosos, principalmente na fase de preparação da mina. No caso dos
minérios metálicos, sobretudo devido às dificuldades de interpretação dos fenómenos geológicos que deram
origem aos jazigos, que são complexos, é uma actividade com riscos consideráveis e de capital intensivo. Terá
sido por falta de falta de conhecimentos geológicos e de técnica mineira, além de recursos financeiros
insuficientes, que no século XIX, século determinante para arranque da actividade mineira em todo o mundo, em
Portugal não havia nem know how nem a burguesia nacional estava virada para esse tipo de negócio.
Documentos e estudos relativos a essa época são eloquentes: não havia sequer pessoal minimamente
capacitado para trabalhos mineiros, a ponto de, por exemplo no caso da famosa Mina de S. Domingos, perto de
Mértola, ter havido necessidade de mandar vir operários de Espanha (biscaínhos e catalães). Mesmo muitos
anos depois, já no século XX, a exploração dos recursos geológicos concedida a empresas privadas continuou
a ser feita, por regra, sem eficiência económica nem racionalidade técnico-científica.

Outra característica importante da exploração dos minerais metálicos e não metálicos é não ter um papel
estruturante da vida económica da região em que se insere a mina, pois uma mina representa uma actividade a
prazo. Numa economia capitalista (na tal dita de mercado) esta situação fatalmente gera dramas sociais quando
a mina fecha, pois a região nunca está preparada para absorver essa mão-de-obra desempregada, tanto mais
que os governos da burguesia raramente tomam medidas cautelares que absorvam os impactes da crise.
Tenha-se presente que o tempo de vida de uma mina decorre das reservas, e hoje uma mina só arranca (ou só
devia arrancar) depois de as reservas estarem muito bem identificadas. Ou seja, é possível prever o tempo
mínimo de vida útil da exploração, e, portanto, o ano em que a mina vai fechar.

Uma das características da IE de qualquer país é não aparecer nas estatísticas com valores de facturação muito
elevados, excepção feita, talvez, nos países produtores de petróleo; contudo, é um sector de grande
importância, basta lembrar que é fonte de matérias primas fundamentais para o desenvolvimento social e
económico, desde logo fonte de abastecimento das indústrias transformadoras (IT) que caracterizam os países
industrializados. Ou seja, não é o peso no PIB que dá ideia da importância da IE na economia, nem mesmo o
número de postos de trabalho directos, mas sim os efeitos positivos que induz nos sectores de actividade que
lhe ficam a jusante, não só na Indústria Transformadora, mas também no sector dos serviços. Tenha-se
presente que muitas fábricas foram criadas em Portugal porque se dispunha de matéria prima no país, por haver
recursos geológicos; e também que muita actividade científica no domínio das geociências foi implementada,
não tanto por razões desinteressadas, por amor ao saber, mas principalmente porque permitia dar resposta a
problemas mineiros, por exemplo, orientar a prospecção e pesquisa de minerais e rochas úteis. Neste particular
foi essencial o arranque para a cartografia geológica de base ainda no século XIX; mas pesar de ter começado
tão cedo a cobertura do País na escala 1:50.000 está muito longe de satisfazer as necessidades. É o resultado
de um progressivo desinteresse dos governos pelas geociências, designadamente por orçamentos do PIDDAC
insuficientes para trabalhos de investigação e inventariação neste domínio.

Além de tudo o mais, uma unidade transformadora estimula a procura e exploração de mais matéria prima para
satisfazer as necessidades crescentes dos mercados, razão por que se pode afirmar que há uma grande
interactividade entre IE e IT, o que não quer dizer que uma fábrica que trabalhe com matérias primas de origem
mineral precise, necessariamente, que as fontes de abastecimento estejam no próprio país: basta recordarmos
os antigos circuitos coloniais: as matérias primas nas colónias, a actividade transformadora nas metrópoles.

