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KARL MARX diferenca entre a filosofia da natureza de Democrito ea de Epicuro ,¢ Seria o leitor capaz de imaginar Karl Marx como um erudito Feenstra Oe wie Ente Mer er Ieee Orit ciclo das filosofias helénicas? Creio que dificilmente, dada Pies Cee Te conrte ie St Mine Nee nme cate cete er ene litante da revolugao comunista. Mas é esse Marx que, a0 menos em parte, vemos surgir neste volume, originalmente sua tese de doutorado sobre a Diferenga entre a filosofia da Di er ee a eee vere e eee Men TNT sidade de Jena em 1841. OTS eNom nec leur Mt mcecmete ene Ca nO Re CRT DCU CC Rer Lo mecse nese se ieia Rote oF Pe eRe reno le ORC M eRe ee Taney Er acerca rer oe Sten lono oc RU a matéria, buscando tirar as consequéncias de cada uma CoE one eae cree eee Reon) Exe utorrent ere Rtn comme Teae ne} enero Ons Oem CeO mM On Toc Lean eee auspicios do amigo e incentivador Bruno Bauer, que ja ern See Foe Meret outer Wine Te Meee aL ete Tey tese foi a perspectiva de uma carreira universitaria, seu significado mais Pere once esate een teen suo men melS atic POL eons Coates CCRC Tod Ce cre Tec ence taco Roar Mean tr Rese TeL) Dec Caw esate Cs ROPE rte ease seer ta NCC Os CECE CROs Treen eee TC steomeny Porter Mn s ene oie sa CEO meen et Oe rected Fearne reece Ts Tectete eco Dem oma eltes io eee Ne ENE Eman toc) ERO tote ee MCP rer) eR et eae enn CMC trae Peco nen nerOey Cee einen sc aka Seratese OSLO Peat} OB eevee mM Cerca EY OnE eer eee ores hon ete eet econo ae Mer Crea ee eats B Tce or como a divindade suprema”. E, medida em que recusa toda autoridade acima do homem, faz da “liberdade da Eee ers te MO ene eT ee realidade. Do mesmo modo, a negagao da divindade nao Ronen eset eterna not corec) filosofia (ou do pensamento livre) contra “o entendimento Erte ert e a Celera Nee Les OMe ccc ms CeO U CMS CEC Peete mec Mls eee mata Sete cones! PRE ose Cuno em ORCI saree Mea eet! Peston ieee teen te RR eR ec) prot eeetar Gree vieN eet em aoe et ane t CRY Cee cr me Rn Ce inteiramente frustradas. Com 0 acitramento da repressao PO te Mes eee eee ec rMensrU One Merri acd sidade e proibidos de exercer a docéncia. Perdia-se assim um eminente professor de filosofia helenista, mas abria-se © caminho para o grande projeto de compreensao e critica eRe este teem etre coe rae Tartu Karl Marx DIFERENCA ENTREA FILOSOFIA DA NATUREZA DE DEMOCRITO E A DE EPICURO Tradugéo Nélio Schneider Apresentagao Ana Selva Albinati © Boitempo, 2018, ‘Traduzido do original em aleman Differene der demokritschen-und epibereisehen Naturphilesophie nebst einem Anbange, em Katl Marx, Werke, Artikel, Literurische Versuche bis Mare, 1843 (MEGA-2 U/1, Berlim, Diete, 1975), p. 5-92 (texto) e 879-962 (aparato). Direedo editorial Tvana Jnkings Pigdo Bibiana Leme Coardenagio de produsio Livia Campos Asistencia editorial Uhaisa Burani Trudugéo Nélio Schneider Preparagdéo Thais Risakus Revicéa Thafs Nicoleti Capa Antonio Kehl (sobre ilustraeio de Gilberto Maringoni) Diageamagto Crayon Editorial (p. 2: detalhe de “Karl Marx conversa com trabalhadores franceses em 1844”, pintura a éleo de Hans Mocznay, 1961) Camargo Equipe de apoin: Allan Jones; Ana Yumi Kajili, André Albert, Artur Renzo, Camilla Rillo, Eduardo Marques, Elaine Ramos, Frederico Indiani, Heleni Andrade, Isabella Barboza, Isabella Marcatei, Fearn Oliveira, Kim Dotia, Marlene Baptista, Mauricio Barbosa, Renato Soates, Thais Barros, Tulio Candiorto CIP-BRASTL. CATALOGACAO NA PUBLICAGAO SINDICATO NAGIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Massa Mars, Kar, 1818-1883, Diferenga cinre as flosofis da narunezs em Deméerlto © Epicuro / Kael Heintich Mare; * traducio Nélo Schneider. 1 ed. - Sto Paulo : Hoitempo, 2018. (Mare Engels) ‘Tradupio de: Diflerens dee domoleitischen nd eplureachen natusphilasophic Inclu cronologia ISBN 978.85-7559.603.6 1, Filosofia da nares 2, Democritus, >. Epicurus |. Schneider, Néio I. Teo. I. Séxe 17.46853. epp:113 cpu: 133, E vedada a reprodugao de qualquer parte deste livro sem a expressa auorizacio da editors, Pedigto: janeiro de 2018 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Editores Associados Ltda, Rua Percira Leite, 373 (5442-000 Sao Paulo SP Tel/fax: (11) 3875-7250 J 3875-7285 éeditor@boicem pocditorial.comn.br | www-boitempoedicorial.com.br wiv blogdaboitempo.com,br | wi. lacebook.com/boitempo ywmvctwittercom/editoraboitempo | www youtube com/wboicempa SUMARIO Nota da edic&o.... Apresentagio & edigao brasileira - Ana Selva Albinati .. DIFERENGA ENTRE A FILOSOFIA DA NATUREZA DE DEMOCRITO E A DE EPICURO. Prefacio. sei RE Prefacio. PRIMEIRA PARTE: Diferenga entre a filosofia da natureza de Demicrito e a de Epicuro em termos gerais... |, Objeto do tratado....... Il. Pareceres sobre a relagdo entre a fisica de Demécrito € ade Epicuro Ill. Dificuldades quanto 2 identidade da filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro.. IV. Diferenga fundamental geral entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro]....... IV. Resultado]... SEGUNDA PARTE: Diferenca entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro em termos especificos..... Capitulo |: A declinagao do atomo da linha reta.. Capitulo Il: As qualidades do tomo... Capitulo Ill: “Atopor dpyai e tetonta oroueeta..... Capitulo IV: O tempo... Capitulo V: Os meteors... Apéndice: Critica a polémica de Plutarco contra a teologia de Epicuro.....127 1. A relagao entre ser humano € Deus...... [I A imortalidade individual. Cronologia resumida de Marx e Engels... Colegio Marx-Engels.....setesee NOTA DA EDIGAO Esta obra, a 24¢ que a Boitempo publica pela colecéo Marx-Engels, tem algumas caracteristicas que a diferenciam do conjunto dos escritos de Karl Marx. Em primeiro lugar, trata-se de um trabalho rigorosamente académico, que se aprofunda no estudo critico das bases da filosofia grega antiga; em segundo, trata-se de um volume incompleto, do qual grandes trechos se perderam com o passar dos anos. Escrito de agosto de 1840 até marco de 1841, apés estudos preparatérios no decorrer do ano de 1839, 0 texto que o leitor agora tem em maos foi aceite como tese de doutoramento de Karl Marx pela Universidade de Jena. O autor fez duas tentativas de publicd-lo na forma de livro, como se vé pelos preféicios, mas, por razGes que se desconhecem, 0 projeto permaneceu inconcluso e, com isso, seu suporte material sofreu pelas condicées pre- cdrias de conservagio. O texto de que dispomos atualmente é baseado em COpia feita por alguém descanhecido com base em um manuscrito de Marx que nao se conservou. Essa cépia foi revisada e complementa- da pelo proprio Marx. Mesmo com lacunas, a obra € de grande relevan- cia para a compreensao do pensamento de Karl Marx, no