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Universidade de Caxias do Sul – UCS

ENTREVISTA PSICOLÓGICA NO CONTEXTO ESCOLAR

Trabalho avaliativo desenvolvido por Rafaella Ghidini


Stangherlin e Junior Cesar Rasador para Disciplina de
Princípios da Entrevista Psicológica ministrada pela
Professora Clarissa Giuliani Scherer.

Caxias do Sul, 27 de outubro de 2010


Sumário

Introdução ......................................................................................................................... 3
Revisão Bibliográfica ....................................................................................................... 4
Estrutura da Entrevista...................................................................................................... 9
Transcrição da Entrevista ............................................................................................... 11
Relatório/ Laudo Psicológico ......................................................................................... 16
Conclusão ....................................................................................................................... 18
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 19

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Introdução

A entrevista psicológica na escola é um instrumento utilizado pelo psicólogo


para alcançar uma melhor compreensão dos fenômenos estudados na instituição. Este
trabalho tem como objetivo apresentar como realizar uma entrevista psicológica no
contexto escolar, explorando os objetivos, campo de atuação e estruturação da mesma.
Para construí-lo realizaremos uma revisão bibliográfica do tema indicado, a partir da
documentação indireta de dados secundários. Após, para tornar mais explícita a prática
baseada na técnica utilizada pelo profissional da área, construiremos uma simulação da
entrevista psicológica no contexto escolar, bem como um relatório/laudo psicológico da
mesma. Pretendemos assim aprofundar nossos conhecimentos acerca da entrevista
psicológica e de suas áreas de aplicação, o que nos proporcionará maior aptidão na
prática do planejamento e execução desta tarefa, ampliando nosso olhar perante suas
dificuldades e primazias.

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Revisão Bibliográfica

Conforme o site da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional -


ABRAPEE – “psicólogos escolares e educacionais são profissionais que atuam em
instituições escolares e educativas, bem como dedicam-se ao ensino e à pesquisa na
interface”.
Para o Conselho Federal de Psicologia, o Psicólogo Escolar caracteriza-se como
o profissional que
Atua no âmbito da educação formal realizando pesquisas, diagnóstico e intervenção preventiva
ou corretiva em grupo e individualmente. Envolve, em sua análise e intervenção, todos os
segmentos do sistema educacional que participam do processo de ensino- aprendizagem. Nessa
tarefa, considera as características do corpo docente, do currículo, das normas da instituição, do
material didático, do corpo discente e demais elementos do sistema. Em conjunto com a equipe,
colabora com o corpo docente e técnico na elaboração, implantação, avaliação e reformulação de
currículos, de projetos pedagógicos, de políticas educacionais e no desenvolvimento de novos
procedimentos educacionais. No âmbito administrativo, contribui na análise e intervenção no
clima educacional, buscando melhor funcionamento do sistema que resultará na realização dos
objetivos educacionais.
Assim, para dar conta destas tarefas, as temáticas que este profissional aborda
em pesquisas e em sua atuação profissional no campo da psicologia escolar são: os
processos de ensino e aprendizagem, o desenvolvimento humano, a escolarização em
todos os seus níveis, a inclusão de pessoas com deficiências, as políticas públicas em
educação, a gestão psicoeducacional em instituições, a avaliação psicológica, a história
da psicologia escolar, a formação continuada de professores, dentre outros.
Desta forma, o Psicólogo Escolar busca trabalhar para qualidade e eficiência do
processo educacional através da aplicação dos conhecimentos psicológicos.
Mas, no período inicial do desenvolvimento da Psicologia Escolar, o psicólogo
escolar nem sempre foi visto assim. Segundo João Batista Martins, para Carmen Andaló
a psicologia escolar é considerada uma área secundária da psicologia, onde o psicólogo
não recebe valorização. Isso ocorre pois “a área escolar foi caracterizada historicamente
como um desmembramento da área clínica, gerando uma visão de psicologia escolar
clínica”. Esta visão estabelece os parâmetros de atuação em torno da dicotomia saúde x
doença, normal x anormal. Ao atuar sob esta perspectiva, baseada no modelo médico, o
interesse do psicólogo girava em torno da saúde e da doença mental e do diagnóstico e
cura de problemas de comportamento dos alunos. (JOÃO BATISTA MARTINS, 2003)