Mas serão os relativamente baixos valores de produção da IE portuguesa uma consequência de não termos
recursos geológicos significativos? de maneira nenhuma. É verdade que no nosso subsolo parece não haver
petróleo em quantidade economicamente interessante, pelo menos não foi encontrado até hoje, se bem que
seja prematuro afirmar que não há, ainda por cima quando surgem novas expectativas com trabalhos de
prospecção que decorrem na zona imersa (no chamado off shore). Também é verdade que, uma vez esgotadas
as reservas de carvão das minas de S. Pedro d Cova e Pejão, não nos resta carvão com características
interessantes, e, sobretudo, que nos dispense de continuar a importar este tipo de combustível. Em suma, a
Natureza foi-nos madrasta neste aspecto, não nos deu os recursos energéticos que estiveram na base do
desenvolvimento industrial que arrancou no século XIX em vários países europeus, que foi a rampa de
lançamento para o desenvolvimento que se verificou depois no século XX.

Mas chegados aqui é ocasião de nos perguntarmos: há alguma evidência na História Universal que suporte a
ideia de que foi sempre condição sine qua non para um país se desenvolver que tivesse recursos geológicos
importantes? Ou, se se quiser pôr a questão por outras palavras: um país rico em recursos geológicos, por
exemplo petróleo, é sempre um país desenvolvido, é um país onde a riqueza é distribuída equitativamente, onde
os cuidados de saúde, a habitação condigna, e o ensino, são direitos desfrutados pela população? Não é
preciso fazermos esforço para nos ocorrer uma longa lista de países onde a condição não se verifica, onde as
desigualdades sociais são escandalosas, países onde a subnutrição, a falta de água potável e a doença matam
milhares de pessoas por ano, em grande parte crianças. Quantos países de África e da América do Sul,
riquíssimos em recursos geológicos (ferro, cobre, estanho, diamantes, ouro, e até petróleo) permanecem ainda
hoje numa situação de subdesenvolvimento, fruto da exploração colonial a que estiveram sujeitos. Não é por um
país ter recursos naturais importantes que a sua economia é sã, e muito menos supormos que é um país
socialmente justo. Talvez seja oportuno recordar o caso da Venezuela, desde há muitos anos uma potência
mundial quanto a petróleo, mas onde a maioria da população sofreu décadas de miséria, por efeito da política
antipatriótica seguida por governos ao serviço dos interesses do imperialismo estadunidense. Só agora a
Venezuela está logrando sair da sua dependência histórica.

Contudo, em Portugal, no nosso território continental, temos recursos geológicos numa diversidade e qualidade
invejáveis por muitos países:

• temos recursos que constituem matérias primas necessárias às indústrias produtoras de materiais
usados na construção civil e obras públicas, como são o saibro, o gesso, rochas ornamentais (onde
sobressaem os nossos belos mármores de Estremoz-Vila Viçosa, com fama mundial), assim como
granitos, rochas que têm peso significativo nas nossas exportações, mas, além disso, as designadas
"rochas industriais", com que se produzem britas, cimento, e outros materiais indispensáveis à
construção civil;

• temos areias e outras rochas siliciosas para abastecer a indústria vidreira;

• temos substâncias minerais para abastecer a indústria química básica, entre as quais se pode referir a
barita, o lítio e o sal-gema;

• temos argilas comuns e argilas especiais, de qualidade, indispensáveis ao fabrico, entre outros
produtos, de telha, tijolo, cerâmica, azulejo, e papel;

• temos reservas de minérios importantes a nível europeu, onde se destacam: minérios de cobre, de
zinco e de estanho (de que a mina de Neves-Corvo representa uma caso excepcional, mesmo a nível
mundial); minérios de tungsténio (fora da China, a Panasqueira constitui um dos maiores produtores
mundiais de concentrados desse metal); e minérios de urânio, este último um metal estratégico de
ponto de vista energético, de que Portugal possui as reservas mais interessantes da União Europeia,
do ponto de vista económico, pelos custos de produção;

• temos recursos hidrominerais, um tipo de recurso que é renovável, muitos deles com propriedades
medicinais, que proporcionam a criação de estâncias termais, centros de cuidados de saúde que são
estruturantes da actividade económica de algumas regiões do interior de Portugal. Outras águas, pelas
suas qualidades químicas e bacteriológicas, sustentam uma indústria de engarrafamento onde se
registam índices de crescimento impressionantes.

• Ainda no domínio dos recursos geológicos renováveis, devemos assinalar também muitas águas
subterrâneas com temperaturas de emergência entre os 25 ºC e os 75 ºC. É um recurso que está por
aproveitar convenientemente. Embora as temperaturas não permitam a produção de electricidade,
como acontece na ilha de S. Miguel (Açores), são uma fonte apreciável de calor, com possibilidade de
uso, por exemplo, no aquecimento de águas sanitárias, ou em estufas.

