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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

AMANDA QUINTO DE LIMA


RA: 193728

AP298 - HISTÓRIA DA ARTE II


TRABALHO FINAL

Prof.Dr. PAULO MUGAYAR KÜHL

CAMPINAS, SÃO PAULO


2020
Para responder a questão 1), decidi dividi-la em a), b) e c), pois achei que seria uma
maneira mais fácil de organizar meus textos-respostas.

1 - a) Como Wölfflin define a oposição entre Renascimento e Barroco e quais as


dificuldades dessa definição?

Wölfflin, em seu texto de introdução de “​Renascença e Barroco”​ , deixa claro que se


refere especificamente ao processo de mudança que ocorreu na Itália, já que isso se passou de
formas diferentes em outras regiões. Mais especificamente em Roma, pois fora lá que a
Renascença se deu com maior rigor quanto à forma. O Barroco seria um processo de
transformação do “menos rigoroso” a uma forma de arte “mais livre e pinturesca,” sendo lá o
local com maior contraste de um ao outro, tornando o processo mais evidente. Enfatiza que
essa delimitação geográfica é de extrema importância ao se estudar essas mudanças.
A dificuldade de definir o Barroco se dá principalmente pelo fato de muitas
tendências ​estarem acontecendo ao mesmo tempo dentro de um mesmo período, como o
Maneirismo, o Classicismo etc. O autor ainda ressalta que o ​estilo no período ficou a cargo
dos grandes mestres (que possuíam semelhanças e grandes diferenças entre si). Um ponto
problemático é que não havia uma teorização na época sobre o que estava ocorrendo,o
Barroco não se constrói como conceito neste período.
Para o autor, esse processo não se trata de uma degeneração, ao contrário de outros
teóricos contemporâneos à ele, mas sim como uma passagem para um estilo diferente,
próprio e irredutível ao Classicismo e ao Renascimento.

A Alta Renascença não se transforma numa arte decadente,


especificamente diversa, mas do ponto culminante o caminho conduz diretamente
ao Barroco. Toda inovação é um sintoma do emergente estilo Barroco.
(WÖLFFLIN, p.28)

O Barroco trouxe uma proposta artística que aposta alto no uso da luz contrastada, do
movimento e dos grandes efeitos visuais, não seguindo os cânones estabelecidos pela
Renascença. Além disso, exige cada vez mais a participação e comoção do espectador, com
seus efeitos de ilusão. Não é um emprego irracional das paixões, mas sim uma tentativa de
racionalizá-las e usá-las com finalidades específicas.

A linguagem das obras de Caravaggio teve impacto em seus contemporâneos e artistas que
vieram depois.
b) Que características poderiam unir produções tão diferentes como a de
Caravaggio, Bernini e Velázquez?

Antes de qualquer apontamento geral sobre as semelhanças presentes nas obras de


Caravaggio, Bernini e Velásquez, farei um breve resumo sobre as características mais
marcantes do trabalho de cada artista, a fim de levar em conta as especificidades e
particularidades de cada um.
Caravaggio ​foi contra os formalismos maneiristas e recusava até mesmo a
historicidade, o preceito dado. Contudo, ainda assim fora um naturalista quanto à forma das
imagens representadas, o chamado “realismo Caravaggesco”, caracterizado por uma
representação de figuras humanas sujas, empobrecidas e feias (pessoas velhas, enrugadas) e
pela humanização de figuras divinas através de uma oposição à uma beleza ideal determinada
pelo Renascimento. Suas naturezas mortas e pinturas de gênero eram muitas vezes compostas
por frutas passadas e representações precisas dos objetos presentes na cena retratada, com um
grande apego aos detalhes.
Outra característica marcante do artista é sua ênfase no impacto pictórico através da
iluminação; a presença de uma luz altamente contrastada - por meio da técnica de
chiaroscuro - ​e teatral​, ​direcionada, portanto, não-natural.
O arquiteto e escultor Bernini​, assim como Caravaggio, era um antimaneirista.
Possuía um estilo extremamente expressivo e teatral em suas esculturas, procurando
evidenciar as emoções da figura retratada através das expressões faciais. Ao observador, é
quase como se a obra pudesse falar, gritar ou até mesmo sofrer. Os corpos sempre mais
alongados e bastante gestuais, com ilusões de movimento. Bernini foi um mestre em tratar a
matéria tão dura com muita sutileza, fazendo composições com tecidos e cabelos ao vento tão
realistas que é quase possível sentir a brisa que as toca.
Na arquitetura, não é diferente; o artista tinha uma predileção por colunas retorcidas e
jogos de luz. Explorava o espaço como um todo, aproveitando a luz natural e, por vezes,
reforçando-a com o uso de ouro e outros materiais (como no caso da capela de "​Êxtase de
Sta. Teresa​”, por exemplo).
O pintor espanhol ​Velázquez​, produziu diversos retratos para a nobreza, cenas
históricas, elementos mitológicos e, também, cenas de gênero. Era bastante comum o artista
mesclar cenas “sobrenaturais” (da mitologia e/ou bíblicas) ou com cenas e indivíduos
comuns, da vida natural e vice-versa. Privilegiava as expressões faciais, buscando a