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Em uma perspectiva de “psicologia escolar clínica” os problemas emergentes no
contexto escolar são todos depositados nos alunos, assim o psicólogo tem como função
tratar os alunos „problemáticos‟ e devolve-los à classe quando „ajustados‟. Ao realizar
um trabalho clínico nas escolas, o psicólogo escolar abre espaço para possíveis
discriminações ou estigmatizações dos alunos por ele atendido.
Assim, ao atuarem conforme o princípio de normatização, baseados em um
modelo clínico, os psicólogos escolares rotulavam os alunos enquadrando-os em
categorias como „adequado‟ e „esperado‟; através da utilização de testes para medir a
capacidade dos alunos, classificavam-nos em aptos ou não-aptos, consolidando um
pensamento excludente. Com o passar do tempo, os testes cederam lugar aos
diagnósticos ou laudos psicológicos. Para Souza (1997):
a maioria dos psicólogos que emitem laudos psicológicos a respeito das crianças com
dificuldades escolares desconhecem a força desse instrumento no meio escolar. Como avaliou
Patto, ao estudar casos de multi-repetentes, a avaliação de um profissional de psicologia sela
destinos. (p.26) (ANDRADA, 2005 apud SOUZA, 1997)
Ao atuar com base no modelo médico, o profissional ocasiona uma atuação
alheia a conjuntura que a escola está inserida, pois torna seu ofício eminentemente
clínico. Porém, Martins aponta que para Andaló, o psicólogo não deve excluir as
contribuições da psicologia clínica, mas em sua atuação deveria
“em vez de abordar os problemas escolares centrando seu olhar sobre os alunos, o psicólogo
atuaria sobre as relações que se estabelecem neste contexto, levando em consideração o meio
social em que estas relações estão inseridas e o tipo de clientela que atende, assim como os
grupos que a compõem. Ele atuaria, portanto, sobre a instituição escolar” (JOAO BATISTA
MARTINS, 2003).
Além disso, apesar das produções atuais buscarem um caminho que possa ser
seguido pelos psicólogos na instituição escolar, postulando diversas funções que o
mesmo pode assumir, deve-se ter consciência que a atuação do psicólogo no contexto
escolar não pode ser delimitada, pois exige ser contextualizada, devendo partir das
necessidades e prioridades emergentes de cada escola. Assim, não é possível padronizar
procedimentos da atuação deste profissional.
Porém, alguns direcionamentos podem auxiliar a prática do profissional. Para
poder compreender os sujeitos inseridos na instituição que está atuando, o profissional
deve ter clareza da necessidade de realização de uma análise institucional, que envolva
todos os setores e indivíduos inseridos ali, bem como as inter-relações existentes. A
partir deste exercício é possível verificar o funcionamento da escola: observar as relações ali