No caso dos recursos geológicos ligados à construção civil e obras públicas, as estatísticas mostram
crescimentos significativos não só na produção, mas também no número de pedidos de novas licenças de
exploração de pedreiras, sobretudo de granito, assim como na criação de novos barreiros de argila comum, o
que é um sinal indesmentível de que a actividade deste segmento da IE está em expansão. É verdade que o
subsector é vulnerável, sobretudo o mais ligado à habitação, pois ressente-se dos abrandamentos do mercado
comercial; de qualquer forma, a tendência na actividade extractiva é de expansão.

No caso dos recursos hidrominerais com propriedades terapêuticas sublinhe-se que muitas das termas
portuguesas pertencem a autarquias locais, ou arrancaram por iniciativa de autarquias, entre as quais merecem
destaque as Termas de S. Pedro do Sul, as mais frequentadas do País. Segundo dados estatísticos de 2004 no
ano funcionaram 37 balneários termais, que foi frequentada por 89.827 pessoas. Estes 37 balneários
representaram cerca de 1.700 postos de trabalho directos, ainda que na sua maior parte ocupem só parte do
ano. O número de actividades económicas dinamizadas por um balneário termal é grande, dando origem,
indirectamente, à criação de um número muito significativo de postos de trabalho. No que respeita às águas
usadas na indústria de engarrafamento, a expansão da exploração que se verifica de ano para ano é também
um facto indesmentível: por exemplo, enquanto em 1995, em Portugal Continental, o consumo de água
engarrafada era de 54,3 L/capita, em 2004 passou a 93,0 L/capita. Entre estes dois anos o consumo foi
praticamente crescente. Em 1987 era de 26,9 L/capita, e no ano seguinte era de 28,8 L/capita. Este valor
correspondia, praticamente, à capitação media na CEE em 1980. Pode haver quem subestime este subsector,
julgando que não representa nada de significativo na IE; é um engano. Analisando a distribuição dos valores de
produção dos diferentes subsectores da IE em 2005, na fonte estatística já indicada, verifica-se a seguinte
hierarquia: 1º lugar o grupo das "Rochas Industriais", com 377,7 milhões de euros; 2º lugar o grupo dos
"Minérios Metálicos", com 309,5 milhões de euros; 3º lugar o grupo "Águas Minerais e de Nascente" com cerca
de 233 milhões de euros, à frente do grupo "Rochas Ornamentais" (166,3 milhões de €) e dos "Minerais não
Metálicos" (cerca de 9,6 milhões de €). E se passarmos para os valores de Exportação, verifica-se que a água
engarrafada representou quase o dobro dos "Minerais não metálicos" e pouco menos que a facturação da
exportação dos concentrados de tungsténio: 10,48 milhões de € contra 13,25 milhões de €. Obviamente que
num caso a exportação provém de várias unidades fabris, e no outro é de um único centro mineiro, a
Panasqueira.

Quanto aos recursos hidrogeotérmicos, embora as potencialidades sejam muito interessantes estão
praticamente por aproveitar. Sem dúvida que a utilização planificada destes recursos levaria a uma poupança
significativa na factura energética nacional. Tenha-se presente que os pólos de ocorrência estão, sobretudo, na
metade norte do País, onde as temperaturas são relativamente baixas no Inverno.