A linguagem das obras de Caravaggio teve impacto em seus contemporâneos e artistas que
vieram depois.
individualidade de cada personagem retratado e seus possíveis sentimentos. A questão do
olhar​ foi uma constante em suas obras.
Seu apreço ao realismo o fazia buscar por detalhes dos elementos colocados pelo
espaço pictórico. Fazia bastante uso do tenebrismo,​ c​ om fundos mais escuros destacando as
figuras mais iluminadas.
Embora os trabalhos desses três artistas sejam bastante diferentes, podemos notar
muitos elementos em comum. O realismo/naturalismo muito presente, aliado à uma maior
expressividade do que se viu em um momento anterior. A questão da iluminação, sempre
presente, também, no trabalho de todos como um elemento importante. Certamente,
Caravaggio fora um divisor de águas, influenciando muitos artistas.

​c) Quais caminhos artísticos podem ser identificados no século XVII?

Embora não exista, de fato, uma cronologia, houveram estilos artísticos acontecendo
quase que simultaneamente durante o século XVII, não tendo tendências que se suplantem.
Contudo, para uma maior compreensão, a modernidade ordenou como ​Maneirismo,
Classicismo, Barroco e​ Rococó ​e, com a finalidade de organização, colocarei desta forma
aqui.
A começar pelo ​Maneirismo, que negava o naturalismo e o classicismo, de forma que
se acentuava o intelectualismo e a virtuosidade, considerando como elementos essenciais à
boa arte. O estilo se manifestou pictóricamente através de figuras com proporções alongadas
e contorcidas, em posições dinâmicas ou em escorço. Era frequente os artistas retratarem
grupos cheios de tensão e movimento, trazendo um caráter artificialista e intelectualista. Há
uma aversão ao vazio, portanto, era comum que as cenas principais fossem cercadas por
elementos decorativos. Além disso, há também um senso de experimentalismo ao se tratar
temas mais tradicionais, com intensificação do drama e o uso de citações visuais e referências
literárias.
Rompeu com a noção de espaço construída pelo Renascimento, essa unidade com
diferentes pontos de vista coexistindo em um mesmo quadro e com a ausência de uma
hierarquia lógica nas proporções relativas das figuras entre si, onde muitas vezes a cena
principal é posta à distância e elementos secundários são privilegiados no primeiro plano.
No Classicismo, ​que teria origem bolonhesa, devido à atuação dos irmãos Carracci, há
uma retomada de determinados valores que negam ao Maneirismo. Neste momento, há um
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renovado interesse especial na história da Antiguidade e tradição Romana, de forma
idealizada. Há uma retomada, também, dos temas mitológicos como “Amores dos Deuses” e
certa idealização de elementos belos do mundo.
Em suas características plásticas mais marcantes, vemos corpos com ênfase na
linearidade de seus contornos (mais “marmóreos”) e figuras religiosas inseridas em
paisagens. Além disso, há uma ideia de clareza na organização dos elementos; as figuras são
bem delimitadas, o artista às dispõe de modo que permita uma leitura clara do que a obra se
trata, evitando confusões interpretativas e plásticas. Isso também se aplica ao uso da cor, que
preenche as superfícies, mas sempre de forma econômica, além da clara presença de linhas
ortogonais, verticais e horizontais - independente do tema -, que organizam a cena e
compõem um ritmo​.
Já o ​Barroco​, é o oposto do Classicismo e por isso há um grande contraste entre essas
duas correntes. Como já citado acima, o realismo/naturalismo de Caravaggio, influencia
outros artistas: há uma maior preocupação com o impacto do espectador perante às obras,
pois estas possuem características marcantes em relação ao seu realismo, ao contrastes de
luzes e sombras (o uso do ​chiaroscuro e ​tenebrismo​). Outro ponto desse realismo Barroco é o
apego aos detalhes dos elementos que estão distribuídos pelo espaço pictórico.
Finalmente, o ​Rococó​, que seria uma continuação e dissolução do Barroco, teve sua
centralidade na França, mais especificamente em Versalhes. Também chamado de "gênero
pitoresco”, havia um interesse pelo ligeiro, por jogos, ideias de fantasia e capricho. Voltada à
arte de interiores, com motivos que eram usados tanto em objetos quanto arquiteturas e
frontispício de livros e grandes ornamentos.
O Rococó também deu ênfase para aspectos específicos do Barroco, como por
exemplo, os efeitos de luz. Aqui, aparece nos jogos de espelhos, a presença de velas e ouro,
trazendo iluminância aos ambientes domésticos e de igrejas.