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existentes, detectar os referenciais teóricos que norteiam os professores e dirigentes, bem como
a coerência entre o discurso e a prática dos profissionais. Desta forma, é possível ir além das
queixas iniciais, que tendem a depositar os problemas no aluno.
Destarte, segundo Correia, Lima e Araújo
são enfatizados três pontos como sendo os mais relevantes para a prática do psicólogo no
contexto educacional: 1) iniciar a ação pela análise da instituição, visto que cada escola é
específica e apresentará prioridades também específicas; 2) não esquecer que o processo
ensino-aprendizagem é dinâmico, em constante transformação; logo, não dispõe de
procedimentos rígidos; 3) ter sempre em mente que o processo educacional apresenta-se
como multidimensional, requisitando trabalho “em equipe”. (CORREIA, LIMA E
ARAÚJO, 2001)
Neste contexto, a partir da necessidade de pensar o indivíduo – e a instituição –
em seu contexto sócio-histórico-cultural, torna-se prudente refletir sobre a escola
fundamentando-se no olhar de Vygotsky acerca da elaboração social dos processos
psíquicos superiores. Conforme Andrada “Vygotsky elaborou todo um conhecimento
acerca de como aprendemos, igualando todos os seres humanos no seu processo de
aprendizagem, independente das possíveis limitações orgânicas e/ou físicas.”
Pela teoria Sócio- Histórica de Vygostsky ter se revelado como um dos pilares da nossa
compreensão sobre „como o ser humano aprende‟, e fundamentar muitos projetos
educacionais contemporâneos, utilizaremos esta abordagem teórica para embasar nosso
estudo a respeito da entrevista psicológica no contexto escolar.
Assim, escolhida a abordagem teórica que será utilizada, elucidaremos abaixo,
de forma sucinta, alguns dos principais conceitos desta perspectiva, que nortearão a
construção do trabalho.
Apesar de desenvolvida após a Revolução Russa de 1917, no Brasil a teoria de
Vygotsky passou a ser discutida e amplamente divulgada apenas no final da década de
80 e início dos anos 90. A teoria Sócio- Histórica é em essência, dialética, ou seja, não
pode ser compreendida sem considerar a interdependência entre os conceitos propostos.
A base do pensamento de Vygotsky postula que todo conhecimento é produzido dentro
de um contexto histórico, por um homem igualmente contextualizado e inserido em um
tempo histórico.
As principais idéias de Vygotsky referem-se: (1) à relação dialética entre indivíduo-sociedade,
nas quais originam-se as características tipicamente humanas. O homem transforma o seu meio
e, ao mesmo tempo, transforma-se a si mesmo; (2) às funções psicológicas superiores, que se
originam nas relações entre o indivíduo e seu contexto sócio-cultural, ou, em outras palavras,
têm uma origem cultural; (3) à relação com o mundo, que seria mediada por “ferramentas”
criadas pelo homem; (4) ao cérebro como a base biológica de tais funções mentais. Mas o

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cérebro não seria imutável ou fixo, podendo-se falar em “plasticidade cerebral”. A partir dessa
reflexão entende-se que “os processos psicológicos complexos se diferenciam dos mecanismos
mais elementares e não podem, portanto, ser reduzidos à cadeia de reflexos” (CORREI, LIMA,
ARAUJO, 2001 apud Rego, 1998).
Para Vygotsky o conhecimento se dá pela mediação de instrumentos (objetos do
mundo físico, que mediam a ação do homem sobre a natureza) e signos (instrumentos
psicológicos que mediam o próprio pensamento). A linguagem se constitui como o
signo fundamental, tendo o poder de representar simbolicamente objetos e eventos;
além disso, mais do que comunicar o pensamento, a linguagem tem a função de
organizá-lo e estruturá-lo, influenciando a constituição das funções mentais superiores.
Neste contexto, a escola, que tem como função comunicar às novas gerações os saberes
socialmente produzidos, aparece como elemento mediador na apropriação, pelo
indivíduo, do saber historicamente acumulado ao longo do desenvolvimento da
humanidade.
Para adquirir determinados conceitos científicos, a criança precisa ter
consolidada a compreensão dos cotidianos que lhes dêem suporte, pois os conceitos
cotidianos facilitam o desenvolvimento dos científicos ao relacioná-los com o dia-a-dia.
Os conceitos científicos, por sua vez, permitem uma maior generalização aos cotidianos.
Assim, por serem imprescindíveis e complementares para o processo educacional, é
preciso que a escola não “descontextualize” os conceitos por ela trabalhados, levando
em consideração que o aluno tem um acervo de experiências e conhecimentos anteriores
que podem servir como suporte para a construção de novos conhecimentos. O aluno
necessita entender a necessidade e utilidade daquela aprendizagem. Isso tem
implicações tanto do ponto de vista cognitivo quanto do afetivo e motivacional. Ao
valorizar as experiências dos estudantes e discuti-las no contexto da sala de aula, o
aluno sente-se mais valorizado e os conhecimentos escolares tornam-se mais funcionais.
Desta forma, a escola torna-se um ambiente interessante e prazeroso, ao invés de
fragmentado e tecnicista.
Para Vygotsky, o ensino precisa se adiantar ao desenvolvimento, pois precisa
atingir a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) – compreendida como a distância
entre o que o aluno é capaz de realizar sozinho, já consolidado em seu desenvolvimento
(nível real) e aquilo que ele não pode fazer sozinho, mas consegue realizar na interação
com o outro mais experiente – é que efetiva o aprendizado. Desta forma, a escola deve
valorizar as interações entre os diferentes, pois interações heterogêneas implicam em