De entre todos os recursos referidos merecem apreciação mais pormenorizada aqueles que formam um grupo
de substâncias de importância estratégica: o subsector dos minérios metálicos. Todos eles pertencem ao
domínio público do Estado, como explicita o decreto-lei n.º 90/90. Deste grupo Portugal possui quantidades e
uma diversidade invejáveis no contexto europeu, como é o caso dos sulfuretos complexos da chamada Faixa
Piritosa Ibérica (FPI). Trata-se de uma larga faixa de terreno, que em Portugal se estende por cerca de centena
e meia de quilómetros, sensivelmente entre Alcácer do Sal e Mértola, mas que vai até Sevilha. É uma das
maiores províncias mineiras de metais básicos do mundo (além do enxofre, há cobre, zinco, chumbo, e
estanho). Pertencendo a esta província, na região de Santiago de Cacém foram importantes as minas da
Caveira, do Lousal, e do Cercal; e, já ao pé do rio Guadiana, a lendária mina de S. Domingos. Esta foi, no
século XIX, uma referência para toda a Europa quanto a cobre. Restam hoje na FPI as minas de Aljustrel, e as
minas de Neves-Corvo, cujos trabalhos se iniciaram em meados de 70 do século XX. As reservas de cobre,
zinco e estanho de Neves-Corvo são as mais importante da Europa, e são um dos casos mais importantes em
todo mundo. Não é de mais realçar que estes jazigos foram revelados por trabalhos desenvolvidos por serviços
oficiais, concretamente por geólogos, geofísicos e engenheiros da então designada Direcção-Geral de Minas e
Serviços Geológicos.

Ainda no Alentejo, mas já noutro contexto geológico, são de considerar vastas áreas potenciais para zinco,
cobre e chumbo ao longo de uma faixa que vai de Évora a Beja.

Justificam-se mais algumas palavras sobre as reservas portuguesas de volfrâmio, tema mítico que alimentou o
anedotário nacional nos anos da 2ª Guerra Mundial. É minério de tungsténio, um metal que foi fundamental para
a indústria eléctrica (filamentos das lâmpadas de incandescência), e que continua a ser essencial para a
produção de aços especiais, em grande parte usados na indústria de armamento militar, mas também com
muitas aplicações civis, por exemplo em certas ferramentas de corte, brocas especiais, lâminas de bulldozzer,
algum material cirúrgico. Também na construção de foguetões (devido à fricção da atmosfera atingem
temperaturas muito altas, e para aguentarem essas temperaturas eles são construídos com ligas de tungsténio).
A construção naval também aplica ligas onde entre o Tungsténio, nos cascos dos navios. Portugal é o único
país da Europa com minas de minério de tungsténio importantes. A produção é toda exportada, de acordo com
a procura, para a Áustria, o Japão e os Estados Unidos.

Acresce ainda a exploração de ouro e prata, de que os romanos se serviram abundantemente em Portugal (e
todo o oeste peninsular), de que se conhecem agora mais potencialidades interessantes em várias zonas do
País, designadamente na Beira Alta e, sobretudo, no Alentejo, mais precisamente na região de Montemor-o-
Novo, onde uma empresa australiana está fazendo prospecção.
Ou seja, de maneira alguma se pode insistir em que somos um país pobre em recursos do subsolo, mas deve
perguntar-se por que razão o peso da IE não é mais expressivo na economia portuguesa? Para encontrar
resposta devemos procurar ver quem tem explorado os recursos geológicos nacionais mais valiosos, aqueles
que possuem maiores potencialidades para mais valias mais significativas, através de processos de
transformação sucessivos até a produtos finais. Ora verifica-se que os jazigos de carvão, cobre, volfrâmio,
estanho, ouro, sal-gema etc. estiveram sempre, no todo, ou na maior parte, na mão de empresas estrangeiras,
que exportavam (e exportam ainda hoje) os produtos mineiros pouco elaborados, apenas na forma de
concentrados, portanto pouco transformados, logo com pouco valor acrescentado, para as metalurgias
europeias. É um circuito típico de sistemas coloniais: Portugal representa a fonte de matéria prima, donde vai
(com pouco valor acrescentado) para os países industrializados, que a transformam e, em muitos casos, levam
os processos até ao fim, até à produção de bens de consumo. Depois os portugueses compram esses produtos
acabados, obviamente muito valorizados, com as consequências conhecidas na balança de transações. Para só
referir alguns recursos geológicos que estiveram nessa situação, indicaremos:

• As pirites cupríferas de S. Domingos (Mértola) foram exploradas pela empresa inglesa Mason and
Barry, de 1857 a 1967, ano em que encerraram definitivamente. Segundo estudo de Helena Alves,[iv]
"...foi o maior e mais importante complexo industrial mineiro do seu tempo, em Portugal...". Produzia-
se cobre e enxofre. No final do século XIX este já era vendido à C.U.F.

