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CURSO DE PSICOLOGIA
RIO BRANCO/AC
2021
O TRABALHO GESTÁLTICO DE ÉPOCHÉ DIALÓGICA E A RECONSTRUÇÃO
DE ESTILOS DE CONTATO NA ESTRUTURA DO SELF DENTRO DAS
RELAÇÕES FAMILIARES
Prof(a).
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Prof(a).
Membro Interno / FAAO
RIO BRANCO – ACR
DEDICATÓRIA
RESUMO
Este trabalho versou acerca do relato epistemológico e empírico de uma jornada pelo
processo psicoterapeutizador, tendo por respaldo a abordagem da Gestalt-terapia.
Apontamos as experiências e vivências dos fundamentos do atendimento clínico em
psicologia, tais como: acolhimento, escuta qualificada, empatia, coleta de dados e
devolutiva, com o respectivo manejo de intervenções, que se valeram de técnicas e
experimentos gestálticos, à luz do humanismo, existencialismo e fenomenologia. Buscando
articular este acervo epistêmico com os principais conceitos da abordagem gestática: figura
e fundo, aqui e agora, awareness, estilos de contato, fronteira de contato, teoria de campo,
teoria organísmica, teoria do self, experimento e teoria do ciclo de contato. E a partir desse
cenário efetivado nos atendimentos clínicos, notamos que emergiram elementos que
apontaram para a dinâmica reconstrutiva dos estilos de contato, na estrutura do self dentro
do contexto familiar, tendo por interlocutor o trabalho gestáltico de épochê dialógica sob o
amparo da redução fenomenológica. Esse foi o luminar que nos levou didaticamente para
sustentação científica, filosófica e pragmática deste trabalho e norteou nossa visão de
homem durante a psicoterapia.
This work was about the epistemological and empirical report of a journey through
the psychotherapeutic process, supported by the Gestalt-therapy approach. We point
out the experiences and experiences of the fundamentals of clinical care in
psychology, such as: welcoming, qualified listening, empathy, data collection and
feedback, with the respective management of interventions, which used gestalt
techniques and experiments, in the light of humanism, existentialism and
phenomenology. Seeking to articulate this epistemic collection with the main
concepts of the gestational approach: figure and ground, here and now, awareness,
contact styles, contact boundary, field theory, organismic theory, self theory,
experiment and contact cycle theory. And from this scenario implemented in clinical
care, we note that elements emerged that pointed to the reconstructive dynamics of
contact styles, in the structure of the self within the family context, having as
interlocutor the gestalt work of dialogic epoche under the support of
phenomenological reduction. This was the luminary that led us didactically to
scientific, philosophical and pragmatic support of this work and guided our vision of
man during psychotherapy.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................14
2 REFERENCIAL TEÓRICO........................................................................16
2.1 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA: DEFINIÇÃO E BREVE
CONTEXTUALIZAÇÃO ............................................................................16
2.1.1
Definição...................................................................................................1
6
2.1.2 Breve
contextualização...........................................................................17
2.2 COMPREENDENDO A PSICOLOGIA
CLÍNICA........................................20
2.3 GESTALT-TERAPIA: HISTÓRIA E CONSTRUÇÃO.................................24
2.3.1 Perls: uma história que gerou a Gestalt-
terapia....................................24
2.3.2 Saberes e paradigmas que influenciaram a Gestalt-
terapia.................29
2.4 TEORIAS DE BASE DA GESTALT-
TERAPIA...........................................30
2.4.1 Existencialismo
.......................................................................................31
2.4.2 Humanismo..............................................................................................33
2.4.3 Fenomenologia........................................................................................35
2.5 PRINCIPAIS CONCEITOS TRABALHADOS NA GESTALT-
TERAPIA.................................................................................................
37
2.5.1 Figura e
fundo..........................................................................................38
2.5.2 Aqui e agora.............................................................................................40
2.5.3
Awareness................................................................................................4
2
2.5.4 Estilos de
14
contato....................................................................................43
2.5.5 Fronteira de contato................................................................................45
2.5.6 Teoria de
Campo......................................................................................48
2.5.7 Teoria Organísmica.................................................................................
49
2.5.8 Teoria do Self.......................................................................................... 51
2.5.9 Experimento.............................................................................................55
2.6 RELAÇÃO DIALÓGICA NO PROCESSO
TERAPÊUTICO........................57
2.7 A POSTURA TERAPÊUTICA NA CLÍNICA
GESTÁLTICA........................61
2.8 A COMPREENSÃO DA FENOMENOLOGIA
HUSSERLIANA...................65
2.8.1 Psicologia Fenomenológica.................................................................. 65
2.8.2 Pressupostos da fenomenologia e
époché...........................................73
2.8.3 Conceito de consciência e
intencionalidade.........................................74
2.9 A FORMAÇÃO DO SELF NAS RELAÇÕES
FAMILIARES.............................................................................................76
2.9.1 O conceito de self nas Teorias
Psicológicas.........................................76
2.10 TEORIA DO CICLO DE CONTATO DE JORGE PONCIANO
RIBEIRO....82
2.10.1 Breve introdução à Teoria do Ciclo de
Contato.....................................82
2.10.2 Noção de
contato.....................................................................................83
2.10.3 Self e Teoria do Ciclo de
Contato............................................................84
2.10.4 Fatores de cura: reconstruir o estilo de contato na estrutura do
self.87
2.10.5 O caminho terapêutico-gestáltico no ciclo de
15
contato.........................95
2.10.6 Família: lugar de contato e possibilidade de
reconstução..................99
3 DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES
REALIZADAS....................................102
3.1 ANAMNESE FENOMENOLÓGICA........................................................
102
3.2 ESCUTA PSICOTERAPÊUTICA
QUALIFICADA....................................102
3.3 ACOLHIMENTO.....................................................................................
103
3.4 CONTRATO TERAPÊUTICO..................................................................103
3.5 INTERVENÇÕES CLÍNICAS...................................................................104
3.6 TRANSCRIÇÃO DOS ATENDIMENTOS................................................105
3.7 CASOS CLÍNICOS..................................................................................105
3.7.1 Caso 1: “SOU MUITO SOBRECARREGADA” ....................................105
3.7.1.1 Descrição das ações
desenvolvidas.........................................................105
3.7.1.1.1 Resultados
alcançados............................................................................106
3.7.2 Caso 2: “SOU MUITO ESQUENTADO”
................................................107
3.7.2.1 Descrição das ações
desenvolvidas........................................................107
3.7.2.1.1 Resultados
alcançados............................................................................107
3.7.2 Caso 3: “NÃO TENHO LUGAR NO
MUNDO” ......................................108
3.7.2.1 Descrição das ações
desenvolvidas........................................................108
3.7.2.1.1 Resultados
alcançados............................................................................109
4 RELATO DE INTERVENÇÃO.................................................................110
4.1 CASO 3: “NÃO TENHO LUGAR NO
16
MUNDO”.........................................110
4.1.2 Identificação do caso 3: “Não tenho lugar no
mundo”.......................110
4.1.3 Descrição da Queixa
Principal..............................................................110
4.1.4 História de
Vida......................................................................................110
4.1.5 Postura terapêutica durante os atendimentos...................................112
4.1.6 Descrição dos Atendimentos ..............................................................113
4.1.7 Acerca dos estilos de contato e fatores de cura................................123
4.1.8 Principais atividades realizadas..........................................................124
4.1.9 Movimentação do processo psicoterapêutico...................................125
4.1.10 Finalização.............................................................................................126
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................127
6 REFERÊNCIAS......................................................................................129
17
IDENTIFICAÇÃO DO ESTAGIÁRIO
ESTAGIÁRIO
SUPERVISOR
PROGRAMA DE ESTÁGIO
PERÍODO DE ESTÁGIO
360h.
1 INTRODUÇÃO
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1.1 Definição
testifica:
Assim fica claro para nós que a psicologia se propõe estudar e decifrar
cientificamente o mundo íntimo do ser humano. Ou seja, suas particularidades e
idiossincrasias psíquicas, mentais, emcoionais, bem como a expressividade dessa
intimidade no comportamento.