que diz res- peito tanto ao seu método como a sua formagao intelectual e filosofica. Traduzido por Nélio Schneider, especialista nao apenas em alemao, mas em latim e grego, 0 texto 6 uma pequena obra de arte da filologia. A fim de preservar da melhor forma possfvel todo seu rigor, junto com sua versao para o portugués foram mantidas as citagGes originais. Sera possivel ao leitor perceber algumas divergéncias entre a traducao pro- posta por Marx para citagées de autores antigos no texto principal e a traducao moderna apresentada nas notas de rodapé. Ocorre também que 0 préprio Marx, em varios momentos, traduz a mesma passagem Nota da edigao do grego ou do latim com palavras diferentes, opcao que se optou aqui por respeitar, como de praxe nas obras da colecdo Marx-Engels. Q res- tante dos critérios de edigao segue igual aos dos outros volumes da cole- Gao: as notas do autor estado numeradas; as da edigdo alema, “(N. E.A.)”, do tradutor, “(N. T.)”, e da edigao brasileira, “(N. E.)”, sao indicadas com asteriscos ou, caso complementem uma nota do autor, aparecem como acréscimos entre colchetes. Também entre colchetes aparecem os acrés- cimos editoriais ao longo do texto principal de Karl Marx. Por falar em “Karl Marx”, o leitor atento perceberé um detalhe curioso & pagina 17: a tradicional grafia do nome do autor acrescenta- -se desta vez um nome do meio, “Karl Heinrich Marx”. De acordo com 0 estudioso alem&o Michael Heinrich, autor de uma biografia de Marx que em breve sera publicada pela Boitempo, “no registro de nascimentos da cidade de Trier consta simplesmente ‘Carl Marx’. As- sim como na certidéo de casamento e no regime matrimonial de bens, assinado com sua esposa, Jenny”. O “K” em vez do “C” em “Karl” foi a opcao mais usada pelo autor ao longo de toda a vida (em- bora com variagées), porém “Heinrich” s6 foi utilizado por ele em seus anos de estudo universitério. Ainda segundo o biégrafo, © pai de Karl se chamava Heinrich e, quando Karl Marx se matriculou na Universidade de Bonn, em 1835, para estudar direito, ele indicou o nome Karl Heinrich Marx. Nao sabemos se ele queria, com isso, homenagear 0 pai. Karl Marx, que nessa época era muito mais interessado por postica do que por direito, queria, na verdade, tornar-se poeta. Talvez o mero “Karl” Ihe fosse simples demais, “Karl Heinrich” tinha um pouco mais de forca. Com esta edigao, que apresenta, portanto, quase um outro Marx, colaboraram os professores de filosofia Ana Selva Albinati, autora da apresentacao a edigiio brasileira, e Rodnei Nascimento, autor do tex- to de orelha, além do ilustrador Gilberto Maringoni, autor do jovem Marx que estampa a capa deste volume. A Boitempo agradece a eles ea todos que, de uma forma ou de outra, participaram desta publiga- Gao: tradutor, revisoras, diagramacloras e sua sempre aguerrida equipe interna. A editora é grata ainda A equipe da MEGA-2, em especial a seu diretor-executivo, Gerald Hubmann. 8 APRESENTAGAO A EDIGAO BRASILEIRA Ana Selva Albinati Diferenca entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro foi 0 titulo dado por Marx a sua tese de doutoramento, em 1841, quando tinha apenas 23 anos. Encontrado incompleto, este trabalho mantém sua importancia tanto pela abordagem original da filosofia pés-aristotélica quanto pelo que revela das inquietudes da jovem Marx frente ao seu tempo e & filosofia pds-hegeliana. O interesse do autor pelas escolas pés-aristotélicas se dé pelo re- conhecimento de que, em seu conjunto, elas contém a “construgao completa da autoconsciéncia”!. Observa Marx: Parece-me que, ao passo que os sistemas mais antigos sio mais significa- tivos e mais interessantes pelo contetido, os pés-aristotélicos - sobretudo co ciclo das escolas epicurista, estoica e cética — 0 so pela forma subjeti- va, pelo cardter da filosofia grega. $6 que, até agora, justamente a forma subjetiva, suporte espiritual dos sistemas filos6ficos, foi quase totalmente esquecida em fungao de suas determinacdes metafisicas.* Enfatizando tais sistemas como arquétipos que migraram para Roma, 0 autor chama a atengao para o fato de que “o proprio mundo modemo foi obrigado a thes conceder cidadania intelectual plena”*, numa alusdo ao principio da subjetividade que caracteriza a moderni- ' Ver, neste volume, p. 31 2 Idem, 2 Ver, neste volume, p. 30 Apresentagiio @ ediefo brasileira dade. Para Marx, longedeserem “um suplemento quase inconveniente”* da filosofia aristotélica, esses sistemas filosdficos sao passiveis de uma real compreensao apenas na modernidade: “S6 agora chegou a época em que serd possivel entender os sistemas dos epicuristas, dos estoicos e dos céticos. Trata-se da filosofia da autoconsciéncia’’, que assume uma grande relevancia nesse primeiro momento da trajet6ria intelec- tual de Marx, marcado pela atmosfera tedrica do idealismo ativo. A propria sugestao do tema teria sido, de acordo com varios comenta- dores, de Bruno Bauer. Tal projeto nao teve o desenvolvimento previsto, limitando-se o autor ao estudo da relacao entre a fisica de Democrito e a de Epicuro, instigado pela questao de como esses pensadores poderiam ser perso- nalidades tao distintas entre si e apresentar compreensoes da realidade t4o diversas, se partiam do mesmo principio, 0 atomismo. Analisando a concep¢ao de étomo em ambos os autores, Marx foi capaz de re- construir dois blocos filosdficos distintos, sistemdticos e coerentes, num trabalho notavel de escavacao dos principios. Distinguindo em tragos largos as duas filosofias, na primeira parte da tese Marx nos revela um Demécrito angustiado e cético e um Epi- curo dogmitico e satisfeito, tragos de personalidade compreensiveis pela maneira como concebiam a realidade e 0 conhecimento. Na segunda parte, Marx adentra nas diferencas especificas na concepgaio dos 4tomos e contesta a leitura consolidada segundo a qual o epicu- rismo seria um mero plagio da filosofia de Demécrito que nao trazia maiores contribuigd Nesse empenho, joga luz nos elementos distintivos do pensamento e que, inclusive, deturpava 0 modelo original. de Epicuro, cujo coroamento é a afirmagao da autoconsciéncia como principio supremo. A questo em foco 6a da relacio entre autoconsciéncia e mundo — questo que, no idealismo ativo, é tratada de forma a privilegiar a autoconsciéncia como elemento reclamador do principio da razdo + Ver, neste volume, p. 29. ° Ver, neste volume, p. 25. 