A linguagem das obras de Caravaggio teve impacto em seus contemporâneos e artistas que
vieram depois.
2) Escolha uma obra de Caravaggio ou de um de seus "seguidores" e compare-a
com uma obra de Annibale Carracci ou de N. Poussin.

Para esta comparação, selecionei “Assunção da Virgem Maria”, de Annibale Carracci


e “Crucificação de São Pedro”, de Caravaggio. Ambas se encontram expostas no mesmo
local, a Capela Cerasi, na Basílica de Santa Maria del Popolo, em Roma (uma no centro da
capela e outra à esquerda, respectivamente).

A escolha dessas obras não foi aleatória; acho interessante observar como duas obras
tão diferentes, de artistas que tiveram grande importância para a arte italiana do século XVII,
ocupam um mesmo espaço expositivo. Embora o tema religioso e o período em que foram
produzidas as aproximem, são bastante diferentes, bem como seus criadores.
Ao observarmos a obra de Annibale Carracci, podemos perceber a presença de linhas
ortogonais, através das figuras dos apóstolos em primeiro plano que olham para cima,
induzindo, também, o olhar do espectador para Maria, que está em uma linha vertical
centralizada. Podemos ver linhas horizontais também, na pedra em que a mão do apóstolo à
esquerda está apoiada, que é ecoada pelos anjos abaixo de Maria e, por fim, na altura das
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cabeças dos outros sujeitos que a observam a santa mais ao fundo e os próprios braços dela,
que estão levantados aos céus.
É interessante observar como os encontros dessas linhas acabam formando uma
pirâmide em cima da figura da Virgem, embora não seja tão evidente com um olhar mais
desatento. Esse formato piramidal envolvendo a figura da mãe de Cristo foi bastante utilizado
pelos artistas durante o Renascimento.