1
O termo História aqui foi escrita com H (h maiúsculo) por referir-se à história como uma ciência
formal.
2
O verbete Psicologia foi grafado com P (p maiúsculo) indicando a psicologia como ciência
formalizada.
22
com isso vai conquistando respaldo e respeito, no que mais tarde despontaria em
uma ciência estruturada, isto é, emancipada da filosofia, à qual ainda se encontrava
bastante atrelhada até então (BOCK, 1999).
Com isso, fica evidente que o desenvolvimento de áreas do saber científico
como a fisiologia, a neuroanatomia e neurofisiologia impactaram decisiva e
diretamente a psicologia. Como se verá, no campo da “neurologia, descobre-se que
a doença mental é fruto da ação direta ou indireta de diversos fatores sobre as
células cerebrais” (BOCK, 1999, p. 39). Por sua vez, “a neuroanatomia descobre que
a atividade motora nem sempre está ligada à consciência, por não estar
necessariamente na dependência dos centros cerebrais superiores” (BOCK, 1999, p.
39), e a neurofisiologia culmina nas descobertas da psicofísica, “que estabelece a
relação entre estímulo, percepção e sensação” (BOCK, 1999, p. 39).
E dessa forma, alcançamos o século XX, o qual inicialmente nos apresenta
Wilhelm Wundt, que cria no ano de 1879, na Universidade de Leipzig, na Alemanha,
o primeiro laboratório para realizar experimentos na área de Psicofisiologia. Esse
marco faz a psicologia separar-se da filosofia, tornando-a ciência independente
(ARAÚJO, 2009). E com Wundt “desenvolve-se a concepção do paralelismo
psicofísico, segundo à qual, aos fenômenos mentais correspondem fenômenos
orgânicos” (BOCK, 1999, p. 40).
A partir de Wundt, a psicologia se estrutura como ciência, constituindo então
métodos de investigação e propondo teorias para seu objeto de estudo: o
comportamento, a vida psíquica, a consciência, a subjetividade em seu primor.
Nascem então as primeiras escolas de psicologia, sao elas: o Funcionalismo de
William James, o Estruturalismo de Edward Titchner e o Associacionismo de
Thorndike (BOCK, 1999).
E assim transcorre o século XX, e com ele veremos emergir relevantes
tendências paradigmáticas na psicologia. Emergindo então inúmeras abordagens
desta ciência, para dar conta da intimidade humana, tais como: Psicanálise,
Psicologia Comportamental (Behaviorismo) e Psicologia Humanista Existencial
Fenomenológica (Gestalt-terapia) (BOCK, 1999).
Vamos discorrer agora acerca da psicologia clínica, tendo por intuito sua
25
concepção clássica de psicologia clínica afirma ser esta uma disciplina que
tem como preocupação o ajustamento psicológico do indivíduo e como
princípios o psicodiagnóstico, a terapia individual ou grupal exercida de
forma autônoma em consultório particular sob o enfoque intra-individual com
ênfase nos processos psicológicos e centrado numa relação dual na qual o
indivíduo é percebido como alguém a-histórico e abstrato.
E nessa postura diante do outro, Figueiredo (2015) nos mostra que a clínica
em psicologia é definida pela sua ética. Ética que no âmbito deste trabalho é
definida por Andrade e Morato (2004, p. 346) “como designando posturas
existenciais e/ou concepções de mundo capazes de dar acolhimento, assento ou
morada à alteridade”. Souza (2007, p. 31) diz que a clínica psicológica atual é
“pautada numa ética e não apenas na técnica, essa é a característica principal da
nova Psicologia clínica”. Uma clínica psicológica capaz de acolher a
intimidade/subjetividade da pessoa em toda sua extensão biopsicossocial-cultural-
espiritual.
3
Psicanálise ortodoxa é fundamentalmente freudiana.
4
Referimo-nos ao behaviorismo com raízes nos trabalhos de Pavlov e Watson.
5
Trata-se da Psicologia Humanista e Existencial,com forte crítica à postura mecanicista, determinista,
fatalista, patologizante e reducionista da psicanálise ortodoxa e do comportamentalismo.
29
conhece a culta e talentosa psicanalista Laura Posner, com quem se casará 4 anos
mais tarde. Laura foi determinante para a construção e consolidação da Gestalt-
terapia (GINGER; GINGER, 1995).
Outro fato notório deste período foi que Perls recebe treinamento como
psicanalista, sob orientações de Helena Deutsh, Hirshman, Otto Fenichel, Paul
Federn e culmina com seu trabalho no hospital psiquiátrico dirigido por Paul
Schilder. Antes de se instruir como psicanalista, Perls já havia passado por análise
com Karen Horney, e em 1928 estará sob os cuidados da análise de Wilhelm Reich.
(GINGER; GINGER, 1995).
Com 38 anos Fritz se envolve com o movimento antinazista. O que ocasionou
momento de tensão na vida da sua família – ele, Laura e sua filha Renata. Para
evitar a prisão pelos nazistas, refugia-se em Amsterdã. Posteriormente sua família
encontra-se com ele, e eles passam a viver num campo de refugiados, enfrentando
uma vida de miséria. Com ajuda de um amigo – Ernest Jones – vai para a África do
Sul. E em 1935 funda o Instituto Sul-africano de Psicanálise. Que dará uma
reviravolta na vida financeira do casal Laura e Fritz Perls (JULIANO, 2004).
Neste ponto da história, se dará um acontecimento marcante para a gestação
da Gestalt-terapia. Estamos no ano de 1936, Fritz conta com seus 43 anos, vai
então para o Congresso Internacional de Psicanálise na Tchecoslováquia para
apresentar seus estudos sobre Resistências Orais. Sua apresentação não foi bem
recebida pelos participantes do congresso. Nesta ocasião o próprio Freud foi frio e
distante com ele, e o encontro com seu antigo analista, Reich, foi decepcionante.
Retorna então, após o congresso, para a África do Sul com o sentimento de
frustração e não pertencimento ao movimento psicanalítico. Esse fato impulsiona
Perls a se afastar da psicanálise e iniciar a construção de uma nova abordagem em
psicologia (GINGER; GINGER, 1995).
No começo surgiram muitas sugestões de nomes para batizar o novo método
terapêutico, advindo de seus estudos e investigações no campo da teoria e prática
da psicoterapia. Laura Perls propôs Psicanálise Existencial, Hefferline sugere
Terapia Integrativa, o Grupo dos Sete 6 de forma geral deseja denominá-la por
Terapia Experiencial e Perls dá como ideia o nome de Terapia de Concentração. E
foi com esse último nome, que inicialmente Perls batizou a nova proposta
6
Grupo dos Sete era o grupo formado pelos primeiros estudiosos e pesquisadores presentes na
sistematização da Gestalt-terapia. São eles: Fritz Perls, Laura Perls, Paul Weisz, Paul Goodman, Elliot
Shapiro, Isadore From e Sylvester Eastman,
31
Nem York. Sob a tutela de Fritz e Laura Perls, esse instituto contou com outras
pessoas engajadas na Gestalt-terapia tais como Paul Weisz, Paul Goodman, Elliot
Shapiro, Isadore From, Sylvester Eastman, que em companhia do casal Perls,
formaram o renomado Grupo dos Sete. Richard Kitzler se juntou ao grupo mais
tardiamente (JULIANO, 2004). Depois vieram outros Institutos de Gestalt-terapia,
tais como o de Cleveland, o de Los Angeles e o de San Francisco (TELLEGEN,
1984).
No ano de 1962, Perls empreende uma viagem ao redor do mundo levando a
Gestalt-terapia na bagagem, ensinando e fazendo demonstrações. Até que em
1964, se instala no mais conhecido centro de desenvolvimento do potencial humano
à época: o Esalen Institute. Passou 5 anos neste lugar, fazendo o que mais amava:
ensinar e demonstrar a Gestalt-terapia. Esse período foi intensamente registrado em
áudio e vídeo. Com o material didático registrado em fitas, vídeos e filmes contendo
palestras, seminários e sessões terapêuticas – nestes 5 anos de trabalho no Esalen
Institute – no ano de 1969, Perls lança seu terceiro livro: Gestalt Therapy Verbatin
(TELLEGEN, 1984).