10 Diferenga entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro contra a positividade do real. Nesse sentido, 0 interesse por Epicuro pode ser compreendido por ser esse 0 autor que, ao trabalhar a con- traditoriedade do tomo em sua determinagao natural — a queda em linha reta — e em sua autodeterminagao, através do movimento da declinagao, introduziriaa liberdade na prépria natureza, contrapondo- -se ao materialismo mecanicista de Demécrito. A afirmacao da declinagao como “alma do dtomo” é 0 conceito da particularidade abstrata; é 0 principio da autonomia que, ao se con- trapor ao movimento da queda em linha reta, possibilitaria 0 encon- tro dos atomos e a formacdo do mundo’. Marx analisa que, em rela- cao & linha reta, “a particularidade abstrata s6 pode operar seu conceito, sua determinacao formal, 0 puro ser-para-si, a independén- cia em relagao a existéncia imediata, a supressdo de toda relativida- de, abstraindo da existéncia com que ela se depara"”. A diferenga patente em relacdo ao atomismo de Demacrito é que a necessidade nao reina sozinha na natureza do 4tomo, abrindo espa- G0 para 0 acaso € para a vontade. Na medida em que o movimento da declinacio, introduzido por Epicuro, permite a passagem da ne- cessidade a liberdade, também fica garantido 0 transito da fisica & ética, questées caras aos jovens hegelianos de esquerda. No entanto, a autodeterminagdo nao reina sozinha e, para que se dé a repulsao, ou seja, 0 encontro dos atomos e a constituigéo do mundo, é necessario considerar o principio material, a determinagao natural da queda em linha reta. Donde a realizagao da declinagao, a0 ser posta em termos positivos, se dé em meio também a necessidade e ao acaso, de modo que, na repulsao, “estado sinteticamente reuni- ‘A doutrina do clinamen, segundo |o30 Quartim de Moraes, foi formulada por Lucrécio em De Rerum Natura. © autor sustenta “que o atomismo de Epicure nao precisa do clinamen para negar o império da necessidade, nem para explicar a jungao dos dtomos no vazio"; ver joao Quartim de Moraes, Epicuro: sentencas vaticanas (Sav Paulo, Loyo- la, 2014), p. 20. Sem entrar em detalhes, apenas referiremos aqui que isso nao passa desapercebide por Marx, que afirma, em passagem do cademo | de anotagoes, a res- peito do clinamen: “Lucrécio pode ter tomado ou no essa explicagio do proprio Fpicuro. Isso ndo afeta em nada a questa"; ver Karl Marx ¢ Friedrich Engels, Marx: escritos de juventud (Cidade do México, Fondo de Cultura Econémica, 1987), p. 78. Ver, neste volume, p. 79; grifos do original. 11 Apresentacio & edicao brasileira das, portant, a materialidade deles, da queda em linha reta, e sua determinagao formal, posta na declinacao”’. Exposta a diferenca fundamental dos principios do atomismo de Demécrito e de Epicuro, salientam-se dois aspectos na filosofia epi- curista: a apreensdo da “alma contradit6ria” do mundo e a emergén- cia da autoconsciéncia como prine{pio de todas as coisas. O primeiro aspecto serd aprofundado na andlise das qualidades dos 4tomos e na compreensao de Epicuro da contraditoriedade do Atomo como prin- cipio e como elemento material, cuja realizagaio da esséncia & “de- gradada 4 condicéo de matéria absoluta, de substrato amorfo do mundo fenoménico”®. Acrescente-se a esse desenvolvimento a andli- se do tempo como o elemento devorador do fenémeno, que nos re- vela a esséncia. Tudo isso faz com que Marx reconhega Epicure como “o primeiro a conceber a manitfestagdéo como manifestacao, isto é, como estranhamento da esséncia, sendo que ela prépria se torna atuante em sua realidade como tal estranhamento”"”. O segundo aspecto é mais bem determinado no capitulo sobre os meteoros, quando Marx encontrard desnudado o principio da auto- consciéncia como fundamento da filosofia epicurista. Isso porque é 0 grega no que se refere a perfeic&o dos corpos celestes, o faz no propésito de afirmar a supre- ali que Epicuro, ao contrariar toda a tradi macia da autoconsciéncia. A autoconsciéncia se manifesta na contra- digdo entre ess€ncia e existéncia. Nao existindo essa contradicao, haveria uma conciliacdo entre autoconsciéncia e mundo, com a ab- sorcao da primeira pelo segundo, abrindo caminho para o misticismo eo especulativo. Segundo Marx, é coma se, nesse momento, o princi- pio da autoconsciéncia se afirmasse plenamente na teoria de Epicuro, que leva até as tiltimas consequéncias uma consciente oposicao da individualidade abstrata 4 universalidade. Essa autoconsciéncia, ins- talada na natureza do dtomo pela declinagao, seria caracterizada Ver, neste volume, p. 82. * Ver, neste volume, p. 101; grifas do original © Yer, neste volume, p. 105. 12 Diferenca entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro steriormente por Lucrécio como “aquele algo em seu Amago que é paz de contra-atacar e resistir”" Nao se pode deixar de situar tais escavagées do autor no tempo ‘le e de pensd-las em meio aos debates de ent&o. Marx se refere ao Jenismo como uma época titanica, de separacao, sem conciliagio tre a filosofia e a realidade. Nesse contexto, a tinica ventura é 0 fato que essas filosofias se voltem contra a positividade do real. Em ‘seus cadernos de anotacées, Marx dird de uma “necessidade histéri- 2" que permite a compreensao de como, depois de Aristételes, pode sair 8 luz um Epicuro. A ruptura da pélis e da totalidade ética explica por que “as filosofias epicurista e estoica foram a ventura de seu tem- po; assim como a mariposa noturna, que busca a luz da lampada particular quando jé se pds 0 Sol universal” Ao se referir a Antiguidade, porém, o que Marx tem em vista é seu proprio tempo. Nas notas ao capitulo IV da primeira parte, referindo- -se 8 cisdo entre os discipulos de Hegel, ele mencionaré duas tendén- cias que se opdem, a liberal e a positiva: A primeira retém como determinacao principal 0 conceito e o principio da fi- losofia, enquanto a outra retém como tal seu nao canceito, 0 fator da realidade. Essa segunda tendéncia é a filosofia positiva. O ato da primeita é a critica e, portanto, exatamente o voltarse para fora da filosofia, sendo o ato da segunda a tentativa de filosofar ¢, portanto, 0 voltarse para dentro de si da filosofia, a0 tomar ciéncia da deficiéncia como algo imanente & filosofia, ao passo que a primeira a compreende como deficiéncia do mundo a ser tomadbo filos6fico.” Tomando partido da tendéncia liberal, Marx nao deixa, entretanto, de apontar suas limitagGes, na meciida em que cinde a totalidade do sistema hegeliano, compreendendo seu carater conciliatério como uma conces- sao por parte de Hegel 4 realidade politica de sua época. Nessas notas, Marx questiona o teor moral da critica enderegada a Hegel, ressaltando Ver, neste volume, p. 76. 