A Virgem se eleva de um amontoado de apóstolos, erguida por alguns querubins e


envolta por tecidos de um vermelho e azul vibrantes. Sua expressão é serena, com o olhar
voltado para os céus, e suas bochechas parecem levemente coradas. Os apóstolos têm seus
olhares voltados à virgem; parecem surpresos, arrebatados com a cena milagrosa que, por
sinal, parece ocorrer ao ar livre, devido à vegetação que podemos observar no canto superior
direito da tela e pelo céu intensamente azul.
A obra de Caravaggio também foi construída sob linhas, porém, diagonais, formando
uma composição complexa; vemos quatro personagens com movimentos e posições distintas,
em várias direções. Há movimento e contramovimento, peso e equilíbrio, que criam certo
dinamismo à obra, como se o artista tivesse capturado um momento através do tempo. A
gravidade é visível, quase como se ela fosse mais um sujeito presente em cena. Há um
personagem que se coloca embaixo da cruz, para levantá-la com a ajuda das costas. Podemos
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perceber pela musculatura delineada, uma tensão, indicando que o homem está fazendo
esforço. Ainda nele, vemos em primeiro plano sua traseira, que está muito próxima ao
espectador que, assim como podemos observar a sola de seus pés imundos, parecem tão
próximos nos dando a impressão de quase sair da tela.

A figura central da obra é São Pedro, retratado de forma bastante realista; sua
expressão é exausta, seu rosto possui rugas e linhas de expressão bem demarcadas e nada
idealizado, trazendo a sensação de vulnerabilidade. Quase não se parece uma figura divina,
ao contrário da obra de Annibale Carracci. Seus pés em perspectiva, assim como os do
homem embaixo da cruz, também parecem estar em direção para fora do quadro, pregados
com grandes pregos. Suas mãos também estão pregadas, e traz a nós, espectadores, a
sensação de dor, agonia e tensão.
Em toda cena há um contraste de luz e sombra: o fundo extremamente escuro e o
contraste da luz no corpo do santo que, com focos no abdome e joelhos, traz a sensação de
projeção para frente, um volume. O que é o completo oposto da obra de Annibale, que tem
um fundo mais claro e brilhante.
É interessante notar que ambos artistas fazem uso das cores primárias e do verde, mas
que o resultado é completamente diferente. Enquanto Carracci dá grande destaque às cores,
principalmente por associá-las às figuras divinas presentes na obra, deixando-as brilhantes e

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vivas, Caravaggio faz o oposto; a figura divina, São Pedro, praticamente não possui
vestimenta, tendo apenas um tecido branco cobrindo a sua região íntima. A presença de cores
se dá em tecidos nas roupas dos homens e no canto direito da tela (que parece mais um tom
de cinza azulado do que propriamente um azul) e, ainda assim, elas são menos saturadas - e
até opacas -, se comparadas às da obra Assunção de Maria. Enquanto as cores do artista
bolonhês trazem leveza e vivacidade à obra, corroborando com o tema, as de Caravaggio
fazem parte de uma composição mais sóbria, evidenciando o sofrimento do personagem
central, a crueldade do momento, trazendo, de certa forma, um caráter humano à uma
temática de cerne religioso.
Apenas à título de curiosidade, montei um pequeno esquema que mostra a paleta de
cores das duas obras, lado a lado, evidenciando suas diferenças e, também, suas semelhanças.

A linguagem das obras de Caravaggio teve impacto em seus contemporâneos e artistas que
vieram depois.
Referências Bibliográficas

WÖLFFLIN​, H., Introdução. In ​Renascença e Barroco. ​São Paulo, Perspectiva - 1989.

A. HAUSER​, ​Maneirismo,​ São Paulo, Perspectiva, 1993, 2a ed.

ARGAN​, G. C., ​A arquitetura romana do início do século XVII. In Imagem e Persuasão.


Ensaios sobre o Barroco, São Paulo, Cia. das Letras, 2004.

ARGAN, G. C., “​O realismo” na poética de Caravaggio​. In Imagem e Persuasão. Ensaios


sobre o Barroco, São Paulo, Cia. das Letras, 2004, pp. 193-209.

ARAÚJO​, Carolina. ​O clássico como problema.​ Revista Poiésis, n. 11, p. 11-24, 2008.

HANSEN​, J. A., Barroco, Neobarroco e outras ruínas. In Teresa. Revista de Literatura


Brasileira. São Paulo: Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas-FFLCH-USP/Editora
34, v. 2, p. 10-66, 2001.

A linguagem das obras de Caravaggio teve impacto em seus contemporâneos e artistas que
vieram depois.

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