O título Gestalt Therapy Verbatin chega ao nosso país com o nome de
Gestalt-Terapia Explicada. Foi ainda neste local – Esalen Institute – que nasce seu
quarto livro, e este com caráter autobiográfico – In and out the garbage pail – em
português recebeu o título de: Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata do lixo.
Já no final de sua vida, em 1969, com seus 76 anos de idade, Fritz Perls
empreende a abertura do Gestalt Institute Of Canada, no Canadá, “onde passou os
últimos meses de sua vida, finalmente, em paz, convicto de que sua abordagem
gestáltica estava recebendo reconhecimento em muitos lugares nos Estado Unidos”
(TELLEGEN, 1984, p. 33). Foi por essa época e ocasião que ele escreve sua quinta
obra The Gestalt Approach to Therapy, traduzida no nosso idioma como A
Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia, obra que foi publicada
postumamente em 1973 (TELLEGEN, 1984).
E assim Friederich Salomon Perls, chega ao final de sua jornada, em 14 de
março de 1970, nos deixando como legado uma abordagem psicológica que pode
ser resumida em três tópicos:
E foi assim que a jornada de vida de Friederich Salomon Perls deu ensejo
para se confeccionar a primeira asa da Gestalt-terapia. Esta, por seu turno, nascida
com sua história e seu legado. A outra asa, compõe os saberes e paradigmas que
artesanalmente, contribuíram de forma profunda e decisivamente para a construção
dos pilares sobre os quais se encontra alicerçada a Gestalt-terapia. E que falaremos
a seguir.
2.4.1 Existencialismo
(CARDOSO, 2013).
Pela ótica existencial, o homem é percebido como livre e responsável por
construir a sua própria existência. Isso nos remete ao fato de que o homem surge no
mundo como um ser particular que não possui definição prévia, ele vai se fazendo à
medida que vive sua história. Nasce como ser dotado de possibilidades e por isso
escolhe em cada instante aquilo que quer ser. Efetivando dessa forma seu projeto
de vida e de ser no mundo (CARDOSO, 2013).
Ao postular o homem como livre para escolher e responsável por se construir,
o existencialismo aponta também, que essa condição intrínseca do indivíduo flui
num contexto espaço-temporal marcado por limitações de natureza física, social,
cultural, espacial, temporal, e que estas não determinam o ser, pois ele é o resultado
do que escolheu para si, abrangendo especialmente a forma como lida com essas
limitações (CARDOSO, 2013).
O pressuposto existencialista da liberdade para o ser se fazer e se constituir a
partir de si mesmo, além de vincular-se às escolhas que realiza, igualmente atrela-
se à condição do homem que está em relação com o mundo à sua volta procurando
conferir-lhe sentido. Com isso a liberdade que o homem desfruta também é que
promove angústia. Angústia essa, como atesta Cardoso (2013, p. 61), que é um
“sentimento originado no fato de o homem viver num mundo de possibilidades, sem
qualquer garantia de realização, sucesso ou segurança”. É uma angústia que
impulsiona o agir a partir da idealização e efetivação de um projeto de vida, de um
modo de ser (GILES, 1975).
E o projeto de vida ganha sentido e significado peremptório, uma vez que, o
existencialismo olha de frente os problemas reais da vida do homem, abordando de
forma direta temas indubitáveis que existencialmente perpassa seu viver. Portanto
encara e lida rigorosamente com suas angústias, medos, falta de sentido existencial,
o morrer, o desespero, suas preocupações, suas emoções, suas ânsias e
satisfações (CARDOSO, 2013).
Neste sentido o homem na verdade é o que ele faz de si mesmo, a partir das
suas escolhas. Sendo que o homem é livre para escolher quem ele quer ser e
totalmente responsável por seu projeto existencial. Jamais é determinado ou
definido por qualquer coisa ou situação fora de seu alcance pessoal. Ele não é o que
fizeram com ele e sim o que ele faz com o que fizeram com ele (SARTRE, 2014).
Complementando o entendimento acima colocado, Ribeiro (2012) ajuda-nos a
37
2.4.2 Humanismo
corpo e aceitar o ser humano como um todo que existe e está nesse universo, para
ser compreendido sempre a partir de si mesmo, pois é ele quem sabe o que é
melhor para si mesmo (RIBEIRO, 2012).
Outra característica do humanismo é a valorização daquilo que o ser humano
tem de belo, de bom, de útil e funcional. Essa visão humanista nos reporta ao
cuidado em fortalecer e dar suporte ao homem para que este consiga entrar em
contato consigo, com seu mundo íntimo, e assim pensar e expressar-se
saudavelmente (SILVA; ALENCAR, 2011).
2.4.3 Fenomenologia
todas as ciências”. Para tanto o método necessita incluir tanto a subjetividade bem
como a intuitividade do ser humano.
Corroborando a tese acima, Costa (2010, p. 428) diligencia que
Ela é um processo ativo e sempre se refere ao todo (holos) organizado sob uma
forma ou estrutura de conjunto, uma Gestalt”. Noutras palavras, é a totalidade que
afeta nossa percepção da realidade.
A partir dessa conceituação, emerge um conhecimento fundamental para os
nossos estudos. A compreensão do que seja gestalt. Frazão (2013, p. 102) postula
que “figura e fundo integram o que chamamos de Gestalt, configuração ou
totalidade. Não se pode falar numa gestalt sem considerar figura e fundo”.
Congruente a essa compreensão, afirmamos que figura e fundo não são
entes estáticos, portanto, se transfenomenalizam de forma reversível – um no outro
– e ainda mais, podem se alternar de acordo com o cenário e circunstância. Ou seja,
se imbricam num processo continuado de formação e destruição de gestalten
(FRAZÃO, 2013).
Figura e fundo, na verdade, formam uma relação intrínseca na qual um não
se concebe sem o outro. Não se pode, portanto, falar em figura sem falar de fundo, e
vice e versa. São conceituações complementares, interdependentes, dinâmicas e
fluídas (RIBEIRO, 2006).
Nesse cenário de fluidez de gestalt-gestalten, Perls, Hefferline e Goodman
(1997, p. 36) nos ensinam que “a vida saudável propriamente dita é a expressão da
fluidez no processo de formação figura/fundo, no qual as necessidades dominantes
do organismo são satisfeitas segundo sua emergência”. E acerca desse processo na
estrutura de reversibilidade figura-fundo e necessidades, Perls, Hefferline e
Goodman (1997, p. 35) apontam que “na luta pela sobrevivência, a necessidade
mais importante torna-se figura e organiza o comportamento do indivíduo até que
seja satisfeita, depois que ela recua para o fundo (equilíbrio temporário) e dá lugar à
próxima necessidade mais importante agora”.
Nesse panorama, Ribeiro (2006, p. 125) nos faz perceber que
Somos movidos por nossas necessidades, que, por sua vez, são movidas
pelas nossas motivações. Quanto mais motivados por um desejo, mais
tendemos a torná-lo necessário. Talvez pudéssemos afirmar que desejos
estão ligados à figura e necessidades estão ligadas ao fundo.
toda vez que nossa atenção se volta para algo busca uma figura, essa
busca sempre se realizará sobre um fundo. O fundo é na verdade para onde
olhamos, para onde direcionamos nossa busca pelo que precisamos, que
não nos chama a atenção, até que finalmente encontramos o que
precisamos. [...]. Em última análise, ‘fundo’ é tudo, o que nos cerca, nós
próprios, nossa história... Enfim tudo o que possa servir como contexto para
o surgimento de algo.
Ribeiro (2006, p. 69) afirma que “quando dizemos aqui e agora, um não pode
ser pensado sem o outro, um não destrói o outro e, de certa forma, um constitui o
outro. Aqui e agora significa presença total de um dado em questão. Estou
totalmente presente”.