2 Ver Karl Marx e Friedrich Engels, Marx: escritas de juventud, cit,, p. 132. © Yer, neste volume, p. 58-9 13 Apresentagiio a edicao brasileira que o que deveria ser mais bem examinado 6 0 principio do sistema, a fim de encontrar nele as insuficiéncias. Tal adverténcia é interessante na medida em que j4 revela a natureza da investigagdo que o autor desen- volvera em toda a sua obra. No entanto, essa investigagao do principio hegeliano ainda nao é desenvolvida na tese doutoral. O que se percebe claramente é a refutacao da histéria da filosofia apresentada por Hegel, a partir da contraposigao da leitura acerca de Epicuro, valorizando neste 0s aspectos criticados por aquele - quais sejam, o abandono da teologia e da teleologia em prol da liberclade da vontade, a modalidade em que a filosofia se comporta como consciéncia subjetiva frente a realidade. No entanto, uma vez que a categoria de totalidade, herdeira do he- gelianismo, 6 referéncia para a tese doutoral, 0 que se observam sao indicagGes elogiosas do procedimento epicuriano de confrontagaio da necessicade, ao mesmo tempo que indicagées criticas do principio da particularidade abstrata que se comporta frente & objetividade como uma exterioridade. Ao tratar da duplicidade do atomo como principio, existindo no vacuo, e do dtomo como elemento, existindo na realidade, Marx afirma a respeito do procedimento de Epicuro: Como seu principio é 0 tomo, também o modo de seu conhecimento € atomis- ta. Cada momento do desenvolvimento de imediato se transforma sub-repticia-~ mente em uma realidade fixa, separada do contexto como se fosse pelo espago vazio; toda dleterminagao assume a forma de uma particularidade isolada."* Essa caracterizagao feita por Marx nos remete a sua inten¢do inicial de fazer um estudo da filosofia helen{stica. Como tal projeto no se com- pletou, nao hé elementos que possam indicar, com certeza, 0 rumo pelo qual Marx encaminharia a questao da autoconsciéncia a partir do epicu- rismo. No entanto, a indicagao, por diversas vezes repetida, do carater da autoconsciéncia singular em Epicuro aponta para sua limitagdo: “A par- ticularidade abstrata é a liberdade da existéncia, nao a liberdade na exis- téncia”, Se atentarmos a esse trecho, observaremos que 0 entendimento ‘4 Ver, neste volume, p. 99. "Ver, neste volume, p, 102. 14 Diferenca entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro do dtomo enquanto particularidade abstrata s6 pode desembocar numa atitude de desvio do existente, 0 que corresponde ao ideal da ataraxia. José Américo Pessanha pondera a esse respeito: ‘Ao escrever a tese sobre os materialistas antigas, Marx reconhece que a liberdade alcangada no epicurismo é aquela possivel numa filosofia da auloconsciéncia: uma liberdade somente interior. £ a liberdade compati- vel com uma filosofia do individuo isolado, da declinacdo do étomo —e que se amplia apenas até as dimens6es da solidariedade dos pequenos grupos privilegiados pela sabedoria, as dimensées da serena e prazerosa amizade, como na confraria do Jardim de Epicuro ou do Doktorklub."* A tese doutoral suscita ainda hoje ricas polémicas quanto a seu lugar na obra de Marx. Alguns intérpretes enxergam nesse texto uma primeira aproximacio de Marx com o materialismo. E, por exemplo, a posigdo de Denis Collin no artigo “Epicuro e a formac&o do pensa- mento de Karl Marx’”, em que sugere que a tese seria 0 ponto de partida para o materialismo de Marx. Também John Bellamy Foster, em A ecologia de Marx: materialismo e natureza"*, acredita que a critica materialista de Hegel ja est4 presente na tese, 4 qual se sobre- ps posteriormente a influéncia de Feuerbach. Mesmo Gyérgy Lukdcs, em “O jovem Marx", identifica na tese doutoral os germes do que seria o pensamento do autor, na medida em que ja se encontraria ali 0 intento de descobrir e superar as insuficiéncias do hegelianismo. Ja Auguste Cornu, em Del idealismo al materialismo histérico”®, e Mario Rossi, em La génesis de! materialismo histérico”', sustentam, a nosso ver, de forma correta, o cardter idealista da andlise que Marx José Américo Motta Pessanha, “Apresentacao", em Karl Marx, Diferencas entye as filo- sofias da natureza de Demdcrito ¢ Epicuro ($30 Paulo, Global, s/d), p. 13. "Trad. Rita de Cassia Mendes Pereira, Politeia: Histdria e Sociedade, Vitoria da Conquis- ta, Uesb, v. 6, . 1, 2006, p. 15-27; disponivel online. Rio de Janeiro, Civilizagao Brasileira, 2005. © Q jovem Marx e outros escritos de filosofia (Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 2007}. © Buenos Aires, Platina’ Stilcograf, 1965. * Madri, Alberto Corazén, 1971. 15 Apresentacio A edicao brasileira faz do materialismo epicurista. No entanto, enquanto Cornu sublinha © avango que Marx realiza em relagéo aas limites do pensamento especulativo e de seu desdobramento no neo-hegelianismo de es- querda, Rossi assume uma cautela maior na avaliagdo do texto, na medida em que o projeto original se encontra incompleto, o que compromete a elucidagao da posigao do autor frente ao idealismo. Marx parece se mover, a um s6 tempo, em meio & recusa do reco- nhecimento do real como racional (Hegel) e ao questionamento da efetividade da particularidade abstrata em sua relagéo com o mundo (Epicuro). No epicurismo, encontra 0 germe dessa consciéncia que deve ser elevada a juiz do mundo. Porém, critica a forma atomistica que pensa a subjetividade e a objetividade como determinacées abs- tratas uma em relacao 4 outra. Como nao temos a continuidade do estudo da estrutura completa da autoconsciéncia, o que nos resta de elemento para a compreensdo do pensamento do autor e sua relagao com a filosofia hegeliana so os textos imediatamente posteriores a tese, os artigos da Gazeta Renana. Se no tempo de Epicuro rompe-se © liame entre filosofia e politica, de tal forma que o desvio epicurista possa ser transcrito na maxima “Vive ignorado”, em Marx essa con- cepcdo da consciéncia que se retrai ao jardim é apenas germe de uma consciéncia ativa, que vai do jardim ao mundo. Esse movimento se torna mais claro nos artigos para a Gazeta Renana nos quais ele exerce 0 principio presente em sua tese de que “é a critica que mede a exis téncia individual pela esséncia e a realidade especifica pela ideia”””. Esse periodo, que engloba a tese doutoral e os citados artigos, quando Marx convive criticamente com os jovens hegelianos de esquerda, cons- titui seu perfodo juvenil. Para além dele, o autor opera uma inflexdo em seu pensamento que 0 levaré a recolocar as antinomias esséncia-aparén- cia, subjetividade-objetividade, pensamento-mundo, possibilidade real- -possibilidade abstrata, sobre bases teéricas absolutamente distintas. Belo Horizonte, dezembro de 2017 Ver, neste volume, p. 57, 16 DIFERENGA ENTREA FILOSOFTA DA NATUREZA DE DEMOCRITO E A DE EPICURO com um apéndice por Karl Heinrich Marx doutor em filosofia A seu caro e paternal amigo, Conselheiro do Governo, Senhor LUDWIG VON WESTPHALEN, em Trier, o autor dedica estas linhas, em sinal de amor filial. O senhor me perdoe, meu caro ¢ paternal amigo, por apor se nome, que me ¢ to caro, a uma brochura