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indivíduos com diferentes ZDPs, interatuando uns nas ZDPs dos outros. O aluno menos
experiente é auxiliado pelo mais experiente, pois este pode ajudá-lo em elaborações que
ele não consegue realizar individualmente. O mais experiente, por sua vez, se beneficia
reorganizando e reestruturando suas próprias concepções ao ajudar o outro a
desenvolver novos conceitos. Além disso, ao considerar o conceito de ZDP, o professor
torna-se o suporte para que a aprendizagem do educando a um conhecimento novo seja
satisfatória; pois este tem de interferir na ZDP do aluno, segundo Vygotsky, por meio
da linguagem.
Após esta breve explanação da teoria Sócio-histórica de Vygostky, percebemos
que nela encontramos elementos que dão suporte à análise constante do processo
educativo, através de diversos olhares. Assim, o psicólogo escolar é o profissional que
deve suscitar e instigar esta análise no cenário escolar, sempre considerando as
contribuições dos diversos setores deste e da prática dos profissionais que formam a
escola.

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Estrutura da Entrevista

Indicaremos nesta etapa do trabalho, possíveis questões que possam nortear o


entrevistador na hora de conduzir a entrevista. Conforme apontado anteriormente, a
entrevista será baseada na perspectiva Sócio-Histórica de Vygotsky, porém alguns
aspectos, abordados abaixo, independem da teoria na qual a entrevista se sustenta, e
devem ser praticados por todos os profissionais.
Inicialmente, é importante destacar que para realizar uma entrevista de qualidade
o entrevistador precisa estar integralmente disponível ao entrevistado no momento da
entrevista. Além disso, existem características imprescindíveis que o psicólogo deve
desenvolver, entre elas: respeito – mostrando ao entrevistado que este pode participar
ativamente do processo dentro do seu tempo; consideração positiva – aceitando o
entrevistado, independente de seu perfil ou ações; empatia – compreender o paciente a
partir da perspectiva dele; autenticidade – agindo com liberdade e espontaneidade.
Quanto à estrutura da entrevista que pode ser utilizada no contexto escolar,
segundo Silva, Ribeiro e Marçal (2004) “cabe ao profissional decidir o tipo de
entrevista mais pertinente”. As estruturas existentes são:
Livre ou não-estruturada – busca o discurso espontâneo do entrevistado, conforme o
fluxo natural de suas idéias.
Semi-estruturada ou semidirigida – é livre porém enfoca um tema bem específico, ou, se
guia por uma relação de pontos de interesses que o entrevistador vai explorando ao
longo do seu curso. O entrevistador faz poucas perguntas diretas e deixa o entrevistado
falar livremente sobre as pautas definidas.
Estruturada ou fechada – Padronizada, utiliza de perguntas fixas com ordem invariável
Independente da estrutura de entrevista utilizada, o profissional deve realizar
uma investigação durante seu transcurso, baseada no discurso verbal e não-verbal do
entrevistado. O entrevistador deve, baseado nas suas observações, construir uma
hipótese, para em seguida verificá-la. Dentre os teóricos que estudam as o
desenvolvimento de entrevistas, existe um consenso quanto às fases da entrevista que
devem surgir durante seu transcorrer. São elas:
Introdução: Neste momento o psicólogo deve compreender a razão de o entrevistado
estar buscando sua ajuda, ou, quando este for encaminhado, deve situá-lo quanto ao

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motivo pelo qual sua presença foi solicitada. Nesta fase deve-se estabelecer um vínculo
com o entrevistado, através da confiança.
Exploração: Neste momento o profissional deve desenvolver uma hipótese, baseando-se
em suas observações, a partir do seu referencial teórico.
Teste da hipótese: Após formular uma hipótese, deve-se realizar investigações
adicionais e examinar outros aspectos da vida do entrevistado, para explorar o indivíduo
na sua dimensões bio-psico-social, e assim, verificar a veracidade de sua hipótese.
Feedback: Nesta fase deve-se dar um retorno ao entrevistado em relação aos aspectos
discutidos e avaliados durante a entrevista.
Para tentar compreender uma determinada situação no contexto escolar, o
psicólogo pode utilizar a técnica de entrevista com os alunos da escola, seus pais ou
responsáveis, com os professores, além dos demais funcionários da escola, conforme a
especificidade do caso. Porém, é importante lembrar que a entrevista constitui apenas
um dos instrumentos para compreensão dos fenômenos investigados, e o profissional
pode e deve complementar sua investigação com outros instrumentos.