Acerca disso, Ribeiro (2012, p. 79) afirma que
[...] estar no aqui e agora significa que este aqui e agora contém e explica a
minha relação com a realidade como um todo, ou seja, o que eu vejo, o que
eu percebo agora pode ser explicado pelo agora, sem necessidade de
recorrer a experiências passadas de percepção.
o presente, no sentido de ficar nele. Ou seja, falar dele. Com isso o sentido do estar
no aqui e agora, é: ao falar do presente, permanecer nele, não devanear, perdurar
com o discurso no aqui-agora. Essa estratégia é adotada, para seguramente, se
evitar a problemática do sujeito substituir o contato com sua experiência, por
explicações dessa experiência, ou seja, trocando fatos vividos por expressões
proferidas (POLSTER; POLSTER, 1979).
E no ressonar das palavras de Rodrigues (2011, p. 62), podemos ler que
“uma vez que a pessoa apresenta um problema, no presente, e busca-se no
presente como tal problema é mantido”. Ou seja, só podemos nos compreender
como ser humanos que somos perpassados pela tridimensionalidade temporal –
passado, presente e futuro – e empreender qualquer processo de enriquecimento e
crescimento em nossa intimidade, no aqui e agora.
Complementando o exposto acima, finalizaremos citando um diálogo do filme
Poder além da vida, de 2006, no qual encontramos a seguinte lição: “Que horas
são? - Agora. Onde você está? - Aqui. O que você é? - Este momento”.
2.5.3 Awareness
mesmo (MACHADO; LIMA; FERREIRA, 2011). Sobre esse processo Farah (2009, p.
310) relata:
permeável responsável pelo contato do ser humano com a realidade ambiente. Este
se configura pela proposta do relacionar-se. Sem relacionamento, não há campo.
Contingente a esta perspectiva de campo, Ribeiro (2006, p. 132) “preconiza
que somos, necessariamente, seres de relação (conosco e com o mundo), por
conseguinte, seres em contato, não há como pensar contato como algo abstrato, ou
só da pessoa ou só do mundo”. É nesse entremear que a concepção de fronteira de
contato desabrocha, visando intermediar essa relação da pessoa e seu ambiente.
E assim, nessa interatividade pessoa/ambiente, emergem os mecanismos de
subjetivação do sujeito, produzida nas conexões dele com o mundo. Portanto a
proposta de subjetivar-se é uma função da fronteira de contato. Nesse tocante Fritz
Perls (1988, p. 31) aponta que:
humano como um todo – eis a posição com a qual Goldstein pensava o homem,
como um organismo sempre em relação com o meio, o contexto geográfico,
sociocultural e físico do qual é um elemento indissociável (LIMA, 2013).
Corroborando o que foi dito acima, Pinto (2009, p. 81) “entende o ser humano
como um todo unificado, ou seja, por um lado, uma unidade psique-corpo-espírito e,
por outro, uma unidade indivíduo-meio”. E essas unidades interconectadas num
processo interdependente e amalgamado geram as estruturas que edificam a Teoria
Organísmica.
Podemos afirmar com segurança, que Goldstein ao estruturar seu
pensamento organísmico, buscou suas bases filosóficas na teoria do holismo. Uma
vez que sua proposta prima pela integração entre mente, corpo e meio. E no seu
trabalho, percebe-se que o ser busca autorrealização de acordo com as melhores
condições viáveis e possíveis no momento, tendo como palco a relação do homem
com o meio circundante (LIMA, 2013).
Delacroix (2009) destaca que a teoria organísmica nos entrega como legado,
o fato de que o homem é na verdade homem-mundo. Isto é, conexão-fluxo-
transformação. Assim, fica claro para nós, a visão de não-separatividade, pensando
o homem como um sistema complexo, em permanente interação entre suas partes e
o contexto, portanto, em contínua transformação com este e consigo, dentro da sua
totalidade.
E esses três modos elucidados acima, constituem formas para fazer com que
o self apareça – com intensidade e precisão variável – de acordo com os momentos
vivenciados no campo. Como menciona Frazão (1995, p. 144) “o self é nossa
essência; é o processo de avaliar as possibilidades no campo, integrá-las e levá-las
à completude em função das necessidades do organismo”.
Conclui-se então, que sob o viés da Gestalt-Terapia, o self não é pensado
como uma estrutura. E sim como um processo que imbrica o sujeito ao campo
vivenciado por ele em sua temporalidade.
2.5.9 Experimento
descobrir o que está errado com o paciente e então contar a ele. O que é
essencial não é o terapeuta aprender algo sobre o paciente e então ensinar
isso a ele, mas o terapeuta ensinar ao paciente como aprender sobre ele
mesmo. Isso envolve ele estar diretamente aware de como, sendo um
organismo vivo, ele realmente funciona. Isso tem como base experiências
que são elas mesmas não verbais. Ou seja, por meio do experimento.
(PERLS, HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p. 28)
60
solidariedade, que teima em nos falar e nos fazer ver o outro (ALVES, 1999,
p. 65).
deixava a desejar porque não trazia por si mesma uma resposta que
satisfizesse a toda necessidade de saber do ser humano. A ciência ficava
limitada ao âmbito permitido por seu método, o âmbito do empírico, do
positivo, do imediatamente verificável. A questão do significado da realidade
ou do sentido do mundo ficava fora do método científico.
redução, que o levou à conclusão de que era preciso radicalizar mais a vida
intencional subjetiva, ou seja, reduzir fenomenologicamente toda a vida
psíquica, indo além do regresso aos fenômenos. No entanto para o
cumprimento rigoroso da fenomenologia em ser uma ciência universal da
subjetividade transcendental, ela necessita passar pela investigação
psicológica (GOTO, 2007, p. 162).
isto é, uma psicologia que intenta investigar as vivências psíquicas, subjetivas, que
por sua vez ultrapassa qualquer relação de natureza psicofísica.
Com esses desdobramentos da filosofia fenomenológica em psicologia
fenomenológica, verificou-se que emergiu um saber próprio, voltado totalmente para
o campo profissional da psicologia. Ou seja, esse saber nasce no interior da filosofia
– por meio de elaborações teóricas e empíricas acerca do modus operandi do ser
humano – refletindo na experiência psicológica ditada pelo caminho proposto pela
fenomenologia (AMATUZZI, 2009).
E essa trilha, também foi percorrida pelo movimento humanista-existencial e
seus representantes. E nesse sentido Amatuzzi (2009, p. 96) alude “que se pratica
uma psicologia fenomenológica no contexto da psicologia humanista: elucidação do
vivido baseada na consideração de experiências concretas e situadas”, para uma
compreensão que dê possibilidade para acolher e lidar melhor com o fenômeno.
Assim veremos a psicologia fenomenológica ganhar manejo nas mãos de
autores renomados que colaboraram com Husserl. Goto (2015) a esse respeito,
pontuou que os pressupostos da fenomenologia, relativos ao estudo da consciência
(quer seja empírica – ligada à psicologia, quer seja transcendental – ligada à
filosofia) foram apropriados por Scheler, Stein, Merleau-Ponty, Sartre, Binswanger,
Boss, Frankl e outros, que a partir daí, proporcionaram os alicerces para a edificação
da psicologia chamada “fenomenológica”.
Derivou desse quadro epistemológico formado, duas vertentes. A primeira,
primou pela aplicação desses entendimentos na psicologia clínica, estruturando a
abordagem humanista-existencial-fenomenológica. A segunda vertente, empregou
esse saber na pesquisa psicológica empírica, surgindo então a conhecida “pesquisa
qualitativa fenomenológica”, realizada pelos psicólogos associados à Duquesne
University. (ORENGO; HOLANDA; GOTO, 2020).