tao irrelevante. Minha impaciéncia é grande demais para aguardar outra oportunidade de Ihe dar uma singela demonstragao de meu aprego. Queria que todos aqueles que pdem em ditvida a ideia tivessem a mesma sorte que eu: a de admirar um anciao dotado de vigor ju- venil, que satida cada progresso deste tempo com 0 entusiasmo ea lucidez da verdade e que, munido daquele idealismo claro como a luz do sol — advindo de uma conviegao profunda, o unico que tem ciéncia da verdadeira palavra, diante do qual comparecem todos 0s espiritos do mundo -, nunca recuou diante das sombras projetadas pelos fantasmas retrogrados, diante do céu toldado pelas nuvens tantas vezes tenebrosas deste tempo, mas sempre vislumbrou atra- vés de todas as dissimulagoes, com energia divina, olhar enérgico e certeiro, o empireo que arde no coracao do mundo. O serthor, mew paternal amigo, sempre foi para mim um vivido argumentum ad oculos [argumento dbvio] de que 0 idealismo nao é coisa da imaginagao, mas a pura verdade. Nao preciso rogar por seu bem-estar fisico. O espirito ¢ o grande médico milagreiro a que o senhor se confiou. A toe Folha de rosto original da tese Diferenica entre a filosofia da nattereza de Deméerito ea de Epicuro — com: wen apéndice. PREFACIO A forma deste tratado teria sido, de um lado, rigorosamente cientifica e, de outro, bem menos pedante em algumas exposicées, se ele nao estivesse originalmente destinado a ser uma tese de doutorado. K Por razées de ordem exterior que, ainda assim, 0 entrego prensa nesta forma. Ademais, acredito ter resolvido um problema até entio insoldvel da histéria da filosofia grega. Quem entende do assunto sabe que ndo existem trabalhos pre- paratorios sobre 0 objeto deste tratado a serem aproveitados. O que Cicero e Plutarco tagarelaram é papagaiado no mesmo tom até hoje. Gassendi*, que livrou Epicuro do interdito que Ihe fora imposto pelos Pais da Igreja e pela Idade Média inteira, dpoca da irracionalidade realizada, oferece apenas um momento interessante em todas as suas exposigdes. Desperdicando esforgos, ele procurou acomodar sua consciéncia catdlica a seu conhecimento pagao e Epicuro a Igreja. Foi omesmo que cobrir 0 corpo esplendoroso de uma Lais grega com um habito de freira crista. Gassendi aprendeu de Epicuro mais filosofia do que poderia nos ensinar sobre a filosofia de Epicuro. Considere-se este tratado como precursor de um escrito maior, em que apresentarei extensamente 0 ciclo da filosofia epicurista, estoica © cética em conexao com a especulacdo grega como um todo, Os defeitos aqui presentes em termos de forma e afins serao suprimidos nesse citado préximo escrito, * Pletre Gassendi, Animadversiones ii decimum librum Diogenis Laerti, qui est ile vita, morious placitisque Epicuri (Lugduni [Lyon], 1649). (N. E. A.) ™ Marx nao chegou a realizar esse plano. (N. B. A.) 21 Karl Marx Em termos globais, Hegel chegou a definir de modo correto 0 ca- rater geral dos sistemas em questao. No entanto, no grande e ousado plano, digno de toda a admiragao, de sua Histéria da filosofia*, que constitui o momento em que se comega a datar a histéria da filoso- fia, foi em parte impossivel entrar em minticias; ao mesmo tempo, sua visio daquilo que ele chamou de especulativo par excellence im- pediu, também em parte, o titanico pensador de identificar nesses sistemas a grande importancia que tém para a historia da filosofia grega e para o espirito grego em geral. Esses sistemas sao a chave para a verdadeira histéria da filosofia grega. Sobre sua conexao com a vida grega, encontra-se uma alusdo mais profunda no escrito de meu amigo Képpen intitulado Frederico, o Grande, e seus adversirios™. Acrescentou-se como apéndice uma critica da polémica de Plutar- co contra a teologia de Epicuro ~ isso foi feito porque essa polémica no constitui assunto isolado, mas é representativa de uma espéce [espécie], ao apresentar de modo muito acertado a relacao entre o entendimento teologizador e a filosofia. Na critica, nao se toca, entre outras coisas, no quanto é erréneo 0 ponto de vista de Plutarco ao arrastar a filosofia ao foro da religiao. Em vez de um arrazoado sobre isso, basta citar uma passagem de David Hume: Trata-se, certamente, de uma espécie de desonra para a filosofia, cuja autori- dade soberana deveria ser universalmente reconhecida, obrigé-laa estar sem- pre pedindo desculpas por stias conclusdes e se justificando perante todas as artes e ciéncias particulares que possam se sentir ofendidas por ela. Isso ‘nos faz pensar emt win rei acusado de alta traigao contra seus proprios siiditos.** * Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Vorlesungen iber die Geschichte der Philosoplie lll (ed. Karl Ludwig Michelet, edigao completa das obras pela Associagao de Amigos do Eternizado, Berlim, 1833, v. 13 e 14; Berlim, 1836, v. 15). Sobre epicurismo, estol- cismo e ceticismo, cf. especialmente v. 14, p. 423-586. (N. E. A.) Carl Friedrich Képpen, Friedrich der Grosse und seine Widersacher (Leipzig, 1840). Képpen dedicou este livro “a seu amigo Karl Heinrich Marx de Trier”. (N. E. A. ‘** Edigdo usada por Marx: David Hume, Uber die menschliche Natur (trad. e comentarios Ludwig Heinrich Jakob), v. 1: [iher den menschlichen Verstand (Halle, 1790), p. 485. (N.E.A.) ed. bras. Tratado da natureza humana (trad. Déborah Danowski, 2. ed., S30 Paulo, Editora Unesp, 2009), p. 282. Grifus de Marx. (N.'T.)}. 22 Diferenca entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro Enquanto pulsar uma gota de sangue em seu coragao absoluta- mente livre, dominador do mundo, a filosofia sempre clamaré a seus opositores as seguintes palavras de Epicuro: *Aoefiig d& Oty, 6 tos THY TOARDY Beods dvaipdv, GAR’ 6 tas TOV TOAMOV d6EaC Deots xpadrTwW. [impio nao é quem elimina os deu- ses aceitos pela maioria, e sim quem aplica aos deuses as opinides da maioria.