Questões norteadoras para realização da entrevista com o aluno(em ordem inespecífica):


*Nesta simulação o aluno do ensino médio, de 16 anos, foi encaminhado para a Psicóloga pela
professora, com a queixa manifesta de atrapalhar consideravelmente as aulas, por conversar
excessivamente. Nesta etapa a professora já foi entrevistada pela Psicóloga. Após entrevistar o
aluno, a Psicóloga entrevistará os pais do adolescente.
1. Como é a sua relação com as suas professoras?
2. Como é a sua relação com os seus colegas?
3. O que você pensa sobre vir à escola?
4. Como são as suas aulas? Você se interessa?
5. De que formas você compartilha com sua família sua vida de estudante (trabalhos,
temas, notas, provas)?
6. Que tipo de aluno você é?
7. Como é a sua rotina?
8. O que você faz nas horas livres?
9. Quais as dificuldades que você encontra na escola?
10. Quais as suas facilidades e preferências aqui na escola?
11. O que você pensa sobre ter sido encaminhado para mim (psicólogo)? Como você vê
a situação? O que você pensa a respeito do motivo pelo qual foi encaminhado?

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Transcrição da Entrevista

Antes de transcrever a simulação da entrevista realizada com o adolescente,


contextualizaremos de forma sucinta a entrevista realizada com a professora do aluno
que solicitou seu encaminhamento.
No terceiro mês do período letivo, a professora de Língua Inglesa encaminhou o
adolescente Joséfio Barbosa, estudante da última série do ensino médio, ao serviço
psicológico. Sua queixa era a de que o rapaz, apesar de alcançar excelentes notas nas
avaliações, apresenta um comportamento que não condiz com seus escores: dorme em
sala de aula e, quando acorda conversa excessivamente tumultuando o ambiente e
prejudicando a aprendizagem de seus colegas. A professora conversou com o aluno,
mas diz que o rapaz „só sabe criticar‟ o seu trabalho e dos demais professores.
O aluno foi chamado realizar uma entrevista com a psicóloga. A mesma
encontra-se relatada a baixo:

Ao chegar na sala da psicóloga, o aluno aguardou em média 10 minutos para ser


atendido, os quais ocupou lendo. Após, o aluno foi chamado e convidado a sentar-se. A
psicóloga preparou para aquele momento uma estrutura semi-dirigida, ou seja, com
algumas questões norteadoras, mas aberta ao fluxo do indivíduo.

Psicóloga: Olá Joséfio, fique a vontade para se sentar como você se sente mais
confortável. Tudo bem com você?

Aluno: Tudo.

Psicóloga: Meu nome é Teresa, acho que você ainda não me conhece, eu sou a
Psicóloga da Escola. E, eu te chamei aqui hoje, pra gente poder conversar um
pouquinho. Você pode ficar seguro que aquilo que conversarmos aqui hoje não será
exposto para mais ninguém, manteremos o sigilo ético necessário.

Aluno: Certo.

Psicóloga: Primeiramente, eu gostaria de saber se você tem conhecimento do motivo


pelo qual foi encaminhado até mim?

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Aluno: Acredito que sim, até onde eu sei, estou aqui porque a professora de Inglês acha
que bagunço demais na aula dela.

Psicóloga: E como você vê esta queixa?