Neste momento traremos um adendo a esta seção: vamos abordar
brevemente a psicologia fenomenológica em território nacional. “A história conta
que, no Brasil, a fenomenologia desembarcou na década de 30 do século passado,
inaugurando a fenomenologia como possibilidade metodológica para a psicologia”
(GOTO, 2015, p. 5). Nos idos de 1960 e 1970, a relação fenomenologia e psicologia
ganha expressividade maior, pois, nesta época, a fenomenologia se vincula
fortemente à prática clínica em psicologia (GUIMARÃES, 2000). Diante desse fato, a
história brasileira registra que neste período “vários autores apontam que o
76
situação, processo, pessoa, enfim, desde entes concretos até entes subjetivos que
se mostram à luz da consciência para serem apreendidos e conhecidos. Portanto, o
próprio fenômeno é um pressuposto por si mesmo, pois é o possibilitador de acesso
e conhecimento de uma determinada realidade. Sem o mesmo, nada se sucede.
O segundo pressuposto da fenomenologia, reside no fato da mesma ser uma
ciência eidética; e sua metodologia tem por base a intuição eidética. Eidético, refere-
se a um “termo introduzido na filosofia contemporânea por Husserl [...] para indicar
tudo o que se refere às essências” (ABBAGNANO, 2007, p. 308). Isto é, uma ciência
que prima e busca pela essência. Essência que é definida por “aquilo que se
encontra no ser próprio de um indivíduo como o que ele é” (HUSSERL, 2006, p. 5).
Esclarecendo mais apropriadamente, “as essências apreendidas pela intuição
eidética não são demonstráveis e nem necessitam de demonstração; são evidentes
por si mesmas” (MENDONÇA, 1999, p. 74). Esse pressuposto, nos remete à
percepção do fenômeno que se mostra à consciência tal como foi apreendido pela
mesma. Antes de passar por qualquer classificação, julgamento, juízo de valor ou
parametrização. É a realidade tal qual ela é sem interferências exteriores.
Para manejar eficazmente os dois pressupostos acima, necessita-se
prioritariamente do terceiro pressuposto: redução fenomenológica. A esse respeito
Mendonça (1999, p. 74) demarca que “o método que Husserl usa, como é sabido, é
o da ‘redução fenomenológica’ ou epochê, que consiste em pôr entre parênteses a
‘tese natural do mundo’, isto é, a atitude cotidiana, as coisas exteriores como se as
vê”. Ou seja, é essencial que no relacionamento com o fenômeno, possamos abrir
mão de julgamentos e crenças pessoais, inferências a priori, juízos de valor, e ainda
conclusões precipitadas ou precoces.
Contingente a esse pressuposto, importante pontuar que, a redução
fenomenológica se faz em dois níveis. Sobre isso, descreve Mendonça (1999, p. 74)
Husserl divide a redução em dois níveis: (1) buscar o significado ideal e não
empírico dos elementos empíricos, isto é, discernir a essência ou significado
(2) fazer uma redução transcendental, porque visa a essência da própria
consciência enquanto constituidora ou produtora das essências ideais:
nesse nível, noeses e noemas revelam se como absolutamente a priori –
noema é objeto pensado; noese é ato de conhecimento, voltado para o
objeto.
Husserl diz a este propósito: que a característica das vivências pode ser
indicada como o tema geral da fenomenologia orientada objetivamente, é a
intencionalidade. Representa uma característica essencial da esfera das
vivências, porquanto todas as experiências, de uma forma ou de outra, têm
intencionalidade. A intencionalidade é aquilo que caracteriza a consciência
em sentido pregnante, permitindo indicar a corrente da vivência como
corrente de consciência e como unidade de consciência. Posteriormente, o
próprio Husserl falou de ‘intencionalidade atuante’, no sentido de que a
vivência não se refere somente ao seu objeto, mas também a si mesma.
obras de Edmund Husserl. Para realizar tal intento, Husserl partiu das contribuições
de Descartes, Kant e Brentano. Neste particular, seu interesse maior se deu pela
estrutura da percepção e da imaginação. Examinando a partir daí de forma bem
crítica e criteriosa os fundamentos introspectivos e práticos da psicologia (DEPRAZ,
2007).
Para Husserl, consciência é instância psíquica que nasce da relação do
homem com o seu mundo. Como um verdadeiro processo de relacionamento por
meio do qual advém para o homem, a construção do conhecimento-saber a partir do
mundo9. Seja esse conhecimento-saber de si mesmo, do outro, da natureza ou
ainda de possibilidades abstratas e sutilizadas como intuição, imaginação e
sentimentos. Como infere Alves (2013, p. 116) “a consciência, portanto é para
Husserl, a condição de possibilidade de toda a construção do conhecimento, [...]
sendo a consciência, enquanto resto de tudo aquilo que foi suspenso como
conhecimento no mundo, o seu fundamento último”.
Para que a consciência consiga se estruturar como colocada no trabalho de
Husserl, possibilitando a construção do conhecimento-saber, lança mão de um
processo que lhe é por demais intrínseco: o processo da intencionalidade. Que
também é sua característica central, noutras palavras, intencionalidade é condição
sine qua non da consciência.
Intencionalidade para Husserl, é uma propriedade peculiar da consciência,
que a faz direcionar-se para um objeto no mundo, o que constitui um ato psíquico.
Imbricando-se na relação homem-mundo. E apreendendo-o como objeto, ou seja,
como fenômeno, a partir do qual, vai imprimindo-lhe uma representatividade
psíquica. Expressando com mais clareza, Alves (2013, p. 116) atesta que a
consciência “é um puro ato de representação, ou seja, a intencionalidade se dá no
momento em que o sujeito percebe determinada coisa ou objeto da consciência e
lhe aplica uma determinada representação”.
Aprofundando a exposição acima realizada, Moura (2007, p. 11) explica que
“a intencionalidade será, para Husserl, um fenômeno da ordem da representação.
Intencionar é tender, por meio de não importa que conteúdos dados à consciência, a
outros conteúdos não dados”. Isso só se dá por meio do processo de percepção,
apreensão e representação do objeto no cerne da consciência.
9
No que concerne à relação homem-mundo, Husserl refere-se ao que é percebido e a percepção que o
percebe, entre o que é pensado e o pensamento que o pensa.
80
Sendo assim, com a primeira subdivisão que nos ensina que a direção do
desenvolvimento do self se faz da pessoa para o mundo, temos a psicanálise,
pontuando o self por meio de disposições internas/psíquica no sujeito. Por esse
constructo, o self se desenvolve no mesmo sentido que o Ego se desenvolve,
inclusive se torna o representante deste. Assim, o self ganha a conformação
equivalente à vivência subjetiva particular de si mesmo na estrutura psicológica do
sujeito. Com isso, o self na sua essência, se torna dual ao constituir a subjetividade
e o psiquismo do sujeito ao mesmo tempo, uma vez que pressupõem clara e nítida
fronteira de divisão entre parte interna e parte externa. É por meio dessa divisão que
o self se edifica, como demarcador da relação entre mundo interno e mundo externo
do sujeito (GUANAES; JAPUR, 2003).
Já na segunda subdivisão, temos o self se desenvolvendo do mundo para o
sujeito. Ou seja, do ambiente para a realidade subjetiva da pessoa. Neste particular,
encontramos o behaviorismo, marcando a influência do ambiente no comportamento
da pessoa. A postura do behaviorismo é contrária à promulgada acima. Pois, esta,
prediz que é inviável metodologicamente acessar dados dos processos internos do
sujeito/self (HERMAN, 2007). Podendo apenas falar dos efeitos destes processos
internos, ou seja, do comportamento (CORREIA, 2003). O mundo íntimo é refletido
pela esfera comportamental.
Na terceira subdivisão, que infere que o self se desenvolve da pessoa para o
mundo e do mundo para a pessoa, nos deparamos com a proposta do humanismo.