|* A filosofia nao esconde isso de ninguém. A confissao de Pro- meteu — “Eth hoy, Tos meevtas €x0aiow Oeovg [numa palavra, odeio todos os deuses]’** - é sua propria confissao, seu proprio dito contra todos os deuses celestiais e terrenos que néo reconhecem a autoconsciéncia humana como a divindade suprema. Nao pode haver nenhum outro deus ao lado dela. Porém, as tristonhas lebres de margo*** que se alegram como apa- rente agravamento** da posicao cidada da filosofia, esta responde, reiterando aquilo que Prometeu disse a Hermes, o servical dos deuses: * Didgenes Laércio, De vitis philosophorum, X, 123 [ed. bras.: Vidas e dotitrinas dos filéso- fos ilustres (trad. Mério da Gama Kury, 2. ed., Brasilia, Editora da UnB, 1977), p. 311]. WT) Esquilo, Prometeu acorrentado, verso 975. Em carta a Marx datada de 12 de abril de 1841 (MEGA-2 III/1, p. 357), Bruno Bauer Ihe pede que nio acolha na dissertagao 0 verso de Fisquilo que “transcende o desenvolvimento filoséfico” para nao pér em isco a cadeira docente que ele tinha em vista na Universidade de Bonn. (N. F. A.) ** Alusdo a uma expresso idiomética inglesa da era vitoriana~"louco como uma lebre de marco" ~ que posteriormente foi convertida por Lewis Caroll em personagem de Alice no pais das maravilhas. (N.T.) ‘em Marx evidentemente se refere & discussao em torno da represso sofrida pelos jovens hegelianos por parie do Estado prussiano, que se agravara muito no inicio de 1841. As universidades e © governo se recusaram a nomear os jovens hegelianos Bruno Bauer, David Strau e outros como professores. No mesmo periodo, veto a piiblico que estava em preparacao um decreto do governo para transferir'o local de impres- so dos Hallische Jahrbiicher [Anzis de Halle], porta-voz dos jovens hegelianos, de Leipzig para Halle, a fim de coloca-los sob a censuira do Estado prussiano, Nao sé as instancias oficiais mas até os jornais liberais se posicionaram contra os jovens hege- lianos. Além disso, é de se supor que Marx se refira também aos velhos hegelianos, que assumiram postura neutta em relagdo a repressao dos jovens. (N. E. A.) 23 Karl Marx Tis fig Aatosiag tiv guy Svorpag lov oadds éxlotac’, ob dv GAdEauy’ Ey. Kpetooov yup ola Tide AatpEter zETPE, ii marl piven Zavi meatdy teyyelov. [Por tua serviddo minha desventura eu com toda certeza jamais trocaria. Acho bem melhor ser escravo daquela pedra, do que a Zeus pai servir de fiel mensageiro.]* Prometeu é 0 mais ilustre entre santos e martires do calendério filosGfico. Berlim, marco de 1841 * Esquilo, Prometen acorrerstada, versos 966-9, (N. B. A.) 24 PREFACIO* O tratado que aqui torno puiblico é um trabalho antigo e deveria encontrar lugar em uma exposigao geral das filosofias epicurista, estoica e cética, em cuja execugao nao posso pensar no momento devido a ocupacées politicas ¢ filoséficas de natureza bem diferente. $6 agora chegou a época em que sera possivel entender os sistemas dos epicuristas, dos estoicos e dos céticos. Trata-se das filosofias da autoconsciéncia. Estas linhas deixarao claro, no minimo, que pouca coisa dessa tarefa foi concluida até aqui. * Este fragmento de um novo prefacio é um indicio de que Marx teve a intengao de publicar a tese algum tempo depois de obter o titulo de doutor, talvez.jé no periodo em que se mudou de Berlim pata Bonn, depois de julho de 1841. O prefécio datado de margo de 1841 mostra que Marx jé fez uma versdo para impress durante a confeccio da tese ou antes de receber o titulo, mas, por razdes que se desconhecem, nao chegou a publicé-la. (NT) 25 ra pase i UIC LEPTERARU UNIVEnSIrAT FERDINANDO I CAROLO FRIDERICO RICO BACHMANNO as PUILOSOPNORUM CAROLO HENRICO maRXx Diploma de doutorado de Kar! Marx, PRIMEIRA PARTE Diferenga entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro em termos gerais I Objeto do tratado Parece suceder a filosofia grega 0 que nao deve suceder a uma boa tragédia: ter um fim insosso. Com Aristoteles, 0 Alexandre maced6- nio da filosofia grega, parece cessar a histéria objetiva da filosofia na Grécia, e nem mesmo os viris estoicos conseguiram fazer 0 que os espartanos lograram em seus templos: acorrentar Atena a Hercules para que ela nao fugisse dali. Epicuristas, estoicos e céticos so encarados como um suplemento quase inconveniente, totalmente desproporcional a suas formidaveis premissas*. A filosofia epicurista seria um agregado sincretista com- posto de fisica democritica e moral cirenaica; 0 estoicismo, uma fusao 4 Bpicuristas, estoics e céticas tomaram como ponto de partida concepsoes filoséticas mais antigas — a saber, as filosofias da natureza de Heraclito, Parménides e Demé- crito ea ética de cirenaicos e cinicos. Pouco se referiram aos sistemas imedialamente anteriores de Platdo e Aristoteles e, quando o fizeram, foi em tom critico. Por essa razio, a histdria da filosofia anterior e posterior a Hegel encarou essas tres tendéncias filosoficas antigas como ccleticismo ¢ retrocesso no desenvolvimento da filosofia. Hegel, em contraposico, expés tais sistemas como estigio essencial na evolucao da historia da filosofia. Apds a publicacdo de suas Prelesdes sobre a histéria da flosofia, isso levou historiadores influentes da filosofia a polemizar com ele. E de se supor que Marx se tenha ocupado com esses criticos, principalmente com as concepgoes de Heinrich Ritter e Christian August Brandis, que, influentes alunos de Friedrich Schleiermacher, estavam publicando seu legado. Eles difundiram uma visto idealis- ta de cunho religioso do epicurismo e do ceticismo, que, na condicao de “seitas", representariam uma “degeneracao" da filosofia, ¢ o ponto de partida em concepgoes anteriores As de Aristételes foi avaliado como restauragdo de resquicios de uma “formagio inferior”. Epicuro é visio como filésofo da fruico sensual, e 0 teor de verdade da filosofia epicurista é questionado em termos gerais (ver Ritter, Geschichte der Philosephie alter Zeit (Hamburgo, [F. Perthes,] 1837), v.3, p. 427, 436 ¢ 727; Brandis, Handbuch der Geschichte der griechiscit-rdmischen Philosophie (Berlim, [G. Reimer,] 1835), p.35¢ 51; Schleiermacher, Geschichte der Philosophie (ed. Ritter, Berlim, 1839), p. 17-9 e1277.(N.EA) 29 Karl Marx de especulagio heraclitica sobre a natureza, de cosmoviséo moral cinica ¢ talvez também de ldgica aristotélica; e, por fim, o ceticismo, omal necessario com que se defrontaram esses dogmatismos. Assim, essas filosofias sao inconscientemente associadas a filosofia alexandri- na, © que as converte em mero ecleticismo unilateral e tendencioso. A filosofia alexandrina*, por fim, é vista como sentimentalismo e desconcerto totais — uma confusdo em que se poderia aceitar, quando muito, a universalidade da intencao. Ora, trata-se de uma verdade bem trivial: originar-se, florescer e fenecer constituem um ciclo brénzeo, ao qual tudo o que é humano estd fadado e que se deve percorrer. Assim, nada haveria de notavel se afilosofia grega tivesse murchado depois de atingir seu florescimento maximo em Aristoteles. Ocorre que a morte dos heréis se assemelha ao pér do Sol, e nao ao estouro de uma ra que inflou demais. E mais: originar-se, florescer e fenecer so representacées bem gerais, bastante vagas, nas quais tudo pode ser enquadrado e com as quais, no entanto, nada se compreende. O préprio fenecimento ja esta pré-formado no que vive; sua forma deveria, por conseguinte, ser captada na mesma peculiaridade especifica com que se capta a forma da vida. Por fim, se langarmos um olhar para a historia, epicurismo, estoi- cismo e ceticismo sao mesmo fenédmenos particulares? Nao sao os arquétipos do espirito romano, a forma em que a Grécia migrou