Aluno: Ah, sei lá, eu sei que atrapalho, mas tipo, converso bastante porque... tipo, não
tem o que fazer na aula dela. Já sei tudo que ela vai ensinar, a aula dela é um saco,
sempre a mesma coisa. É difícil participar assim, ai eu aproveito pra tirar o sono
atrasado, ou sei lá, trocar uma idéia com meus amigos. E na real, se tu for ver, minhas
notas são as melhores da turma. Eu sei o conteúdo, eu gosto da matéria, mas estudo em
casa, porque na aula é ridícula a maneira como ela ensina. E eu sei que o inglês é
importante, uso bastante ele pra conseguir descobrir as manhas do play3. E tipo, quero
fazer intercâmbio ano que vem, então me puxo pra deixar meu inglês bom, sabe?

Psicóloga: Como você estuda em casa?

Aluno: Bah, tipo, além de estudar em casa eu faço um cursinho de inglês. E to na última
etapa do curso. Daí assim, meu inglês já é tri bom, e em casa, tenho um amigo que veio
pra cá ano passado, fazer intercâmbio na escola, e agora converso com ele pelo skype
daí tipo, conversamos em inglês. Ai tipo, a gente joga RPG on-line, que é de um
servidor americano, aí o jogo é todo em inglês e tipo, pra ti avançar no jogo tem que
conversar com os outros jogadores em inglês. Mas tipo, as outras matérias estudo
daquele jeito mais tradicional sabe, faço as atividades que as „ssoras‟ pedem, busco
informações na internet quando o negócio me interessa. Essas coisas. Sei lá, eu gosto
de estudar, e meus pais sempre me incentivaram, acho que isso ajuda.

Psicóloga: Como teus pais te incentivam?

Aluno: Bah, tipo, meus pais são professores na Universidade, então eles estão nesse
meio, entende? Ai, tipo, direto perguntam que que eu to vendo nas aulas e, gostam de
ver os trabalhos que faço, as minhas provas. De vez em quando to lá no meu quarto
fazendo algum tema e minha mãe senta lá comigo pra me ajudar e tals. Eles também
sempre me dão muitos livros, me ensinaram esse hábito de ler, e cara, é viciante. E acho
que lendo você aprende muito também. Lá em casa também temos o hábito de tipo,

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assistir documentários juntos e ai depois sempre rola as discussões entre a galera. Essas
coisas.

Psicóloga: Então, pelo que você ta me dizendo, você gosta de estudar.

Aluno: É, tipo, eu gosto, sabe, mas tipo, gosto de conhecer essas coisas q tem a ver com
o que ta acontecendo agora, sabe? Que te deixam curioso, tipo, essas coisas que fazem
parte da tua vida, que tu usa e tals.

Psicóloga: E, o que você pensa sobre vir à escola?

Aluno: Sinceramente? A melhor coisa da escola é a troca de idéias com teus amigos,
sabe? Ela é importante sim, mas hoje em dia ela não ta se ligando pra saber como
chamar atenção dos alunos. Ai tipo, se você busca as coisas por conta própria, beleza;
senão o cara se ferra se depender só da escola. As vezes, não desmerecendo os
professores, aprendo mais conversando com algum amigo do que prestando atenção nas
aulas mecânicas que os „ssores‟ dão. Os professores parece que não querem te escutar,
querem dar a aula deles e deu.

Psicóloga: E como é a sua relação com as suas professoras?

Aluno: Ah, eu respeito elas, fico na minha, mas tipo, nunca troquei uma idéia com elas.
Elas chegam, dão a aula e saem.

Psicóloga: E, nessas aulas que a professora chama a tua atenção por estar conversando
demais, e estar atrapalhando a turma, como você responde?

Aluno: Ah, ai... é que assim, se você tivesse lá, você ia me entender. Tipo, ela começa a
aula, da a aula sempre da mesma forma, nunca faz coisas diferentes, ai troco uma idéia
com algum amigo perto, ai ela chama atenção e eu paro. Dali a pouco, não agüento ficar
ali parado, sem fazer nada, escutando tudo que eu já sei. Ai converso mais um pouco, so
que ai, mais algum colega tá entediado e começa a papear com a gente, mas aí não
tenho culpa sabe? E quando vê tem uma galera ai conversando. Só que eu sei que eu sei

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o que a „ssora‟ ta tentando ensinar, mas a galera nem sempre sabe, ai eles se ferram
depois, né. Mas sei lá, as vezes tento dormir, mas ai ela acha que to faltando respeito.