O humanismo nas palavras de Macedo e Silveira (2012, p. 284) “surgiu como uma
reação ao excesso de ênfase na influência do ambiente, o pólo externo, e,
concomitantemente, apresentou uma reação ao determinismo do inconsciente na
psicanálise, o pólo interno”. A escola humanista – alicerçada pela fenomenologia e
pelo existencialismo – vem no sentindo de redirecionar o desenvolvimento do self
tendo por foco os processos interiores do sujeito, ao mesmo tempo que demarca a
interferência ambiental sobre o mesmo. A esse respeito Guimarães (2005) coloca
que com os estudos de Carl Rogers, o self se torna elemento central na
83
espelho, ilustrando que o senso de self individual é formado a princípio, por meio
das suas próprias percepções sobre como os demais o percebem. Ou seja, o outro
tem função de reflexo, de um espelho, fornecendo informações cruciais sobre a
pessoa para a edificação do self (MACEDO; SILVEIRA, 2012).
Por essa mesma vertente, George Herbert Mead também compreende o self.
Na sua obra de relevância intitulada “Mind, Self and Society, Mead propõe que o self
seja definido através das relações com os outros significativos, o que permite que a
identidade possa emergir e mudar com o passar do tempo” (MACEDO; SILVEIRA,
2012, p. 285). Por essa perspectiva de Mead, a mente se caracteriza por reflexionar-
se sobre si – usando para isso símbolos – sobre o próprio self, engendrando a partir
daí comportamentos socialmente percebidos. A partir dessas considerações,
Macedo e Silveira citando McCall e Simmons, anunciam que o
Neste ponto, o próprio Ribeiro (2007, p. 17) adverte que expõe “uma Teoria
do Contato através de modelos geograficamente apresentados como círculos, que
expressam ciclos de movimentos processuais em forma de contato explicitados por
meio das funções do self”. Abaixo, na figura 1, encontra-se apresentado
graficamente a Teoria do Ciclo de Contato, conforme exposta por Jorge Ponciano
Ribeiro neste parágrafo.
Figura 1: Ciclo integrado dos sistemas, níveis e funções do contato
Isso posto, podemos perceber e descobrir que, à medida que a pessoa vai se
relacionando intrapessoalmente consigo mesma, consegue desfrutar de maior
conhecimento acerca do modo como faz contato, e, portanto, está em condições de
ter consciência mais ampliada, acerca do nível do encontro e separação com os
quais se faz próxima/presentificada ou não das coisas, pessoas e situações. Noutras
palavras, consegue decifrar-se e compreender-se em contato ou bloqueio do
contato.
É nesse ponto que o processo psicoterapêutico ganha intensa
expressividade. Pois, traz à tona os mecanismos e processos inerentes ao
crescimento. Como veremos, crescimento é uma função que se desdobra a partir do
contato.
“Não se podendo pensar contato sem que, implicitamente, se pense em
crescimento. Para isto, é preciso deixar-se levar pelo fluxo do encontro com o outro,
[...], e acreditar no contato como gerador de mudanças e de possibilidades novas”
(RIBEIRO, 2007, p. 49). Com isso, o contato leva a pessoa ao encontro de si
mesma, de sua esfera íntima, até reconhecer-se possível e viável dentro das novas
possibilidades de contato.
Assim estamos diante de um processo gerador de mudanças, pois, o mesmo,
parte dos meandros e interstícios da intrapessoalidade. Como pontua sabiamente
Ribeiro (2007, p. 49) “contato é um ato de autoconsciência totalizante, envolvendo
um processo no qual funções sensoriais, motoras e cognitivas se unem, em
complexa interdependência dinâmica, para produzir mudanças na pessoa e na sua
relação com o mundo”. E esse processo detectado por nós, prescinde de dois
fatores pessoais: a intencionalidade e a responsabilidade.
O que explica o processo da mudança mobilizada, está assentado no
seguinte fato: nosso estilo de contato atual, é fruto das matrizes de contatos
realizadas, que se converteram em introjetos no mundo inconscientemente. E isso
se torna molde para as ações (na verdade de estilos de contato manifestos) que
O Ciclo do Contato, visto por nós como ciclo dos fatores de cura e bloqueios
do contato, nos dá uma visão das diversas formas que o contato assume
em um processo pleno, com começo, meio e fim. Mostrando a dinâmica da
polaridade saúde e seus bloqueios. Cada momento do ciclo é visto como
passos de saúde, ou na direção da saúde definida por nós como a mais
completa e plena forma de contato. Esses passos ou processos são
chamados, indistintamente na literatura, de fatores de cura, mecanismos de
cura ou fatores psicoterapêuticos.
evito contato pelos meus vários maneira mais clara e reflexiva, estou
sentidos, ou faço isso de maneira vaga mais atento ao que ocorre à minha
e geral, desperdiço minha energia na volta, percebo-me relacionando com
relação com o outro, usando um contato mais reciprocidade com pessoas e
indireto, palavreado vago, excessivo ou coisas.
polido de mais, sem ir diretamente ao
assunto. Sinto-me apagado,
incompreendido, pouco valorizado,
afirmando que nada dá certo em minha
vida. Nunca sei por que as coisas me
acontecem como acontecem.
INTROJEÇÃO ("Ele existe, eu não."); MOBILIZAÇÃO: processo através do
processo através do qual obedeço e qual sinto necessidade de me mudar,
aceito opiniões arbitrárias, normas e de exigir meus direitos, de separar
valores que pertencem a outros, minhas coisas das dos outros, de sair
engolindo coisas sem querer e sem da rotina, de expressar meus
conseguir defender meus direitos por sentimentos exatamente como sinto e
medo da minha própria agressividade e de não ter medo de ser diferente.
da agressividade dos outros. Desejo
mudar, mas temo minha própria
mudança, preferindo a rotina,
simplificações e situações facilmente
controláveis. Penso que as pessoas
sabem melhor do que eu o que é bom
para mim. Gosto de ser mimado.
PROJEÇÃO ("Eu existo, o outro eu AÇÃO: processo através do qual
crio.") processo através qual eu, tendo expresso mais confiança nos outros,
dificuldade de identificar o que é meu, assumo responsabilidades pelos meus
atribuo aos outros, ao mau tempo, próprios atos, identifico em mim mesmo
coisas de que não gosto em mim, bem as razões de meus problemas, ajo em
com a responsabilidade pelos meus nome próprio sem medo da minha
fracassos, desconfiando de todo ansiedade.
mundo, como prováveis inimigos. Sinto-
me ameaçado pelo mundo em geral,
98
A psicoterapia não tem necessariamente a ver com a cura, mas sim com a
mudança, a qual pode levar à cura. Mudar significa ressignificar coisas,
pessoas, e, sobretudo, a própria existência. Não é um ato da vontade
apenas, é um ato integrado, envolvendo a pessoa na sua relação com o
mundo como uma totalidade consciente.
Enquanto gera gestos e sinais, o contato é figura e pode ser visto, descrito.
Como fundo, é expressão de nossas introjeções acumuladas ao longo dos
anos e simbolizadas pelo nosso modo de estar no mundo. O contato é,
portanto, um jeito de ser e um jeito de se expressar.
103
Quando nos damos conta disso, de que o self é nossa autoimagem, percebemos
que o self é o retrato que fazemos de nós mesmos ao longo do tempo, pelos
campos de contatos que passamos. Quando em psicoterapia, a relação dialógica
paciente-terapeuta, mobiliza os ingredientes integrantes da autoimagem relacional
do paciente, notadamente mudanças reais e efetivas ocorrem. Ou seja, ocorre
reconstrução do estilo de contato na estrutura do self.
Na sequência desta exposição, iremos conversar sobre a reconstrução do
estilo de contato na estrutura do self dentro das relações familiares.
a saúde de uma família está refletida em sua habilidade para fluir entre as
interações adulto-adulto, adulto-criança, criança-criança, e usar livremente
todas as combinações possíveis. Qualquer combinação fixa que ocorra com
mais frequência do que os outros agrupamentos deve ser notada e
abordada em seus aspectos nutridores ou venenosos. O agrupamento fixo
mais comum é aquele formado pelos pais e por um dos filhos. Isto pode ser
disfuncional, impedindo que os adultos interajam um com o outro.
3.3 ACOLHIMENTO
rotina pessoal e familair, e a partir disso, fez gestão mais congruente do seu tempo.