• As pirites de Aljustrel, que foram a base da produção de ácido sulfúrico, designadamente na fábrica da
C.U.F. no Barreiro, a partir do qual depois eram produzidos adubos sulfatados, foram da sociedade
belga Mines d'Aljustrel;

• As pirites do Lousal (Santiago do Cacém) pertenceram à Sociedade Mines et Industrie, do Grupo


SAPEC (adubos), belga, até ao seu encerramento na década de 80 do século passado.

• O minério de tungsténio da Panasqueira (Barroca Grande/Fundão) esteve nas mãos da Beralt Tin and
Wolfram, que era controlada pela Anglo-American Corporation of South Africa, do Grupo
Oppenheimer, que esteve na mina até aos anos 90. Agora as minas do couto mineiro da Panasqueira
estão nas mãos de uma empresa que, embora com o mesmo nome, é subsidiária da empresa
canadiana Primary Metals Inc., que detém 100% do capital.

Nas actas da Conferência Nacional do PCP, realizada em Março de 1985[v] e nas do Encontro realizado em
Março de 1987[vi], em Coimbra, e, antes disso, num texto publicado em 1977 preparado no âmbito de uma
Conferência Económica do partido,[vii] pode-se ver mais informação sobre estes aspectos da história mineira
portuguesa. Quanto à "gestão empresarial" destas empresas mineiras estrangeiras pode dizer-se que se
baseou muitas vezes na "lavra ambiciosa", também dita "de rapina", por sinal punível pela legislação nacional, e
na sobrexploração dos operários, quando não também dos quadros técnicos: baixos salários e deficiências
graves a nível de condições de higiene e segurança. Estão na memória de muitas aldeias portuguesas lutas
muito duras dos mineiros pelos seus direitos, designadamente melhores salários e condições de trabalho
dignas.

Durante as décadas de 80, 90 e início do século XXI a evolução da IE foi desanimadora para os subsectores
mais significativos do sector Extractivo, em parte porque os governos desse período não tiveram uma política de
Estado para o sector, ou, melhor dizendo, não definiram uma política de defesa do interesse nacional, período
agravado por uma conjuntura internacional particularmente desfavorável:

• baixas cotações dos minerais metálicos e do urânio (o que afectou sobremaneira a actividade das
minas de Neves-Corvo, Aljustrel, Panasqueira, e as minas de urânio da ENU), tudo minas viradas para
a exportação;

• desvalorização do dólar, reduzindo as receitas da exportação dos produtos da IE, particularmente os


concentrados de minerais metálicos, assim como rochas ornamentais;
• aparecimento de novos países produtores e exportadores, portanto intensificação da concorrência no
mercado internacional.

A adesão à CEE em 1986 não parece ter trazido vantagens palpáveis à IE portuguesa, mas pode apontar-se
uma consequência negativa imputável à adesão: abandonou-se projecto de exploração das enormes jazidas de
hematite (minério de ferro) de Moncorvo, em consequência do abandono do que então se chamou Plano
Siderúrgico Nacional (PSN) pela Siderurgia Nacional, uma "contrapartida" que o governo PS/Mário Soares terá
dado para satisfazer os interesses das siderurgias europeias em crise, em troca de luz verde para entrar no
espaço político comunitário. O minério de ferro de Moncorvo, pelas suas características mineralúrgicas e
técnicas, só era economicamente viável num quadro de aproveitamento em fileira, em Portugal, precisamente
no quadro do então PSN na Siderurgia Nacional e que se preparara para esse objectivo. Actualmente, depois da
adesão à moeda única, a desvalorização do dólar face ao euro, que de vez em quando se verifica, também é
um factor negativo quando as exportações vão para países exteriores à "zona euro".

Dos recursos mineiros que podemos classificar de "estratégicos" destacam-se:

• as minas de Neves-Corvo

• as minas do couto mineiro da panasqueira, e

• os jazigos de urânio Do Alto Alentejo.

Relativamente às minas de Neves-Corvo, que iniciaram actividade em 1977, refira-se que representam o maior
factor de emprego na região de Castro Verde-Almodôvar (mais de 800 trabalhadores), e é origem do
relativamente elevado valor do PIB regional. A exploração está concedida (juntamente com as de Aljustrel) à
SOMINCOR, do Grupo Eurozinc. Quanto à retoma da exploração de Aljustrel continua adiada, ao contrário das
promessas iniciais da empresa.