Psicóloga: E o que você acha que teria que acontecer pra aula ser diferente? Pra te
chamar atenção, e envolver a ti e teus colegas?

Aluno: Bah... Deixa eu pensar... Acho que tipo, a professora tem que tentar ver o que a
gente gosta, sabe? Se ela começar a explicar o inglês por motivos que nos interessam, é
claro que vamos participar mais. E, sei lá, fazer umas atividades diferentes, sabe? Pra
gente aprender se divertindo um pouco. Senão é sempre a mesma coisa, ela fica lá
falando, falando, falando e os alunos parados, copiando as coisas ou então viajando,
sabe? Pensando em outras coisas.

Psicóloga: Então tu acha que se a professora mudar a postura dela na sala de aula, tudo
vai mudar, inclusive a participação dos alunos?

Aluno: É, não sei. Tipo, não to querendo dizer que a culpa é só da professora, sabe?

Psicóloga: Como assim?

Aluno: Não, é que tipo, os alunos também precisam ajudar, sabe? Precisam se envolver.
Acho que tipo, se a professora tentar escutar a gente, se a gente conseguir conversar
com ela – sem que ela se sinta ofendida e desconte nota da gente – acho q a turma e a
professora poderiam decidir juntos o que fazer pra mudar, sabe?

Psicóloga: E o que você acha que você poderia fazer para ajudar nesse processo?

Aluno: Eu? Bah. (silêncio). Acho que assim, tipo, se a professora tiver disposta a
escutar a turma e fazer algumas coisas que a gente propor, eu posso ajudar ela, sei lá
como.

Psicóloga: Ok, então deixe-me ver se eu entendi: você compreende que a maneira como
você se comporta nas aulas atrapalha a aprendizagem dos seus colegas, e você me disse
que tem este comportamento porque as aulas são desinteressantes, já que você já

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domina o conteúdo proposto. Você acredita que se a professora alterar a didática dela,
propondo atividades diferenciadas, é possível captar a sua atenção e dos demais colegas
da classe; e por fim, você está disposto a auxiliá-la a realizar estas atividades
diferenciadas para que todos possam ter um melhor aproveitamento da aula. É isso?

Aluno: É, acho que posso tentar.

Psicóloga: Então, vou conversar com a professora, e depois podemos realizar um


encontro entre nós três. O que você acha?

Aluno: Por mim pode ser.

Psicóloga: Ta certo então Joséfio, assim que eu conversar com a professora entro em
contato contigo. Tens mais alguma coisa que tu gostaria de me dizer antes de
encerrarmos?

Aluno: Não.

Psicóloga: Então encerramos por hoje.

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Relatório/ Laudo Psicológico

Segundo o Conselho Federal de Psicologia o relatório ou laudo psicológico


apresenta a descrição de situações ou condições psicológicas e suas determinações
históricas, sociais, políticas e culturais, investigadas durante uma avaliação psicológica.
Sua finalidade é a de fazer uma explanação do processo da avaliação psicológica,
relatando informações acerca do encaminhamento, intervenções, diagnóstico,
prognóstico e evolução do caso, orientação e sugestão de projeto terapêutico.

SIMULAÇÃO DE MODELO DE LAUDO/RELATÓRIO PSICOLÓGICO

1. Identificação
Autor: Teresa da Silva – CRP01/11021
Interessado: Colégio Estadual José Maria Rita
Assunto: Medida Disciplinar – Advertência para problemas de conduta em sala de aula.

2. Descrição da Demanda
O adolescente Joséfio Barbosa, 17 anos, foi encaminhado à avaliação psicológica em
decorrência de dificuldade em participar das aulas, apresentando comportamentos como
dormir ou conversar excessivamente. Segundo a professora, quando o aluno não estpa
dormindo, gera tumulto na sala de aula e atrapalha o rendimento da classe. Além disso,
salienta que o aluno, apesar da não participação, apresenta excelentes notas nas
avaliações. A família, até o atual momento, não foi investigada.

3. Procedimento
Foi realizada uma entrevista em um encontro de 1 (uma) hora de duração com a
professora da instituição, solicitante de auxílio; e uma entrevista em um encontro de 1
(uma) hora de duração com o aluno encaminhado.