Também acionou os autossuportes (fantasia guiada e Presente do Mar – que foram
desenvolvidos durante os atendimentos) em sua rotina pessoal e laborativa.
Desenvolveu o diálogo com mais clareza com sua família e seu marido. E por fim,
assumiu sua total responsabilidade em cuidar de si e se fazer bem por meio de
mimos, como dormir mais, se preocupar menos, sair do lugar de faz tudo.
A paciente finalizou seu processo terapêutico após oito sessões, bem ciente
dos seus autosuportes, da sua absoluta responsabilidade pelo seu bem-estar e a
posibilidade de levar a vida de forma mais leve, se permitindo ocupar um outro lugar
na constelção familair e profissional.
4 RELATO DE INTERVENÇÃO
G. S. F., nasceu em Rio Branco no Acre, é filha de um casal acreano, seu pai
e sua mãe são policiais militares.
Sua infância sempre foi marcada pelas desavenças e conflitos na constelação
familiar. Ela conta que “desde pequena tenho muitas responsabilidades
especialmente com a minha irmã, que é 3 anos mais nova que eu” (sic). “Meus pais
foram muito ausentes na minha infância, me recordo mais de meus parentes
estando no cuidado meu e da minha irmã que meus próprios pais” (sic). Quando
tinha 10 anos, seus pais se separaram. Desde à época do separação e ainda nos
dias atuais ela disse que “meu pai pedia pra eu esquecer tudo que aconteceu, que já
tinha passado, para eu parar de sentir as coisas que sinto, para eu ser mais grata.
Minha mãe dizia pra mim que era frescura, pra eu viver de boa, parar com esses
sentimentos, dar graças a Deus pela vida que tenho, e viver como todo mundo vive,
superar essas coisas. Mesmo não conseguindo muito bem, eu quis ser essa pessoa
que eles desejavam que eu fosse para eles” (sic).
Com a separação dos seus pais, G. S. F., foi morar com sua mãe e sua irmã
em uma casa alugada. Pelo período que vai dos 10 aos 14 anos, mudaram inúmeras
vezes. E em cada mudança, G. S. F., ficava por um período 2 meses na casa de
parentes com sua irmã. E nesses 2 meses, ficavam alternando a casa dos parentes.
E com essa situação “parecia que nunca éramos bem-vindos em lugar nenhum. A
gente nao parava em lugar algum. Mudamos muitas vezes. E meu pai foi sempre
ausente. Nunca quis saber nem de mim nem da minha irmã” (sic). Quando G. S. F.,
completou 16 anos, ela, a mãe e irmã, foram morar no terreno que pertence à sua
avõ materna. E lá residem até o presente momento.
Durante a adolescência, ela procurou “fugir” do ambiente familiar. Desde
meus 15 anos de idade, prefiro ficar longe de casa, o maior tempo posivel. Se puder
só dormir em casa melhor. Nao tenho que entrar em contato com ninguém na minha
casa. Prefiro evitar. Devido a isso com 15 anos trabalhou na Polícia Rodoviária
Federal (PRF), com 16 anos no SENAC, com 18 anos entrou para faculdade de
enfermagem e logo aos 19 anos voltou a estagiar. “A correria do estágio me faz
bem. Tanto que pegava qualquer estágio que surgia. Assim fico longe de casa, só
117
volto à noite. Assim dói menos” (sic). G. S. F., alega que desde a separação dos
pais sente uma tristeza profunda, que chora muitas noites, “não sei lidar com o que
sinto, muita angústia, muita dor, muito desespero, já até pensei em me matar. Me
sinto sozinha e perdida nos meus sentimentos. Preciso de ajuda, me perdi de mim,
da minha mãe, da minha família. Nao sei quem sou hoje. Desde pequena que me
culpo pela situação dos meus pais, a separação deles, por isso nao gosto de
comemorações, porque eles se encontram e sempre termina mal” (sic).
Atualmente está em fase de conclusão da graduação em enfermagem –
encerramento do estágio curricular obrigatório, confecção do TCC e apresentação
oral do mesmo.
desconexação. Com isso notei que o self de G. S. F., se ajustou de forma a gerar
desamparo, desconexão, solidão, epsódios depressivos e esvaziamento da energia
de força e engajamento com a vida. Hefferline e Goodman (1997, p. 235) referem-se
ao self como sendo o “sistema complexo de contatos necessários ao ajustamento ao
campo; é o processo permanente de ajustamento criativo do Homem ao seu meio
interior e exterior”. Contingente a isso percebi a presença de bloqueios de contato.
Estilos de contato e conseguentemente bloqueio de contato é um conceito que se
articula com a forma como o homem se relaciona. Quer seja consigo próprio, quer
seja com o outro ou ainda com o mundo que o cerca (GINGER; GINGER, 1995).
Comprovando essa afirmativa percebi em G. S. F., os seguitnes bloqueios de
contato: Fixação – a fixação pode ser vista na fala da paciente quando este
compartilha: “desde pequena que me culpo pela situação dos meus pais, a
separação deles, por isso nao gosto de comemorações, porque eles se encontram e
sempre termina mal” (sic). Deflexão – a deflexão se fez notar na fala da paciente
quando afirmou: “desde meus 15 anos de idade, prefiro ficar longe de casa, o maior
tempo posivel. Se puder só dormir em casa melhor. Nao tenho que entrar em
contato com ninguém na minha casa. Prefiro evitar” (sic). Retroflexão – a retroflexão
é percebida quando a cliente afirmou: “meu pai pedia pra eu esquecer tudo que
aconteceu, que já tinha passado, para eu, para eu paar de sentir as coisas que sinto,
para eu ser mais grata. Minha mãe dizia pra mim que era frescura, pra eu viver de
boa, parar com esses sentimentos, dar graças a Deus pela vida que tenho, e viver
como todo mundo vive, superar essas coisas. Mesmo não conseguindo muito bem,
eu quis ser essa pessoa que eles desejavam que eu fosse para eles” (sic).
No segundo atendimento, ela falou que sentia tristeza ao visitar a própria
história. Falou da crise enfermagem: estudar para a prova da UTI X iniciar o curso
medicina. Falou do sonho da medicina, falou da ansiedade, não dormir bem, não
comer bem devido essa crise. Dialogamos a respeito do sonho da medicina e a
prioridade neste momento, pois falta 1 mês para se formar em enfermagem, e pós
formada poderá dedicar energia, tempo e escolhas para essa situação que a aflige.
Disse que “tenho medo de não dar conta, de decepcionar pessoas e a mim mesmo,
medo da dificuldade, de não conseguir superar” (sic). Fiz uma intervenção
integração de partes: pedi para G. S. F., compartilhar comigo momentos em que ela
sentiu medo de não dar conta, de decepcionar pessoas e a si mesmo, que teve
medo da dificuldade, de não conseguir superar. Ela falou do “momento em que
121
e sinto muita vontade de ir embora de casa, sair de lá. Me sinto triste e sem saber o
que fazer. Tenho mágoas antigas dela” (sic). Indaguei a G. S. F., quem ela imagina
que ela gostaria de ser para lidar com essa situação e esses sentimentos? G. S. F.,
disse “Uma G. S. F., com força e determinação para conseguir sair de lá” (sic).
Perguntei: que G. S. F., está falando isso comigo? Ela respondeu prontamente: “A
G. S. F., que tem 10 anos. Quer se libertar de tanta dor” (sic). Finalizou dizendo que
estava esperando muito pela sessão, e sai levando uma sensação de bem estar e
que a sessão foi maravilhosa. Ela falou “numa frase posso dizer que hoje eu quero
procurar a força que tenho dentro de mim” (sic). Neste atendimento percebi muito
fortemente os estilos de contato de G. S. F., se reconfigurando dentro da sua
constelação familiar afetiva interna (AGUIAR, 2014). E clareou para mim que a avó
materna psiquicamente configurou a fronteira de contato de desamaparo,
desconexão. G. S. F., estava dando os primeiros passos para reconstruir seu estilo
de contato na estrutura do self dentro da sua relação familiar.