Nos anos 2003-2004, em termos de interesse nacional a situação foi agravada com a perda da última posição
que o Estado tinha na indústria extractiva, ou seja, a alienação da parte (51%) da Empresa de Desenvolvimento
Mineiro (EDM) no capital da SOMINCOR (minas de Neves-Corvo), no quadro da política da coligação
governamental PSD-PP de arranjar dinheiro a todo o custo para reduzir a dívida pública. O principal argumento
do Governo para a alienação foi "... o compromisso da redução do peso do Estado na economia, limitando a sua
presença ao estritamente necessário, e no âmbito da política de privatizações anunciada ....". Não se devia ter
abandonado a posição do Estado, e, além disso, dever-se-ia ter comprado os 49 % que a RTZ queria então
vender. Nada disso foi feito e hoje a EDM, que foi criada para os fins que o nome indica, está reduzida a
funções de "holding" de estudos de recuperação ambiental de minas abandonadas. É muito pouco, é um fim de
vida ridículo.

Os concentrados de cobre e zinco produzidos pela SOMINCOR são exportados, principalmente para a Finlândia
e Espanha, mas se houvesse uma metalurgia do cobre no País a matéria prima seria muito mais valorizada e a
mais valia ficaria cá; assim como se faz a comercialização representa um valor acrescentado mínimo.

No que se refere ao couto mineiro da Panasqueira, a concessão continua nas mãos de uma empresa com o
nome Beralt Tin and Wolfram, mas que agora é uma subsidiária da empresa canadiana Primary Metals Inc,, que
detém 100% do capital.
A nossa riqueza em minérios de urânio merece destaque especial, considerando a importância estratégica deste
metal como fonte de energia nuclear. Grande parte das reservas de que o país dispunha há anos estão agora
muito desfalcadas, quase esgotadas. A exploração foi importantíssima em grandes áreas do distrito de Viseu e
Guarda, de que se destaca o Couto Mineiro da Urgeiriça, e a exportação de concentrados de urânio teve peso
considerável nas nossas exportações até à década de 80 do séc. XX. Alteração profundamente negativa
registada já no século XXI foi a extinção da Empresa Nacional de Urânio (ENU). Hoje subsistem reservas que
ainda se pode considerar interessantes no Alto Alentejo, distribuídas por vários jazigos, na sua maioria de
pequena dimensão, que significarão cerca de 6.000 toneladas de Urânio metal, para só considerar as reservas
cujos preços de extracção são mais interessantes (valores inferiores a USD 80/KgU. Dadas as características
dos depósitos a forma de exploração prevista é "a céu aberto", que constitui um custo considerável para os
ecossistemas das bacias hidrográficas onde se situam os depósitos, mesmo de alguma gravidade para a saúde
das populações. Segundo notícias saídas a público no dia 13 de Junho, a Direcção-Geral de Geologia e Energia
está a preparar um caderno de encargos tendo em vista a abertura de um concurso internacional, tendo em
vista "eventual atribuição da concessão de exploração"[viii]. De acordo com o mesmo jornal há "nove
consórcios na corrida", sendo referidas as multinacionais Anaconda e Mawson e a Beralt (que já explora as
minas da Panasqueira).

Afigura-se que os recursos de urânio que ainda temos no concelho de Nisa estão agora à mercê da cobiça
capitalista, mas não podemos aceitar que o Governo aliene a exploração do nosso urânio a favor de uma
empresa privada, como se fosse uma substância qualquer, e não uma substância estratégica. A Constituição da
República (versão de 2005) prevê no seu artigo 86º, ponto 3: "A lei pode definir sectores básicos nos quais seja
vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza". A exploração do urânio é
bem o exemplo de uma área que de ser interditada. É um imperativo nacional manter as áreas onde estas
reservas se situam como cativas, aplicando-se o disposto na lei de bases de recursos geológicos (veja-se o D.L.
n.º 90/90, artigo 37º).

Em suma: com o actual governo PS/Sócrates prossegue a política alienadora de bens públicos encetada em
1976. É a estratégia de recuperação capitalista, onde factores de produção fundamentais são entregues à lógica
de lucro dos privados, quase sempre conflituantes com o interesse geral do povo português, não poucas vezes
criando situações de dependência de jogos de circunstância de grupos económicos transnacionais.