4. Análise
A professora responsável pela solicitação de encaminhamento demonstrou, durante a
entrevista realizada com ela, desmotivação, cansaço e estresse. No seu ponto de vista o
adolescente é culpado pelo fracasso de suas aulas, pois segundo ela lidera a turma
fazendo com que ela perca o controle da situação. Na sessão de avaliação o examinando
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demonstrou tranqüilidade, paciência, boa capacidade comunicativa, extroversão,
simpatia, cordialidade, interesse e segurança. O sujeito possui objetivos traçados e
apresenta auto-estima positiva. O indivíduo diz ter um ótimo relacionamento com os
pais, que lhe incentivam e participam ativamente de seu processo educativo. Observou-
se total conhecimento da realidade vivida por ele. O sujeito afirma que prefere dormir
nas aulas ou conversar com colegas, pois devido seu interesse nas matérias e estudos
extra-escolares, já domina os conteúdos abordados em sala de aula, além disso, em sua
opinião eles são apresentados de forma dissociadas do cotidiano. O sujeito acredita que
a alteração da didática utilizada pela professora, com o desenvolvimento de atividades
diferenciadas e diversificadas pode contribuir para melhorar tanto a sua participação em
sala de aula, bem como a de seus colegas. Assim, o sujeito compromete-se em auxiliar a
professora, caso ela requisite, a realizar estas atividades para que todos possam ter um
melhor aproveitamento da aula. O processo de investigação ainda não está concluído.

5. Conclusão
Através dos dados coletados até o presente momento, e sua análise pelo viés da
perspectiva Sócio-Histórica, percebe-se que o professor não atinge a zona de
desenvolvimento proximal do aluno durante suas aulas, desta forma o aluno atua
conforme seu nível de desenvolvimento real (solução independente de problemas), o
que impossibilita seu desenvolvimento. As interações precárias entre aluno e professora,
e a dissociação realizada por ela entre o conhecimento científico e o conhecimento
cotidiano, contribuem para o desinteresse apresentado pelo aluno, o que motiva más
condutas em sala de aula. O ser humano se produz na e pela linguagem, ou seja, é
apartir da interação com outros indivíduos que formas de pensar são construídas por
meio da apropriação do saber da comunidade em que está inserido o sujeito. Desta
forma, faz-se necessário prosseguir as investigações, incentivando a comunicação entre
ambas as partes – aluno e professora – para concretizar as intervenções propostas.

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Conclusão

Através da elaboração deste trabalho foi possível aprofundar nossos


conhecimentos a respeito da entrevista psicológica no âmbito escolar, bem como
desvendar alguns dos fundamentos iniciais da Psicologia Escolar em si, e da prática do
psicólogo neste contexto. Percebemos que a prática da psicologia escolar baseada no
modelo clínico demonstra-se uma prática excludente, que rotula os indivíduos e
marginaliza-os. Assim, o profissional que atua na escola deve manter uma visão
multirreferencial nas suas investigações, sempre considerando a relação dialética entre
escola e indivíduo, bem como o contexto sócio-histórico-cultural intrínseco em cada
situação. Desta forma, cada escola é uma escola – possui demandas específicas,
condições únicas e públicos distintos – o que torna impossível a padronização do
trabalho do psicólogo. Além disso, com a construção deste trabalho foi possível fixar a
aprendizagem da construção de laudos psicológicos, que antes limitava-se ao aspecto
teórico. Por fim, concluímos o trabalho destacando a escassez de produções que
referenciem a entrevista psicológica no contexto escolar

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Referências Bibliográficas

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Psicologia, Reflexão e Crítica, Porto Alegre: v. 18, n. 2, p. 196-199, 2005

CORREIA, Mônica F. B. ; LIMA, Anna Paula Brito ; ARAÚJO, Claudia Roberta de.
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Médicas

MARTINS, João Batista . A atuação do Psicólogo Escolar: multirreferencialidade,


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SILVA, Silvia Maria Cintra da, RIBEIRO, Maria José and MARÇAL, Viviane Prado
Buiatti. Entrevistas em psicologia escolar: reflexões sobre o ensino e a prática.
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Site: http://www.abrapee.psc.br/opsicologo.htm

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