No sexto atendimento, G. S. F., chegou dizendo que sentia bem confusa em
relação a alguns pontos da sua vida. Ela pontuou que os pontos eram “minha
colação de grau presencial,a realização do culto ecumênico, o jantar comemorativo
da família” (sic). Nesse atendimento ela focou na questão pai e mãe. Falou que
“estou muito surpresa com meu pai, pois neste último ano de enfermagem ele tem
se mostrado mais presente. Após a minha apresentação do TCC, ficou mais
presente, se interessando por mim. Inclusive ele liga todos os dias para mim, quer
saber como eu estou e se estou precisando de algo. Ele nunca foi assim, sempre foi
um pai ausente e que parece que estava sendo assim agora por uma questão de
culpa e de compensação pelo que não fez antes. Me sinto desconfortável e
desconfiada com essa situação.” (sic). Neste momento do atendimento, G. S. F.,
disse que: “me sinto ansiosa quando meus pais se encontram pois não se dão bem,
por isso não gosto de celebrações e festividades” (sic). Disse que no “último sábado
meu pai foi na casa da minha mãe e conversaram a respeito de mim e das minhas
necessidades nesse momento. O estranho é que me senti bem, muito bem (sic). Ela
ficou surpresa porque a situação envolvendo o jantar de formatura dela tem unido os
pais. Fizemos um experimento neste atendimento chamado Realinhamento da
constelação familiar afetiva interna. Pedi para ela fechar os olhos e resgatar a
sensação que ela sentiu no último sábado ao ver seu pai e mãe. Ela me disse que
era “uma sensação muito boa e tem o nome de liberdade. É uma sensação que
124
aquece. Essa sensação está no meu coração e tem a cor amarela e a forma de
riscos, e é muito bom” (sic). Eu perguntei como é olhar para seus pais apenas como
pai e mãe como você olhou sábado e não como homem e mulher? Ela disse “é
libertador” (sic). Ai convidei para ela olhar para o jantar de comemoração, pela
formatura que acontecerá em agosto, com essa sensação que ela tinha no peito
agora. Ela falou que “sinto confiança, muita confiança, é uma sensação que está na
região da garganta e tem a cor azul” (sic). Eu perguntei como é perceber essas
sensações dentro de você liberdade e confiança, ela disse que “sinto segurança e
está na região do estômago e tem a cor vermelha” (sic). Como é perceber essas 3
sensações e essas 3 cores? Ela disse que “é muito bom, não quero sair dessa
sensação. É muito bom perceber meus pais de forma diferente” (sic). Finalizamos o
experimento. Ai eu pontuei para ela, você me disse que sentia ansiedade quando
seus pais se encontravam, porque você tinha medo que as coisas dessem errado.
Ela falou “realmente via o homem e a mulher e agora vejo os pais. E acredito que
posso lidar um pouco melhor com minhas indecisões” (sic). Perguntei o que você
pode fazer para isso? “Conversar com meu pai sobre esse momento. Não sei o que
decidir. Tenho medo de decidir e essa conversa pode me ajudar” (sic). Falei que
uma decisão não precisa ser uma sentença, a decisão pode ser tomada e mais a
frente ser reavaliada. Ela disse que ela “me pressionava muito e as pessoas também
(cobrando acerca de trabalho/emprego) e que precebo que a decisão pode ser algo
mais leve” (sic). Neste atendimento aplicamos a técnica do realinhamento da
constelação familiar afetiva interna. Trata-se de um recurso criativo-dramático que
consiste no realinhamento biopsíquico-emocional dos 3 princípos norteadores da
constelação familiar: hierarquia, equilíbrio entre dar/receber e o pertencimento
(HELLINGER; TEN HÖVEL, 2001). Com este experimento, notamos como a
fronteira de contato se expandiu muito. E principalmente como o self enquanto
estrutura e função do contato, vai se reposicionando psíquica e emocionalmente.
Permitindo assim que haja reconstrução do estilo de contato na constelação familiar
afetiva interna. E como esse processo vai confeccionando-se em “cura”.
No sétimo atendimento, ela chegou se sentindo em paz. Falou que passou
parte da semana passada na casa do pai cuidando do pai (ele ficou ruim de saúde).
Falou que conversou com o pai acerca de dúvidas que ela tinha sobre a vida
profissional dela. Falou bastante a respeito do jantar de formatura, ela estava
assustada e muito surpresa com o envolvimento do pai e da mãe. Ela imaginava
125
algo mais simples, ela falou que “imaginei que minha família ia se reunir num
restaurante, comer e ir embora. E o tanto que meu pai, quanto minha mãe estão
preparando um jantar de formatura como manda o figurino, bom restaurante, me
perguntaram sobre o vestido de formatura, falam da compra do anel, em agendar
maquiagem e cabelo” (sic). Ela falou que era muita coisa, e não sabia como lidar
com todos esses presentes e nem como receber. Ai fizemos uma conversa sobre a
balança dar e receber Trabalhamos a respeito do dar e receber por meio de fantasia
guiada. Ela falou “nessa balança eu gosto e prefiro dar” (sic). Ai falei é o que seu pai
e sua mãe estão fazendo com você agora. Estão dando...ela ficou reflexiva e
disse...”mas eu não fiz nada pra merecer isso, pra receber isso...como posso
receber tanto sem ter feito nada” (sic). Ai eu pontuei... pra receber e merecer tem
que ter feito algo, e receber o que você está recebendo tem que ter feito algo
extraordinário é isso? Ela falou “sim exatamente” (sic). Então eu perguntei pra ela
se em algum momento da vida ela já havia dado algo para alguém sem querer
receber nada em troca e sem que essa pessoa tivesse feito algo de grandioso pra
isso...ela ficou reflexiva e sorrindo disse sim. Ai eu perguntei o que fez você fazer
isso? O que moveu você? Ela disse “o que me fez fazer foi porque eu amo” (sic).
Nessa hora ela parou... os olhos ficaram estatelados e marejados...ela disse com a
voz trêmula...”meus pais fazem isso porque me amam” (sic). Ficou 2 minutos
assim.... e disse em seguida “nossa tava tão na minha cara e nunca tinha visto isso”
(sic). Eu perguntei como você se sente agora...ela disse “muito leve....tão bom sentir
isso” (sic). Após isso ela disse “meus pais estão fazendo isso porque estão me
dando amor e um lugar afetivo na vida deles” (sic). Aqui neste atendimento fica claro
que os bloqueios de contato na estrutura do self estavam se deslocando. E com
esse deslocamento, deslocavam também a estrutura afetiva que tinha sido
internalizada pelo self na constelação familiar (HELLINGER; TEN HÖVEL, 2001).
Que agora com o processo de awareness obtido com o experimento acima,
inauguramos os mecanismos de “cura” dos bloqueios de contato na
tridimensionalidade funcional do self. E foi oque aconteceu. O experimento realizado
nos mostra o bloqueio de contado deflexivo sendo agora inicialmente reconfigurado,
reconstruído por meio da consciência. Sobre isso Ribeiro (2007, p. 63) afirmar ser “o
processo através do qual me dou conta de mim mesmo de maneira mais clara e
reflexiva, estou mais atento ao que ocorre à minha volta, percebo-me relacionando
com mais reciprocidade com pessoas e coisas”.
126
ATIVIDADES CONCEITOS
4.1.10 Finalização
sua família, tendo conseguido encontrar seu lugar na família e no mundo. E com
isso foi capaz de reconstruir seus estilos de contato na estrutura do self dentro das
suas relações familiares. Nas palavras de G. S. F.,“hoje me sinto livre e aberta,
tenho sentimento de pertencimento à minha família, consigo encontrar meu lugar na
família e no mundo, me sinto filha. Manejo bem o fato de não ter controle de tudo e
de todos. A terapia foi fundamental para esse momento da minha vida. Me sinto
mais madura emocionalmente. Estou preparada neste momento para seguir sem a
terapia” (sic).
133
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
6 REFERÊNCIAS
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