para Roma**? Nao é sua esséncia tao plena de carater, intensa e eterna que © proprio mundo moderno foi obrigado a thes conceder cidadania intelectual plena? Ressalto isso apenas para trazer & membria a importancia histérica desses sistemas; aqui, porém, nao se trata de seu significado universal para a formacao de modo geral, mas de sua conex4o com a filosofia grega mais antiga. Expresso com que Marx e também Hegel se referem ao neoplatonismo. (N. E. A.) Essa concep¢2o foi formulada por Hegel, Vorlesungen ilber die Geschichte der Philosoplnie Hill, ct, v.14, p. 426 ¢ 429, (N.E. A.) 30 Diferengn entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro Quanto a essa situagdo, nao deveria ter instigado a investigagao vera filosofia grega terminar em dois grupos diferentes de sistemas ecléticos, um dos quais constitui o ciclo da filosofia epicurista, estoica ecética e 0 outro é reunido sob o nome de especulagao alexandrina? Além disso, nao é um fenémeno no minimo curioso que, tempos depois das filosofias platénica e aristotélica que se expandiram rumo a totalidade, tenham emergido novos sistemas que nao se basearam nessas ricas formas de pensamento, mas, com um olhar retrospec- tivo, voltaram-se para as escolas mais simples — para os fildsofos da natureza no tocante a fisica, para a escola socratica no tocante a ética? Ademais, por que razdo os sistemas que surgiram depois de Aristdteles encontraram seus fundamentos praticamente prontos no passado? Por que Demacrito se associa com os cirenaicos, e He- raclito, com os cinicos? Sera por acaso que, em epicuristas, estoicos e céticos, esto representados de modo completo todos os aspectos da autoconsciéncia, sé que cada um como uma existéncia especifica? Sera por acaso que esses s istemas, em conjunto, formam a construgao completa da autoconsciéncia? Por fim, 0 carater com que a filosofia grega inicia miticamente nos sete sdbios* e o modo como se encarna em um centro, em Socrates, que é seu demiurgo, quer dizer, o cardter do sdbio — do copéc -, seria mesmo afirmado apenas casualmente naqueles sistemas como a realidade da verdadeira ciéncia? Parece-me que, ao passo que os sistemas mais antigos sio mais sig- nificativos e mais interessantes pelo contetido, 0s pés-aristotdlicos —so- bretudo o ciclo das escolas epicurista, estoica e cética— 0 sao pela forma subjetiva, pelo carter da filosofia grega. $6 que, até agora, justamente a forma subjetiva, suporte cspiritual dos sistemas filoséficos, foi quase totalmente esquecida em fungao de suas determinagées metafisicas. Reservo para uma andlise mais detalhada o projeto de expor as filosofias epicurista, estoica e cética em sua totalidade e em toda a sua relago com a especulacao grega mais antiga e posterior. * Ognupo dos sete sshios era formado por Tales de Mileto, Pitaco de Mitilene, Bias de Priene e Solon de Atenas, além de Quilon de Esparta, Periandro de Corinto e Cles- bulo de Rodos. (N. EA.) 31 Karl Marx Aqui basta explicitar essa relagdo com base em um exemplo - e isso inclusive apenas quanto a um aspecto, o da relacéo com a espe- culagao mais antiga. Escolhi como exemplo a relacao entre a filosofia da natureza* de Demoécrito ea de Epicuro, Nao acredito que se trate do ponto de partida mais cémodo, pois, por um lado, ¢ preconceito antigo e arraigado identificar a fisica democritica com a fisica epicurista, de modo a ver as mutagdes de Epicuro apenas como ideias que Ihe ocorreram arbitrariamente; por outro lado, no nivel do detalhe, sou forgado a abordar aparentes micrologias. E, por ser o referido preconceito tao antigo quanto a historia da filosofia, por serem as diferengas tao escondidas que praticamente so se revelam ao microscépio, tanto mais importante sera demonstrar uma diferenca essencial, que chega & minticia, entre a fisica democritica e a epicurista, apesar de sua in- terconexao. O que se pode demonstrar no detalhe é ainda mais facil de apresentar quando as relagées so apreendidas em dimensées maiores; inversamente, andlises muito gerais p6em em duvida se o resultado se confirmara no detalhe. * A filosofia da natureza (fisica) 6a disciplina historicamente mais antiga da filosofia grega. Ela surgiu no século VI antes cesta era, nas cidades gregas economicamente fortalecidas da regiao costeira da Asia Menor. Seus representantes mais destacados (ales, Anaximenes, Anaximand:o) romperam com a cosmovisao mitica tradicional Oséculo V presenciou 0 florescimento da ordem escravista da Antiguidade. Nessa época, surgiua filosofia da natureza de Leucipo seu aluno Demécrito. Este colocou no centro de sua filosofia da natureza a teoria dos étomos. Essa doutrina materialis- ta proclamou a similaridade fundamental e a equivaléncia completa de todos os componentes do cosmo, explicando o mundo a partir de si mesmo, e excluiu a inter- feréncia de um ser superior. O movimento dos dtomos geraria todos os fendmenos do mundo e obedeceria tao somente av principio de causa ¢ efeito. Leucipo e Demé- crito sustentavam, portanto, um determinismo rigoroso. Deméerito nao se tornou fundador de uma escola, e sua teoria parecia ter sido definitivamente refutada pelos argumentos de Aristételes. Depois deste, Epicuto recorreu a Letcipo ¢ Demécrito e separou a filosofia da natureza da ciéncia natural empitica, subordinando a form lacio filoséfico-natural a seu problema principal, que era obter a felicidade do indi- viduo a partir do conhecimento da natureza do ser humano e de sua posicag no proceso natural global. A concepc3o da declinacao dos dtomos foi uma critica a0 determinismo unilateral de Demécrito. Ela servi em primeira linha & fundamenta- do natural da liberdade da vontade e, simultaneamente, introduziu um fator dialé- tico na concepsao materialista da natureza. (N. E. A.) 32 Il Pareceres sobre a relac4o entre a fisica de Democrito e a de Epicuro Minha opiniao geral sobre as opinides mais antigas saltara aos olhos ao passar em revista por alto os juizos dos antigos sobre a relagao entre a fisica democritica e a fisica epicurista. Posidénio, o Estoico, Nicolau e Sétion acusam Epicuro de ter se apropriado da autoria da teoria democritica dos 4tomos e da teoria do prazer de Aristipo'. O académico Cota pergunta em Cicero: “O que haveria na fisica de Epicuro que nao pertence a Demécrito? Algumas coisas ele até modifica, mas de modo geral diz as mesmas coisas”?, Assim, 0 proprio Cicero diz: “Na fisica, da qual Epicuro mais se gloria, ele 6 um estranho completo. A maior parte pertence a Demiécrito; no que se desvia deste, no que quer melhorar, ele estraga © piora’®. Embora Epicuro seja acusado por muitos de ter proferido Didgenes Laércio, cit, X, 4: “AARtLkal ob xepi Toaeidéviov tov Exaiikoy kal NikoAOS tal Solow [...] Te d8 Anuorptrou