No que respeita à maioria dos minérios metálicos, de há 2 a 3 anos para cá, assiste-se a uma escalada dos
preços (cotações) não apenas do ouro e da prata, mas também do cobre, do zinco, do chumbo, e outros,
fenómeno em grande parte decorrente do crescimento económico da República Popular da China, que
dinamizou o mercado. Isto veio reanimar a exploração mineira, e até pequenas minas que se encontravam
encerradas por falta de rendibilidade retomaram actividade. Simultaneamente, em Portugal assiste-se a uma
autêntica corrida aos pedidos de licença de prospecção e pesquisa", de minerais auríferos, argentíferos,
estaníferos, zincíferos, etc. etc. Porém, a história repete-se: mais uma vez o Estado (os governos) mostram
desinteresse por entrar directamente na actividade mineira, quando era ocasião excelente para a EDM se
reposicionar no sector, cumprindo os objectivos para que foi criada há anos. Pode-se enumerar uma série de
empresas estrangeiras que estão nesta corrida, entre as quais algumas novas a operar em Portugal:

§ Eurozinc- empresa canadiana que tem 100% do capital da Somincor. Além de estar na exploração de
Neves-Corvo e ter o compromisso de relançar Aljustrel, prevê fazer mais prospecção e pesquisa no Alentejo, ao
longo da Faixa Piritosa Ibérica.

§ Iberian Resources- Empresa australiana que desenvolve trabalhos de prospecção de ouro na zona de
Montemor-o-Novo.

§ Kernow Mining- empresa canadiana com trabalhos de prospecção de ouro em duas zonas em Trás-os-
Montes: na Gralheira, próximo da antiga mina de ouro de Jales, e em Limarinho, no concelho de Boticas.

§ Northern Lion Gold Corporation-

§ Redcorp Ventures Lda.- Empresa baseada em Vancouver, Columbia Britânica. desenvolve trabalhos de
prospecção de metais básicos e preciosos na região da Lagoa Salgada (Alentejo) e na região de Vila de Rei
(Beira Baixa).

§ Rio Narcea Gold Mines Lda.- Companhia mineira canadiana orientada principalmente para a exploração
de níquel e de ouro.

Diremos, portanto, que a IE é um sector de actividade económica fundamental para o País, onde a
produtividade é considerável, a de volume produzido porque a produtividade de valor é baixa, precisamente
porque os produtos, salvo raras excepções, são vendidos com pouquíssima transformação, com pouquíssimo
valor acrescentado. Por exemplo, continua a fazer todo o sentido retomar os estudos de viabilidade económica
de metalurgias modernas em Portugal, a integrar no Sector Empresarial do Estado, como forma de valorizar os
nossos minérios de cobre, zinco e estanho.

Há muitos anos que não há uma política para os recursos geológicos. Não tem havido uma estratégia de
fomento, de liderança do processo; pelo contrário impera uma atitude de atentismo, de espera por eventuais
interessados na prospecção e pesquisa, e porventura de exploração. Ou seja, continua-se a andar a reboque de
interesses alheios. Há que ter uma política própria, nacional, agressiva, de investimento, através de verbas do
PIDDAC, na aquisição de conhecimentos e competências, investimento em estudos geológicos e sondagens
nas áreas que se afiguram favoráveis, até à evidenciação de potencialidades interessantes, e cuja exploração
seja depois assumida por um sector empresarial do Estado forte, ou em alternativa, no mínimo, abrindo
concursos internacionais, postulando condições firmes que salvaguardem o interesse nacional. Além do mais, a
entrega de recursos estratégicos a interesses privados que não têm os interesses nacionais como prevalecentes
sobre os seus interesses de lucro, representa a continuação da política terceiromundista que sofremos nos
séculos XIX e XX, exportando minérios como um qualquer território colonizado, sem valor acrescentado
significativo. Esse foi o perfil característico da maioria dos países da África subsaariana e de vários da América
latina. A IE e a IT, bem como os serviços que estão associados aos dois grandes sectores, definem "clusters" e
"mix" de "clusters", que se relacionam horizontal e verticalmente, a única forma eficaz de intervir é abordar os
clusters existentes de forma integrada, não através de medidas avulsas e pontuais, sem considerar as
interdependências, como tem sido prática corrente dos governos desde 1976. Sem uma política integrada os
bons resultados, quando os há, são circunstanciais, nunca poderão ser sustentáveis.