xepl éetdoov kal Apiotixaov meph doviig, ds Va déyew CExixovpov)” [“Mas também os adeptos de Posidénio, o Estoico, bem como Nicolau e Sotion [o difamaram, dizendo’] Ele (Epicuro) dizia serem suas a teoria de Demécrito sobre os dtomos e a de Aristipo sobre o prazer”) Cicero, De natura deorut: libri IIL, 1, 26: "Quid est in physicis Epicuri non a Democrito? Nant etsi quaedam commutacvit (...] tanten plerague dicit eadem” ["O que hana fisica de Epicuro que nao provém de Demédcrito? Pois, mesmo que tenha modificao algo, [...] em geral ele diz a mesma coisa”] 8 Idem, De finibus bonorum et malorin libri V, 1, 6: “Ita, quae mutat, ea corrumpit; quae se- quitur, sunt toa Democriti” [“Assim, ele distorce o que modifica; as teorias que adota 880 todas de Demécrito”]. Idem: “...] in physicis, quibus maxime gloriatur, primum totus est alienus. Democrito adjicit, perpauca mutans, sed ita, ui ea, quae corrigere vult, mihi quidem depravare videatur [...1 in quibus sequitur Democritusn, non fere labitur” {"|...] na fisica, onde mais se gloria, ele é, primeiro, wt estranho completo. Ele se orienta por De- mécrito, mudando pouca coisa, mas 0 faz de tal modo que, a meu ver, relurpa 0 que pretende corrigir[...], nes pantos em que segue Demécrito no comete erros”, 33 Karl Marx insultos contra Demécrito, em contrapartida, Leonteu afirma, segun- do Plutarco, que ele teria honrado Demécrito por este ter professado antes a verdadeira doutrina, por ter descoberto antes os principios da natureza*, No escrito De placitis philosophorum [Sobre as opinides dos filésofos], Epicuro é descrito como alguém que pratica a filoso- fia segundo Demécrito®. Plutarco vai ainda mais longe em Adversus Colotem [Contra Colotes]. Depois de comparar Epicuro na sequéncia com Demécrito, Empédocles, Parménides, Platao, Socrates, Estilpo, os cirenaicos e os académicos, ele procura extrair 0 resultado: “Epicuro se apropriou do que é falso em toda a filosofia grega e nao entendeu o que é verdadeiro”*. O tratado De co, quod secundum Epictirum nor beate vivi possit [Sobre Epicuro ter dito que nao se pode ter uma vida feliz}* est eivado de insinuacdes hostis similares. Essa opiniao desfavoravel emitida pelos autores mais antigos nao se modifica nos pais da Igreja. Cito em nota apenas uma passagem de Clemente Alexandrino’, um pai da Igreja que merece ser men- cionado preferencialmente em relagao a Epicuro, porque reformula a adverténcia do apéstolo Paulo contra a filosofia em geral como adverténcia contra a filosofia epicurista, que como tal nao teria fan- tasiado nem mesmo sobre providéncia e coisas desse tipo®. O autor + Phutarco, Adversus Colotem liber (ed. Xylander), p. 1.108: “Acovtedc [...] TyoBal yor Tov ANHAKPITOV id ExLEOGpOV 8141) xpSteooV CajeroOar tig Spbig yrebacing [...] Dua 28 mepiaeariv caitay mpdtepov tals doyats mepi dplaee,” [“Leonteu [...] diz que De- mécrito é apreciado por Epicuro por ‘er chegado antes dele ao conhecimente correto [..-] por ter alcangado primeiro os principios da natureza"}. CE. ibidem, p. 1.111. [Idem] De placitis philosophorum libri V, p.235 (ed. Tauchnitz): "Exixovpos, Neorhéous, ‘APqvalog, rate AMuSKPLTOY HLAOG9raag” ["Epicuro, filho de Neocleo, ateniense, seguiu a filosofia de Deméctito”}. © Idem, Adversus Colotemt, p. 1111-2, 1.114-5, 1.117, 1.119-20 ¢ seg. * Idem, Commentarius Ne suaviter quidem vivi posse secundum Epicuri decreta, docens. (N.E.A) Clemente de Alexandria, Stromatum libri VILL fem Opera graece et lutine quae extant], v. VL, p. 629 (ed. Coloniae, 1688): “ARLI kal "Extkoupos wape Anuoxpirow tit aponyodpeva soxeudonrat dSynera”. ["Mas também Epicuro roubou de Demécrito as principais doutrinas."] 5 Thidem, p. 295: “Bhéete ob, uri tig Lora {yds [6] ovhayayidy dud THis drhocopias ral ceviie deretng, kare TV napddoow Tay avOpdrony, Katét Te oTOKZEL TAD KOOROL, 34 Diferenca entre a filosofia da natureza de Demécrito e a de Epicuro que mais chamativamente mostra quanto estava propenso a atribuir plagios a Epicuro é Sexto Empirico, que pretende imprimir a algumas passagens totalmente descabidas de Homero e Epicarmo 0 carimbo de fontes principais da filosofia epicurista’. E de conhecimento geral que os autores mais recentes, em conjun- to, igualmente convertem Epicuro, enquanto fildsofo da natureza, em mero plagiador de Demécrito. O juizo desses seja representado aqui, em termos gerais, por um dito de Leibniz: “Nous ne savons presque de ce grand hamme (Démocrite) que ce qu’Epicure en a emprunté, qui n’etait pas capable d’en prendre toujours le meilleur" (“Nao sabemos desse grande homem (Demécrito) praticamente nada além do que tomou rab od Kate Xpiotdv” [Colossenses 2,8]. “rhooodlav uty ob aacay, iki Ty “Emcoupetoy, ig ral uduvyten ev tuis apaeow tay Anootéiew 4 IaiAog, Stapdddov apdvouy dvaipodoay, Kall el 61 tis Gdn [ta] ovometa Evrecipneey, Hh éeuorrjaaca Thy courtuty aitley tobtOLs {INDE EpavtdoON TOY SnLovpydy". [“Estejam atentos para que nao venha alguém vos arrebatar com filosofia ¢ artimanhas vazias, confor- me a tradicao humana, conforme os elementos do mundo, ¢ nao segundo Cristo” [Biblia, Novo Testamento, Colossenses 2,8]. “Nao € toda filosofia que Paulo rejeita, mas {0 somente a epicurista, que ele também menciona nos Atos dos Apdstolos [Biblia, Novo Testamento, Atos dos Apéstolos 17,18], porque suprime a providéncia, qualquer outra filosofia que, em vez. de colocar a causa criadora acima dos elemen- tos, presta honra a eles e nao faz.ideia do criador.”] Sexto Empirico, Adversus mathematices[, em Opera quae extant, p. 54] (ed. Coloniae Allobrogum [Genebra], 1621): “O 88 "Extcoupos bospairat tée kpdtiota THY SoyRAtOY Taps ROUNTOY AvypxUKLAs: Tov dE yUp Spov tod weyEOOUs TOV Povey, ti Hf caved tort Tod dhyotvtog imekalpents, & évds orizou dédeurtan hapa aatttip éxel adorog kal edn thos & Eoov Evto. Tov d8 Odvarov, 611 ofdéy Eat APOS Tas, Extaouos abt roosenttvurcy, elmby écrolavety j tevaven, off por duaupépeL. “Qc atts dé Kal Ta vEXp’r TOV GORETOV dvaLoBnreiy, Nap’ ‘Opiipow nEKhode ypdcpovtos kai yap 51) yalay deuciger pevectivery”. (’No entanto, Epicuro comprovadamente roubou suas melhores teorias de poetas; pois a sentenca de que o limite da intensidade dos prazeres ¢ a eliminago de tudo 0 que causa dor foi tirada por ele, como foi mostrado, do seguiinte verso: ‘Porém, depois que o desejo de comer e beber fora saciaco’ [Homero, Iliad, I, 469]. Ea sentenca de que a morte ndo nos diz respeito foi-lhe inspirada por Epicarmo, que diz: ‘Morrer ou estar morto me 6 indiferente’. Do mesmo modo, a sentenca de que os mortos nao sentem nada foi roubada por ele de Homero, que diz: 'Pois enfurecido maltrata a terra impassivel’ [Homero, Iliada, XXIV, 54.” 35

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