Prosseguindo os nossos objectivos para uma democracia avançada no século XXI, consideram-se urgentes
algumas medidas de defesa do interesse nacional e dos trabalhadores, parte das quais já apresentadas no
Programa eleitoral do PCP para as legislativas de 2005:

1. Elaboração de um plano para o aproveitamento, em território nacional, dos nossos minérios de cobre,
zinco e chumbo numa perspectiva de fileira.

2. Definição de uma estratégia de longo prazo para a exploração dos recursos geológicos já identificados,
devidamente contemplada e articulada com planos de ordenamento de território, regionais e municipais (PDM),
nomeadamente para o urânio nacional.

3. Definição de um plano de inventariação sistemática de Recursos Hidrogeotérmicos no território


continental, tendo em vista assentar numa linha orientadora do seu aproveitamento racional, no âmbito de uma
política energética.

4. Em parceria com o Ministério da Saúde, e no quadro de um Serviço Nacional de Saúde, promover o


desenvolvimento do Hospital Termal das Caldas da Rainha e a criação de mais estâncias termais em regiões
sem estas infraestruturas, recorrendo ao aproveitamento de certas águas mineromedicinais ainda ao abandono.

5. Fomento da exploração integrada de pequenos jazigos através da intervenção do Estado e/ou de apoio ao
associativismo empresarial.

6. Defesa da utilização prioritária dos produtos mineiros portugueses na economia comunitária face a
produtos de países terceiros.

7. Intensificação dos trabalhos de cartografia geológica e hidrogeológica de base.

8. Relançamento do programa de reabilitação ambiental das minas abandonadas, designadamente através


de uma orçamentação adequada em sede de O.E.

9. Apoio à modernização tecnológica das empresas do sector dos mármores e rochas ornamentais.

10. Reforço do papel do Sector Empresarial do Estado (SEE) na fileira Indústria Extractiva-Indústria
Transformadora.

11. Reforço dos meios de fiscalização da actividade das empresas do sector, através do reforço dos quadros
técnicos dos organismos regionais e centrais da AP, designadamente quanto ao respeito pelos planos de lavra
aprovados, e pelas normas de higiene e segurança.

12. Ouvida a comunidade geológica e mineira, criar um organismo público autónomo com funções de "serviço
geológico" nacional, e fornecedor/vendedor de serviços, quer a clientes nacionais (institucionais, ou privados),
quer estrangeiros, nomeadamente aos PALOP.

Por coincidência um "serviço" semelhante ao referido no ponto 13 (criação de organismo autónomo com
funções de serviço geológico nacional) veio pouco tempo depois a ser também defendido pelo Grupo de
Trabalho Internacional para a Reforma dos Laboratórios de Estado (GTI), cujo Relatório foi apresentado ao
Governo em 2006, e amplamente divulgado pelo MCES. A solução proposta foi totalmente desprezada pelo
Governo PS/Sócrates.

Carlos Calado (CAE)

[i] www.dgge.pt

[ii] Elementos Estatísticos da Indústria Extractiva Nacional de 2004. Boletim de Minas, Vol. 40, n.º 2, pp. 65-71,
Lisboa, 2005.

[iii] Comércio Externo. Boletim de Minas, Vol. 41, n.º 1, pp. 69-75.

[iv] Helena Alves: "Minas de S. Domingos. Génese, Formação social e identidade Mineira". Col. Estudos e
Fontes para a História Local. Edição do Campo Arqueológico de Mértola. Mértola, 1997.

[v] Carlos Calado: Indústrias extractivas. in A via de Desenvolvimento para vencer a crise. Documentos e
intervenções, Vol. I, pp. 199-2005, Edições Avante, Lisboa, 1985

[vi] "Sector Mineiro Estratégico em Portugal. Situação e Perspectivas". Edições Avante, Lisboa, 1987, 272 p.

[vii] Indústria Extractiva. Situação Actual e perspectivas para o futuro. Edições Avante, 70 p. Lisboa, 1977.

[viii] Jornal Público, de 13 de Junho de 2007.

Você também pode gostar